Este “Cinegnose” já vem há algum tempo argumentando que a Comunicação-Propaganda é um beco sem saída para o Governo – não é à toa que é incentivada pela própria grande mídia: a necessidade de Lula ter uma comunicação institucional, profissional, competente, neutra etc. A alternativa a esse equívoco seria a Comunicação-Acontecimento: jogar no mesmo campo simbólico da extrema-direita. Só que com sinais invertidos. E não é que parece (pelo menos, parece) que estão ouvindo a este humilde blogueiro! Uma notícia (“De Dr. Dráuzio Varela a Raí, esquerda cogita ‘outsiders’ para o governo de SP nas eleições 2026”) e um artigo (“Como tirar o irmão de Lula das manchetes”, por Moisés Mendes, sugerem que, lentamente, começa a cair a ficha no campo progressista. De um lado, a necessidade da aplicação do storytelling no marketing político. E do outro, a expressão desesperada da necessidade de a esquerda romper com a hegemonia da pauta noticiosa e da agenda política da mídia corporativa.
Parece (e apenas parece) que está
começando a cair a ficha da esquerda sobre as questões que envolvem o campo da
Comunicação. Será que estão ouvindo e lendo as críticas desse humilde blogueiro
feitas nas lives e nesse Cinegnose?
Dois artigos, “De Dr. Dráuzio
Varela a Raí, esquerda cogita ‘outsiders’ para o governo de SP nas eleições 2026”
(clique aqui) e “Como
tirar o irmão de Lula das manchetes”, por Moisés Mendes (clique aqui),
repercutem as críticas que este Cinegnose vem fazendo contra a
estratégia de comunicação do Governo Lula e sobre a concepção “conteudista” (a
doença infantil da comunicação) da esquerda em geral.
A primeira matéria dá a notícia de
que, com as eleições de 2026 no horizonte no qual a direita paulista já se
movimenta em torno de dois cenários (a tentativa de reeleição do governador
Tarcísio de Freitas ou sua possível candidatura à Presidência da República), a
esquerda vê como nome mais viável o do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
No entanto, ele demonstra inclinação em manter a dobradinha com o presidente
Lula (PT) na tentativa de reeleição nacional. Sem Alckmin no páreo estadual,
nomes como Fernando Haddad, Alexandre Padilha, Márcio França e Guilherme Boulos
são lembrados, embora nenhum deles desponte com força nas intenções de voto.
O que abre espaço para “especulações
sobre possíveis candidaturas de novatos no jogo político, como o médico Drauzio
Varella e o ex-jogador Raí.
A matéria cita o analista político
Paulo Niccoli Ramirez:
Um dos trunfos da direita tem sido a ocupação constante dos espaços digitais, conquistando visibilidade mesmo fora dos períodos eleitorais. Já os adversários progressistas seguem mais concentrados nos ritos tradicionais da política, o que limita sua projeção pública.
Enquanto isso, o articulista Moisés
Mendes descreve como “O irmão de Lula é a pessoa mais citada em todas as
manchetes (mais até do que Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, o
chefe da quadrilha dos descontos ilegais), desde que descobriram que Chico é
dirigente do Sindnapi. E mesmo que nada exista de concreto contra ele, porque
nem investigado é”.
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Mendes expressa a impotência da
esquerda diante dessa pauta imposta pela grande mídia:
O problema é que, para tirar o irmão de Lula das manchetes, não adianta encontrar um similar da extrema direita que possa dividir as chamadas nos jornalões. Não resolve encontrar um irmão de Bolsonaro. Não adianta nada. (...) Um irmão de Bolsonaro, sem a fama de Frei Chico como militante sindical e comunista, não vale manchete. Nem os nomes dos irmãos do sujeito, citados como donos de imóveis comprados com pacotes de dinheiro da família, foram mencionados.
O desespero do articulista chega à
questão central da questão da comunicação política: o controle da pauta e
agenda noticiosa nacional. E sugere, ad extremum, um cenário:
Chico só poderá sair das manchetes se algo mais espetacular aparecer nos próximos dias (grifo meu), e somente será espetacular, pelo ponto de vista dos jornalões e da direita, se for contra Lula. (...) Defender-se é pouco. Há o que fazer? Numa situação normal, haveria. Mas já não há normalidade nem dentro das UTIs.
Outsiders e Storytelling
Pois bem, a matéria sobre a
especulação da esquerda procurar “outsiders” para a eleição de 2026 vai de
encontro a duas insistências desse Cinegnose: a esquerda precisa de loucos e
que também precisa jogar no mesmo campo simbólico da extrema-direita.
Porém, com os sinais trocados. Ou seja, investir eleitoralmente no campo do storytelling
político. Esquecendo “dos ritos tradicionais da política, que limitam a
projeção pública”, como pondera Paulo Niccoli Ramirez.
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O que há em comum entre os “loucos”
da extrema-direita bem-sucedidos eleitoralmente, como Netanyahu, Trump,
Bolsonaro e Milei? Não faz muito tempo, se disséssemos que um candidato que
cita versículos bíblicos para justificar um genocídio, ou outro que demitia
candidatos em um reality show na TV, ou ainda aquele que se saiu do anonimato
do Congresso através de programas de humor na TV; ou um candidato que pedia
conselhos políticos por via mediúnica para o espírito de um cachorro, se
disséssemos que todos eles tinham chances reais de vencer uma eleição, diríamos
que louco somos nós.
Pois bem, o novo ethos da
política, ajudado pelas Big Techs (redes sociais e algoritmos são inerentes à
extrema-direita – o ódio engaja mais do que qualquer coisa) é o aprofundamento
da fusão entre realidade e ficção: a canastrice política.
Eles se tornaram críveis,
verossímeis ou pertinentes na percepção do público porque canastrões, ou seja,
porque emulam personagens ficcionais da TV, cinema e audiovisual.
Paradoxalmente, tornam-se reais a partir da referência ficcional. O jornalismo corporativo faz o restante do
trabalho: são normalizados e passam a ser tratados como “players” no jogo
democrático. Certamente porque todos eles são crias da própria mídia, e não
personagens sancionados por convenções partidárias.
Por que não um Raí ou Drauzio Varela?
Imagine as storytellings que poderiam ser criadas a partir de suas
trajetórias? O jogador de futebol com sex-appeal que foi jogar na França e
tornou-se intelectual engajado... ou o médico que trata os problemas da
política como patologias que pretende curar.
Claro que eles negaram o convite,
mas só o fato de uma matéria em um blog progressista ter sugerido essa tese de
que a esquerda precisa atuar no mesmo campo simbólico da extrema-direita (a
deliberada criação de “outsiders”), já é um começo auspicioso.
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Comunicação-Acontecimento contra Grande Mídia
Como também o desespero do
articulista Moisés Mendes talvez seja um outro bom começo da ficha começar a
cair no campo progressista.
Sabemos que o escândalo do INSS
ganhou as manchetes da grande mídia (depois de mais um amadorismo do Governo
que não monitora as operações sensíveis da Polícia Federal, que devem ser
anunciadas ou antecipadas pelo próprio presidente – ao contrário, Lula foi pego
de surpresa e às pressas teve que organizar coletivas à imprensa para comunicar
um plano de ressarcimento aos aposentados no afogadilho ) foi fruto de esquema
para lesar aposentados iniciada no governo Temer e turbinada na era Bolsonaro.
E toda a rebordosa midiática tem
dois objetivos claros: primeiro, desgastar o governo Lula, às vésperas das
eleições, com o fantasma do impeachment e motivar a volta da extrema-direita
pós 8/1. E, segundo, tirar o PDT da base de apoio político ao Governo para
ressuscitar o morto-vivo Ciro Gomes – mas ainda útil para dividir votos
progressistas.
Claro que a iguaria desse banquete
semiótico era o irmão de Lula, com manchetes do tipo “CPI DOS APOSENTADOS MIRA
IRMÃO DE LULA EM ESCÂNDALO DO INSS”. Grande mídia, acompanhado pelos perfis de extrema-direita,
deu que o Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos),
que tem como vice-presidente Frei Chico, irmão de Lula, estaria na lista de 12
entidades investigadas por suspeitas de terem envolvimento no esquema de
descontos ilegais em folha de pagamento de aposentados e pensionistas, que
teria desviado até R$ 6 bilhões.
Só que na Lista publicada pelo Diário Oficial da União, nesta segunda-feira, 5, de entidades investigadas, não consta o Sindnapi – clique aqui. Grande mídia não fez nenhum desmentido porque sabe ter alcançado seu objetivo, como sempre: dar munição para a extrema-direita.
Mesmo que Lula anuncie em coletiva
para a imprensa ou algum jornalista investigativo da mídia alternativa encontre
as digitais de familiares de Bolsonaro no escândalo, não vai tirar o irmão de
Lula das manchetes! Como Moisés Mendes sugere no artigo, porque a grande mídia tem
a hegemonia e controle da pauta noticiosa e da agenda política.
Para romper com isso, o Governo
Lula e a esquerda apostam todas as fichas na propaganda e no marketing
profissional. Tanto que colocou na Secom um publicitário, o secretário Sidônio
Palmeira.
Nenhuma peça de propaganda estética
ou mercadologicamente perfeita, profissional ou corporativa segundo os ditames
de competência técnica da área, tem o poder, de per si, de ganhar espaço na
pauta da grande mídia. Só porque é bonita, com excelente retórica, inspiradora,
comovente, verdadeira, impactantes etc.
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Sidônio Palmeira: luzes, câmera, ação! |
A resposta, o próprio articulista
Moisés Mendes deu, embora não tenha percebido: “Chico só poderá sair das
manchetes se algo mais espetacular aparecer nos próximos dias”. A condição
seria a de ser “espetacular pelo ponto de vista dos jornalões”.
Ora, o artigo vai ao encontro
daquilo que este Cinegnose define como Comunicação-Acontecimento, em
contraponto à Comunicação-Propaganda.
Comunicação não é transmissão de
uma informação. Comunicação passa pela
capacidade de gerar acontecimentos para se contrapor a outros acontecimentos
continuamente produzidos na usina de crises autorrealizáveis da grande mídia
A comunicação alt-right é
expert nessa estratégia que denominamos como “alopragem política” - estratégia
de criação de factoides, pseudo-eventos ou não-acontecimentos que criam aquele
efeito de espuma midiática – muito próximo a outro conceito, o “efeito
Firehose”: a criação de uma espiral interpretativa até o momento em que a
diferença entre verdade e mentira desaparece. Para tudo permanecer na função
performática: o barulho criado, a confusão, o escândalo etc. – clique
aqui.
Bolsonaro governou (?) quatro anos
aloprando politicamente, gerando crises contínuas, polêmicas semanais,
monopolizando a pauta midiática – como faz até hoje, mesmo inelegível e sem
cargo.
A estratégia de Comunicação do
Governo deveria também atuar nesse mesmo campo simbólico: colocar Lula ao vivo
(a dramaticidade do ao vivo é fundamental) sempre em tom de exortação. Um deles
deveria ser a defesa da Previdência Social diante do escândalo do INSS na sua
fala de Primeiro de Maio – e não em tom corporativo, como fosse mais um assunto
abordado de passagem.
Por que não também aloprar
politicamente, como faz a extrema-direita: fabricar, simular crises ou criar
dificuldades para vender facilidades?
Inventar suas próprias crises
internas: Executivo com ministros, entre ministros, denúncias relâmpagos sobre
atentados, ameaça à vida de alguém do Governo. Por que não, contra a própria
presidência? Fazer denúncias e denúncias, operações em cima de operações da PF
com aqueles nomes fantásticos criado em brainstormings!
Atrair a grande mídia, como se
cheirasse mais uma crise oportunista. Não deixar as “colonistas” do jornalismo
corporativo em paz. Para em seguida, o Governo apresentar rapidamente a
solução.
Infelizmente, para tudo isso acontecer
exigiria duas predisposições que, acredito, esse Governo não tem ou nem se
interessa a ter:
a)
Disposição de confronto. Pelo contrário, esse
Governo prefere criar uma coalizão repleta de políticos suspeitos, tornando-se refém
das agendas do Centrão – o parlamentarismo orçamentário. Por isso prefere
adotar a Comunicação-Propaganda: neutra, institucional, corporativa.
b)
Ter a mesma disposição da comunicação da
extrema-direita: aloprar politicamente, criar caos com método. Também, pelo
contrário, temos um Governo que adota o tom institucional (republicanismo) na
sua propaganda como se quisesse sempre dizer: “não se preocupem, está tudo bem!
Não há nada de ruim para se ver aqui!”. Ou “vejam como somos republicanos e
democratas!”.
A esquerda parece ainda acreditar que, apesar de tudo o que se
passou desde o Mensalão, se for bem comportadinha e sem radicalismos, ganhará
um lugar especial na poltrona junto à janela do avião. Ou um espaço em algum
jornalão para publicar um bonito artigo sobre como as virtudes da Democracia e
o fim das ameaças anti-democráticas graças ao STF.
Apenas que o avião já está dando alertas de "mayday"...