Bolsonaro, o aventureiro que quer humilhar as Forças Armadas, quis embolsar, sem pagar imposto, um presente com joias no valor de milhões de reais dado ao presidente-aventureiro pela Arábia Saudita. O jornalismo corporativo suspeita de que o presente na verdade poderia ser uma “comissão” por alguma coisa, mas parece não muito motivada para investigar essa pauta. Mas mostra-se muito mais motivada em anunciar que o governo “já perdeu” na terra arrasada do Congresso. Em desespero, Lula marcou um jantar com Arthur Lira para reverter a derrota certa. Bem-vindo à realidade paralela do jornalismo corporativo, zelosa em blindar um dos seus ativos (o Partido Militar), queimar o fusível Bolsonaro e dar pernas a não-notícias para criar as profecias autorrealizáveis do “já perdeu” e da ingovernabilidade.
Em uma carta datada de 1789, o polímata Benjamin Franklin escreveu: “Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”.
O gangster Al Capone foi um testemunho histórico dessa fatalidade – não parou atrás das grades pela sua falta de escrúpulos, por comandar o sindicato do crime e controlar bordéis, casas de apostas, casas de jogos, clubes noturnos, destilarias e cervejarias sob rajadas de metralhadora, corrupção e crimes violentos. Foi preso por sonegação de impostos.
O episódio da tentativa do Governo Bolsonaro ter tentado trazer de forma ilegal joias avaliadas em R$ 16,5 milhões parece confirmar esse aforismo de Benjamin Franklin. As joias foram apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos quando um militar assessor do então ministro das Minas e Energia Bento Albuquerque tentava passar com uma mochila com as joias como nada a declarar.
Por diversas vezes o ministro tentou liberar as peças apreendidas alegando que se tratava de “presentes” do governo da Arábia Saudita à esposa do presidente, Michelle Bolsonaro. Porém, a Receita manteve a apreensão por não estar de acordo com a lei – mercadorias adquiridas no exterior com valor superior a mil dólares devem ser declarados e pagar um imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto.
A única alternativa para a entrada legal das joias, sem pagamento de impostos, seria por meio de uma declaração de que as peças se tratava de presentes oficiais ao Estado brasileiro. Portanto, passariam a ser propriedade do Estado.
Para além da inverossimilhança da justificativa do ministro e emissários militares (o elevado valor do “presente”, inusual em se tratando de visitas de chefes de Estado – sem falar que habitualmente presente ofertados a signatários visitantes sempre têm a ver com a cultura do próprio país visitado, e não, no caso, joias Chopard, marca suíça envolvida com escândalo de “mulas” que tentaram driblar aduanas na França – clique aqui), o que também chama a atenção é o malabarismo retórico como a grande mídia está tratando o escândalo.
Primeiro lugar, a maneira como manchetes e leads das matérias do jornalismo corporativo imediatamente assimilou a ideia do “presente” – se o “presente” não conseguiu passar pela aduana de Guarulhos, parece que na mídia corporativa passou muito mais fácil.
“Ao ficar com presentes, Bolsonaro comete peculato” (Metrópoles); “Joias para Michelle Bolsonaro: veja diferenças entre presentes pessoais e para o Estado brasileiro” (O Globo). Até aqui, o “frame” dominante é que se trata de “presentes” e que Bolsonaro pode ter incorrido em crime de peculato.
Presentes?
Mas... um momento! Quem disse que são presentes? (claro, além dos envolvidos no crime e que buscam tergiversar). A Embaixada da Arábia Saudita silenciou: diz que aguarda posicionamento do governo saudita. Que, por sua vez, mantém silêncio até agora – e parece que nem a intrépida imprensa investigativa está interessada nisso.
Simplesmente engoliu a ideia de que tudo não passa de “presentes” mal encaminhados.
Enquanto isso, o site Money Times tenta passar pano em tudo, afirmando que o presente para Michelle foi até “barato” diante de joias da marca suíça que podem chegar a R$ 93 milhões – clique aqui.
O fato é que pelos protocolos diplomáticos, nenhum “presente” (repito, sempre presentes locais simbólicos que representem a cultura do país) alcança nem de perto tal grandeza financeira.
A hipótese do presente é tão inverossímil que “colonistas” aqui e ali começaram a capitular, e admitir a hipótese do “tem algo mais”. Então esse “algo mais” passou a ser timidamente definido como “comissão”: todas essas joias teriam sido “comissão” por alguma coisa não clara e nebulosa... as “apurações” dos “colonistas” parece também não estar muito motivados por essa pauta.
A palavra “propina” foi evitada. De conotação muito mais pejorativa e negativa, deve ser porque esse termo seja exclusivo para as acusações da Lava Jato contra o governo Lula 2, empreiteiras e Petrobrás... não convém misturar a terminologia de cada pauta...
Porém, a mídia progressista apontou suspeitas muito concretas sobre que tipo de negócios poderia estar envolvidas a propina:
(a) Rumores relativos à venda da refinaria Landulpho Alves, na Bahia, pela Petrobrás para o fundo Mubadala, por um valor muito abaixo. A questão é que esse fundo não é da Arábia Saudita, mas dos Emirados Árabes. Porém, esses dois países mantêm laços familiares, religiosos, econômicos e militares fortes - são monarquias islâmicas sunitas com estreitas relações de negócios. Mas, começamos a desconfiar dessa hipótese: nesse momento, está começando a ser especulada por “colonistas”
(b) O jornalista Luis Nassif descreve dois movimentos interligados de Bolsonaro: o projeto de transformar Angra dos Reis na Cancun brasileira – coincidindo com a expansão das milícias para essa cidade. E a viabilização desse projeto com dinheiro saudita em sua visita a Riade, em outubro de 2019, Bolsonaro jantou com príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman e anunciou um investimento saudita de 10 bilhões de dólares – clique aqui.
Segundo a agência Bloomberg, A reunião foi acompanhada pelo então ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e por Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, o qual informou aos repórteres que os dois governos iriam formar um conselho para definir os setores e o cronograma dos investimentos. O fundo soberano do país (PIF, na sigla em inglês), que detêm aproximadamente US$ 320 bilhões, quer usar o Brasil como uma ponte para fazer investimentos na América Latina, como parte da estratégia de tornar a Arábia Saudita menos dependente do petróleo – clique aqui.
Blindar ativos da grande mídia
Porém, no meio de tudo isso, a grande mídia tenta blindar as Forças Armadas – não é para menos: o Partido Militar faz parte dos ativos que a grande mídia alimenta, como espécie de botão “eject”, caso o Governo Lula ultrapasse a linha vermelha riscada diante da Petrobrás e do Banco Central autônomo.
Todos sabem que Bolsonaro é um fusível para ser queimado – principalmente quando vemos o jornalista Vladimir Netto (lembram-se do seu papel na Lava Jato, vazando delações do Judiciário?) cobrindo os depoimentos da PF sobre o caso.
O script é que Bolsonaro “humilha” ou quer “sujar” a imagem das Forças Armadas, ao, por exemplo, enviar um sargento da Marinha para o posto da Receita Federal em Guarulhos para liberar as joias.
Bolsonaro seria um golpista que pretenderia arrastar as Forças Armadas para uma “aventura”. Quando sabemos que o limítrofe Bolsonaro foi um candidato manchuriano criado pela Inteligência Militar e incensando pela AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) para ser a face popular do golpe militar híbrido – clique aqui.
O lobby do “já perdeu”
Especialista em lobby, nesse momento a Globo News está tentando criar uma outra profecia autorrealizável. Depois de ter transformado a eleição do Senado em terceiro turno, tentando criar a onda do “já ganhou” para o bolsonarista Rogério Marinho e montando um pequeno estúdio no Congresso Nacional para o corpo a corpo com senadores e deputados, agora é a vez da chamada “crise de governabilidade”.
Por todo o jornalismo corporativo, em parceria com o Centrão, está sendo semeado um clima de “já perdeu” para o governo aprovar seus projetos. Como, por exemplo, o chamado arcabouço fiscal do ministro Haddad.
Nos estúdios do canal noticioso, apenas são entrevistados políticos do Centrão, com prognósticos sempre catastróficos. De passagem, a maioria das vezes sem sonora, relata-se alguma opinião contraditória de alguém da base do governo.
Aliás base que supostamente conspiraria contra o próprio ministro da Fazenda, principalmente petistas “ideológicos”.
Grande mídia repete a mesma estratégia semiótica usada para analisar os desgovernos de Bolsonaro: haveria uma “ala ideológica” (Bolsonaro e o extremismo de direita olavista) e a “ala técnica” (Paulo Guedes e seus técnicos amestrados do então “superministério” da Economia).
Lula critica Banco Central, enquanto Haddad “defende harmonia entre política fiscal e monetária” ou ainda as misteriosas “fontes” de “reuniões internas do PT” que sempre informam os colonistas dando conta de que há “fogo amigo” contra o ministro. Ou melhor, contra a “ala técnica”.
Ou ainda mais: nessa estratégia de encontrar uma equivalência entre governo Bolsonaro e Lula (ambos, a priori, “extremistas”), repete-se que Lula viveria a mesma situação de Bolsonaro em relação à chantagem do Centrão. Com um agravante: não há mais “orçamento secreto” como moeda de troca.
Ao ponto de que o jantar de Lula com o presidente da Câmara Arthur Lira na noite de quinta-feira, com “temas espinhosos”, foi tratada pelos “colonistas” praticamente como uma capitulação. Principalmente depois de Lira declarar que o governo “não tem base consistente”.
Como sempre, uma profecia autorrealizável parte sempre de não notícias as quais tem que ser dadas pernas pelos jornalistas. Ora, desde as eleições de primeiro turno, essa realidade já é sabida. Principalmente após as oito anomalias nas eleições que foram decisivas para evitar a vitória de Lula no primeiro turno e resultar num Congresso hostil – clique aqui.
O que chama a atenção é o ansioso viés do “já perdeu” ou de terra arrasada do jornalismo corporativo. E a ausência de qualquer contraditório – ou pelo menos as opiniões da base parlamentar do governo.
Olhando em perspectiva, desde o governo transitório, essa estratégia de terra arrasada é mais um lance para tentar sitiar ou emparedar o governo.
Para deixar a “ala técnica” operar em paz.