terça-feira, abril 25, 2017

A ética e moral da viagem no tempo e o Efeito Mandela na série "12 Monkeys"


Produzida pelo canal Syfy, a série “12 Monkeys” (2015-) procura expandir a narrativa do filme clássico de Terry Gilliam “Os 12 Macacos” (1995): a humanidade foi devastada por um apocalipse viral, a Terra ficou fria e em ruínas sob o domínio de gangues saqueadoras. Enquanto isso, em instalações secretas, cientistas tentam encontrar uma forma de conter as mutações do vírus. Um grupo constrói uma máquina do tempo para enviar crono-astronautas para o passado e impedir o vírus, antes das mutações. Isso significaria reescrever toda a linha do tempo até o futuro. A série propõe uma geografia do Tempo bem diferente das produções contemporâneas sobre o tema: ao invés de mundos quânticos alternativos paralelos, uma única linha do tempo que poderia ser reescrita diversas vezes. Além da série parecer se inspirar no famoso “hoax” Efeito Mandela, propõe um novo viés sobre a viagem no tempo – as possíveis implicações éticas e morais: a superação do paradoxo, alterando o passado, poderia nos empurrar para uma perigosa amoralidade.

Em postagem anterior quando discutíamos Os 12 Macacos (1995) de Terry Gilliam esse humilde blogueiro observava que filmes sobre viagem no tempo são reveladores porque expressam o espírito da época nos quais são produzidos: nos anos 1960-70 a imutabilidade da linha temporal (o viajante jamais consegue alterar o passado para transformar o presente – futuro); nos anos 1980 a possibilidade de intervir nos acontecimento do passado, alterando a própria linha do tempo (e a viagem no tempo como a busca da “segunda chance” para redimirmos dos nossos erros); nos anos 1990, onde Os 12 Macacos foi o filme mais emblemático, protagonistas envolvidos em memórias e loop temporais – sobre isso clique aqui.

E nos anos 2000 em diante, a hegemonia de uma concepção quântica do tempo: a existência de linhas do tempo alternativas a cada alteração da time line, transformando a estrutura do tempo em um gigantesco hipertexto. O tema da “segunda chance” também está presente, porém numa estrutura de mundos paralelos que podem se tocar, muitas vezes gerando consequências catastróficas.

Embora inspirada no cult dos anos 1990 de Terry Gilliam, a série (produção do canal Syfy) 12 Monkeys, parece inovar o tema: apesar de estarem lá os tradicionais loops temporais, memórias, a busca da segunda chance e o velho conflito entre livre-arbítrio versus fatalidade, os criadores Terry Matalas e Travis Fickett acrescentam questões éticas, morais e até gnósticas sobre a viagem no tempo e o próprio tempo em si.


E até mesmo parecem se inspirar no hoax “Efeito Mandela” – termo criado pela blogueira Fiona Broome para alertar que um grande número de pessoas tinha a memória vivida de que Nelson Mandela teria morrido na prisão em 1990. A sua morte em 2013 contrariou a memória de muitas pessoas. A partir daí, cresce exponencialmente relatos de memórias coletivas sobre eventos que jamais ocorreram.

O mais famoso envolve um suposto filme nos anos 1990 estrelado pelo ator Sinbad (David Atkins) como um gênio da lâmpada. O problema é que o filme jamais existiu – clique aqui.

A série 12 Monkeys é pioneira em levantar a amoralidade como uma possível consequência da viagem no tempo, mesmo que seja para salvar a humanidade: se alterar o passado significa apagar muitos eventos futuros da linha do tempo, inclusive pode apagar atos ético e moralmente condenáveis – não importa quem você mate ou vidas que destrua: tudo será apagado como se jamais tivesse ocorrido.

A Série


Como no clássico dos anos 1990, a série acompanha James Cole (Aaron Stanford) que viaja a partir de 2043 para os dias atuais para impedir a liberação de um vírus mortal que dizimará 93,6% da humanidade. Ele terá que seguir os passos de uma misteriosa organização chamada “O Exército dos Doze Macacos” e tentar descobrir a natureza do seu propósito: por que querem destruir a humanidade? Cole será ajudado por uma brilhante virologista chamada Cassandra Raily (Amanda Schull) depois de compreender que ele é um viajante do tempo e também que faltam poucos meses para a mortal disseminação do virus.

A série até aqui tem duas temporadas (terceira e quarta temporadas saem a partir de maio desse ano).

A primeira temporada ensina o espectador a entender a geografia do tempo no universo da série. Cole possui o seu amigo de infância que o acompanha desde antes do apocalipse viral em 2017: Ramse (Kirk Acevedo). Eles vagam famintos e cansados em uma terra fria e em ruínas, sempre ameaçados por gangues de saqueadores. Até conhecerem uma instalação científica subterrânea, protegida por soldados e liderada pela Dra. Katarina Jones (Bárbara Sukowa). Junto com um grupo de cientistas desenvolvem o método quântico de viagem no tempo chamado de “fragmentação”, combinado com doses de uma injeção para alterar a estrutura das células do corpo, sobrevivendo aos deslocamento temporal.

Cole é convencido pela Dra. Jones a embarcar na missão a partir de uma gravação trazida de 2017 da Dra. Riley identificando Leland Goines (filha do dono de uma empresa biofarmacêutica) como a origem da praga e profeticamente pedindo a ajuda do próprio Cole. Assim, ele aceita ser o crono-astronauta do Projeto Fragmentação.

Acompanhamos na primeira temporada as idas e vindas entre 2017 e 2043, em cada época com um inimigo: lá no passado o Exército dos Doze Macacos, cada vez mais enigmático; e no presente do futuro a ameaça da gangue Oeste VII que a todo custo pretende invadir o laboratório subterrâneo – por um breve período, Ramse e Cole fizeram parte daquele grupo.


Se na primeira temporada a questão era salvar a humanidade, na segunda o problema será salvar o próprio Tempo: Cole e Dra. Jones descobrem que o Exército dos Doze Macacos em 2017 se conecta com Os Mensageiros em 2043, grupo místico-ocultista que liderado pela “Testemunha” que pretende se apossar da máquina do tempo – enviará para o passado os “doze macacos” ou “mensageiros” para apressar a praga.

Mas há um propósito místico por trás desse apocalipse viral: a destruição do próprio Tempo – a sua destruição trará a imortalidade. Acreditam que destruir o Tempo significa destruir a morte.

Temos o direito de interferir em uma linha do tempo?


No final da primeira temporada a série começa a esboçar as primeiras implicações éticas e morais da viagem no tempo. Alterar o passado significa apagar toda a linha do tempo até então produzida no futuro. Um dos impasses morais é a descoberta que Ramse tem um filho em 2043. Se Cole e o projeto da máquina do tempo da Dra. Jones derem certo e impedirem o apocalipse viral, seu filho, assim como vários da sua geração, serão simplesmente apagados da time line como se jamais tivessem existido.

A estrutura do tempo  descrita na primeira temporada é bem diferente de seus filmes contemporâneos do século XXI como Sr. Ninguém (Mr. Nobody, 2009): não há mais mundos quânticos paralelos funcionando de forma autônoma. Só há uma única linha do tempo: é sobre ela que poderemos apagar e reescrever a História diversas vezes.

Porém, em nome de uma suposta salvação da humanidade, aquele grupo de cientistas tem o direito de simplesmente deletar novas gerações que prosperaram imunes ao vírus?


Efeito Mandela e amoralidade


O curioso é que essa estrutura do tempo proposta pela série parece se inspirar no famoso Efeito Mandela: se a linha do tempo pode ser apagada e reescrita sucessivamente por alguém no futuro, será que as falsas memórias coletivas no presente seriam déjà-vus das antigas time lines?

Na verdade, a primeira temporada lança a suspeita de que todo o Projeto da Dra. Jones não passa de uma disputa pessoal com outro grupo de cientistas de outra instalação (a “Spearhead”) liderado pelo Coronel Foster (Xander Barkeley): ele tenta isolar as mutações do vírus para encontrar uma cura no presente, enquanto a Dra. Foster quer voltar ao passado e matar o vírus antes da mutação. Sob as ordens dela, os soldados simplesmente matam a todos da instalação para retirar o núcleo de energia de Spearhead para o Projeto Desfragmentação.

Para a Dra. Foster, não há dúvidas morais ou sentimentos de culpa: tudo será apagado, e ela se reencontrará com todos os assassinados em um nova time line. O poder da máquina em reescrever a História começa empurrar a todos (Dra. Foster, Cole e, mais tarde, a própria Dra. Raily ) para uma perspectiva amoral. E o contraponto é Ramse e o amor pelo seu filho.

 E do outro lado temos os Mensageiros e o Exército dos Doze Macacos: eles querem destruir o Tempo e alcançar a imortalidade através de uma série de assassinatos de pessoas chaves (os “primordiais”). Da mesma forma, não importa os assassinatos se, no final, o Tempo será destruído e todos alcançarão a imortalidade. O viés é tão amoral como a da Dra. Jones.


A gnóstica destruição do Tempo


O curioso é que o propósito místico da Testemunha, dos Mensageiros e do Exército é gnóstico. Pela Cosmogênese da mitologia gnóstica o Tempo é uma falha de um Universo imperfeito criado por um deus Demiurgo – a própria Criação foi uma falha cósmica, perpetrada por uma divindade que tentou fazer uma cópia da Plenitude – o Pleroma.

O Tempo (morte, finitude, entropia e caos) é a falha que acabou aprisionando a humanidade assim como o próprio Demiurgo na sua própria criação. A única forma de compensar essa falha, mantendo a Criação em funcionamento, é absorvendo a fagulha de Luz espiritual dos humanos. Ao melhor estilo do que as máquinas fazem no filme Matrix.

Por isso, na série o Tempo parece ser um Deus ou uma consciência suprema que cobra dos seus viajantes a sua parte – a cada viagem, o cronoastronauta morre um pouco – o Tempo cobra de volta aquilo que é seu, como afirma a certa altura a Dra. Jones.

No final, tanto o Projeto Fragmentação como o Exército dos Doze Macacos lutam pelo mesmo objetivo (a imortalidade), porém por vias diferentes: de um lado a possiblidade de reescrever a time line quantas vezes forem necessárias; e do outro, a proposta radical de mandar para os ares a própria estrutura do Tempo.

O segunda temporada parece lançar essa questão fundamental da viagem no tempo: será que ambos os lados se igualam na amoralidade? Quais as consequências éticas e morais de apagar sucessivamente a time line? Destruir o próprio Tempo não significaria destruir aquilo que define a própria humanidade, amor e sacrifício?

Vamos esperar o que responderão os episódios das terceira e quarta temporadas.




Ficha Técnica

Título: 12 Monkeys (série)
Criadores: Terry Matalas e Travis Fickett
Roteiro:  Terry Matalas e Travis Fickett
Elenco:  Aaron Stanford, Amanda Schull, Noah-Bean, Kirk Acevedo, Barbara Sukowa
Produção: Atlas Entertainment, Syfy
Distribuição: Syfy
Ano: 2015-
País: EUA

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