segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Oscar para "Birdman" revela secreta coerência de Hollywood

O blog “Cinegnose” acertou: o favoritismo de “Birdman” confirmou-se com o prêmio de Melhor Filme no Oscar 2015. O prêmio era aguardado pela recorrência temática dos filmes premiados pela Academia de Cinema nos últimos anos: metalinguagem, auto-referência, glamourização da “guerra anti-terror”, conflitos étnicos e liberdade, temas recorrentes desde a explosão da bolha imobiliária dos EUA em 2008 e a crise da Zona do Euro. Hollywood mais uma vez demonstra que é um braço armado do complexo bélico-militar norte-americano. E a indústria do entretenimento sabe premiar os seus: o diretor mexicano Alejandro Iñárritu (e a nacionalidade foi um fator ideológico importante) fez uma verdadeira homenagem à indústria do entretenimento – mostrou uma Broadway que não mais existe, reforçando a mitologia que ainda dá algum verniz “artístico” a Hollywood: atores autopiedosos, divas narcisistas que se entregam ao “Método” e críticos implacáveis que transformam artistas em “gênios incompreendidos”.

Conforme previsto por esse blog, Birdman confirmou o grande favoritismo para o Oscar de melhor filme, batendo outro grande favorito: Boyhood – sobre a análise do Cinegnose sobre Birdman clique aqui.

Em tempos bicudos de crise econômica global pós-explosão da bolha especulativa imobiliária dos EUA em 2008, o “derretimento” da Zona do Euro e escalada da propaganda anti-terror pela mídia internacional, Hollywood mais uma vez se mostra porque é o braço armado da política externa norte-americana. E sua grande arma é glamourização da própria natureza bélico-militar dos EUA e a homenagem metalinguística da sua própria indústria do entretenimento.



Também em postagem anterior, a partir dos dados do Internet Movie Data Base, percebemos que a produção de filmes do gênero catástrofe tem seu pico em contextos de crise econômica global – clique aqui

No caso das premiações do Oscar, nos últimos anos marcados pela crise econômica e guerra anti-terror, a Academia de Cinema tende a premiar filmes metalinguísticos, produções que circundem temas bélicos-militares e plots que discutam segregação racial.

A recorrência nas premiações


Em 2010, Guerra ao Terror retratava a guerra no Iraque concentrando-se naqueles que estão mais baixos na escala do trabalho militar: negros, latinos etc. Unificar a nação para o  combate à ameaça do “terrorismo internacional” é necessário na propaganda.

Em 2011 temos O Discurso do Rei como o melhor filme – mostrando a atmosfera pré-Segunda Guerra Mundial e o drama de um monarca inglês que, por causa da gagueira, tem dificuldades de se dirigir ao povo e comandá-lo. Mais temas de unificação nacional diante da ameaça externa, focado no drama de superação pessoal.

No Oscar 2012, o filme O Artista faz uma premiação metalinguística à indústria cinematográfica com referências a Chaplin e a resistência de um galã de filmes mudos à sonorização dos filmes.

Argo foi o melhor filme de 2013, diante de um aparentemente “surpreso” Jack Nicholson que olhava para um telão em link ao vivo com a Casa Branca, onde Michelle Obama abria o envelope dourado para anunciar o prêmio. Mais uma vez o olhar auto-indulgente de Hollywood: premiação da memória de uma tática da inteligência militar norte-americana que  em 1979 liberta reféns da Embaixada dos EUA no Irã através de agentes da CIA que simulam de filmagem de um suposto filme de ficção científica chamado “Argo” naquele país – metalinguagem e guerra se uniram de forma irresistível para a Academia de Cinema.

O tema da Escravidão e liberdade em um EUA sulista alguns anos antes da abolição oficial da escravatura leva o Oscar em 12 Anos de Escravidão na premiação da Academia em 2014. Mais uma vez estamos diante da necessidade ideológica da unificação interna diante do futuro recrudescimento da chamada “Guerra ao Terror” que acompanhamos nesse ano, pós atentado ao Charlie Hebdo em Paris.

E principalmente porque “minorias” étnicas serão a força de trabalho principal na escala mais baixa da “guerra ao terror”, mercenários “bucha de canhão” que morrerão em algum lugar longínquo no Oriente Médio ou no Leste Europeu. Como mostrou o filme premiado Guerra ao Terror em 2009.

Birdman legitima indústria do entretenimento


O Oscar de Melhor Filme para Birdman é o ápice desse olhar metalinguístico para o próprio umbigo que Hollywood tanto preza nesses últimos anos: afinal, esse olhar legitima e dá relevância para a indústria do entretenimento diante da sociedade.

Ao contrário, Boyhood é um filme ideologicamente difícil para Hollywood: mães solteiras, famílias separadas, jovens, drogas, álcool. Nesse momento, Hollywood e EUA querem unificação e positividade para os tempos difíceis que se avizinham.

O diretor mexicano (quesito importante para a premiação, como veremos) Alejandro Iñárritu fez um filme supersaturado de metalinguagens e auto-referências que acabou resultando numa produção subserviente e complacente com a própria imagem que Hollywood faz de si mesma.

Como vimos na análise que fizemos em postagem anterior, a primeira homenagem que Iñárritu faz ao Cinema é o sonho do chamado “moto perpétuo cinemático”: a produção de um filme em um único plano sequência onde a própria câmera se confunda com a vida real – sonho ideológico de Hollywood. Com as sequências costuradas digitalmente, Birdman criou essa ilusão.


A segunda homenagem é à Broadway, famoso circuito de teatros de Nova York que, apesar de estar atualmente submetida aos hits adaptados de Hollywood, ainda mantém a aura artística que dá algum verniz aos atores da indústria do entretenimento.

Como vimos, Birdman mostra uma Broadway que não mais existe: atores que ainda acreditam no “Método” da Actor’s Studio, críticos que ainda podem destruir carreiras com sua opiniões impressas e atores enfant terribles indomáveis nas suas idiossincrasias e auto-indulgência.

Aparentemente, Birdman é um filme crítico e irônico ao culto às celebridades virais da Internet e à máquina do entretenimento. De quebra, ainda promete fazer uma discussão existencial sobre a necessidade de sermos amados...

México: perto dos EUA, longe de Deus


Esses temas acabam se tornando meras iscas em um filme que foi premiado pelo seu esforço em alimentar a relevância artística de uma máquina de entretenimento sobretudo ideológica, como percebe-se na recorrência dos filmes premiados nos últimos anos.

Alejandro Iñárritu é o segundo diretor mexicano premiado em sequência: no ano passado, Alfonso Cuarón foi premiado com o filme Gravidade – aliás, filme que também glamouriza a máquina de guerra e espionagem espacial dos EUA.

Tanto Iñarritu como Cuarón são egressos do mercado publicitário e televisivo mexicano com estreitas relações econômicas e ideológicas com o grande vizinho do Norte.

               Em uma América Latina “ameaçadora” à política externa dos EUA com a vitória nas urnas de governos de viés esquerdista e o fantasma do “bolivarianismo” na grande mídia, nada melhor do que o Oscar reforçar seus laços com o México. Afinal, o México sempre se mostrou fiel ao se filiar ao Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) dando as costas para a América Latina.


Parafraseando o ex-presidente do México Porfírio Diaz: “Iñarritu e Cuarón, tão perto dos EUA e tão longe de Deus...”.

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