A música mais
enigmática dos Beatles aparece no maior fracasso comercial do grupo, o filme
“Magical Mystery Tour” de 1967, hoje reavaliado como obra de arte ao nível do
humor do grupo Monty Python ou do surrealismo de Buñuel. Inspirado no poema “A
Morsa e o Carpinteiro” de Lewis Carroll, a música “I’m The Walrus” composta por
John Lennon apresenta uma letra sombria, obscura e misteriosa com referências a
genocídios, drogas e jovens que seriam seduzidos por uma “Morsa” que estaria
levando-os para a destruição – no poema de Carroll aparecem “jovens ostras” . Será
que a música foi alguma espécie de acerto de contas de Lennon com a culpa e o
remorso de saber ter feito parte de uma gigantesca estratégia de engenharia
social por trás da cultura pop? Em declarações dadas em uma entrevista em 1980,
ele indica evidências, falando de “artesãos” que estiveram por trás dos Beatles
e a ligação entre CIA e a droga LSD. Alguns meses depois, Lennon seria
assassinado.
O
grande e misterioso fracasso dos Beatles: o filme Magical Mystery Tour de 1967. “Beatles Mystery Tour desconcerta os
espectadores”, estampava em uma manchete na primeira página do jornal Mirror da Inglaterra, dizendo que
milhares de espectadores protestaram quando foi exibido na TV pela BBC.
“Bobagem
sem sentido”, “lixo flagrante” e “ultrajante” foram as críticas mais leves
sobre um filme que não se importava com qualquer sentido narrativo: mostrava um
grupo de turistas em um ônibus que iniciava um “misterioso tour” pela Inglaterra
em um ônibus panorâmico, onde “coisas estranhas começam a acontecer”, ao
capricho de quatro magos performados pelos próprios Beatles que tudo observam,
manipulando os acontecimentos.
O
grupo de turistas é felliniano, como, por exemplo, a mulher gorda que pára em
um restaurante de beira de estrada para comer montes de espaguete servidos com
uma pá pelo garçom.
Pelo
seu estranho senso de humor e simbologia obscura que nada lembrava os “fabulous
four” de outros filmes anteriores como A
Hard Day’s Night, Magical Mystery
Tour acabou relegado ao desprezo absoluto. O que levou o próprio
Paul McCartney a aparecer em público para pedir desculpas por um filme cujo impacto
nos fãs e crítica fora tão negativo que levou as redes de TV dos EUA a
suspenderem as negociações pelos direitos de transmissão.
Nos anos 1970 chegou a se exibido em “sessões da meia noite”
em cinemas dos EUA para públicos underground. Hoje o filme é reavaliado como uma obra de
arte cult com toques de humor negro ao estilo do Monty Python ou o surrealismo
dos filmes de Buñuel.
Mensagens ocultas?
Desde
então, as interpretações sobre o filme acabaram polarizadas entre os fãs que
veem tudo como uma grande viagem psicodélica dos Beatles embalada por ácido após
o impacto pela morte do seu empresário Brian Epstein, e cristãos fundamentalistas
que encontram no filme (e em toda obra dos Beatles) mensagens ocultas
satanistas.
Mas
para aqueles que acreditam que os Beatles fizeram parte de experimentos de
manipulação de massas do Instituto Tavistock de Relações Humanas (fundada em
1946 na Inglaterra através de doações da Fundação Rockfeller) e CIA envolvendo
a manipulação da mente por meio de LSD e drogas psicodélicas, o filme é um
prato cheio de pistas.
Principalmente
quando assistimos à melhor sequência do filme ao som da música I’m The Walrus (“Eu Sou a Morsa” - veja o vídeo abaixo),
composta por John Lennon, onde vemos o Beatle com uma fantasia do animal ao
piano, junto com o restante da banda com
estranhas fantasias de outros animais, sendo seguidos por uma tropa de “eggmen”
– bizarros homens vestidos de branco.
Lennon
estaria se tornando cada vez mais consciente de que Os Beatles fariam parte de
uma estratégia de corrupção, cooptação e infiltração na contracultura – e
certamente na cena da música pop – de elementos de inteligência do governo
secreto. O contexto dos anos 1960 era do auge da Guerra Fria, principalmente
depois da chamada “Crise dos Mísseis de Cuba”. E a onda da beatlemania,
revolução sexual, contracultura e protestos anti-bélicos não poderiam passar
batidos pelos serviços de Inteligência.
E a
enigmática música I’m The Walrus
traria referências ocultas do uso deliberado da contracultura como instrumento de
controle social e destruição.
“I’m The Walrus” e Lewis Carroll
Na
sua última entrevista dada à revista Playboy
em 1980, alguns meses antes do seu assassinato, John Lennon disse a respeito
dessa música: “Criticava o Hare Krishina, Allen Ginsberg. Por exemplo, a
referência “pinguim elementar” [expressão usada em um trecho da letra] é a
atitude ingênua, de sair cantando “Hare Krishina” ou de jogar toda a sua fé em
qualquer ídolo. Eu estava escrevendo de forma obscura, à la Bob Dylan, naquela
época”.
A
inspiração da música vem do poema narrativo chamado A Morsa e o Carpinteiro de Lewis Carroll e que aparece em uma
sequência do livro Alice Através do
Espelho de 1871. Uma Morsa e um
carpinteiro andam em uma praia onde o Sol e a Lua estão visíveis quando
convidam quatro jovens ostras para darem um passeio pela praia. Sob a
desaprovação de uma ostra mais velha, outras jovens ostras se juntam e formam
um alegre grupo que segue a morsa e o carpinteiro numa alegre conversa. No
final descobre-se que suas verdadeiras intenções eram predatórias, e que tudo
não passou de uma escaramuça para devorá-las com pão e manteiga.
Os
personagens da Morsa e do Carpinteiro já foram interpretadas de muitas
maneiras, tanto pela crítica literária como pela cultura popular. Por exemplo,
no filme Dogma o personagem Loki
interpreta a Morsa como sendo Buda e o Carpinteiro Jesus. Ou ainda o poema
teria conotações políticas, uma metáfora do sistema capitalista, segundo o
ensaísta britânico J.B. Prietley.
A
estrutura básica da canção de Lennon é um poema sobre o genocídio. A linha de
abertura “I am he as you are he as you are me/And we are all together” é
baseada na música que foi cantada pelos bôeres (Marcha de Pretória) na Guerra
dos Bôeres, enquanto marchavam para a Cidade do Cabo, na África do Sul, em
1880. A marcha teve um final infeliz, com mulheres e crianças capturados e
colocados em infâmes campos de concentração britânicos.
“Vejam
como eles correm como porcos fugindo de uma arma/ Vejam como eles voam, eu
estou chorando”, escreve Lennon. Quem chora na música é a Morsa que tudo
observa, assim como a Morsa de Carroll, que também chora diante do trágico
destino que as alegres ostras terão.
Na
próxima estrofe, mais um massacre com a referencia ao “Bloody Tuesday” (Sentado
em um floco de cereal/ Esperando a van chegar/ Corporação T-shirt/ estúpida
maldita Terça-feira...) que ocorreu na África do Sul em 1946 quando
trabalhadores de minas de ouro morreram em confrontos com a polícia.
A Morsa e o Apocalipse
No filme Magical
Mystery Tour, essas
duas estrofes que fazem referências a marchas históricas que terminaram em mortes são acompanhada
pelas imagens ao mesmo tempo bizarras e simbólicas dos eggmen (as ostras de Carroll?)
acompanhando a Morsa e seus amigos Beatles fantasiados. A Morsa brinca e dança para os eggmen como que
atraindo-os, assim como no poema de Carroll a Morsa e o Carpinteiro ludibria as
pobres ostras.
Carroll
e Lennon também trabalham com referencias ao Apocalipse bíblico. Em A Morsa e o Carpinteiro lemos os
seguintes versos:
“É chegada a hora”, disse a Morsa,
de falar muitas coisas:
De sapatos... e barcos... e vazas...
De repolhos e reis... e lousas...
E por que o mar tanto ferve
E se os porcos têm asas.
|
No livro do Apocalipse
descreve-se como os mares irão secar e os “sete selos”. Lennon acopla essa
densa imagem de Carroll ao apocalipse da Guerra dos Bôeres com porcos que voam.
Certamente Lennon compreendia o significado real dado por Carroll.
Lennon também menciona “porcos voadores”, relacionando essa
metáfora de Carroll do Apocalipse mais à frente na música com “Lucy in The
Sky”:
Mister City Policeman sitting, pretty
policemen in a row
See how they fly like Lucy in The Sky, see how
they run
I’m crying, I’m crying
I’m crying, I’m crying
|
“Lucy in The Sky” é a óbvia referencia à música Lucy In The Sky With Diamonds dos
Beatles (do álbum Sargent Peppers Lonely
Hearts Club Band) , um mnemônico para a droga LSD. Logo depois, Lennon fala que ele é a Morsa e
que chora, assim como a Morsa de Carroll. Será que Lennon estaria tentando
avisar de que chora lágrimas por estar consciente de que a música pop e drogas
estão atraindo os jovens (as ostras?) como parte de uma política de controle
social e destruição?
A CIA e o LSD
Na sua última entrevista, John Lennon demonstra estar consciente
disso: “Não podemos deixar de agradecer à CIA e ao Exército pelo LSD. Eles
inventaram o LSD para controlar as pessoas e o que nos deram foi a liberdade.”
A música I’m The Walrus
poderia ter sido um acerto de contas de Lennon com o seu remorso e culpa de
estar fazendo parte de toda uma engrenagem política de engenharia social? A
utilização da metáfora sobre o genocídio de Carroll em uma música inserida num
filme que ultrajou a sociedade inglesa, seu posterior auto exílio entre 1975 e
1980 e a corajosa declaração para a Playboy demonstram que Lennon estava ciente
da extensão de uma estratégia na qual ele e outros artistas são usados
ingenuamente em enormes esquemas de manipulação social.
E por fim, depois de sair do auto exílio com Yoko Ono e dar a
reveladora entrevista de 1980, Lennon é assassinado por um típico “candidato
manchuriano” – expressão que designa a criação deliberada de múltiplas
personalidades em uma pessoa por psiquiatras dentro do projeto de controle
mental levado a cabo pela CIA e militares, o MKULTRA. Projeto hoje fartamente
documentado, o assassino Mark Chapman poderia ter sido o agente implantado pelo
MKULTRA para calar de uma vez por todas um antigo instrumento que ameaçava sair
fora do controle – leia os textos ROSS, Colin A. The Cia Doctors: Human Rights Violations by American Psychiatrists,
2006 e Caos Y Terror
Manufacturado por la Psiquiatria, Comisión de Ciudadanos por los
Derechos Humanos.
Ainda nessa fatal entrevista, John Lennon usa a ambígua expressão “craftsman”
(“artesão” que pode ser compreendida tanto como no sentido para designar o “artista”
como a expressão usada por mágicos e ocultistas para designar suas práticas).
Lennon disse que os Beatles foram produtos de “artesãos”: “Eu também tinha me
tornado um artesão e poderia ter continuado a ser um artesão. Eu respeito os
artesões, mas não estou mais interessado em me tornar um”.
Lennon não poderia simplesmente cair fora. E parece que os “artesãos” não gostaram muito disso.
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