quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Dez filmes arruinados pelas novas tecnologias


Com as novas tecnologias cada vez mais intrusivas e onipresentes, o Cinema vive um paradoxo: os filmes não têm o menor problema para fazer o público acreditar em fantasmas, gremlins, maníacos sobrenaturais, feiticeiros, vampiros, poltergeists ou extraterrestres. Mas está cada vez mais difícil fazê-los aceitarem que o herói de um filme não esteja munido com a tecnologia necessária (smartphones, Ipads, GPS etc.) para frustrar as intenções do Mal. O avanço tecnológico está criando um impasse entre roteiristas e diretores: muitos plots de filmes do passado, hoje seriam impossíveis de serem realizados como “Esqueceram de Mim”, “Psicose” etc. Internet e dispositivos móveis estão cada vez mais inviabilizando os arquétipos clássicos do cinema que tornavam dramática a jornada do herói. Por isso, os roteiristas ou se voltam para filmes ambientados em décadas passadas ou fazem de tudo para anular esses dispositivos – perda de sinal etc., o que pode tornar o roteiro inverossímil. Vamos analisar uma lista de dez filmes cujos plots hoje seriam impossíveis de serem filmados.

Sempre nos acostumamos a pensar como o cinema, e principalmente os filmes de ficção científica, tendem a moldar ou antever as tecnologias do futuro. Foi assim, por exemplo, como o comunicador do Capitão Kirk na série Jornada nas Estrelas nos anos 1960 que anteviu o telefone celular.

Mas desta vez vamos olhar para esse mesmo processo de fora para dentro do cinema: a evolução tecnológica afeta o modo como escrevemos argumentos e roteiros? Não estamos nos referindo a softwares especializados para a redação de roteiros ou programas de edição. Vamos tratar especificamente do impacto nos temas narrativos do cinema em um mundo que se torna cada vez menor graças à tecnologia de comunicações móveis como celulares, smartphones, tablets, GPS etc.

A existência de smartphones e GPS inviabilizariam tramas como a de
"Depois de Horas" (1985) de Scorsese

               Muitos roteiros de filmes do passado como, por exemplo, Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990), hoje seriam inverossímeis. O filme basicamente explora um dos tropo mais reconhecíveis do cinema – a comédia de erros baseado em mal entendidos e a dificuldades de comunicação. Hoje, uma simples mensagem de texto destruiria a situação da mãe que esqueceu o filho em casa e tenta retornar da Europa, tentando desesperadamente uma ligação para casa e para a polícia.


Ou ainda o filme Depois de Horas (After Hours, 1985) onde o protagonista vê sua única nota de dólar voar pela janela do táxi para depois passar a madrugada perdido no submundo de Nova York, tentando desesperadamente achar um telefone para ser resgatado de lá. Perigo, paranoia, ansiedade, incomunicabilidade, desorientação e perseguição se tornaram temas privilegiados para o Cinema. Mas hoje, no mundo das comunicações instantâneas onde uma simples mensagem de texto ou o GPS podem rapidamente nos tirar de enrascadas, essas situações deixam de serem plausíveis.

Arquétipos do Cinema e novas tecnologias


Alguém poderia afirmar que um roteirista experiente o suficiente pode se adaptar à forma como a tecnologia funciona, propor novos plots e situações que incluam celulares e mensagens de textos.

Mas para o crítico e pesquisador Witney Selbold as coisas não funcionam assim no Cinema. O público ama arquétipos, tropo tradicionais e personagens familiares. Fatalmente, as jornadas dramáticas escritas para o cinema sempre vão se estruturar dentro da chamada Jornada do Herói – sobre isso leia “Technology Vs. Screenwriters! Fight!”.

"Enterrado Vivo": roteiros adaptam celulares
nas suas atuais disfunções e limitações
           
             Imagine a cena de um herói corajoso com sua heroína perdidos em uma escura floresta, perseguidos por um maníaco com um machado. Certamente nos seus bolsos estarão telefones celulares com recursos que, na vida real, resolveriam rapidamente o problema. Por isso, os roteiristas têm que anula-los de alguma maneira – bateria esgotada, perda de sinal, o telefone caiu, foi perdido, destruído – não seria surpreendente lançarem hoje um filme de terror com o título “Serviço Não Disponível”.

Mesmo em filmes como Enterrado Vivo (Buried, 2010) onde o protagonista é enterrado por terroristas em um caixão em algum lugar no Iraque e contracena unicamente com seu celular, o plot principal é a tensão com as limitações do dispositivo: a bateria está acabando, o sinal se perde, recepção é fraca – e na vida real, os avanços tecnológicos tendem a minimizar ou eliminar esses problemas, prometendo enrascadas ainda maiores para os roteiristas no futuro.

Como anular a tecnologia nos roteiros


Em outras palavras, na atualidade roteiristas e diretores, em primeiro lugar, lutam contra a tecnologia, inventando maneiras diferentes de eliminá-la para que o plot arquetípico possa continuar sem perturbações.

A segunda alternativa é simplesmente ignorá-la, o que pode trazer grandes buracos e inverossimilhanças no roteiro como no caso do filme Desconhecido (Unknow, 2011) com Liam Neeson: bastaria um e-mail ou até mesmo uma fotografia enviada por fax para que toda a premissa do filme se desintegrasse diante dos olhos do espectador.

"Super 8": retro de outras décadas para
fugir das novas tecnologias
               Outra tendência atual é a produção em série de filmes cujas narrativas estão ambientadas em décadas passadas como Bastardos Inglórios, Robin Hood, Argo, Super 8, Um Olhar do Paraíso, Black Dynamite, The Runways, Inherent Vice, o revival do gênero western com Cowboys & Aliens etc.

Cresce o número de filmes ambientados nos anos 60, 70 e 80 onde as tecnologias modernas como telefones celulares, Internet, Twitter, Facebook, Google, Droids e Ipads não existem para estragar a jornada dramática.

Sem falar nos filmes históricos bíblicos recentes como Gladiator, Noé e Êxodo: Deuses e Reis, entre outros.

Em síntese, com rápida mudança das tecnologias das comunicações que tornam o mundo cada vez menor, roteiristas vivem o perigo de continuar explorando os grandes arquétipos narrativos que tanto aguardam público e cinéfilos sob pena de criar narrativas inverossímeis, anulando uma das principais ferramentas da profissão: a suspensão da incredulidade.

Para ilustrar esse tema vamos examinar casos onde as novas tecnologias teriam arruinado plots de filmes que, em muitos casos, impossibilitariam até a chance de serem refilmados.

10. The Ring (2002)



Tanto no original japonês quanto no remake americano, todos que assistem a uma determinada fita VHS morrem no prazo de sete dias, porque uma menina assustadora desliza para fora da televisão para assustá-los até a morte. VHS tornou-se obsoleto e o DVD segue rápido esse caminho. Talvez poderíamos fazer uma versão sobre pessoas que morrem por baixar um filme de algum sinistro servidor da Deep Web.  Mas mesmo nesse cenário, podem haver problemas porque um monte de gente assiste vídeos piratas em seus tablets ou celulares: até a mais sobrenatural menina teria dificuldades em deslizar para fora de dispositivos tão pequenos...

Além disso, por razões que a só a semiótica pode explicar, o mal não conseguiria se disseminar de forma digital... o mal é analógico –  clique aqui sobre a “Semiótica da Macumba”.

09. Poltergeist (1982)


Há algum tempo atrás os canais de TV saiam do ar no final da programação, deixando o chamado “ruído branco” na tela e um áudio com um irritante chiado. 

Em Poltergeist, o ruído branco de aparelhos cujos espectadores esqueciam ligados porque pegavam no sono, era o veículo por onde fantasmas presos no limbo se comunicavam e saiam para raptar uma pequena menina.

Hoje, tudo isso ficou datado. Os canais são 24 horas, a TV é a cabo. E o que é pior para os espíritos: nas HDTVs não existe mais o ruído branco: a tela fica escura com um aviso de que não há sinal... Os fantasmas acabaram com o fim das TVs com aqueles pesados tubos de raios catódicos.

08. Esqueceram de Mim (1990)


Todo avanço tecnológico das últimas décadas foi projetado para se certificar que situações como a desse filme não possam acontecer.

Nem Kevin ou a família McCallister têm celulares. De Paris a Sra. McCallister teria facilmente resolvido o problemas com alguma mensagem de texto e Kevin saberia que não fez a família desaparecer e tudo sentimento de culpa natalino desapareceria. 

Nunca saberemos do que uma criança de 8 anos seria capaz com a tecnologia atual... imagine Kevin mudando seu status no Facebook para alguma coisa assustadora como “fiz minha família desaparecer”.

07. O Sexto Sentido (1999)


Talvez o filme mais alucinante dos anos 1990 e o mais comentado e elogiado filme da época pelo roteiro que cria uma das maiores reviravoltas da história do Cinema. Nesse caso, o problema não seria com o plot do filme em si, mas dos onipresentes dispositivos móveis atuais nas mãos dos espectadores. Imagine se esse filme estreasse hoje, nosso smartphone estaria constantemente recebendo comentários onde fatalmente tropeçaríamos em algum spoiler que destruiria toda a graça do mistério de O Sexto Sentido.

06. Duro de Matar (1988)


Em todos os filme da série Duro de Matar, com exceção de Duro de Matar 4, toda a destruição poderia ser evitada  por uma simples chamada de John McClane. Tudo o que ele teria a fazer era chamar a Los Angeles Police Department (LAPD) e dar sua identificação. A LAPD teria verificado tudo e enviado uma equipe da SWAT. Crise evitada!

05. 127 Horas (2010)


Nesse angustiante filme o personagem alpinista de James Franco encontra-se preso na ravina de uma montanha com seu braço entalado debaixo de uma pedra. Com o rastreamento global do Google Earth, o protagonista não teria grandes problemas: passadas 24 horas do desparecimento, a família simplesmente entraria em contato com a operadora de telefonia celular. Instantaneamente rastreariam seu telefone para a ravina e enviariam uma equipe de busca para resgatá-lo.

Tudo que ele precisaria seria racionar a água e rezar para que ratos e cascavéis não o levassem primeiro. Um dia a tecnologia se tornará tão intrusiva e onipresente que será impossível fazer um filme como 127 Horas.

04. Psicose (1960)


Norman Bates, o segundo maior vilão para a American Film Institute (Hannibal Lecter é o campeão), aproveita-se da sua aparência de bom moço para fazerem os visitantes do Bates Motel se sentirem seguros e confortáveis o suficiente para passar a noite. De repente, Norman se transforma em um assassino macabro, matando um após outro. Se a protagonista Marion usasse seu telefone celular para navegar na Internet, encontraria comentários e críticas especializadas do Motel. Bates Motel não receberia um visitante e nenhum assassinato seria cometido.

Claro, poderíamos dizer que Bates Motel é um estabelecimento secreto, desconhecido e não rastreado. Com os avanços tecnológicos, isso se torna cada vez mais impossível – a não ser que o roteirista lançasse mão de alguma “licença poética” na refilmagem. 

Ou, então, que o Bates Motel estivesse em algum recôndito remoto do Leste Europeu, como em O Albergue (Hostel, 2005). Mas esses lugares remotos dominados por psicopatas que se escondem por trás dos serviços hoteleiros estão cada vez mais raros em um planeta que se torna pequeno com a onipresença das tecnologias de informação.

03. Amnésia (2000)


Filme de Christopher Nolan que tornou-se imediatamente num clássico cult com a sua experimentação narrativa. O protagonista Leonard Shelby descobre que ele é o único que cometeu o assassinato de sua esposa. Mas, devido a sua condição de perda da memória de curto prazo, ele esquece o fato e toda manhã se põe na cansativa missão de achar quem matou sua esposa.

Se Leonard usasse uma câmera como a Autographer (pequena câmera digital com sensores colocados em jaquetas ou mochilas que tirar fotos e fazer vídeos para lifeloggings) ele simplesmente teria sido capaz de conectar a câmera ao computador e assistir tudo o que tinha acontecido no último dia. Pronto... crime resolvido!

02. Fogueira das Vaidades (1990)


Há alguns anos atrás havia uma espécie de subgênero de filmes como Depois de Horas (1995), Grand Canyon (1991) ou Doc Hollywood (1991) onde pessoas inocentes têm suas vidas mudadas para sempre quando fizeram uma curva errada em uma rodovia ou pegaram aquele atalho que não deveriam pegar. Fogueira das Vaidades é um desses filmes onde encontramos Tom Hanks distante da sua cobertura em Manhattan.

Um GPS eliminaria tudo isso. Ninguém mais fica perdido ou se mete em bairros periféricos ou suspeitos sem o dispositivo de posicionamento global. Se você não tem GPS é um loser... e no Cinema os losers merecem morrer!

01. Clube da Luta (1999)


Esse filme entra na lista apenas para fazer uma pequena provocação. Outro filme que, quando lançado, tornou-se imediatamente um clássico cult com suas linhas de diálogo expertas de críticas à sociedade de consumo e ao Capitalismo.


A narrativa poderia ser facilmente destruída se Brad/Norton usasse um smartphone. Imagine Tyler levantando seu smartphone depois de mais uma briga no “Clube da Luta” para fazer uma selfie com seu oponente ensanguentado, só para descobrir com quem realmente se parece... Pronto! A divisão esquizofrênica de personalidade acabaria...


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