quinta-feira, junho 14, 2012

Uma Disneylândia mortal no filme "Westworld"

Uma Disneylândia hightech para adultos milionários onde todos podem realizar suas fantasias de sexo e violência. Reproduções de mundos do passado habitados por ciborgues programados para serem assassinados ou seduzidos. Do mesmo autor do  livro "Jurassic Park", o filme "Westworld - Onde Ningém Tem Alma" (1973) de Michael Crichton parece prenunciar a necessidade ideológica de um mundo onde os parques temáticos esconderiam a infantilidade que já estaria em toda parte. Coincidentemente, esse clássico surge dois anos depois da inauguração da Walt Disney World nos EUA e do "Nixon Shock", conjunto de decisões do então presidente que criaram as bases da transformação do mundo financeiro em um verdadeiro cassino.

Imagine uma Disneylândia para adultos onde cada mulher e cada homem pudesse viver suas fantasias ao salgado preço de mil dólares por dia. Isso é Délos, o estado da arte dos parques temáticos onde todos podem viver suas fantasias em três mundos: o Romano, o Medieval e o “Westworld”, um mundo que reproduz o velho Oeste da fronteira dos EUA. Todos esses mundos são habitados por ciborgues armados com revólveres ou espadas, mas programados para perder em duelos ou serem seduzidos pelos visitantes.

“Westworld”, onde nada pode dar errado... exceto quando uma estranha forma viral de erro na programação das máquinas começa a produzir disfunções generalizadas no parque e, gradualmente, os ciborgues começam a adquirir autonomia e passam a se vingar dos milionários turistas. Todos liderados por um insólito Yul Brynner robótico que revive seu famoso personagem pistoleiro do filme “Sete Homens e Um Destino” (1960) e que persegue obsessivamente um dos turistas com sede de vingança.

Michael Crichton dirigiu essa clássica adaptação cinematográfica do seu próprio livro “Westworld – onde ninguém tem alma”. Ele também escreveria mais tarde o livro “Jurassic Park” que seria adaptado ao cinema por Spielberg em 1993 o que rendeu a Crichton a fama de criador de um gênero literário chamado “techno-thriller” onde une-se a ação com o detalhismo técno-científico. Percebe-se em “Westworld” de 1973 a preparação do argumento que seria melhor desenvolvido no futuro em “Jurassic Park”: fantasias realizadas através da tecnologia que se voltam contra o homem depois de disfunções, erros ou acidentes que revelam a própria natureza das coisas – o caos.


"Westworld" se inspirou em Dineylândia e NASA



É reveladora a afirmação de Crichton de que a inspiração para escrever “Westworld” veio após visitar o Kennedy Space Center e a Disneylândia nos anos 1970: “vi como os astronautas estavam sendo treinados - e eu percebi que eles tinham se tornado realmente máquinas Esses caras estavam trabalhando muito duro onde até mesmo seus batimentos cardíacos eram monitorados para se tornarem o mais previsíveis possível, assim como máquinas. No outro extremo, pode-se ir para a Disneylândia e ver Abraham Lincoln em pé a cada 15 minutos para entregar o endereço de Gettysburg. Esse é o caso de uma máquina que foi feita para olhar, falar e agir como uma pessoa. Isso deu-me a ideia de brincar com uma situação em que as distinções usuais entre pessoa e máquina tornam-se turvas” (“Westworld” TCM – Turner Classic Movies em http://www.tcm.com/this-month/article/12461%7C0/Westworld.html).

NASA e Disneylândia são dois pilares do imaginário norte-americano irradiado para o mundo, dois exemplos de parques temáticos (a NASA parece também se converter em um parque com a crise da aventura espacial e a sua promoção a parque turístico e franquia de gadgets tecnológicos e infantis – veja links abaixo) onde fantasias e sonhos são materializados tecnologicamente destinados a imersão em experiências protéticas.

Crichton apresenta a irônica situação de turistas adultos responsáveis e bem sucedidos (advogados, banqueiros, médicos etc.) irem a um parque temático viver fantasias infantis e egocêntricas. Todo o avanço tecnológico voltado não para o progresso, mas para a regressão a estágios infantis. Mas não fantasias infantis verdadeiras (essas são até progressivas, pois desafiam a realidade), mas uma fantasia degenerada baseada em clichês da cultura midiática.

Explicando melhor, Crichton nos apresenta uma narrativa onde turistas pagam uma fortuna para viverem em um parque hightech as cenas imortalizadas no cinema e TV, como, por exemplo, lutas e duelos em saloons do velho oeste: desafiar o pistoleiro Yul Brynner de “Sete Homens e Um Destino” para um duelo em que você sempre vencerá não tem preço!


A ideologia dos parques temáticos



Esse tema de “Westworld” lembra o diagnóstico feito pelo pensador francês Jean Baudrillard sobre a função dos parques temáticos na civilização contemporânea:
“O imaginário da Disneylândia não é nem verdadeiro nem falso, é uma máquina de dissuasão encenada para regenerar no plano oposto a ficção do real. Daí a debilidade deste imaginário, a sua degenerescência infantil. O mundo quer-se infantil para fazer crer que os adultos estão noutra parte, no mundo ‘real’, e para esconder que a verdadeira infantilidade está em toda parte, e é a dos próprios adultos que vêm aqui fingir que são crianças para iludir a sua infantilidade real” (BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio D’Água, 1991, p. 21).
“Westworld”, assim como os parques temáticos desde a concepção da Disneylândia por Walt Disney em 1955, é o mundo das simulações dos sonhos e de lugares felizes que não se impõem como principio de realidade, mas apenas são contrafações que justificam a “realidade” do mundo fora dos parques temáticos. Ou seja, o simulacro do imaginário débil e infantilizado dos parques temáticos dos sonhos de felicidade apenas serve, através da negatividade, para salvaguardar a miragem do real.

É curioso observar essa necessidade de criar contrafações da realidade em parques temáticos e, atualmente, também em mundos digitais (“Second Life”, “Sim City”, “Civilization”, “ZooTycoon” etc.) como se, através disso, justificasse a realidade em que vivemos por meio da sua contraposição imaginária.

Seria como uma necessidade ideológica de esconder que o mundo “real” em que vivemos é tão “imaginário” quanto o dos parques temáticos ou, como afirma Baudrillard, encobrir a “infantilidade que já está em toda parte”. Em outras palavras, os mundos artificiais dentro dos quais somos imersos por meio da tecnologia teriam a função de reforçar a ilusão de que, afinal, o mundo em que vivemos para trabalhar e pagar por essa tecnologia é real.

O filme Westworld vem às telas de cinema dois anos depois da bombástica inauguração do maior parque temático do mundo, o Walt Disney World na Flórida em 1971. Muito mais do que coincidência, localizado a menos de uma hora dali está o Kennedy Space Center que, somados, formam o complexo técno-científico-imaginário que irradia simulações para todo o planeta.

E para completar esse mosaico de coincidências, justamente em 1971 o então presidente dos EUA Richard Nixon cria as bases para o verdadeiro cassino financeiro global e a economia imaginária do mundo atual (o "Nixon Shock") com o cancelamento da convertibilidade do dólar/ouro, o que essencialmente rasgava o acordo de Bretton Woods que estabilizava o chamado lastro-ouro para o dólar. Com essa medida radical diante da inflação e do déficit incontrolável da balança de pagamentos da economia dos EUA, Nixon virtualizava a moeda referencial da economia mundial, e de tabela criava as condições da financeirização da ordem global e da liquidez vertiginosa de papeis e títulos sem qualquer base com a realidade.

Acompanhando esse raciocínio baudrillardiano, a multiplicação de parques temáticos a partir dos anos 1970 e, mais tarde, a criação das contrafações digitais parece acompanhar essa necessidade estrutural do mundo, seja econômico ou político, se justificar como real. Quanto mais a economia se virtualiza com a financeirização e mais a política é dominada pela simulação das imagens do marketing político, mais o sistema precisa criar disneylândias para se crerem ainda como reais e com objetivos racionais.

E quanto mais os agentes da economia e da política se tornam bem sucedidos, mais necessitam imergir em fantasias infantis regressivas hightechs para injetarem algum sentido racional às suas atividades no mundo real.

Com “Westworld”, Crichton parece prenunciar a expansão das próteses imaginárias das nossas fantasias em mundos artificiais que alcança o cúmulo em “Jurassic Park” onde os ciborgues são substituídos por seres resultantes da engenharia genética.


Parques temáticos tecnognósticos



É importante perceber a motivação moral por trás do projeto tecnognóstico dos parques temáticos: eliminar o erro, o ruído, o humano, o Mal. Walt Disney não gostava dos parques de diversão nos EUA. Ele os achava “horríveis, mal cheirosos, sujos e não-seguros”. Então ele resolveu fechar um acordo com a emissora de televisão ABC para abrir o primeiro parque temático da história, um mundo paralelo onde a tecnologia criaria uma dimensão asséptica, perfeita, higienizada e feliz.

Crichton é preciso em mostrar a falha nessa verdadeira utopia tecnomística tanto em “Westworld” como em “Jurassic Park”: se no filme de 1973 o erro viral de programação decorre por mecanismos “quase biológicos” que os próprios cientistas ignoram, vinte anos depois a engenharia genética do parque dos dinossauros falha e tudo fica sem controle fazendo um dos protagonistas admitir que “a vida segue seu próprio caminho”.

Ficha Técnica:

  • Título: Westworld - onde ningém tem alma (Westworld)
  • Diretor: Michael Crichton
  • Roteiro: Michael Crichton
  • Elenco: Yul Brynner, Richard Benjamin e James Brolin
  • Produção: Metro Goldwyn Mayer (MGM)
  • Distribuição: Paragon (Brasil, DVD)
  • Ano: 1973
  • País: EUA


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