sexta-feira, março 09, 2012

Resposta ao Post "A Dialética Negativa: Theodor Adorno Gnóstico"

Por Douglas A. Remonatto 
Uma resposta de Douglas Remonatto (mestrando em Filosofia pela Universidade de Lisboa) à postagem anterior "Dialética Negativa  Theodor Adorno Gnóstico": Se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis)                                     

Se para Adorno a dialética positiva de Hegel erra ao abandonar a realidade concreta, ignorando a experiência do particular em prol de uma busca por transcendência através da “síntese do Espírito Absoluto”, para Hegel não buscar nada além da experiência pessoal é iludir-se com fragmentos do processo teleológico, sem nunca ter a possibilidade de contemplar o processo como um todo, nos privando assim de autodescobrirmos nossa essencialidade. 


E se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel cujo pensamento filosófico tem por base o processo pelo qual, de uma situação alienada, o espirito passa a se encontrar em si mesmo através do conhecimento de sua verdadeira natureza absoluta. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis). 

Transcendência imanente e absoluto vazio 

Bramanismo:  a aceitação de uma
realidade una e imutável
Há algo em comum entre o hermetismo de Hegel e o niilismo de Adorno? Julgo que para entendermos as minúcias deste “monismo dualista gnosiológico” seria interessante fazermos uma analogia, recorrendo ao fértil diálogo existente entre o Buddhadharma (Budismo) e o Sanātana Dharma (Hinduísmo ou Bramanismo). 

A questão central em debate é a existência ou não de uma realidade absoluta e se esta nos é acessível. Pois bem, não há meio melhor para entendermos as diferenças existentes entre a doutrina contida nos Upanishads (Bramanismo)e o Buddhadharma do que analisarmos o que ambas dizem a respeito da aceitação (ou não) da existência de uma realidade una e imutável. Isso significa tentar compreender as diferenças entre a doutrina Bramânica do atmano e a doutrina Budista do anatta(não-eu). 

O Sanātana Dharma ou Vedanta possui um ensinamento focado na relação existente entre o Absoluto (Brahman), Alma universal (Atman) e a alma individual (Jivatman). Neste diálogo se percebe a concepção de uma realidade objetiva e una do absoluto e, por conseguinte, sua relação com o “eu” uno de cada indivíduo. Possui, portanto, uma base equivalente a dialética hegeliana onde,por meio da aplicação consequente desse princípio espiritual de busca pelo absoluto, contido em cada ser humano, é possível realizar a identidade de seu atman com Braman reconhecendo Deus em si através da intuitiva sentença tattvamasî (tu és isto). É através desta sentença que se alcança o princípio não dual de onde emana o mundo fenomênico. Em outras palavras, assim como Hegel o hinduísmo busca encontrar a verdade transcendente na absoluta unidade universal. 

Já o Budismo ultrapassa a barreira da própria unidade com uma simples averiguação: "Se tudo se reduz à Unidade, a que se reduz a Unidade?" (kōan Budista). Assim, fazendo da negação da existência de um "Atman" uma de suas teses centrais, a dita doutrina do «anatta», doutrina da não unidade absoluta, ou doutrina do "não Eu". Nega assim qualquer possibilidade da existência de uma verdade una e transcendente, e faz desse busca um completo absurdo.Esta afirmação poderia ser posta junto a Dialética Negativa de Adorno ou mesmo às afirmações de Albert Camus entorno do Absurdo existencial. 

Talvez o mais interessante aqui não seja o contraponto e sim o diálogo. Como diria Edgar Morin, devemos deixar a dialética de lado e partirmos para uma dialógica, conciliando ambas as doutrina e percebendo que “duas lógicas, dois princípios, estão unidos sem que a dualidade se perca nessa unidade: daí vem a ideia de unidualidade” pois “o homem é um ser unidual” e ‘unitotal’ (Edgar Morin, in “Ciência com Consciência”). 

Assim percebemos que ambas as doutrinas discutem, por perspectivas distintas, as relações do homem com o absoluto, investigando os caminhos possíveis para escapar da ignorância e da ilusão. Ou seja,ao analisar fenomenologicamente as relações existentes entre a dialética de Adorno e de Hegel, se nota que apesar de suas explícitas diferenças, convergem para uma mesma finalidade:a transcendência seja ela imanente ou não, sacra ou secular, una ou múltipla, Absoluta (bramica) ou Vazia (nirvanica). 


Douglas A. Remonatto Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso - Brasil (com Equivalência pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.) Mestrando em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.


Comentário: Encontrar o ímpeto gnóstico em Adorno no projeto da dialética negativa pode parecer paradoxal: como pode existir a aspiração gnóstica por transcendência se ele pretende que a Metafísica mergulhe na experiência ordinária, particular e precária? Como encontrar o Universal no interior dos objetos se, do ponto de vista gnóstico, o cosmos físico somente pode ser estruturado pelo Mal de onde a centelha alienada (pneuma) deve escapar para ascender e reencontrar com sua verdadeira morada original (Pleroma)?
Aqui temos que deixar claras algumas teses:

  1. A "metafísica em queda" como defendia Adorno só pode significar o movimento introspectivo da gnose, buscar dentro da experiência a centelha (elan, espontaneidade ou "o não-idêntico" na linguagem adorniana). A experiência do Sagrado somente pode ser encontrada dentro de si mesmo ao questionar todo o esforço que as Totalidades (políticas, econômicas, religiosas, institucionais etc.) exercem nas estratégias diversionistas para nos encherem de preocupações, demandas, crises e obrigações que fazem nos esquecer de nós mesmos.
  2. Não é por acaso que Adorno vai eleger a descrição proustiana da experiência e do tempo como exemplo da diálética negativa na literatura: Proust e todo o movimento do Romantismo literário no séc. XIX foi uma das portas de entrada do Gnosticismo na Modernidade (Blake, Nerval, Baudellaire, Shelley etc.) com os temas do misticismo e das limitações da linguagem como formas de representar o transitório, o incognoscível e a transcendência.
  3. A desconfiança em relação à "dialética positiva" de Hegel reside precisamente na leitura materialista de Adorno, a sua herança marxista: a Totalidade é opressiva e falsa por ser a expressão idealista do fetichismo ou abstração das instituições econômicas como a Mercadoria e o Capital.
  4. Embora herança marxista, o materialismo de Adorno não segue a escatologia de Marx (o fim da alienação a partir do desdobramento de uma essência prisioneira nos sucessivos modos de produção), mas, através da Metafísica, a busca do "inteiramente outro", o que equivaleria ao "tertium quid" dos gnósticos: nem a ilusão, nem a realidade, mas uma terceira alternativa que supere a dualidade que não consegue superar-se por meio de um salto dialético.
  5. Por isso, o ponto de chegada da dialética negativa é o "niilismo": crer na ausência de sentido ou propósito para a existência é a forma de nos libertarmos de todos os discursos totalizantes e totalitários, dando uma liberdade inédita para o indivíduo voltar-se para si mesmo e descobrir-se como um exilado em um cosmos estruturado pelo Mal.

Wilson Roberto Vieira Ferreira


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