Dia 6 de novembro estreou a animação Arcane, ambientada no universo de League of Legends, o mais importante jogo MMO (sigla para Massively Multiplayer Online) da atualidade. O Cinegnose vem falar não do anime, mas mostrar alguns dos personagens do jogo, além dos personagens de HQs, cinema e RPG – e até históricos – que lhes serviram de inspiração. A alusão do personagem Ryze ao monge russo Rasputin é justa, mas certas influências, se não são alusões, são verdadeiros plágios de personagens já conhecidos do panteão nerd.
Desde 2009, o mais famoso MMO da atualidade, League of Legends, angariou uma legião de fiéis, mas o fato é que eu precisava entender o porquê de aquele jogo babaca mobilizar tanta gente e tanta coisa em cima de um campeonatinho que é sempre mais ou menos… o mesmo. Daí me perguntei: “Como alguém pode se viciar nisso?” E tive dificuldade em escrever este artigo, já que alternava as horas vagas entre os presentes parágrafos e o tradicional: “Só mais uma, só mais uma!”
Como não poderia deixar de ser, os “Campeões” (como são chamados os personagens) são inspirados em diversos arquétipos e clichês de heróis e vilões de todos os tipos de universo fantástico. Da fantasia medieval à distopia cyberpunk, não faltam releituras de deuses egípcios (todos personagens do Egito fictício do jogo, Shurima), pretensas medusas e minotauros bonachões. Assim como em jogos antigos cujas quizumbas entre os personagens faziam a gente conversar sobre eles nos antigos fliperamas, as histórias dos campeões de League of Legends muitas vezes se intercalam, gerando os dramas e relações – amigáveis ou não – entre eles.
Infelizmente, grande parte das melhores histórias está na página oficial e não aparece por completo no painel do jogo (ao menos, não na versão brasileira pelo que pude constatar). Mas a despeito de certos personagens serem releituras de deuses egípcios, mitos gregos e outros bichos, muitos não passam de influências terciárias de personagens já conhecidos do panteão nerd, formando verdadeiros amálgamas e, portanto, personagens não tão “verdadeiros” assim.
Vamos conhecer alguns deles:
Ryze – Rasputin se revira no túmulo
Embora os personagens se dividam em seis classes distintas, sendo Mago uma delas, nem todos os que correspondem a essa categoria são necessariamente magos, mas Ryze se enquadra perfeitamente no postulado já que passa pelo mundo fictício de Runeterra coletando as chamadas Runas Globais, capazes de destruir o mundo, embora tenham sido responsáveis pela criação do mesmo.
Ryze, de League of Legends |
Seu estereótipo de barbudo careca e sua fisionomia parecem ter sido inspirados no lendário monge russo Grigory Yefimovich Rasputin, mas não em seu aspecto real, representado pelo desenhista e roteirista de quadrinhos Milo Manara e na série de animações do personagem Corto Maltese, mas na versão de Mike Mignola, em Hellboy.
Rasputin, no traço de Mike Mignola |
Pra completar, a aparência Cristal Negro lembra muito o Senhor das Trevas, interpretado por Tim Curry em A Lenda.
Ryze em sua skin Cristal Negro e o Senhor das Trevas, de A Lenda |
Jinx – “Pega a metralhadora…”
Um primeiro olhar sobre a dita cuja faz uma personagem saltar à mente mesmo que você não seja um quadrinhólatra. Surgida em setembro de 1992 em Batman: The Animated Series (eleita por muitos a melhor série de animação do personagem), Arlequina é a personagem preferida inclusive como opção de cosplay por meninas que jamais leram uma HQ com sua participação.
Harley... Jinx! |
Bandida ruim, Jinx toca o terror no território de Piltover, a Cidade do Progresso. Seu nome é uma gíria utilizada para passar o azar para outra pessoa; uma interjeição dita quando duas pessoas repetem uma frase ao mesmo tempo. Aquele que exclama primeiro, se livra do azar. Está na cara – literalmente – a inspiração para a personagem, tanto em sua indumentária quanto em seus trejeitos tresloucados. Resta saber qual a sua motivação. Talvez a falta de um Coringa…
Nidalee – Te cuida, Jane
Alguns personagens têm a capacidade de serem metamorfos, quase licantropos, embora apenas Warwick tenha a aparência de lobisomem. Ao passarem para a forma animal (com exceção de Shyvana, cuja metamorfose se dá no Ultimate Attack), seus poderes básicos (chamados de Habilidades no jogo) também se alteram.
Nidalee |
Filha de caçadores, Nidalee assistiu seus pais morrerem de uma estranha doença enquanto caçavam tesouros na Selva Kumungu. Criada por pumas, a garota absorveu os poderes da mata e ganhou a capacidade de se metamorfosear em um deles, encarnando seu tótem. Tirando a parte da metamorfose, sua história é semelhante tanto à de Tarzan quanto a de Mogli, o Menino Lobo, e sua metamorfose faria dela um representante da raça Bastet, os licantropos felinos do RPG Lobisomem: O Apocalipse.
Zyra – “Porque eu sou... Hera!”
A “moça” é na verdade uma espécie de planta carnívora devoradora de animais e sua espécie dominava a Selva de Kumungu onde os pais de Nidalee morreram. Com a escassez de caça, a aspirante à mascote de Pequena Loja dos Horrores transferiu sua consciência para o corpo de uma bruxa que passava por ali e deu bobeira.
Venenosa, ê-ê-ê-ê-ê... |
À medida que ia degustando a feiticeira, Zyra adquiria suas memórias e, através da absorção de seus poderes, tornou-se o ser uno que conhecemos hoje: um corpo vegetal guiado por uma consciência humana.
Zyra Fogo Silvestre - até a pose de She-Ra |
Tanto o conceito quanto a história lembram muito a concepção do Monstro do Pântano de Len Weimesclada com as versões mais recentes da Hera Venenosa. Fora que a transformação de uma classe de personagem em outra é como a da Ordem de Hermes que se tornou o Clã Tremere no universo World of Darknessde Mark Rein-Hagen. E sua skin Fogo Silvestre a faz parecer uma She-Ra do inferno!
Lee Sin – Operação Demolidor
Embora não tenha a função de Mago, sua história conta que já foi um renomado estudante de magia, quando, para testar seus poderes, resolveu evocar “uma fera das Selvas das Pragas”. O experimento deu errado e o que veio no lugar foi um garoto que, em sua forma semi-manifesta, caiu desfalecido ao chão. Pra completar o vilarejo do garoto havia sido destruído pela energia do ritual. Decepcionado e com a consciência pesada, Lee Sin se retirou para o Monastério de Shojin decidido a nunca mais praticar magia e um dia resolveu atear fogo a si mesmo, o que o deixou cego.
Lee Sin |
Sei nome é claramente inspirado em Bruce Lee, já que desfere golpes a la kung fu, mesclado com a palavra sin (pecado, em inglês). A evocação que deu errado lembra muito o início da saga de Morpheus, de Sandman. A destruição do vilarejo, o início da saga The Lost Canvas, dos Cavaleiros do Zodíaco e a ideia de um personagem cego e bom de porrada se aproxima muito da concepção de Demolidor, da Marvel, principalmente em sua versão bardo, apresentada na série 1602, de Neil Gaiman (autor de Sandman). O que ninguém explica é como Lee Sin ficou cego devido às chamas e não possui nenhuma cicatriz de queimaduras. Coisas de monge…
Twisted Fate – O Wolverine-Gambit?
Pertencente ao povo nômade de Serpentine, Twisted Fate aprendeu cedo as manhas da jogatina, ludibriando a todos os que eventualmente o desafiavam para uma partida. Certa vez, alguns que perderam seus bens (nas noites de jogatina desenfreada que seu povo oferecia nas tendas beira-rio) resolveram reaver ou usurpar o povo nômade, atacando seu acampamento na calada da noite.
Twisted Fate - o Wolverine-Gambit |
Com sua família em perigo, Twisted atacou com suas cartas energizadas e botou os maus perdedores pra correr. Mas, ao se dar conta, percebeu que havia sido abandonado por seu povo e sua família, deixado com as roupas do corpo… e suas famigeradas cartas.
Gambit (acima) e Wolverine - os dois ingredientes para Twisted Fate |
Não é preciso dizer em qual personagem foi inspirada a criação de Twisted, né, gente? Um outro X-Man também faz parte de sua composição, a julgar pela barba e o chapéu que usa de vez em quando, além do apreço por bares. Assim como o atarracado mutante canadense, Twisted Fate também é o cidadão do balcão. Será que o antigo e extinto Longshot o venceria numa partida?
Lee Sin – De que Tribo ele é, Rein-Hagen?
Caçador de recompensas a la Lobo… ou melhor, de espécimes humanos para experiências, Warwickdecidiu beber uma poção que o transformaria num caçador inigualável… Uma mistura de Mr. Hyde com capitão do mato.
Warwick na skin Hiena |
O Dr. Jekyll responsável pela manufatura da poção foi Singed, o Químico Louco, e, para tanto, necessitava de três componentes para a resolução da fórmula: um pouco de prata da Ilha das Sombras, a presa de um lobo de Belafire e o coração de um ser celestial. Semelhanças com Hellblazer #66?
Faltando apenas o último e mais difícil componente, Warwick viajou para Ionia atrás de Soraka, uma mina-unicórnio que vivia em um bosque encantado; uma espécie de Arcádia. Embora fofinha, a mina dá um sacode no exímio caçador, que volta desfigurado e disposto a beber a poção sem o componente essencial. Warwick se torna então um pseudo lobisomem e, de tão bestial, não consegue mais manter suas encomendas vivas.
Agora ele precisa de qualquer jeito do coração de Soraka para não sucumbir à Besta, Sua Ult lembra o Frenesi que facilmente acomete os vampiros e sua jornada para não sucumbir à Besta assemelha-se muito a esses últimos. Sua forma é a chamada Forma Crinos do RPG Lobisomem: o Apocalipse. Todos elementos presentes nouniverso World of Darkness de Mark Rein-Hagen. Duvida? Basta conferir sua skin Hiena, uma clara alusão aos Dançarinos da Espiral Negra, a tribo dos caídos do RPG.
Pequeno glossário do jogo:
Fidar- do inglês feed, alimentar. Quando você morre, ajuda o adversário a subir de nível.
Farmar- do inglês farm, cultivar. É o ato de matar minions (os pequenos soldados do jogo) para ganhar dinheiro e experiência, no melhor estilo kach ‘n slash.
Bildar- do inglês build, construir. Se resume na compra de itens durante o jogo e em equipar o personagem com elas.
Upar- do inglês up, é apenas subir uma Habilidade (como são chamados os quatro poderes básicos no jogo) quando seu personagem sobe de nível.
Ultar- acionar o Ultimate Attack, a quarta e mais potente habilidade do personagem. O comumente chamado “Especial”.
Claudio Siqueira é Bacharel em Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.