O
Halloween está chegando, uma data festiva criada midiaticamente a partir da
matéria-prima dos nossos pesadelos. E de onde eles vêm? Do inconsciente? Ou...
alguém ou alguma coisa os produz para ao mesmo tempo se alimentar do nosso medo
e nos manter “na linha” nesse mundo? O curta “How To Make A Nightmare” (2014)
pretende abordar essa questão. O curta é mais uma evidência de como a
sensibilidade gnóstica vem transformando gêneros como o terror e
ficção-científica – se esses gêneros foram tributários do viés da psicanálise
freudiana, nos últimos tempos tudo está mudando: sonhos e pesadelos não são
mais produtos do inconsciente mas agora construções elaboradas por alguém que
não nos ama.
Às
vésperas de mais um Halloween, uma boa questão: de onde vêm os pesadelos? O
gêneros terror e ficção-científica sempre tiveram uma queda pelo viés da Psicanálise.
Afinal, Freud foi contemporâneo da Era Vitoriana, pródiga pela literatura do Romantismo
e os contos góticos. Na verdade foram gêneros literários que prepararam o terreno
para as explorações do inconsciente que, logo depois, Freud transformou em disciplina
científica.
Na
tradição do gênero do horror gótico os pesadelos originam-se das obsessões,
sentimentos de culpa, dramas edipianos não resolvidos, traumas e do “estranho”
(“uncanny”): a irredutibilidade do Mal, aquilo que está além de qualquer
racionalização, o “Isso” – “Id”.
Os
monstros e fantasmas nada mais seriam do que projeções desse magma inconsciente
ou a encarnação do próprio Mal presente em cada um de nós.
Na ficção-científica
não é muito diferente. Basta lembrar de filmes como O Planeta Proibido (1956) no qual os astronautas enfrentavam os perigos proporcionados por uma máquina alienígena capaz de materializar os pensamentos da tripulação. O
resultado é a criação dos “monstros do Id” assassinos.
Ou
o clássico Solaris (1972) de
Tarkovski – no planeta chamado Solaris formado por um imenso oceano,
suspeita-se que haja uma inteligência extraterrestre. Mas o oceano possui um
poder telepático capaz de entrar no inconsciente dos astronautas e tornar seus
pensamentos reais – ou perigosos pesadelos que podem levar à morte.
Mas
nesse século uma sensibilidade gnóstica parece mudar o viés sobre pesadelos e o
inconsciente. Um exemplo no terror é o filme Ink (2009), onde “incubus” no plano astral da humanidade instigam
pesadelos nos vivos. Ou mesmo A Origem
(Inception, 2010), onde especialistas
em invadir o psiquismo alheio tentam inocular ideias em sonhos e pesadelos da
mente de uma importante figura do meio empresarial.
O
curta How to Make A Nightmare embarca
nessa nova sensibilidade gnóstica: em um estranho laboratório underground os
pesadelos são literalmente cozinhados por estranhos demiurgos “alquimistas”.
Através
de estranhos aparelhos, mapeiam o psiquismo de uma jovem chamada Julia em busca
de loucuras, obsessões, arrependimentos e monstros presentes dentro de cada um
de nós. Eles parecem gostar disso, e até parecem se deliciar com estranhos
fluídos que escoam de tubos como resultado da destilação de sentimentos densos
resultantes dos pesadelos provocados por eles.
O
curta faz uma interessante combinação entre live
action e animação em stop motion.
Foi o resultado do trabalho de conclusão no curso de cinema do diretor Noah
Aust na Emerson College, Boston, EUA.
Os
problemas dos demiurgos produtores de pesadelos começam quando um deles, Bill,
apaixona-se por Julia, suas memórias e beleza. Em desespero ao vê-la
enfrentando um monstro bizarro, Bill mergulha no material gosmento e asqueroso
que compõe os pesadelos, nadando pela atmosfera de um estranho mundo até
encontrar a duplicata de Julia em uma boneca, prostrada em um canto cheio de
detritos.
Desde
o auge do Gnosticismo Pop representado pela trilogia Matrix dos Wachowski, a
sensibilidade gnóstica tem se espalhado do cinema para a produção audiovisual
como séries de TV (Mr. Robot, Under The Dome, Black Mirror etc.), animações e
curtas (Jovens Titãs em Ação, Uma Aventura Lego etc.), como o Cinegnose vem
observado nas últimas postagens.
Uma
sensibilidade que pode ser resumida no seguinte insight: o homem é prisioneiro em um mundo construído por alguém
que não o ama. Tanto a realidade física como a psíquica, não passam de
aparências construídas metodicamente para incutir em nós medo, traumas e
paralisar qualquer tentativa de fuga – o encontro da fagulha da Luz interior
que nos ligaria novamente à Plenitude, fora desse mundo inautêntico.