Em
1965, uma obscura revista de história em quadrinhos inglesa para crianças e
jovens chamada “Eagle” publicou um artigo intitulado “Computers For Everyone”.
O texto previa com assombrosa exatidão o surgimento dos motores de busca na
Internet para os anos 1990 e serviços análogos aos atuais Netflix, Kindle e
Skype. Isso, cinco anos antes da pré-história da moderna Internet, a Arpanet em
1969. O que espanta é que foram profecias bem diferentes daquelas famosas de
escritores como Júlio Verne ou H.G. Wells: em pleno mundo analógico dos anos
1960, o artigo previa gadgets digitais como a Internet das Coisas. Apenas boa
futurologia? Ou haveria uma outra narrativa para a história da ciência e
tecnologia? Todas as invenções que irão estruturar o futuro já foram descobertas
e patenteadas. Elas são “desovadas” aos poucos, de acordo com necessidades
estratégicas de mercado, políticas ou militares. Poderiam assombrosas visões do
futuro como essas publicadas em um comic book isolado ser uma falha na Matrix?
Um verdadeiro déjà-vu?
Quando
falamos de grandes escritores visionários que previram invenções como
Júlio Verne (viagens espaciais, submarinos, satélites), Arthur Clarke
(satélites geoestacionários, computadores capazes de derrotar o homem no
xadrez), Cyrano de Bergerac (a caixa “leitor com as orelhas”, precursor do
gravador), H.G. Wells (o raio laser e comunicações sem fio), podemos considerar
tudo verossímil. Afinal, foram gênios da ficção e pioneiros do futurismo.
Mas
então o que dizer sobre um artigo publicado em 1965 em uma obscura revista de
história em quadrinhos inglesa chamada Eagle,
que previu a chegada da Internet com assombrosa precisão, incluindo serviços
similares aos atuais Skype, Netflix, Kindle e motores de busca como o Google.
Tudo isso, anos antes da Arpanet, a pré-história da Internet décadas antes da
primeira encarnação da rede de computadores tornar-se disponível ao público em
geral.
O
artigo era intitulado “Computers for Everyone” (“Computadores para Todos”) foi
tão exato que previu o “conhecimento global ao alcance das suas mãos” para a
década de 1990:
“Você gostaria de ser capaz de resolver qualquer problema matemático em uma fração de segundos? Convocar qualquer página de qualquer livro ou jornal instantaneamente diante dos seus olhos: toda a informação factual conhecida pelo homem em suas próprias mãos – tudo sem sair da sua própria sala de estar? Este sonho fantástico de ficção-científica pode se tornar realidade na década de 1990 se o plano que está sendo trabalhado agora pelos melhores cientistas deste país e dos EUA for bem sucedido.”
O
leitor deve ter em mente que a Arpanet, primeira rede de computadores criada
para fins militares, só foi estabelecida em 1969 e em 1970 construído o
primeiro elo entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de Pesquisa de
Stanford.
Claro,
modelos de comunicação digital em rede já eram estudados sigilosamente (o que é
de espantar essa informação em artigo de um comic
book para crianças no contexto de Guerra Fria) em 1962 por Paul Baran feitos na
Rand Corporation, Califórnia.
Mas
o que torna o artigo da revista Eagle
insólito é a previsão de desdobramentos e serviços na Internet. Em resumo, o
artigo previu pelo menos sete aspectos fundamentais da Internet, alguns dos
quais ainda hoje estão em estado inicial, quatro anos da Arpanet, três décadas
antes da Internet tornar-se acessível o público e quatro décadas antes de
serviços como Skype e Netflix:
(a)
“Conhecimento mundial no alcance das suas mãos” (os motores de busca)
(b)
“Convocar qualquer página de qualquer livro ou jornal instantaneamente diante
dos seus olhos”(Kindle)
(c)
“O computador irá controlar todas as fontes de alimentação da sua casa. Seu
aparelho de TV, o telefone, eletricidade, gás, máquina de escrever,
gravador...” (casa inteligente e a Internet das Coisas)
(d)
“Videofone” (Skype)
(e)
“Sinal de TV Multi-Canal” (Netflix, streaming)
(f)
“Computadores substituirão gravadores e toca-discos” (Spotify, iTunes)
(g)
“Redes que operam na velocidade da luz” (fibra ótica)
Átomos e Bits
O
que espanta nessas profecias não é tanto o futurismo visionário, mas a natureza
das previsões. Enquanto em Júlio Verne ou H.G. Wells as previsões eram
“analógicas” (grandes máquinas para transporte e exploração ou máquinas de
comunicação se fio) no artigo “Computers for Everyone” temos uma quebra de
paradigma com a digitalização do cotidiano – por exemplo, o som contínuo e
analógico de gravadores e toca-discos convertidos em dígitos descontínuos. Ou
páginas de livros físicos transformados em imagens digitais.
Se
nos anos 1990 para muitos, inclusive para esse humilde blogueiro, era difícil
compreender o livro de Nicholas Negroponte A
Vida Digital (como a diferença entre átomos e bits iria revolucionar arte,
cultura, marketing e mídia), imagine em 1965 onde a transmissão de documentos
em imagem digital por meio de impulsos telefônicos através do fax sequer era
imaginada pelo público em geral?
As
pessoas costumam ver a história da Ciência e Tecnologia através da narrativa
passada pela mídia: a evolução das descobertas em uma time-line ascendente
orientada pela satisfação de necessidades e a solução das grandes questões
propostas pela sociedade – melhorar, desenvolver, aprimorar etc.
Por
um ponto de vista gnóstico, artigos estranhamente visionários como esse
publicado em um comic book poderia
ser uma falha na Matrix, um verdadeiro déjà-vu
como aqueles presenciados por Neo antecipando alguma falha na trama da
realidade virtual.
Há uma outra narrativa nas história das
descoberta científicas e invenções, muito mais fragmentadas, por vezes trágica,
e descontínua do que numa tranquila e otimista linha evolutiva.
Por
exemplo, se levarmos em consideração que o fax foi patenteado por Alexander
Bain em 1843 e o primeiro protótipo foi construído nos Laboratórios Bell em
1926, por que só nos anos 1970 passou a ser produzido para consumo público?
Aparelho de fax - 1843 |
Todas
as invenções que configuram nosso presente e irão estruturar o futuro já foram
descobertas e patenteadas. Elas são “desovadas” aos poucos, de acordo com as
necessidades estratégicas de mercado, políticas ou militares. E para a opinião
pública são lançados alguns “visionários” como Bill Gates ou Steve Jobs para
criar a narrativa de que a história das tecnologias é marcada pelos esforços de
figuras que, no máximo, criam novos designs e rótulos para invenções que há
tempos estão em gavetas à espera do oportuno contexto
político-bélico-mercadológico. E, como sempre, contextos inversos às
verdadeiras necessidades sociais e humanas.
O
filósofo e urbanista francês Paul Virilio é um dos pesquisadores que insinua
essa hipótese. Para Virilio, todas as invenções objetivam, em primeiro lugar,
aplicação militar. Transistor, válvulas, rádio, cinema, TV e computadores em
primeiro lugar foram aplicadas em cenários de guerra. Décadas depois, o mercado
disponibiliza para civis como descobertas inovadoras de uma “estrada para o
futuro” – leia de Virilio os livros Guerra
e Cinema, Velocidade e Política e O
Horizonte Negativo.
A estrada coberta de cadáveres
Porém,
uma estrada aparentemente coberta de cadáveres. O inventor do motor a explosão, Rudolph Diesel, desapareceu a bordo de
um navio no mar do Norte em uma noite calma. O inventor da frequência modulada
(FM), Edwin Armstrong, se jogou da janela do décimo terceiro andar de um
edifício em Manhattan em 1954.
O físico e inventor sérvio Nikola Tesla
morreu em 1943, solitário em um quarto de hotel em Nova York, financeiramente
quebrado após ser destruído pela JP Morgan e Westinghouse por descobrir a forma
livre de transmissão de energia – sem fios ou necessidade de empresas provedoras.
Batalhas judiciais contra Preston Tucker e
seu carro inovador, o Tucker Torpedo, o levaram à morte em 1956. Seu carro
disponibilizava itens de segurança e tecnológicos (injeção de gasolina) que só
mais tarde a indústria automobilística disponibilizou para consumidores. Para
teóricos da conspiração, todos eles foram verdadeiramente visionários. Mas
colocaram em risco o equilíbrio político e mercadológico daqueles momentos.
Um filme que ilustra de forma cômica essa
tragédia é O Homem do Terno Branco
(The Man In The White Suit, 1951): o filme narra as desventuras de Sidney Stratton (Alec Guinness) um
cientista ingênuo e idealista, recém-formado por Cambridge, que obsessivamente
persegue um objetivo: o desenvolvimento de uma fibra sintética que produza um
tecido que nunca desgaste e suje, produzindo roupas praticamente indestrutíveis
e capazes de durar uma vida inteira.
Não precisa dizer o pânico que provocou na
indústria têxtil. A princípio tentam a todo custo comprar a patente. Sem
efeito, tentam mata-lo enquanto Sidney foge tentando avisar a imprensa – sobre
o filme clique aqui.
O futuro não existe
Essa discussão
sobre as invenções e o futuro lembra a “psico-história”, conceito central na
série “Fundações” do escritor Isaac Asimov, um saber que mesclava história,
sociologia e matemática estatística com o objetivo de prever com exatidão o
futuro das ações coletivas.
O paradoxo é
que o conhecimento de um suposto futuro pode orientar ações para confirma-lo ou
evitá-lo. O que acaba criando o loop de uma profecia autorrealizável. Portanto,
o futuro não existe como um “topos” em algum lugar à frente no tempo, mas como
um cenário criado e desdobrado intencionalmente a partir do presente.
Se todas as
invenções ou descobertas já foram feitas (por isso, as pesquisas científicas
são concentradas nas grandes corporações e pesquisadores aventureiros que por
acaso tentem faze-las de forma independente são judicialmente perseguidos), o
que dizer dos famosos relatórios de Tendências Globais, como o recente feito
pelo Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, com projeções até 2030?
Esses
relatórios assinados por futurólogos e empresas especializadas em análises de
cenários lembram bastante a Psico-História descrita por Asimov.
Isaac Asimov e a Psico-História |
Cenários do futuro da GBN
Um exemplo
foram os estudos feitos pela Global Business Network (GBN) feitas entre o final
da década de 1980 e nos anos 1990. Vendidos a preço de ouro para gigantes
corporativos como AT&T, Volvo e governos como os dos EUA, a GBN ostentava
uma rede eclética de executivos, artistas, acadêmicos e técnicos em
postos-chave na ordem global dos negócios.
O cenário
vendido pela GBN na verdade era nada mais do que aquilo que a sua rede de
notáveis faria acontecer nos setores de negócios, cultura e política. GBN era
uma rede de notáveis que se conectava a estruturas de poder, realizando os
próprios cenários que ela própria criou e vendeu – sobre isso leia “Conspiracy
of Heretics” In: Wired Magazine, 1994
– clique aqui.
Dentro dos
critérios dos teóricos da conspiração, a GBN facilmente poderia ser considerada
uma “sociedade secreta” que manipula os cordões da ordem mundial, não fosse ela
conhecida publicamente e seus serviços de futurologia vendidos ao mercado.
Hoje, a GBN
dividiu-se em uma série de empresas de inteligência, análise, planejamento e
futurologia como a Monitor Institute, Monitor 360 e Worldview Stanford.
Talvez esse
seja a base da atual Matrix: sob a aparência das narrativas sobre futuro e
evolução, esconde-se uma ordem tecnológica e cientificamente estática, na qual
todas invenções e descobertas já foram realizadas. E o futuro nada mais é do
que a resultante de desdobramentos tecno-científicos direcionados por
estratégias político-bélico-econômicas que “desovam” as “descobertas” para
manter sempre intacta a ordem virtual.
Esse estranho
artigo publicado em um comic book
inglês nos anos 1960 talvez faça parte dos breves lapsos da Matrix, mostrando que
o futuro sempre esteve entre nós. São verdadeiros déjà-vus.
Talvez o agente
Kevin (Tommy Lee Jones no filme MIB –
Homens de Preto) tenha razão: em uma sequência do filme, ao folhear jornais
tabloides populares, com manchetes sensacionalistas e fatos bizarros, diz:
“Vamos ver os relatórios... esses tabloides são as melhores fontes do
planeta... às vezes se encontra algo no New York Times”.
Postagens Relacionadas |