Aproveitando-se
do impacto do dilúvio de e-mails liberados pelo “Wikileaks” em outubro (muitos dos quais
associados ao tema UFO) e pelas declarações de Hillary Clinton de que o Governo
liberaria informações sobre a questão ufológica, Donald Trump partiu para a
típica estratégia Smart Power de guerra total: um documento intitulado
“Programa de Salvamento” produzido por uma empresa de Inteligência e estratégia
dos EUA, supostamente vazado pelos hacker ativistas “Anonymus” e viralizando na Internet, prevê cenários de False Flag que permitiriam suspender
as eleições. Um deles, seria a “Operação Firesign” criada pela NASA – por meio
de hologramas 3D projetados na alta atmosfera simular uma invasão
extraterrestre. Na verdade, plágio explícito de um episódio da série “Star Trek: A Nova Geração”.
Tudo parece bizarro e risível, não fosse parte da tendência da “Smart Power” na
Política atual – tornar crível ou ambíguo e viral estratégias políticas por
meio de narrativas ficcionais da indústria do entretenimento. Por todos os
lados vemos a chegada da estetização midiática da política. No Brasil, Doria Jr.,
Crivella, Temer etc., todos baseados em personagens e narrativas de
entretenimento.
Até
o início do século XX, o campo da política sempre fora marcado pelas lutas através
das armas ideológicas, mentiras ou simplesmente pela força bruta. A ascensão do
nazi-fascismo na Europa sob os escombros da primeira guerra mundial mudou tudo
isso. Essas armas milenares foram incorporadas à noção de “Guerra Total”
nazista, que persiste ainda hoje sob novas denominações como “Soft Power” ou
“Smart Power”.
Vimos
em postagem anterior como o Cinema, olhado com desconfiança pela elite política
e cultural dos EUA como ameaça à ordem pública, foi, ao contrário, uma obsessão
para o nazi-fascismo, não só pelo poder de propaganda mas também pelo
simbolismo de modernidade que transformaria definitivamente a maneira como a
opinião pública percebe tanto a ficção como a realidade – clique aqui.
Chaplin,
Os Três Patetas, O Gordo e o Magro e todos os galãs do cinema mudo inspiraram
as performances caricaturais de Hitler e Mussolini – sem o pano de fundo da
seminal indústria do entretenimento seja de Hollywood como da UFA (companhia
cinematográfica alemã na época), certamente ninguém levaria à sério as
ideologias e mentiras proferidas histericamente por esses ditadores.
Destruição como espetáculo de primeira ordem
Walter
Benjamin chamou esse fenômeno de “estetização da política”. Para ele, as
grandes fábricas de sonho nasceram sob o signo da guerra: levar a um ponto em
que as massas assistiriam “sua própria destruição como um prazer estético de
primeira ordem” – BENJAMIN, Walter, Obras escolhidas.
Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, p. 196.
Para
o filósofo e urbanista francês Paul Virilio, a conjunção Cinema e Guerra tem um
princípio estratégico bem definido: “abater o aniversário é menos capturá-lo do
que cativá-lo, é infligir, antes da morte, o pânico da morte” – VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Página
Aberta, 1993.
Essa
lição parece que foi muito bem aprendida pela Direita atual: enquanto as
esquerdas respondem, de forma pouco eficaz, à estetização da política com a
politização da arte (documentários, denúncias, realismo etc.), a Direita cada
vez mais aproxima o script político dos roteiros ficcionais de filmes e séries.
Eficazmente, conseguem dar credibilidade ou, no mínimo, verossimilhança aos
seus discursos, produzindo impacto, boatos, viralização e, principalmente,
ambiguidade.
Anonymus salva o dia
O
caso mais recente foi o hoax do
chamado Projeto Firesign que circula pela Internet, aproveitando-se do dilúvio
de e-mails do Wikileaks liberados em outubro (muitos dos quais associados ao
tema UFO), as várias acusações de assédio sexual contra Donald Trump e a
suposta revelação do “Projeto Veritas” – articulação de gangues composta por
imigrantes para provocar distúrbios e ataques nos comícios de Trump.
Aproveitando-se
das notícias de que durante a campanha presidencial a candidata Hillary Clinton
vem prometendo liberar informações do governo sobre a questão ufológica, o
marketing político de Trump “vazou” na Web um estranho documento em PDF
atribuído ao Benenson Strategy Group (BSG), empresa de Inteligência e
Estratégia supostamente contratado pelo staff da campanha Clinton. O documento
initula-se “Salvage Program” – “Programa de Salvamento”.
A
narrativa oficial do hoax é que o
grupo hacker ativista Anonymus teria
supostamente vazado o documento que descreve vários cenários possíveis que
permitiriam o presidente Barack Obama suspender a eleição geral, decretar lei
marcial e entregar o poder, de forma precária como um fato consumado, para
Hillary Clinton.
São
diferentes cenários de False Flags
(“Falsas Bandeiras” - operações criadas a partir de crises fictícias de modo a
tirar vantagens das consequências resultantes): o apocalipse de uma epidemia de
zika vírus; desastres naturais artificialmente provocados pelo HAARP; atentados
terroristas criando um cenário de forças da ONU mobilizadas para as fronteiras
com o Canadá... e a simulação de uma massiva invasão extraterrestre usando uma
avançada tecnologia holográfica – clique aqui para ler o documento.
O hoax Firesign
Esse
seria o projeto ultra secreto da NASA e Departamento de Defesa chamado “Operação Firesign”, bem conhecido por teóricos da conspiração e pesquisadores de OVNIs e
exopolítica.
Segundo
o documento “vazado”, o objetivo do projeto é induzir a uma histeria religiosa
em massa usando tecnologia holográfica de projeção a laser, criando imagens 3D
realistas sobre a “camada de sódio da atmosfera” a uma altitude de cerca de 100
km. Imagina-se a projeção de naves estelares chegando à Terra, acompanhado de
imagens de Jesus Cristo, Maomé etc., todos chegando à Terra. Pense na
histeria de interpretações contraditórias, entre invasão extraterrestre e a chegada do
messias...
O
documento da BSG inclusive apresenta diagramas do equipamento de projeção e a
mecânica de funcionamento. Praticamente um cinema a céu aberto, com todos os
ingredientes que o cinema atual busca: imersão e interatividade!
Não
precisa dizer que o impacto principal desse documento deveu-se principalmente
ao boato da existência do Firesign. Na verdade, esse suposto projeto é a
reciclagem de outro velho hoax iniciado em 1994: o Projeto Blue Beam.
Blue Beam e Star Trek
Ambos
projetos são trocadilhos ufológicos: Blue Beam como referencia ao famoso
Projeto Blue Book da Força Aérea dos EUA , projeto secreto de estudos do
fenômeno OVNI; e o Projeto Sign, programa atual de estudos dos OVNIs da Foça
Aérea norte-americana.
Lendo
o documento da BSG, percebe-se que por todo texto exala o viés anti-Clinton.
Dessa vez, a velha conspiração do Blue Beam foi reciclada para fins partidários
pelo QG da campanha de Donald Trump.
Assim
como foi o Blue Beam nos anos 1990, o Firesign é uma farsa, desde a
absurdamente anti-científica descrição sobre hologramas “na camada de sódio da
atmosfera” e, principalmente, que não estamos mais em 1994 – ninguém mais olha
para o céu, a não ser para seus próprios celulares.
Mas
a principal irracionalidade é que tanto hoje, como em 1994, a teoria
conspiratória é inspirada na série de Gene Roddenberry Star Trek.
O hoax Blue Beam foi originalmente criado
pelo jornalista radical fundamentalista e separatista de Quebec, Canadá, Serge
Monast. No texto publicado na Internet em 1994, Monast descrevia um “gigantesco
show espacial” projetado por hologramas 3D em diferentes pontos do planeta
sobre a chegada de “Um Novo Cristo” ou “Messias”. Objetivo: desacreditar
antigas religiões com a possibilidade de uma invasão extraterrestre, unindo o
planeta em uma Nova Ordem Mundial.
Em
fevereiro daquele ano ia ao ar o episódio de Star Trek: A Nova Geração chamado “Devil’s Due” que apresentava um
cenário muito semelhante ao Projeto Blue Beam. Aliás, episódio que reciclou uma
série de temas de scripts de livros Star
Trek de Roddenberry nos anos 1970.
Blue Beam e Mel Gibson
Para
o pesquisador em fenômenos sincromísticos Christopher Knowles, a motivação
inicial da criação do boato Blue Beam foi o esforço em dissociar as comunidades
de conspiração UFO das comunidades que denunciavam a Nova Ordem Mundial – na
época, a cada final de semana milícias fortemente armadas apareciam no entorno
da Área 51 e outras instalações militares exigindo saber “toda a verdade” – clique aqui (em inglês).
Quanto
a Serge Monast, dois anos depois morreria de um ataque cardíaco. Seus
seguidores denunciavam um suposto “assassinato por meio de armas
psicotrônicas”. Sua denúncia sobre o
projeto da NASA em implementar uma religião New Age mundial através da
simulação da “Segunda vinda de Cristo” dos céus, chegou inclusive a inspirar a
criação do personagem Jerry Fletcher, interpretando por Mel Gibson em 1997 no
filme Teoria da Conspiração.
Das
massas que achavam Hitler e Mussolini críveis ao verem neles as performances
canastronas dos galãs dos silent movies,
passando pelo “Projeto Guerra nas Estrelas” de Ronald Reagan (projeto bélico
real tributário da fictícia saga intergaláctica da trilogia Star Wars) e chegando as pessoas que,
incrédulas, viam as torres do WTC desmoronando em 2001 acreditando presenciarem
as filmagens de mais um disaster movie
hollywoodiano, o modos operandi
continua o mesmo: Guerra Total, Soft
Power ou Smart Power – estetização da política na qual a força da
credibilidade de fatos reais vem das narrativas ficcionais de entretenimento.
Trump, João Doria Jr., Crivella...
A
ironia em toda essa história é que as estratégias da chamada “Smart Power”,
implementada por Hillary Clinton ao se tornar Secretária de Estado do governo
Barack Obama em 2009, sejam usadas agora por Trump, contra ela, na campanha
presidencial.
Tudo
pode parecer insólito, bizarro e digno de não ser levado a sério pelo distinto
leitor das linhas mal traçadas dessa postagem.
Mas
por todos os lados, assistimos à chegada ao Estado por vias eleitorais de
personagens midiáticos que se dizem avessos à política: Dória Jr. em São Paulo
(aquele dublê de banqueteiro de encontros empresariais e gestor que demite
incompetentes em reality show de TV), Crivella no Rio de Janeiro (pastor
eletrônico de uma igreja dona de emissora de TV). Isso sem falar na canastrice
do desinterino Michel Temer (que por vias indiretas chegou ao Poder),
caricatura da caricatura das performances televisivas de Raul Gil ou Silvio
Santos.
Ou
o juiz justiceiro Sergio Moro, representado em adereços de protesto de rua
vestindo capa e roupa de elastano dos super-heróis da Marvel ou DC comics.
A
velha Guerra Total, a blitzkrieg
simultaneamente detonada nos campos de batalha e telas de cinema, inventada
pelos nazistas ainda está longe de ser compreendida na sua integralidade seja
pelas esquerdas ou pela intelectualidade.
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