segunda-feira, outubro 31, 2016

A Guerra Total de Donald Trump, UFOs e o hoax "Operação Firesign"


Aproveitando-se do impacto do dilúvio de e-mails liberados pelo “Wikileaks” em outubro (muitos dos quais associados ao tema UFO) e pelas declarações de Hillary Clinton de que o Governo liberaria informações sobre a questão ufológica, Donald Trump partiu para a típica estratégia Smart Power de guerra total: um documento intitulado “Programa de Salvamento” produzido por uma empresa de Inteligência e estratégia dos EUA, supostamente vazado pelos hacker ativistas “Anonymus” e viralizando na Internet,  prevê cenários de False Flag que permitiriam suspender as eleições. Um deles, seria a “Operação Firesign” criada pela NASA – por meio de hologramas 3D projetados na alta atmosfera simular uma invasão extraterrestre. Na verdade, plágio explícito de um episódio da série “Star Trek: A Nova Geração”. Tudo parece bizarro e risível, não fosse parte da tendência da “Smart Power” na Política atual – tornar crível ou ambíguo e viral estratégias políticas por meio de narrativas ficcionais da indústria do entretenimento. Por todos os lados vemos a chegada da estetização midiática da política. No Brasil, Doria Jr., Crivella, Temer etc., todos baseados em personagens e narrativas de entretenimento.

Até o início do século XX, o campo da política sempre fora marcado pelas lutas através das armas ideológicas, mentiras ou simplesmente pela força bruta. A ascensão do nazi-fascismo na Europa sob os escombros da primeira guerra mundial mudou tudo isso. Essas armas milenares foram incorporadas à noção de “Guerra Total” nazista, que persiste ainda hoje sob novas denominações como “Soft Power” ou “Smart Power”.

Vimos em postagem anterior como o Cinema, olhado com desconfiança pela elite política e cultural dos EUA como ameaça à ordem pública, foi, ao contrário, uma obsessão para o nazi-fascismo, não só pelo poder de propaganda mas também pelo simbolismo de modernidade que transformaria definitivamente a maneira como a opinião pública percebe tanto a ficção como a realidade – clique aqui.

Chaplin, Os Três Patetas, O Gordo e o Magro e todos os galãs do cinema mudo inspiraram as performances caricaturais de Hitler e Mussolini – sem o pano de fundo da seminal indústria do entretenimento seja de Hollywood como da UFA (companhia cinematográfica alemã na época), certamente ninguém levaria à sério as ideologias e mentiras proferidas histericamente por esses ditadores.


Destruição como espetáculo de primeira ordem


Walter Benjamin chamou esse fenômeno de “estetização da política”. Para ele, as grandes fábricas de sonho nasceram sob o signo da guerra: levar a um ponto em que as massas assistiriam “sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem” – BENJAMIN, Walter, Obras escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, p. 196.

Para o filósofo e urbanista francês Paul Virilio, a conjunção Cinema e Guerra tem um princípio estratégico bem definido: “abater o aniversário é menos capturá-lo do que cativá-lo, é infligir, antes da morte, o pânico da morte” – VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Página Aberta, 1993.

Essa lição parece que foi muito bem aprendida pela Direita atual: enquanto as esquerdas respondem, de forma pouco eficaz, à estetização da política com a politização da arte (documentários, denúncias, realismo etc.), a Direita cada vez mais aproxima o script político dos roteiros ficcionais de filmes e séries. Eficazmente, conseguem dar credibilidade ou, no mínimo, verossimilhança aos seus discursos, produzindo impacto, boatos, viralização e, principalmente, ambiguidade.


Anonymus salva o dia


O caso mais recente foi o hoax do chamado Projeto Firesign que circula pela Internet, aproveitando-se do dilúvio de e-mails do Wikileaks liberados em outubro (muitos dos quais associados ao tema UFO), as várias acusações de assédio sexual contra Donald Trump e a suposta revelação do “Projeto Veritas” – articulação de gangues composta por imigrantes para provocar distúrbios e ataques nos comícios de Trump.

Aproveitando-se das notícias de que durante a campanha presidencial a candidata Hillary Clinton vem prometendo liberar informações do governo sobre a questão ufológica, o marketing político de Trump “vazou” na Web um estranho documento em PDF atribuído ao Benenson Strategy Group (BSG), empresa de Inteligência e Estratégia supostamente contratado pelo staff da campanha Clinton. O documento initula-se “Salvage Program” – “Programa de Salvamento”.

A narrativa oficial do hoax é que o grupo hacker ativista Anonymus teria supostamente vazado o documento que descreve vários cenários possíveis que permitiriam o presidente Barack Obama suspender a eleição geral, decretar lei marcial e entregar o poder, de forma precária como um fato consumado, para Hillary Clinton.

São diferentes cenários de False Flags (“Falsas Bandeiras” - operações criadas a partir de crises fictícias de modo a tirar vantagens das consequências resultantes): o apocalipse de uma epidemia de zika vírus; desastres naturais artificialmente provocados pelo HAARP; atentados terroristas criando um cenário de forças da ONU mobilizadas para as fronteiras com o Canadá... e a simulação de uma massiva invasão extraterrestre usando uma avançada tecnologia holográfica – clique aqui para ler o documento.


O hoax Firesign


Esse seria o projeto ultra secreto da NASA e Departamento de Defesa chamado “Operação Firesign”, bem conhecido por teóricos da conspiração e pesquisadores de OVNIs e exopolítica.

Segundo o documento “vazado”, o objetivo do projeto é induzir a uma histeria religiosa em massa usando tecnologia holográfica de projeção a laser, criando imagens 3D realistas sobre a “camada de sódio da atmosfera” a uma altitude de cerca de 100 km. Imagina-se a projeção de naves estelares chegando à Terra, acompanhado de imagens de Jesus Cristo, Maomé etc., todos chegando à Terra. Pense na histeria de interpretações contraditórias, entre invasão extraterrestre e a chegada do messias...

O documento da BSG inclusive apresenta diagramas do equipamento de projeção e a mecânica de funcionamento. Praticamente um cinema a céu aberto, com todos os ingredientes que o cinema atual busca: imersão e interatividade!

Não precisa dizer que o impacto principal desse documento deveu-se principalmente ao boato da existência do Firesign. Na verdade, esse suposto projeto é a reciclagem de outro velho hoax iniciado em 1994: o Projeto Blue Beam.


Blue Beam e Star Trek


Ambos projetos são trocadilhos ufológicos: Blue Beam como referencia ao famoso Projeto Blue Book da Força Aérea dos EUA , projeto secreto de estudos do fenômeno OVNI; e o Projeto Sign, programa atual de estudos dos OVNIs da Foça Aérea norte-americana.

Lendo o documento da BSG, percebe-se que por todo texto exala o viés anti-Clinton. Dessa vez, a velha conspiração do Blue Beam foi reciclada para fins partidários pelo QG da campanha de Donald Trump.

Assim como foi o Blue Beam nos anos 1990, o Firesign é uma farsa, desde a absurdamente anti-científica descrição sobre hologramas “na camada de sódio da atmosfera” e, principalmente, que não estamos mais em 1994 – ninguém mais olha para o céu, a não ser para seus próprios celulares.

Mas a principal irracionalidade é que tanto hoje, como em 1994, a teoria conspiratória é inspirada na série de Gene Roddenberry Star Trek.


O hoax Blue Beam foi originalmente criado pelo jornalista radical fundamentalista e separatista de Quebec, Canadá, Serge Monast. No texto publicado na Internet em 1994, Monast descrevia um “gigantesco show espacial” projetado por hologramas 3D em diferentes pontos do planeta sobre a chegada de “Um Novo Cristo” ou “Messias”. Objetivo: desacreditar antigas religiões com a possibilidade de uma invasão extraterrestre, unindo o planeta em uma Nova Ordem Mundial.

Em fevereiro daquele ano ia ao ar o episódio de Star Trek: A Nova Geração chamado “Devil’s Due” que apresentava um cenário muito semelhante ao Projeto Blue Beam. Aliás, episódio que reciclou uma série de temas de scripts de livros Star Trek de Roddenberry nos anos 1970.

Blue Beam e Mel Gibson


Para o pesquisador em fenômenos sincromísticos Christopher Knowles, a motivação inicial da criação do boato Blue Beam foi o esforço em dissociar as comunidades de conspiração UFO das comunidades que denunciavam a Nova Ordem Mundial – na época, a cada final de semana milícias fortemente armadas apareciam no entorno da Área 51 e outras instalações militares exigindo saber “toda a verdade” – clique aqui (em inglês).

Quanto a Serge Monast, dois anos depois morreria de um ataque cardíaco. Seus seguidores denunciavam um suposto “assassinato por meio de armas psicotrônicas”.  Sua denúncia sobre o projeto da NASA em implementar uma religião New Age mundial através da simulação da “Segunda vinda de Cristo” dos céus, chegou inclusive a inspirar a criação do personagem Jerry Fletcher, interpretando por Mel Gibson em 1997 no filme Teoria da Conspiração.


Das massas que achavam Hitler e Mussolini críveis ao verem neles as performances canastronas dos galãs dos silent movies, passando pelo “Projeto Guerra nas Estrelas” de Ronald Reagan (projeto bélico real tributário da fictícia saga intergaláctica da trilogia Star Wars) e chegando as pessoas que, incrédulas, viam as torres do WTC desmoronando em 2001 acreditando presenciarem as filmagens de mais um disaster movie hollywoodiano, o modos operandi continua o mesmo: Guerra Total, Soft Power ou Smart Power – estetização da política na qual a força da credibilidade de fatos reais vem das narrativas ficcionais de entretenimento.

Trump, João Doria Jr., Crivella...


A ironia em toda essa história é que as estratégias da chamada “Smart Power”, implementada por Hillary Clinton ao se tornar Secretária de Estado do governo Barack Obama em 2009, sejam usadas agora por Trump, contra ela, na campanha presidencial.

Tudo pode parecer insólito, bizarro e digno de não ser levado a sério pelo distinto leitor das linhas mal traçadas dessa postagem.

Mas por todos os lados, assistimos à chegada ao Estado por vias eleitorais de personagens midiáticos que se dizem avessos à política: Dória Jr. em São Paulo (aquele dublê de banqueteiro de encontros empresariais e gestor que demite incompetentes em reality show de TV), Crivella no Rio de Janeiro (pastor eletrônico de uma igreja dona de emissora de TV). Isso sem falar na canastrice do desinterino Michel Temer (que por vias indiretas chegou ao Poder), caricatura da caricatura das performances televisivas de Raul Gil ou Silvio Santos.

Ou o juiz justiceiro Sergio Moro, representado em adereços de protesto de rua vestindo capa e roupa de elastano dos super-heróis da Marvel ou DC comics.

A velha Guerra Total, a blitzkrieg simultaneamente detonada nos campos de batalha e telas de cinema, inventada pelos nazistas ainda está longe de ser compreendida na sua integralidade seja pelas esquerdas ou pela intelectualidade.

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