Finalmente a esquerda marca pontos na atual guerra semiótica no front
do campo simbólico da sociedade (grande mídia + opinião pública): a ocupação do
indefectível “triplex do Lula” no Guarujá pelo MTST e a Frente Povo Sem Medo
apresentou todas as características de um petardo semiótico: Detonação,
Letalidade, Dilema Midiático e Dissonância Cognitiva. Uma ocupação curta (pouco
menos de quatro horas), mas o suficiente para a grande mídia viver um dilema e
dar uma guinada gramatical no seu discurso, como se sentisse o golpe. Mas o
melhor dessa bomba semiótica foi como a mídia corporativa mordeu a isca (o
álibi) para a ocupação revelar o seu verdadeiro propósito: a filmagem no
interior da verdadeira caixa preta em que se tornou o imóvel. Revelando a
dissonância entra as narrativas jurídico-midiática e da oposição. Uma ação
simbólica bem-sucedida que revela outras questões. Entre elas, a possível
criação de um grupo de inteligência semiótica para multiplicar essa ação
prototípica.
Este Cinegnose afirma que a rendição de Lula
foi um erro, seja político ou semiótico. No mínimo, por vender aquilo que o
juiz Sérgio Moro e a PF mais queriam, por um custo simbólico muito baixo. E
pior, com as imagens da condução do prisioneiro faturadas em pleno horário
nobre televisivo, com direito a um posterior “vazamento” de áudio do próprio
apresentador que deu a notícia da prisão de Lula – o suposto vazamento do
jornalista global “bonzinho”, emocionado e cheio de culpa – clique aqui.
Avaliação
corroborada pelas próprias hostes da militância como a do senador Lindbergh
Farias ou dos relatos do advogado Samuel Gomes sobre os lamentos e críticas à decisão
de Lula ter se entregado. Desaprovações sentidas no próprio acampamento em
Curitiba em frente a PF – clique aqui.
Por
isso, ocupação do famoso “triplex do Lula” no Guarujá pelo MTST e a Frente Povo
Sem Medo, por quatro horas, na manhã de segunda-feira demonstrou duas coisas:
(a) Uma clivagem entre a militância e o chamado “petismo
jurídico” formado pelo ex-ministro da Justiça Thomaz Bastos, Tarso Genro e José
Eduardo Cardoso – este, que participou das negociações com a PF para a prisão
de Lula. Um crônico descompasso entre a predisposição da militância em buscar
alternativas de ação política e o republicanismo jurídico do partido que
embarcou na “cruzada anticorrupção” na qual os governos Lula-Dilma levariam o
troféu “do país que mais combate a corrupção”.
Sem perceberem que, enquanto
jovens juízes eram catapultados para cursos e bolsas nos EUA nos quais o
combate ao terror se confundia com repressão a lavagem de dinheiro e corrupção,
os EUA construíam sua hegemonia planejando a atual ação da guerra híbrida nas
diversas “primaveras” ao longo do planeta. E hoje, a prisão de Lula se
converteu no maior troféu.
(b)
Uma potente e certeira bomba semiótica que lembrou a técnica ativista do
empate, muito usada por ativistas seringueiros como o falecido Chico Mendes.
Tática intermediária entre o pacifismo e o belicismo para criar um impasse
institucional.
Estratégia
que reverteria em altos ganhos simbólico na resistência de Lula no sindicato de
São Bernardo, com as ruas ao redor repletas de manifestantes. Uma ação de força
repressiva e invasão resultaria em severo prejuízo simbólico na midiosfera
nacional e internacional: a guerra híbrida revelaria seu lado sujo, violento,
bem longe das assépticas togas e data vênias que dominam a narrativa da grande
mídia.
Características de uma bomba semiótica
Até aqui as
ações políticas de ataque simbólico foram solitárias, curtas e reticentes. Como
a do então prefeito de São Paulo Fernando Haddad: sem
mais paciência para aguentar os escândalos que o historiador Marco Antônio
Villa arrancava na leitura diária da agenda de Fernando Haddad, o prefeito de
São Paulo aprontou uma “pegadinha” - disponibilizou uma agenda trocada (na
verdade, a do governador Geraldo Alckmin), cheia de espaços em branco. “Está em
branco! Em Branco! É a incapacidade de alguém pouco afeito ao trabalho!”,
gritou o historiador no microfone da Rádio Jovem Pan. Certamente, enquanto o
prefeito se rachava de rir.
Mas a rápida
ocupação do famigerado triplex por ativistas abriu uma expectativa de que
finalmente as lutas políticas da esquerda também sejam travadas no campo simbólico da
sociedade – opinião pública + midiosfera. Não mais restrita a uma galhofa
solitária, mas agora uma ação coletiva organizada.
A iniciativa do
MTST e Frente Povo Sem Medo teve todas as características de uma bomba
semiótica:
(a) Criou um
acontecimento comunicacional: um evento-surpresa com logística rápida e
contundente. Uma “blitzkrieg semiótica”;
(b) A mídia
corporativa sentiu o impacto. Pegou a grande mídia de surpresa que, também rapidamente,
avaliou o potencial impasse institucional que a ocupação criaria se fosse
prolongada. Principalmente pelo leitmotiv
da invasão ao triplex: “Se o triplex é dele
[do Lula], ele já disse mais de uma vez que o povo poderia entrar lá e ocupar.
Estamos autorizados pelo proprietário. Pela primeira vez o MTST faz uma
ocupação consentida pelo proprietário. Se o triplex não é dele, o juiz Sérgio
Moro vai ter que vir se explicar por que prenderam o Lula por um apartamento
que não é dele", disse Guilherme Boulos.
(c) Dessa maneira, ficou evidente o principal indício
de como a grande mídia acusou o golpe, como apontou a análise linguística das
manchetes realizada pela “Madrasta do Texto Ruim” no Jornal GGN: os jornais
abandonaram o genitivo (caso gramatical que indica relação principalmente de
posse) pelo locativo ou advérbio: “MTST ocupa triplex no Guarujá”; “MTST invade
tríplex supostamente atribuído a Lula”; “MTST invade Triplex no Guarujá que
levou Lula à prisão” etc. Desapareceram expressões como “Triplex do Lula” ou
conectores como “Lula e o Triplex”. Afinal, se o caso se arrastasse, quem
pediria a reintegração de posse do imóvel: Lula? Moro? OAS? Caixa? – clique aqui.
(d) Simplesmente a mídia corporativa não podia ignorar
ou fazer vistas grossas em relação ao que acontecia no Guarujá. Afinal, uma
das lideranças da ocupação era um presidenciável. Jamais a belicosa mídia
poderia perder a oportunidade de demonizar um candidato de esquerda. E
tentativas de demonização não faltaram, como divulgar uma foto de um morador do
condomínio. Foto icônica pela óbvia alusão pela sua gestalt a famosa sequência de perseguição do filme O Iluminado – veja o comparativo abaixo.
Mas... morderam a isca e deram visibilidade ao empate institucional.
(e) Mas o melhor estava por vir. Depois de quatro horas
ocupando o midiático imóvel do balneário paulista, os manifestantes foram
retirados sob a ameaça de prisão comum por flagrante, sem a necessidade
jurídica de reintegração. Mas o objetivo principal foi alcançado. Aquilo que
nenhum jornalista investigativo da mídia corporativa (ávida em promover
congressos acadêmicos sobre o assunto e apoiar agências de checagem de
notícias, “fact-checking”) ousou em fazer: filmar o interior do famoso tríplex
para ver, em loco, os supostos R$ 1,2 milhões investidos em reforma pela OAS
para presentear Lula.
(f) Nesse momento, o vídeo do interior do
tríplex roda o mundo, criando uma dissonância entre a narrativa que condenou
Lula (um apartamento avaliado em dois milhões de reais por Moro) e as imagens:
uma piscina pré-fabricada que mais parece uma banheira, péssimo acabamento,
minúsculas suítes com armários em MDF, apertadas e perigosas escadas em caracol
de concreto – provavelmente também pré-fabricadas. Nada que demonstre luxo ou,
no mínimo, os milhões supostamente gastos pela OAS com a reforma.
Hoje, o tríplex está em leilão público
promovido pela justiça. E está encalhado! Nenhuma das mais de 22 mil pessoas
que visitaram a página do canal de lances judiciais fez uma proposta: está à
venda por R$ 2,2 milhões – valor jogado para cima para legitimar a sentença de
Moro. Mas pelo vídeo, o valor real nem deve chegar a R$ 800 mil...
Em síntese, a ocupação do triplex foi uma
perfeita bomba semiótica porque:
1- Detonação (impacto, repercussão, viralização);
2- Letalidade (grande mídia acusou o golpe);
3-Dilema midiático (marketing de guerrilha – mídia não pode deixar de dar visibilidade ao evento. Boulos foi a isca);
4- Dissonância cognitiva (o vídeo do interior do triplex como produto final).
Uma ação tão bem-sucedida em todos aspectos
(político, midiático e semiótico) que deveria inspirar as lideranças a criar uma
espécie de Grupo de Inteligência Semiótica (GIS) com a finalidade de explorar
novas oportunidades de empates, criação de impasses institucionais, trolagens e
pegadinhas para ridicularizar a mídia corporativa. E mais vezes sentir golpes
como esse da ação no Guarujá
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