quinta-feira, janeiro 14, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em um futuro próximo será
proibido optar pela vida solteira. Aqueles que não acharem a “alma gêmea”
deverão ser confinados em um resort para acharem uma companheira em um curto prazo –
caso contrário, serão devolvidos à Natureza e transformados literalmente em um
animal à sua escolha. Depois de “Dente Canino” (2009) e “Alps” (2012) o
diretor grego Yorgos Lanthimos mergulha mais uma vez em sistemas autoritários
onde amor e sentimentos são a isca para a cooptação. “The Lobster” (2015)
mostra como no mundo atual, seja para solteiros ou casados, o amor transforma-se em
narcisismo e solidão para alimentar formas de controle social e identidade. O drama de Édipo como forma de controle social.
É comum nos filmes distópicos
ou pós-apocalípticos o amor entre personagens surgir como forma de resistência
a uma ordem injusta, repressiva ou trágica. O amor é o que une e dá força para
o herói enfrentar o pior. Mas não para o diretor grego Yorgos Lathimos.
Nos filmes anteriores Dente
Canino (2009, analisado pelo Cinegnose, clique aqui) e Alps (2012)
o amor pode ser tanto uma prisão familiar como uma isca de um negócio onde
famílias que revivem o amor pelos seus entes queridos mortos através de
“substitutos”. Em Lanthimos mesmo quando há amor, ele é uma prisão – e a única
saída sempre requer heroica determinação e violência.
Em The Lobster
(Prêmio do Júri de Melhor Roteiro no Festival de Cannes em 2015) não é
diferente. Tudo se passa em um futuro próximo distópico em uma sociedade onde
viver sozinho é considerado um crime – todos devem carregar documentos que
comprovem seu estado civil de casado.
Seja hetero ou
homossexual, ninguém pode viver sozinho. Aqueles “ilegais” (seja porque se
divorciaram ou, simplesmente, não encontraram ninguém) são remanejados para uma
espécie de resort-fortaleza: um mix de hotel e campo de concentração onde para
cada um dos internos é dado 45 dias para encontrar sua “alma gêmea”. Aqueles
que permanecerem solitários serão
levados para a Sala de Transformação, onde serão transformados no animal da sua
preferencia e serão devolvidos à Natureza. Viverão soltos na floresta ao redor,
numa estranha bioversidade – camelos, lhamas, elefantes, leões etc. convivendo
na mesma floresta.
Para aumentar a
bizarrice, os internos podem conseguir algum tempo extra antes da
transformação, participando de jogos de caça onde solitários caçam outros
solitários com armas de dardos tranquilizantes. Melhor performance, mais o
prazo é estendido para o prisioneiro solitário poder encontrar seu “amor”.
Cada “hóspede” deve
escolher o animal para a possível transformação final no registro de entrada do
resort. E o protagonista David (Colin Farell) opta pela lagosta (“lobster” do
título) – por que? “Porque vivem muito tempo, vivem no fundo do mar, têm sangue
azul tal como aristocratas e permanecem férteis por toda a vida”, justifica
David.
Se nos filmes
anteriores, Lanthimos via o amor como algo fraco e incapaz de criar uniões
verdadeiras, em The Lobster o diretor justifica o porquê: embora para a
sociedade o amor seja aquilo que nos separa da Natureza, como sugere o filme, ele
nada mais é do que a satisfação de um narcisismo primitivo – mesmo “amando”
voltamos às Natureza através do psiquismo mais regressivo, explorado por uma
sociedade totalitária e distópica que se transforma em uma segunda natureza.
Para Lanthimos o amor contemporâneo
nada mais é do que um espelho narcísico.
O
Filme
David, um arquiteto
deprimido abandonado pela mulher vivido por Colin Farrell (quase irreconhecível
de óculos, bigode, um corte de cabelo de nerd, alguns quilos a mais e um andar
arrastado), chega ao resort-prisão acompanhado de um cachorro que, logo depois,
descobrimos que é o seu irmão transformado depois de fracassar em encontrar uma
companheira.
Tal como numa penitenciária,
todos devem se desfazer de suas roupas e pertences e responder interrogatórios
sobre suas características, principalmente defeitos. Presumivelmente, todos
buscarão companheiros que partilhem das mesmas deficiências.
Um evidente comentário
da cultura do namoro contemporâneo em sites e aplicativos que estimulam os
usuários a descreverem gostos e preferencias para saciar seu narcisismo e
encontrar no outro seu espelho. Assim como na realidade online, em The
Lobster as pessoas no resort tentam simular para atrair pretendentes.
Porém, de maneira
inversa: na vida real simular supostas qualidades que impressionaria os outros,
e no filme simular os defeitos dos seus pretendentes (como, por exemplo,
sangrar constantemente pelo nariz) – Limpin Man (Ben Wishaw) vive batendo o
rosto em mesas e armários para o nariz sangrar constantemente e atraia a
atenção da sua pretendente (Jessica Barden) que também vive com nariz manchado
de sangue.
No hotel, os “hóspedes”
assistem a diversos workshops motivacionais que provam por meio de encenações
(o homem que se engasga e morre asfixiado porque não tinha uma companheira para
ajuda-lo) que a vida conjugal é muito mais vantajosa do que a de solteiro.
Mas, como todos sistema
totalitários, existem rebeldes: grupos de solteiros organizados e
fundamentalistas cercam o hotel para cometerem “atentados”: revelar para os
pares que se formam a mentira das simulações que fizeram o casal se unir. Como
contra-atque, os managers do hotel providenciam “filhos” para os casais
cuidarem e diluir os possíveis conflitos conjugais.
Porém, Lanthimos não se
rende ao estereótipo dos rebeldes como heróis libertários. Logo descobrimos que
os solteiros fundamentalistas que se escondem na floresta não são menos
rígidos, intolerante e punitivos. A líder (Léa Seydoux) é tão bela e cruel
quando uma rainha má de um conto de fadas. Lanthimos parece nos sugerir os
resultados os resultados do amor submetido às formas de controle social pelo
grupo: tem menos a ver menos como achamos que os outros devam conduzir suas
vidas e muito mais com poder, identidade e controle.
O filme começa de forma
desconcertante com uma violenta cena inicial e depois com sequências para as
quais não é dada nenhuma explicação, confiando que o espectador una os pontos e
siga as piadas com um humor non sense e linhas de diálogos com uma
estranha seriedade inexpressiva e monótona.
O tema sociedade versus
natureza selvagem é um tema recorrente nos filmes de Lanthimos. Tanto na ordem
totalitária dos casados quanto entre fundamentalistas solteiros há um elemento
comum: o desprezo pelo outro – o outro deve ser nada mais do que um espelho do
narcisismo individual.
Amor,
narcisismo e solidão
E o narcisismo é uma
forma de defesa psíquica do indivíduo contra a sociedade. Em Freud, para amar é
necessário confessar a sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro.
Já o narcisismo é a tentativa de resgatar o “sentimento oceânico” de prazer da
fase anterior ao Édipo, a relação oral com a mãe de completude e satisfação
compulsiva – a Natureza. A sociedade impõe a falta e nega o narcisismo com a
entrada compulsória do indivíduo na Cultura.
Apesar dessa oposição
psíquica entre narcisismo e sociedade, de Lanthimos é mostrar como o narcisismo
e o amor podem ser cooptados pelos sistemas totalitários para conseguir a
adesão dos indivíduos. No hotel os casais se “apaixonam” pela simulação de que
cada um seja o espelho narcísico do outro – “almas gêmeas” onde não há o
contraditório, a alteridade, enfim, o outro. Se surgir algum ruído na relação,
arruma-se um “filho” para desviar a atenção.
E do lado dos
fundamentalistas solteiros, o individualismo é o “narcisismo secundário” do
qual falava Freud – a nostalgia do narcisismo “oceânico” da primeira infância,
agora reeditado pela negação do amor e da necessidade do outro. Quando alegres,
devem demonstrar o afeto de forma solitária, dançando música eletrônica (outra
sugestão de Lanthimos em conectar raves, narcisismo e solidão), cada qual com
seu headphone.
The Lobster é principalmente sobre
como os sistemas totalitários (baseados no Poder, Identidade e Controle Social)
exploram o psiquismo edipiano – evidente nas sequências finais em uma explícita
alusão ao desfecho da tragédia de Sófocles Édipo Rei.
Ficha
Técnica
Título: The
Lobster
Diretor: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou
Elenco: Jessica Barden, Colin Farrell,
John C. Reilly, Léa Seydoux, Rachel Weisz, Ben Wishaw
Produção: Canal +, Element Pictures, Greek Film Center, Limp Filmes
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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