domingo, outubro 12, 2014

Ebola é bomba biológica ou semiótica?

Desde que os nazistas elaboraram as primeiras peças de propaganda antitabagistas durante a Segunda Guerra Mundial, sabe-se que a questão da saúde é uma poderosa arma semiótica. Ebola, vaca louca, gripe aviária, gripe suína e outras ameaças sazonais de pandemias, mais do que ameaças biológicas, tornaram-se bombas semióticas arquitetadas para criar vitimização, culpa e segregação. O ebola é agora a pandemia da moda onde, no Brasil, surge em um “timing” perfeito: o segundo turno das eleições presidenciais. A grande mídia cinicamente anuncia que a informação é a única forma para “tranquilizar a população”. Um pouco de teoria semiótica revela que as manchetes da grande mídia são tudo, menos informativas: elas são “performativas”, desenvolvem uma ação – ambiguidade, boatos, medo e segregação.

Nos anos 1990 e no auge da carreira como técnico do Palmeiras na chamada vitoriosa era Parmalat, Vanderlei Luxemburgo sabia como ninguém manipular os jornalistas esportivos e as mesas redondas de debates da TV. Após mais um jogo do Palmeiras, Luxemburgo, no meio de uma coletiva para a imprensa, disparava do nada: “quero aproveitar esse momento e dizer que eu jamais fui sondado pelo Corinthians. É tudo mentira!”. Os jornalistas se entreolhavam: quem disse isso? De onde partiu essa informação?

Pronto! Era tudo o que Luxemburgo queria. O seu balão de ensaio corria como fogo em rastilho de pólvora pelos debates nas TVs. E os desmentidos da diretoria do Corinthians só alimentavam ainda mais os boatos.

Luxemburgo nada mais fazia do que explorar a natureza performática da linguagem: os signos não apenas existem para designar o mundo – eles são proferidos dentro de um contexto, o que resulta numa ação performativa. Segue-se que toda comunicação tem uma função constatativa (o enunciado, a informação, o relato factual) e outra performativa - a enunciação onde implicitamente podem estar comandos como ordens, pedidos, ofensas, promessas, apostas etc.


“Todo enunciado é o desenvolvimento de uma ação”, dizia o filósofo da linguagem britânico J.L. Austin.

Evaristo Costa é cínico ou ingênuo?


Por isso, somente pode ser encarado como cinismo ou ingenuidade a afirmação do apresentador do telejornal Hoje da TV Globo, Evaristo Costa. Antes de iniciar a entrevista com o diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas de São Paulo, agradecendo sua visita à emissora, Evaristo Costa disse que “a única coisa que podemos fazer agora é tranquilizar a população através da informação, que é a melhor coisa nesse caso”, a respeito da suposta ameaça de contaminação do vírus ebola no Brasil.

Evaristo Costa com o diretor do Instituto
Emílio Ribas na Globo: ingenuidade ou cinismo?
Ora, depois de todo esforço “investigativo” do jornal O Globo em divulgar a ficha médica de um africano com suspeita de estar contaminado pelo ebola, transferido do Paraná para o Rio de Janeiro, é no mínimo cínico o argumento de que informações tranquilizam. Só o fato de utilizar um número ordinal para designar o caso do africano (“O PRIMEIRO” caso de paciente com suspeita de ebola no Brasil”) já sugere o início de um evento serial.

Sem falar a alarmante sensação de saber que o suspeito por contaminação atravessou vasta área do território nacional ao ser transferido do Paraná para o Rio.

Tranquilizar quem, cara pálida!

A artimanha do técnico Vanderlei Luxemburgo e o esforço “investigativo” do Jornal O Globo em inserir o Brasil na pauta midiática internacional do ebola estão unidos pela intencionalidade e contexto. No caso do técnico, o fim do seu contrato naquele momento com o Palmeiras – o balão de ensaio era uma forma de pressionar a diretoria do clube; e no caso atual, o segundo turno das eleições presidenciais.

O efeito performático do ebola


Pouco importa informar para a população se o ebola é transmissível pelo ar ou por contato direto com secreções. A transmissão da informação já produz seu efeito performático, dissemina ambiguidade e boatos em redes sociais e reforça ainda mais o clima pesado de uma reta final de eleições presidenciais que promete dividir o País.

"O Globo" ilegalmente publica
dados do paciente "suspeito":
tranquilizar quem, cara pálida?
A suposta ameaça de uma pandemia do ebola é uma bomba semiótica ou biológica? De fato, o ebola é um evento biológico proveniente do grau zero do mundo natural. Mas a partir do momento em que é recortado, editado e publicado no mundo cultural da informação, transforma-se em um evento semiótico e, por isso, arbitrário.

Se sabemos que por ano morrem 2 milhões de pessoas por malária, 2 milhões de diarreia e outros 10 milhões por outros enfermidades curáveis como gripe comum e tuberculose, por que ebola, vaca louca, gripe aviária e gripe suína, que vitimam na casa de dezenas ou centenas de pessoas, ganham manchetes performativas (como no caso atual que produz ambiguidade e boatos) ou diretamente ameaçadoras (como a da Folha de São Paulo em 2009 que na primeira página previa 35 milhões de vítimas de gripe suína no Brasil)? - veja o vídeo abaixo "Operação Pandemia".

Por que malária, diarréia, gripe comum e tuberculose não têm o direito de ganhar as manchetes?

O appeal hollywoodiano do ebola


Temos que admitir que os efeitos do ebola têm um forte appeal midiático digno de um filme hollywoodiano de terror: o vírus ataca todos os órgão e tecidos do corpo humano, com exceção dos ossos e alguns músculos. O colágeno, tecido responsável pela unidade da pele e que mantém os órgãos juntos, transforma-se numa pasta disforme. A pessoa infectada expele sangue por todos os orifícios do corpo, inclusive pelos olhos e rachaduras na pele. O globo ocular fica cheio de sangue, o que causa cegueira. A hemorragia interna, a língua se desfaz, o revestimento da traquéia e da garganta se desmancha e pode descer para os pulmões. O fígado incha, apodrece e se liquefaz. A medula se desfaz aos pedaços. O baço incha e endurece. O vírus destrói o cérebro e a vítima geralmente tem convulsões epilépticas no estágio final da doença.

Redes sociais confirmam a função performativa
das manchetes da grande mídia: boatos na rede
Na primeira ameaça de pandemia em 1995, falava-se que o ebola era transmitido pelo ar e usava o mesmo modus operandi da AIDS para invadir células (Ebola + AIDS, a síntese dos pesadelos). E ainda uma seita japonesa chamada Naum ameaçava o mundo com cepas do vírus ebola que supostamente teria roubado para criar bombas biológicas no metrô de Tóquio...

Ebola e, mais tarde, vaca louca criaram a atmosfera de final de século com a Globalização, as primeiras ameaças de pandemias ao lado dos primeiros crashs financeiros globalizados como a crise das bolsas asiáticas e a do México. Isso sem falar na profecias catastróficas do bug do milênio que enlouqueceria os computadores fazendo aviões caírem e as países inteiros ficarem no escuro.

A doença como metáfora


Susan Sontag (1933-2004) nos seus ensaios A Doença como Metáfora (1978) e A AIDS e suas Metáforas (1988) revelou a natureza simbólica ou ideológica das doenças: ao mesmo tempo em que vitimiza o paciente, transforma-o em culpado ou pelos seus excessos (hábitos alimentares, bebidas, drogas etc.) ou pelo estilo de vida e cultura.

No caso atual do ebola, associa-se a suposta disseminação rápida em países como Guiné, Serra Leoa e Libéria com tradições culturais africanas como, por exemplo, cerimônias fúnebres domésticas.

Nazistas logo perceberam o potencial
de propaganda política
na questão da saúde
Terroristas e vírus são as grandes bombas ideológicas da Globalização, em um mundo unificado e sem mais blocos oponentes (no passado era a Guerra Fria e a emaça da radiação). Sem um inimigo identificável ideológica e economicamente como era o comunismo, na era globalizada o mal passa a ser capilarizado, onipresente, microscópico e pontuais como terroristas e pandemias – às vezes os dois se unem através das armas biológicas de terroristas.

No caso do Brasil, o ebola assume outro aspecto dessa bomba semiótica pelo seu timing e oportunismo: o segundo turno das eleições presidenciais.

É notável como a mídia nativa faz de tudo para se manter alinhada à pauta que as grandes agências de notícias e as redes de TV dos EUA determinam. Talvez a maior forçação de barra tenha sido quando dos atentados terroristas  de 2001 naquele país e que a mídia brasileira conseguiu localizar terroristas da Al Qaeda na tríplice fronteira do Brasil, Paraguai e Argentina... Praticamente o Mercosul tornou-se co-autor dos atentados em Nova York e Washington.

Agora compreende-se o “esforço investigativo” do jornal O Globo em tentar uma alucinante conexão entre um pedido de refúgio no país de um africano, um documento emitido pela Polícia Federal, um avião da FAB e o País à beira de um surto de ebola.

Assim como as bombas semióticas da grande mídia, iniciadas com as manifestações de rua de junho do ano passado, procuraram mostrar que o governo federal era fraco e o País caminhava ao abismo em um estado pré-insurrecional (sobre isso clique aqui), o ebola transformado em arma semiótica serve para mostrar a leniência e fraqueza de um governo: como nossas fronteiras estão frágeis, permitindo a entrada de perigosos africanos.


A questão da saúde é uma poderosa arma semiótica. Dessa maneira compreendemos o porquê das primeiras campanhas antitabagistas na História terem sido arquitetadas pela propaganda nazista na Segunda Guerra Mundial.




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