sábado, maio 13, 2017

Startup britânica promete construir a verdadeira Matrix


Uma startup britânica chamada Improbable pretende criar a verdadeira Matrix: uma simulação em larga escala do mundo real. E o ponto de partida já existe – a plataforma SpatialOS e o jogo de computador Worlds Adrift, ainda restrito a acadêmicos e cientistas. O aporte de milhões de dólares na startup por empresas de capital de risco, além do interesse militar e indústria de entretenimento pelo projeto revelam evidentes aplicações nas áreas estratégica, bélica e engenharia social: construir mundo virtuais para simular o surgimento de extremismos violentos nas populações e comportamentos econômicos. Mas a iniciativa dos co-fundadores Herman Nerula e Rob Whitehead é também uma evidência da motivação místico-religiosa que possui atualmente o Vale do Silício: Tecnognosticismo, imortalidade e a crença de que já vivemos em uma gigantesca simulação. O game Worlds Adrift seria mais um exemplo de como a ciência experimental se encontra com a prática religiosa: a Teurgia.

Em uma manhã qualquer de fevereiro desse ano um grupo do alto escalão da indústria do entretenimento, política e segurança se encontrou em um terreno de 25 hectares, cercados de armazéns, em uma espécie de cidade fantasma com ruas largas, calçadas, uma biblioteca, um banco, lojas, além de uma entrada para o metrô com escadas que não levam para lugar algum.

O grupo incluía o presidente de um grande estúdio de animação, o diretor de uma conhecida franquia de super-heróis, parlamentares britânicos e militares de alta patente dos EUA e Reino Unido.

O encontro foi em Burbanck, Califórnia, e a “cidade fantasma” nada mais era do que uma imensa cenografia na qual recentemente foram filmadas cenas de La La Land. O que esse grupo tão heterogêneo fazia em um encontro privado nessa propriedade da Warner Brothers?

Todos estavam ali no interior de um dos edifícios cenográficos, atentos para as palavras de Herman Narula, CEO e co-fundador da Improbable, startup tecnológica britânica que recentemente arrecadou mais de 540 milhões de dólares em financiamentos de empresas de capital de risco como a SoftBank, Horizons Ventures e Andreesen.

Os co-fundadores Herman Narula e Rob Whitehead

E quais eram as palavras de Narula que despertaram tanto a atenção daquele grupo? A Improbable organizou o encontro nesse lugar tão emblemático (a indústria dos sonhos) para mostrar como a tecnologia computacional poderá criar realidades artificiais. Mas não num sentido abstrato como o cinema ou mesmo a realidade virtual. Mas, segundo Narula, “de uma forma genuína, na qual as pessoas poderão viver, respirar dentro de recriações da realidade, que permitam as pessoas tenham experiências totalmente novas”.

Muito além da Inteligência Artificial


Para Narula, a Inteligência Artificial (IA) vem recebendo todos os holofotes da mídia. Porém, o futuro está na simulação – recriar a própria realidade se tornará mais significativo do que a IA. “Simplesmente, queremos construir a Matrix”, arremata o CEO.

E a startup já tem o ponto de partida: a plataforma chamada SpatialOS e um game MMO - o Worlds Adrift.

A notícia pode parecer velha. Afinal, todos os jogos de computador são, em certa medida, recriações da realidade. Porém, essas simulações ainda não conseguem ainda dar conta de toda a complexidade emergente de grandes realidades – causas e efeitos simultâneos:
Imagine uma rua de Londres no horário de pico. Há uma colisão na estrada. Com as pistas bloqueadas, o tráfego para. Quando os condutores se desviam, outras rotas começam a ficar obstruídas. A alguns quilómetros atrás, começa a formar-se uma fila na autoestrada. Motoristas resmungando em voz baixa; ligam para o trabalho para cancelar suas reuniões, sobrecarregando as torres celulares próximas. As entregas estão atrasadas. No hospital, uma ambulância é redirecionada, o que significa que outro paciente enfrenta uma espera mais longa para atendimento médico... ("If Were living in a simulation, this UK startup probably built it", Wired, 12/05/2017)
Esse nível de simulação complexa e realista exigiria uma gigantesca capacidade de processamento. E é exatamente isso que a Improbable quer ser capaz de criar através daquilo que Herman Narula chama de “tecnologia subjacente”, um tipo de infraestrutura que ainda não existe para criar simulações em larga escala.


Entidades, Componentes e Sistemas


Colocando em termos mais simples, o SpatialOS divide uma simulação em “entidades” (cada edifício, pedestre, carro, segmento de estrada etc.). Cada entidade possui estados, chamados de “Componentes” (a quantidade de combustível em um carro, o motorista apressado etc.). E cada Componente é governado por “Sistemas” que, tal como na Física, interagem com eles – carro bate, o motorista resmunga, começa a chover e a pista alaga etc.

Para lidar com tamanha complexidade, normalmente jogos online limitam o número de jogadores em cada servidor. Com o SpatialOS temos um “jogo de cadeiras cibernético” – se a exigência de processamento é demais para um “trabalhador” (abstração do sistema para os servidores), traz servidores adicionais para distribuir a carga em tempo real.

O game Worlds Adrift (um mundo de navios piratas voadores e ilhas flutuantes) é o laboratório de ensaios para essa tecnologia inspirada no tráfego de alta frequência dos sistemas financeiros no qual “velocidade é dinheiro”.

Esse jogo é diferente de todos os outros games online. Narula e seu co-fundador Rob Whitehead queriam fazer um mundo físico:
Cortar uma árvore em um jogo como Minecraft, a madeira aparentemente aparece em seu inventário. Em Worlds Adrift , as peças caem realisticamente no chão. Se colocar muito peso em um navio, e ele vai começar a afundar. O mundo também é persistente, ou seja, se eu largar meu machado e voltar dentro de um ano, ele ainda estará lá. Da mesma forma, a árvore não aparece apenas para o próximo jogador, você realmente tem que esperar que ela volte a crescer. (Wired)


O Mapa e o território


Como sempre no caso do desenvolvimento de novas tecnologias, Narula fala das aplicações médicas nas simulações dos sistemas do corpo humano. Mas as aplicações previstas são bem menos humanistas – os interesses imediatos estão no campo estratégico-militar e engenharia social – construir mundo virtuais para simular o surgimento de extremismos violentos nas populações e comportamentos econômicos, por exemplo.

O leitor deve lembrar de um conto do escritor Jorge Luís Borges chamado “Sobre o Rigor da Ciência”, já discutido pelo Cinegnose no caso do App Pokémon Go! (clique aqui): em um reino obcecado pela cartografia, acabaram fazendo um mapa tão perfeito em uma escala 1:1 que ficou do tamanho do próprio império como um cobertor que cobria todo o reino, tornando-se inútil.

Claro que o sonho da Matrix perfeita de Narula (uma simulação em escala 1:1 do real) possui o componente político da manipulação (“velocidade é dinheiro”) pela possibilidade de antecipação de eventos sociais, mercadológicos, políticos e militares – isso explica o porquê daquele grupo tão heterogêneo na cidade cenográfica da Warner Brothers atentos à fala de Herman Narula.

Game Worlds Adrift

Tecnognosticismo e Teurgia


Mas há um componente a mais em desenvolvedores como Narula e Whitehead, que o cientista computacional Jaron Lanier qualifica como uma verdadeira motivação místico-religiosa que domina atualmente o Vale do Silício: o Tecnognosticismo e a crença em multiversos tecnologicamente simulados.

Para quê um óculos em 3D se a realidade já é em 3D? Por trás da inutilidade da escala 1:1 de Borges haveria o impulso da busca da imortalidade através da Teurgia ou a chamada “Cabala Extática” – imitatio dei por generatio animae, “imitar Deus criando vida”. Aqui no caso do SpatialOS, simulando a vida.

Esse seria mais um exemplo do esforço humano, desde o mundo helenístico grego, de convergir a ciência experimental com a prática religiosa: a aspiração humana do retorno à Deus através da imitação do Seu próprio ato de Criação.

Já vivemos em uma simulação?


No caso dos geeks do Vale do Silício a crença que vem se tornando mais forte nos últimos anos de que poderíamos estar vivendo em uma gigantesca simulação computacional – o Universo como uma simulação computacional finita.

Essa tese foi popularizada em artigo científico do físico e matemático da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, em 2003. A partir daí, físicos como, por exemplo, da Universidade de Bonn (Alemanha) tentam encontrar a “assinatura cósmica” na matéria escura do Universo para comprovar essa tese – clique aqui. Ou que o pesquisador da NASA Richard Terrile aponte para a natureza pixelada dos fenômenos quânticos como evidência da modelagem da simulação do Universo – clique aqui.

Filme "Décimo Terceiro Andar" (1999)

Essa convicção mística parece impulsionar o desenvolvimento da realidade virtual, games e mundos simulados. Desenvolvedores como Nerula parecem ser possuídos por esse ímpeto teúrgico de combinar ciência e religião: se o Universo é uma gigantesca simulação computacional finita, toda a religião nada mais seria do que um nível meta da realidade – dentro dessa simulação “divina”, criaríamos nossas próprias simulações tentando traçar o caminho de volta ao Divino.

Assim como a criança que tenta recriar cidades reais nos jogos lúdicos de carros de bombeiro, prédios e postos de gasolina de brinquedos. Dessa maneira, a criança buscaria criar laços com o mundo adulto “divino” – isso, até descobrir que os adultos “brincam” com o seu mundo da mesma forma que ela.

Uma ideia tão levada a sério no Vale do Silício que, segundo a revista New Yorker, dois bilionários da tecnologia chegaram secretamente a se engajar com cientistas para encontrar uma saída dessa simulação cósmica – clique aqui.

Empresários, engenheiros e cientistas estariam revivendo, agora com ferramentas digitais, todo um sonho da Teurgia que animou alquimistas por séculos? Recriar a vida no interior da própria criação Divina.

O que espanta é que há 18 anos o filme O Décimo Terceiro Andar (1999) exibia uma narrativa semelhante a esses cenários vislumbrados pela startup Improbable: três níveis de mundos simulados, um dentro do outro. Esses níveis entram em contato por meio de uma complexa trama de personagens que são nativos ao nível, visitantes daquele nível e personagens que transcendem o nível: o “Simulacro Um”, o futuro aparente de Los Angeles de 2.024; “Simulacro Dois”, o aparente presente de Los Angeles de 1998; e “Simulacro Três”, o aparente passado de Los Angeles e Pasadena em 1937.

Postagens Relacionadas












Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review