sexta-feira, maio 12, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Na década de 1950 o alemão Theodor Adorno (pelo olhar
sócio-psicanalítico) e o francês Roland Barthes (pelo ponto de vista da
semiologia) empreenderam pesquisas sobre as colunas de astrologia, respectivamente
do Los Angeles Time e do semanário Elle. Ambos chegaram à mesma reposta: a
astrologia de massas serve para exorcizar o real. A astrologia deixa de ser uma
abertura para o Oculto, o Onírico e o Imaginário para se transformar num
espelho realista e disciplinador da própria rotina diária dos leitores. Será
que essa resposta pode ser aplicada à astrologia de massas atual, mais de
cinquenta anos depois dessas análises?
A astrologia, pelo menos como é
apresentada nos veículos de comunicação diários, não é uma abertura para um
mundo onírico, um contato do homem ordinário com o Oculto ou uma previsão de
eventos futuros. Pelo contrário, é uma descrição realista de um meio social
preciso dos leitores. Não é uma abertura para um sonho, mas um espelho
motivacional da instituição da realidade.
Essa é a conclusão que dois
autores chegaram na década de 1950 ao se debruçarem sobre o crescente fenômeno
das chamadas “previsões astrológicas” nas mídias de massa no período pós-guerra:
Theodor Adorno nas suas análises sócio-psicanalíticas sobre a coluna do
horóscopo do Los Angeles Time e de
Roland Barthes na análise semiológica do horóscopo no semanário francês Elle.
Primeiro, Adorno encontrou nos textos
dos horóscopos uma “abordagem bifásica” quem em psicologia refere-se ao
comportamento neurótico oscilante entre alguém que age em relação a si mesmo
como criança travessa e, em outras situações, como disciplinador severo. Adorno
localizou o mecanismo de criação de dependência quando as previsões criam a
imagem do leitor como alguém frustrado e, ao mesmo tempo, possível de obter
sucesso. Paradoxalmente, a afirmação do sujeito só ocorreria mediante a negação
diante das instituições sociais – trabalho, família e relacionamentos. Aos
leitores recomenda-se sempre obediência, bom-senso e moderação diante da figura
do chefe e hierarquia do trabalho (veja ADORNO, Theodor, As Estrelas Descem à Terra – a coluna astrológica do Los Angeles Time,
São Paulo: Editora da Unesp, 2008).
Para Adorno, a astrologia de
massas seria uma “supertição secundária”, pois ao inserir o misticismo da
astrologia em uma sociedade de consumo altamente tecnologizada e secular, o
Oculto surge institucionalizado e amplamente socializado. O Oculto perde sua
tensão com a racionalidade e torna-se um discurso motivacional e neurótico onde
o indivíduo mantém a esperança de sucesso negando a si mesmo.
Roland Barthes vai chegar a
conclusões parecidas através do caminho da semiologia. Ao analisar o discurso do
horóscopo da revista Elle, Barthes chega a uma constatação paradoxal: na
verdade as supostas “previsões” astrológicas resumem-se a descrições: os astros
mais prescrevem do que predizem, isto é, “raramente se arrisca o futuro, e a
predição é sempre neutralizada pelo equilíbrio dos possíveis: se houver
fracassos serão pouco importantes, se houver rostos sombrios, o seu bom humor
alegrá-los-á; as relações maçantes serão úteis etc.” (BARTHES, Roland, Mitologias. R. de Janeiro: Difel, 1980,
p. 108).
|
Roland Barthes e Theodor Adorno |
Para Barthes, os astros parecem
refletir como um espelho o ritmo do nosso dia-a-dia de trabalho: os astros
nunca postulam uma destruição da ordem. Parecem influir moderadamente ,
respeitando a ordem social, os horários patronais e os diversos departamentos
da rotina: “sorte”, “amor”, “dinheiro”, “viagem” etc. São rubricas sociais que
coincidem com as “casas” dos mapas astrais. Assim como Adorno, Barthes concorda
que o Oculto, o Imaginário e o Onírico presentes na Astrologia são
institucionalizados como discursos motivacionais que se por um lado promete o
livre-arbítrio, a vontade individual e o sucesso, por outro prescreve a rígida
observância à ordem diária através do bom-senso e moderação.
O "mundo" e o "pessoal" na astrologia
Cinquenta anos depois dessas
análises de Adorno e Barthes, suas conclusões não só ainda se sustentam como a
função simultaneamente disciplinadora e motivacional da astrologia de massas
acabou se sofisticando dentro do abrangente imaginário da “New Age” do século
XXI. Acabou se sofisticando num discurso onde as grandes transformações sociais
e naturais (muitas vezes potencialmente catastróficas) convivem com a intacta
manutenção da rotina.
|
Os céus refletem a ordem terrestre |
Em primeiro lugar o grupo das
rubricas “Sexo”, “Amor”, “Viagens”, “Trabalho” e “Saúde” é separado da rubrica “previsões para esse ano”.
Ao tratar das previsões para o “mundo”
ou o “coletivo” percebe-se um cunho emergencial e até catastrófico com “grandes
mudanças”, “conturbações para o mundo”, “comoções”, “guerras” e “crises”
potenciais. Aqui temos a astrologia assumindo a natureza premonitória,
alinhamento de astros, conjunções estelares e de planetas que podem influir em
grandes transformações e “mudanças de mentalidade”.
Por outro lado, quando entramos
nas “previsões” diárias, em cada rubrica da nossa rotina diária percebe-se o
tom descritivo tal qual assinalou Barthes: de repente os astros se esquecem das
grandes crises prometidas no âmbito coletivo e, no dia-a-dia, passam a ter
influência moderada, respeitando a rotina e até os períodos do dia – por exemplo,
“não assine qualquer contrato no período da manhã”, etc.
Parece que a Natureza se historiciza
e a Sociedade naturaliza-se: inversamente, a Natureza assume as emergências das
transformações sociais e a sociedade adquire-se o compasso cíclico semelhante às
estações do ano. Na natureza e no coletivo esperam-se transformações, caos e
crise; ao contrário, no dia-a-dia pessoal imperam rotina e ordem.
O diário e o semanal
|
As casas dos mapas astrais refletem a ordem cotidiana e as rubricas das colunas astrológicas |
Lendo os textos astrológicos
diários e sobre as supostas previsões semanais, percebe-se uma rígida
observância dos astros ao nosso horror pelas segundas-feiras e a resolução de
conflitos e dilemas com a aproximação do final de semana. A semana em geral
inicia com alguma tensão entre um astro regente com alguma coisa que transita
próximo a ele ou entrada de um planeta em determinada “casa” (essa divisão das “casas”
no mapa celeste parece refletir as “rubricas” arbitrárias da rotina terrestre
como “viagem”, “sexo”, “trabalho” etc.) que, ao longo da semana, vai diluindo com
a proximidade do final de semana até ser esquecido para o sábado e domingo se encherem de alegria e potencialidades. Isso
até a próxima segunda-feira onde os céus tornam-se novamente nebulosos como que
refletissem a nossa carranca por ter que voltar à rotina.
Portanto, se encontramos uma
oposição entre o coletivo/pessoal, podemos também observar uma polaridade entre
diário/semanal: no diário impera o bom-senso e o meio termo (moderação, pés no
chão, condenação ao excesso de otimismo, stress etc.) e no semanal um estranho
padrão astronômico onde a semana abre e fecha quase sempre com eventos celestes
– uma tensão que se resolve com algum “eclipse benéfico”.
No diário a prescrição, no
semanal a previsão. De qualquer forma, o que dominará serão as prescrições
disciplinares já que as previsões parecem ter uma função de “moldura” para
abrir e fechar períodos.
Para quê serve a
astrologia de massas?
No todo, confirmam-se as
análises de Adorno e Barthes sobre a função da astrologia de massas na
sociedade: exorcizar a realidade ao nomear ou racionalizar nosso mal estar
diante da rotina cinzenta, a arbitrariedade do chefe, os males entendidos nos
relacionamentos. Barthes dizia que a astrologia é a “literatura do
pequeno-burguês”.
Estudando o discurso da
astrologia de massas, os elementos e movimentos celestes parecerem ser sempre moralistas,
orientados pela virtude: os “eclipses benéficos” parecem sempre premiar o bom
humor, o controle de si próprio, a paciência. Seriam atitudes convenientes diante
dos discretos presságios que são colocados no meio das massivas prescrições nos
textos astrológicos.
Novamente, Barthes afirma que a
astrologia de massas é a “escola da força de vontade” ao resolver o paradoxo
entre o determinismo das forças celestes e o livre arbítrio do indivíduo: tudo
seria resolvido por meio da liberdade de caráter e força de vontade.
Mas tudo isso dentro da “abordagem
bifásica” descrita por Adorno onde, paradoxalmente, a vontade é destacada na
medida em que respeite a ordem e a disciplina do estatuto social.
Postagens relacionadas