segunda-feira, maio 22, 2017

Luciano Huck e o jornalismo que perdeu o faro na classe média midiatizada


A corrida de celebridades como Luciano Huck para apagar fotos nas redes sociais com o, agora, radioativo senador Aécio Neves, é a face mais visível de um novo fenômeno: o surgimento uma classe média midiatizada: jornalistas, artistas, celebridades esportivas entre outros da fauna midiática que, por respirarem e viverem em uma bolha que os isola das ameaças do deserto do real, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras com personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder. Como sintoma “tautista” (tautologia + autismo) desses ambientes midiatizados, confundem câmeras, teleprompter e claque de aplausos em auditório com a própria realidade, chegando alguns a acreditar que de fato ocupam “espaço de poder”. Casadas com políticos e empresários além de manter amizades com centros de poder corporativos e governamentais fazem muitos jornalistas acreditar que também pertencem à classe dominante, criando um tipo de jornalismo e entretenimento marcado por relações promíscuas e conflitos de interesses.

Lá pelos idos de setembro de 1999, em artigo no jornal Folha de São Paulo intitulado "Ninguém ousa namorar as deusas do sexo", o ex-cineasta e jornalista Arnaldo Jabor qualificava o apresentador Luciano Huck como um “fazendeiro de bundas”.

Na época Huck era a estrela do programa H da Band, depois de uma trajetória como estagiário em agências de publicidade, revista Playboy, colunas sociais e sócio de casa noturna na praia de Maresias/SP. O Programa H costumava revelar beldades como a “Feiticeira” e a “Tiazinha” que, para Jabor, eram produtos de uma “revolução da vulgaridade regada a funk e pagode” – clique aqui.

Dezoito anos depois, o outrora “fazendeiro de bundas”, em recente entrevista para a mesma Folha, passou a se autonomear como representante de uma geração que está “pronta para ocupar espaços do poder” diante do “colapso do sistema político”. E em tom messiânico, declara-se com uma “missão conquistada pelo poder do microfone resultado de muito trabalho”. - clique aqui

Depois de jornalistas como Ivan Moré tentar criar uma espécie de Lava Jato moralizadora no esporte (o quadro “Jogo Limpo”, clique aqui) e jornalistas como Fátima Bernardes migrarem para programas de entretenimento (clique aqui), dessa vez é Huck que foi contaminado pela metástase do tautismo (tautologia + autismo) que impregnou os corredores, estúdios e redações da Globo.

Huck acredita que falar ao microfone, receber aplausos de uma claque em um auditório e ler o teleprompter é um contato real com o povo e o poder.

É o sintoma tautista de confundir o signo com a própria coisa (confundir a câmera com a própria realidade). Inebriado por esse ambiente midiático auto-referencial e fechado em si mesmo, Huck distribui indícios que possa se candidatar à presidência e se vangloria de ter amigos íntimos do poder como Fernando Henrique Cardoso (“a cabeça mais moderna do Brasil”) e o senador Aécio Neves (“tenho carinho por ele”).


Tautismo e a classe média midiatizada


Depois do escândalo das delações premiadas dos donos do frigorífico JBS, abalando o governo do desinterino Temer e levando junto Aécio Neves, Huck corre para as redes sociais e apaga suas fotos nas quais posava orgulhosamente ao lado do seu amigo senador – assim como também fizeram diversas estrelas midiáticas apoiadoras de primeira hora do impeachment como Ana Paula do vôlei, o jogador Neymar entre outras celebridades.

O que revela um fenômeno derivado do tautismo que agora parece demonstrar não ser só propriedade exclusiva da Globo: também contamina o próprio contínuo midiático como um todo. Esse fenômeno é o do surgimento de uma, por assim dizer, nova classe média midiatizada – jornalistas, artistas, celebridades esportivas et caterva que, por respirarem e viverem nessa atmosfera tautista que os blinda das ameaças do deserto do real lá de fora, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras entre mídia e personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder.

No futuro, esse fenômeno (que está muito além das tradicionais celebridades das colunas sociais) ainda será objeto de estudos acadêmicos da sociologia até a antropologia urbana. Mas, desde já, podemos perceber que o ponto de partida do fenômeno está na boa remuneração e no fascínio em constatarem o alcance na opinião pública das suas visões de mundo.

Imersos e intoxicados por essa atmosfera viciada, tornam-se veículos fáceis para aqueles que verdadeiramente detém o poder – o Capital, seja político, financeiro e dos meios de produção.

Lauro Jardim

“Furo” e vazamentos


Por exemplo, o jornalista de O Globo, Lauro Jardim, após o suposto “furo” que virou o barco da República publicado em sua coluna, passou a ser entrevistado como fosse a estrela do jornalismo que poderá mudar o rumo da política – algo assim como Bob Woodward e Carl Bernstein que derrubaram o presidente Nixon com o escândalo Watergate no anos 1970 nos EUA.

Nesse ambiente tautista, editar vazamentos produzidos pelo Ministério Público e Polícia Federal tornou-se sinônimo de “furo” – ou como o jornalista Caco Barcelos chama de “jornalismo declaratório” no qual a “investigação” consiste em meramente republicar documentos vazados, sem o jornalista  se interessar em ligar pontos ou checar a veracidade das informações.

De Luciano Huck a Lauro Jardim, todos são membros dessa nova classe média midiatizada. Pensam ter o poder, mas são apenas assalariados altamente remunerados por aqueles que detêm o monopólio dos meios de produção e distribuição. O verdadeiro poder, o Capital. 

Os altíssimos ganhos (sejam simbólicos ou financeiros) e o engrandecimento do próprio ego levam a criar esse novo estamento mediador entre o Capital e a opinião pública.


Cães perdidos


No livro A Saga dos Cães Perdidos, o pesquisador e professor da ECA/USP Ciro Marcondes Filho traça a história de como o Jornalismo perdeu o seu faro e se perdeu. Ele aponta dois fatores: o primeiro, de ordem tecnológica, a prática da profissão “sentada”, em estúdios e redações na qual o trabalho passa a ser de meramente editar e repassar informações (releases, vazamentos ou notas) diante de terminais nas estações de trabalho.

E segundo, o fascínio pelos “poderosos” que ocasionalmente entrevistam. O que porventura leva à inveja criada pela diferença de classe social, ambição desenfreada e a busca rápida do enriquecimento. Concentrados diante dos terminais em suas baias nas redações ou estúdios em ambiente assépticos e hierarquizados (tal como ambientes corporativos) começam a se ver como profissionais altamente especializados ambicionando ascender em uma carreira análoga a CEOs de empresas.

Essa classe média midiatizada começa dessa maneira a criar ligações perigosas e promíscuas muitas vezes com suas próprias fontes.

Multiplicam-se exemplos de jornalistas casadas com empresários e políticos – a correspondente em Brasília da GloboNews Andreia Sadi, casada com o primo do senador Aécio Neves, Paulo César Pereira, coordenador de política da Globo em Brasília (cujo triângulo cria evidente conflito de interesses); a ex-jornalista da Band e apresentadora Ticiana Villas Boas, casada com Joesley Batista cujas delações dinamitaram Brasília.

Sem falar na ex-âncora de muitos programas da Globo como Fantástico e Jornal Hoje, Cláudia Cruz, casada com o deputado Eduardo Cunha, louco para também delatar diretamente dos cárceres da Lava Jato em Curitiba; ou ainda a menos conhecida jornalista e apresentadora da TV Tambaú (afiliada ao SBT), Pâmela Bório, casada até 2015 com o governador da Paraíba Ricardo Coutinho do PSB.

E mesmo a jornalista e apresentadora Ana Paula Padrão, ex-Globo, e que afirma “ser uma repórter de rua que não dá o mínimo para status e fama” (clique aqui), foi casada com o empresário e economista Walter Mundell.


As ideias da classe dominante


Ou ainda os diversos casos de jornalistas que migram para os programas de entretenimento e passam a gravitar em torno de artistas e celebridades, principalmente aquelas que através de redes sociais declaram posicionamentos políticos que coincidem para onde aponta a biruta (aquela do aeroporto) dos proprietários da emissora de TV.

Se as ideias dominantes são sempre aquelas da classe dominante porque exerce o domínios dos meios de produção material (e simbólico no caso das mídias), essa classe média midiatizada exerce uma função fundamental para o poder hegemônico: julgando-se fazer parte integrante da classe dominante (pelos altos salários, prestígio, repercussão das suas ações na opinião pública e proximidade com políticos, empresários e proprietários dos meios), acabam se tornando muito mais do que correias de transmissão – editores de vazamentos e informantes de pautas pré-selecionadas.

Mais do que isso, são os apoiadores de primeira hora, verdadeiros cães sabujos que apontam para o caminho a seguir não através do seu próprio faro, mas pelo faro do seus donos.

Daí vermos ao vivo a sucessão de gafes, erros e atos falhos de jornalistas estressados e consternados em tentar acompanhar a mudança da rota dos interesses das Organizações Globo, agora jogando ao mar o governo Temer junto com o outrora campeão da ética Aécio Neves.

Mas essa nova classe média midiatizada tem um outro papel, mais ideológico e cotidiano: como creem que pertencem à classe dominante e que só conseguiram chegar lá “pelo poder do microfone e muito trabalho”, como se arvora Luciano Huck, seus programas de entretenimento e noticiosos são peças de propaganda para as massas acreditarem na meritocracia e no empreendedorismo – a esperança do momento mágico em que a força de trabalho se transmutará em Capital.

Mas às vezes, essa classe média midiatizada oferece espetáculos patéticos como a corrida para apagar suas fotos nas páginas das redes sociais com o, agora, radioativo (praticamente um Césio-137 ambulante) senador da  República Aécio Neves.
   

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