A corrida de celebridades como Luciano Huck
para apagar fotos nas redes sociais com o, agora, radioativo senador Aécio
Neves, é a face mais visível de um novo fenômeno: o surgimento uma classe média
midiatizada: jornalistas, artistas, celebridades esportivas entre outros da
fauna midiática que, por respirarem e viverem em uma bolha que os isola das ameaças
do deserto do real, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras com personagens
empresarias e políticos que habitam no entorno do poder. Como sintoma “tautista”
(tautologia + autismo) desses ambientes midiatizados, confundem câmeras,
teleprompter e claque de aplausos em auditório com a própria realidade, chegando
alguns a acreditar que de fato ocupam “espaço de poder”. Casadas
com políticos e empresários além de manter amizades com centros de poder corporativos e
governamentais fazem muitos jornalistas acreditar que também pertencem à classe dominante, criando
um tipo de jornalismo e entretenimento marcado por relações promíscuas e
conflitos de interesses.
Lá pelos idos de setembro de 1999, em artigo no jornal Folha de São Paulo intitulado "Ninguém ousa namorar as deusas do sexo", o ex-cineasta e
jornalista Arnaldo Jabor qualificava o apresentador Luciano Huck como um
“fazendeiro de bundas”.
Na época Huck era a estrela do programa H da Band, depois de uma trajetória como estagiário em agências de
publicidade, revista Playboy, colunas sociais e sócio de casa noturna na praia
de Maresias/SP. O Programa H costumava
revelar beldades como a “Feiticeira” e a “Tiazinha” que, para Jabor, eram
produtos de uma “revolução da vulgaridade regada a funk e pagode” – clique aqui.
Dezoito anos depois, o outrora “fazendeiro de bundas”, em recente
entrevista para a mesma Folha, passou
a se autonomear como representante de uma geração que está “pronta para ocupar
espaços do poder” diante do “colapso do sistema político”. E em tom messiânico,
declara-se com uma “missão conquistada pelo poder do microfone resultado de
muito trabalho”. - clique aqui
Depois de jornalistas como Ivan Moré tentar criar uma espécie de
Lava Jato moralizadora no esporte (o quadro “Jogo Limpo”, clique aqui) e jornalistas como Fátima
Bernardes migrarem para programas de entretenimento (clique aqui), dessa vez é Huck que foi contaminado
pela metástase do tautismo (tautologia + autismo) que impregnou os corredores,
estúdios e redações da Globo.
Huck acredita que falar ao microfone, receber aplausos de uma
claque em um auditório e ler o teleprompter é um contato real com o povo e o
poder.
É o sintoma tautista de confundir o signo com a própria coisa
(confundir a câmera com a própria realidade). Inebriado por esse ambiente
midiático auto-referencial e fechado em si mesmo, Huck distribui indícios que
possa se candidatar à presidência e se vangloria de ter amigos íntimos do poder
como Fernando Henrique Cardoso (“a cabeça mais moderna do Brasil”) e o senador
Aécio Neves (“tenho carinho por ele”).
Tautismo e a classe média midiatizada
Depois do escândalo das delações premiadas dos donos do
frigorífico JBS, abalando o governo do desinterino Temer e levando junto Aécio
Neves, Huck corre para as redes sociais e apaga suas fotos nas quais posava
orgulhosamente ao lado do seu amigo senador – assim como também fizeram
diversas estrelas midiáticas apoiadoras de primeira hora do impeachment como
Ana Paula do vôlei, o jogador Neymar entre outras celebridades.
O que revela um fenômeno derivado do tautismo que agora parece
demonstrar não ser só propriedade exclusiva da Globo: também contamina o
próprio contínuo midiático como um todo. Esse fenômeno é o do surgimento de uma,
por assim dizer, nova classe média
midiatizada – jornalistas, artistas, celebridades esportivas et caterva que, por respirarem e viverem
nessa atmosfera tautista que os blinda das ameaças do deserto do real lá de
fora, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras entre mídia e
personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder.
No futuro, esse fenômeno (que está muito além das tradicionais
celebridades das colunas sociais) ainda será objeto de estudos acadêmicos da
sociologia até a antropologia urbana. Mas, desde já, podemos perceber que o
ponto de partida do fenômeno está na boa remuneração e no fascínio em constatarem
o alcance na opinião pública das suas visões de mundo.
Imersos e intoxicados por essa atmosfera viciada, tornam-se veículos
fáceis para aqueles que verdadeiramente detém o poder – o Capital, seja
político, financeiro e dos meios de produção.
Lauro Jardim |
“Furo” e vazamentos
Por exemplo, o jornalista de O
Globo, Lauro Jardim, após o suposto “furo” que virou o barco da República publicado em sua coluna, passou a ser entrevistado como fosse a estrela do jornalismo que
poderá mudar o rumo da política – algo assim como Bob Woodward e Carl Bernstein
que derrubaram o presidente Nixon com o escândalo Watergate no anos 1970 nos
EUA.
Nesse ambiente tautista, editar vazamentos produzidos pelo
Ministério Público e Polícia Federal tornou-se sinônimo de “furo” – ou como o
jornalista Caco Barcelos chama de “jornalismo declaratório” no qual a
“investigação” consiste em meramente republicar documentos vazados, sem o jornalista se interessar em ligar pontos ou checar a veracidade das informações.
De Luciano Huck a Lauro Jardim, todos são membros dessa nova
classe média midiatizada. Pensam ter o poder, mas são apenas assalariados
altamente remunerados por aqueles que detêm o monopólio dos meios de produção e
distribuição. O verdadeiro poder, o Capital.
Os altíssimos ganhos (sejam simbólicos ou financeiros) e o
engrandecimento do próprio ego levam a criar esse novo estamento mediador entre
o Capital e a opinião pública.
Cães perdidos
No livro A Saga dos Cães
Perdidos, o pesquisador e professor da ECA/USP Ciro Marcondes Filho traça a
história de como o Jornalismo perdeu o seu faro e se perdeu. Ele aponta dois
fatores: o primeiro, de ordem tecnológica, a prática da profissão “sentada”, em
estúdios e redações na qual o trabalho passa a ser de meramente editar e
repassar informações (releases, vazamentos ou notas) diante de terminais nas
estações de trabalho.
E segundo, o fascínio pelos “poderosos” que ocasionalmente
entrevistam. O que porventura leva à inveja criada pela diferença de classe
social, ambição desenfreada e a busca rápida do enriquecimento. Concentrados
diante dos terminais em suas baias nas redações ou estúdios em ambiente
assépticos e hierarquizados (tal como ambientes corporativos) começam a se ver
como profissionais altamente especializados ambicionando ascender em uma
carreira análoga a CEOs de empresas.
Essa classe média midiatizada começa dessa maneira a criar
ligações perigosas e promíscuas muitas vezes com suas próprias fontes.
Multiplicam-se exemplos de jornalistas casadas com empresários e
políticos – a correspondente em Brasília da GloboNews Andreia Sadi, casada com
o primo do senador Aécio Neves, Paulo César Pereira, coordenador de política da
Globo em Brasília (cujo triângulo cria evidente conflito de interesses); a
ex-jornalista da Band e apresentadora Ticiana Villas Boas, casada com Joesley
Batista cujas delações dinamitaram Brasília.
Sem falar na ex-âncora de muitos programas da Globo como Fantástico e Jornal Hoje, Cláudia Cruz, casada com o deputado Eduardo Cunha,
louco para também delatar diretamente dos cárceres da Lava Jato em Curitiba; ou
ainda a menos conhecida jornalista e apresentadora da TV Tambaú (afiliada ao
SBT), Pâmela Bório, casada até 2015 com o governador da Paraíba Ricardo Coutinho
do PSB.
E mesmo a jornalista e apresentadora Ana Paula Padrão, ex-Globo, e
que afirma “ser uma repórter de rua que não dá o mínimo para status e fama”
(clique aqui), foi casada com o empresário e economista Walter Mundell.
As ideias da classe dominante
Ou ainda os diversos casos de jornalistas que migram para os
programas de entretenimento e passam a gravitar em torno de artistas e
celebridades, principalmente aquelas que através de redes sociais declaram
posicionamentos políticos que coincidem para onde aponta a biruta (aquela do
aeroporto) dos proprietários da emissora de TV.
Se as ideias dominantes são sempre aquelas da classe dominante
porque exerce o domínios dos meios de produção material (e simbólico no caso
das mídias), essa classe média midiatizada exerce uma função fundamental para o
poder hegemônico: julgando-se fazer parte integrante da classe dominante (pelos
altos salários, prestígio, repercussão das suas ações na opinião pública e
proximidade com políticos, empresários e proprietários dos meios), acabam se
tornando muito mais do que correias de transmissão – editores de vazamentos e
informantes de pautas pré-selecionadas.
Mais do que isso, são os apoiadores de primeira hora, verdadeiros
cães sabujos que apontam para o caminho a seguir não através do seu próprio
faro, mas pelo faro do seus donos.
Daí vermos ao vivo a sucessão de gafes, erros e atos falhos de
jornalistas estressados e consternados em tentar acompanhar a mudança da rota
dos interesses das Organizações Globo, agora jogando ao mar o governo Temer
junto com o outrora campeão da ética Aécio Neves.
Mas essa nova classe média midiatizada tem um outro papel, mais ideológico
e cotidiano: como creem que pertencem à classe dominante e que só conseguiram
chegar lá “pelo poder do microfone e muito trabalho”, como se arvora Luciano
Huck, seus programas de entretenimento e noticiosos são peças de propaganda
para as massas acreditarem na meritocracia e no empreendedorismo – a esperança
do momento mágico em que a força de trabalho se transmutará em Capital.
Mas às vezes, essa classe média midiatizada oferece espetáculos
patéticos como a corrida para apagar suas fotos nas páginas das redes sociais
com o, agora, radioativo (praticamente um Césio-137 ambulante) senador da República Aécio Neves.
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