“Torne a
mentira grande, simplifique-a, continue afirmando-a, e eventualmente todos
acreditarão nela”. Essa frase de Adolf Hitler descreve bem esse ‘e-fenômeno’
que se tornou o Jogo da Baleia Azul nos últimos meses. O que aconteceu foi algo semelhante à frase
do ditador, ou seja, o jogo é a mentira que se tornou grande, e por isso foi
curtida, comentada e compartilhada tantas vezes mundo afora que, eventualmente,
muitos acreditaram nela. Sabe-se agora, após investigações de sites
especializados, que o Jogo da Baleia Azul é um “fake news” (notícia falsa),
fruto do velho e conhecido telefone sem fio. Mas também a vida imita a arte:
o suposto jogo Baleia Azul foi
explicitamente inspirado no filme “Nerve: Jogo sem Regras” (2016). E
vice-e-versa, a arte imita a vida: a série "Os 13 Porquês” surge no momento em
que a ONU divulga números de que ocorre um suicídio a cada 40 segundos:
coincidências? sincronismos? Ou também a morte transforma-se em mais um produto
à venda?
Sabe aquele dito popular “quem
conta um conto aumenta um ponto”, então! É a história que alguém ouviu de
outro alguém e, ao contá-la, aumentou e/ou distorceu fatos e elementos do
evento original, passando adiante uma informação ainda mais customizada que a
versão anterior.
Mas afinal qual é o "Conto", e o qual é o "ponto aumentado" a ele,
para que o Jogo da Baleia Azul se tornasse um viral na internet?
Vamos aos autos (ou ausência deles). Primeiro: ‘o Conto’, o fato -
refere-se a morte de Rina Palenkova, 17 anos, que cometeu suicídio ao
jogar-se nos trilhos do trem da cidade de Ussuriysk, no extremo oriente russo.
Posteriormente constatou-se que a garota participava de sites e grupos de
discussão sobre a temática da morte, suicídio e depressão em geral.
Segundo: “o ponto aumento ao Conto”, ou seja, a mentira -
refere-se a notícia publicada no periódico russo Novaya Gazeta de que
adolescentes (Rina Palenkova) estariam se matando após acessarem um jogo online
chamado The Blue Whale (A Baleia
Azul) contendo 50 tarefas para serem executadas diariamente e em graus
crescentes de dificuldade culminando com o suicídio do participante, tudo a
mando de seus administradores.
Para os investigadores do site Snopes.com
(um site especializado em apurar boatos na Internet), essa história do jogo é
cheia de suposições e sem nenhuma evidência realmente consistente. Rastreando
as publicações eles conseguiram chegar à reportagem inicial, encontrada no
referido periódico russo, de onde se confirmou a ausência de apuração e de
fatos concretos para embasar a notícia. Endossando ainda mais essa constatação,
no último dia 27, a ONG SaferNet na Inglaterra, publicou nota confirmando que
nenhum caso de suicídio até então estaria ligado diretamente ao Jogo da Baleia
Azul.
Internet, depressão e morte
A verdade é que a internet está repleta de grupos e sites com
temáticas de suicídio, depressão, automutilação e morte. E sendo um ambiente
competitivo, estes sites criam as mais variadas formas de manter-se no topo das
buscas as custas dos mais diversos e às vezes duvidosos meios. Como é este o
caso, um grupo de administradores de mídias sociais voltados a esse tema, compartilharam as fotografias de
Rina próxima a linha de trem em que se matou e criaram o boato de que ela fazia
parte de uma seita suicida.
Para promover o grupo russo hashtag #F57, por exemplo, e torná-lo popular, os moderadores desenvolveram
um Jogo de Realidade Alternativa conhecido pelas iniciais em inglês ARG - Alternate Reality Game. Um ARG,
resumidamente é uma realidade virtual sobreposta ao mundo real.
Inicialmente o projeto desse grupo não relacionava-se com o suicídio, mas
depois que incorporaram ideias de moderadores mais underground a coisa mudou. Um dos elementos do projeto foi um
cronômetro de contagem regressiva acionado 70 dias anteriores a uma determinada
data, que seria o dia dos suicídios em massa.
Em entrevista ao site Lenta.Ru, o administrador do grupo “Sea
of Whale“, disse que o criador do grupo hashtag
#F57, Filipp Lis
Budeykin (preso em novembro de 2016, acusado de ser o mentor do The Blue Whale), não tinha a intenção de incentivar os adolescentes a
cometerem suicídio, e sim, promover suas páginas no VKontakte (rede social de origem russa, similar ao Facebook) para
ganhar dinheiro. Lis lançou o mito da “seita” e usou Rina Palenkova para
promovê-lo. Ele vendeu as páginas clonadas da adolescente, além de seus reposts, vídeos e fotos de seu túmulo,
bem como screenshots de sua correspondência.
Depois que o site VKontakte
removeu o grupo #F57, ele, Filipp
Lis, criou grupos semelhantes, como o f57Terminal5751 , ς☈ψ ς☈ψ ς☈ψ 666. Ele insistiu
que seu objetivo era dissuadir adolescentes propensos a pensamentos suicidas,
mas pra isso era necessário primeiro “se tornar um deles”. Em outras palavras,
fingir ser suicida. Segundo o site Radio Free Europe não é raro que jovens em
depressão e que praticam automutilação, ou cutting, entrem
em grupos fechados sobre o tema. Eles frequentam grupos em comuns na internet,
independente da existência de jogos como o da Baleia Azul.
A vida imita a arte
O filme ‘Nerve – Um Jogo Sem Regras’ foi
lançado em 2016 antes da Baleia Azul ser conhecido mundialmente, e parece ter
inspirado os criadores desse infame jogo suicida. Com direção de Ariel Shulman e Henry Joost (criadores e produtores do
programa jovem da MTV Catfish ) o
filme, inspirado no livro homônimo de Jeanne Ryan, conta a história da
estudante Vee que, pressionada pelos amigos, decide participar do jogo online ‘Nerve’, que faz desafios reais aos seus
jogadores em troca de dinheiro. Porém, o jogo toma um rumo assustador e, ao
chegar no estágio final, Vee precisa tomar decisões que irão determinar o seu
futuro.
O filme começa com uma simples brincadeira onde a
protagonista deve "beijar um estranho por 5 segundos" para ganhar cem
dólares, em outra cena um jogador deve "ficar de baixo de um trem em
velocidade", curiosamente Rina Palenkova cometeu suicídio ao jogar-se nos
trilhos de um trem. A semelhança entre
o filme e o jogo da baleia azul é tamanha que podemos dispensar a coincidência.
Temos agora elementos suficientes para
imaginar por um instante a hipotética situação: inspirados em Nerve: Um Jogo Sem Regras, um
grupo de administradores de sites de temática suicida se articulam para
promoverem as suas páginas na internet e criam uma versão virtual de notícias
reais de adolescentes suicidas que supostamente participaram de jogos de
desafios que os levaram a morte, surge assim o jogo da Baleia Azul e suas
vítimas. Essa mentira então viraliza na internet e ganha crédito.
Brasil e o efeito contágio
No Brasil a notícia desencadeia o
chamado “efeito contágio” com consequências reais, e não virtuais, como foi o
caso de uma menina de 16 anos que morreu no Mato Grosso após se afogar em uma
lagoa na região central de Vila Rica, a cerca de 1.200 km de Cuiabá,
supostamente ligada ao jogo da Baleia Azul. Apesar de ter ganhado muita credibilidade,
no fim, esse ‘Conto’ felizmente não matou ninguém diretamente e só fez levantar
a discussão sobre o suicídio e seu significado, causas e consequências.
Voltando ao filme Nerve a ideológica sugerida no jogo desperta a atenção de quem
assiste a este thriller adolescente,
ainda mais em tempos de Pokémon Go cujo
fascínio compara-se ao contido neste filme. Interessante que ele remete mais
uma vez a figura do Grande Irmão, onde a todo momento pessoas observam e são
observadas, o que levanta também a questão da perversão que existe por trás
daquilo que secretamente desejamos ver o outro realizando.
(CUIDADO SPOILER!!) No final do filme, quando a protagonista encontra-se entre a vida e a
morte, a cena remete aos tempos do império romano quando gladiadores se
confrontavam até a morte no Coliseu, não por acaso o ambiente do filme no qual
a cena final se desenrola faz lembrar a famosa arena romana. Assim como no
Império os romanos decidiam a sorte do derrotado com um gesto do polegar, no
filme, os observadores tem que decidir também sobre o destino de Vee com um
toque no celular, clicando em ‘Sim’ ou ‘Não’ para a morte da adolescente.
Rina Palenkova cometeu suicídio ao jogar-se nos trilhos de um trem aos 17 anos, situação análoga retratada no filme ‘Nerve’ |
Suicídio como grito de alerta
Assim como o jogo baleia azul surgiu
envolto em indefinições e boatos, também não há uma explicação oficial sobre a
origem de seu nome, no geral associa-se ao histórico desses cetáceos de
encalharem nas praias em grupo, geralmente por desorientação ou seguirem um
líder doente, interpretado erroneamente como um suicídio coletivo. O fato de
seguirem um líder pode-se relacionar ao funcionamento do jogo no qual um
curador seria o responsável em conduzir o jogador, verificando a execução das
tarefas e determinando as próximas a serem executadas até finalmente induzi-lo
a morte no final do jogo.
Outra interpretação que se faz é
associar a baleia às imersões que realiza a grandes profundidades no oceano,
sugerindo assim que o jogador está no fundo do poço, por baixo, imerso em sua
dor e profundamente deprimido. Quanto ao azul, ele tradicionalmente refere-se a
tristeza, melancolia e depressão. É também a mais fria das cores, porém, a
mais atraente. É a cor do infinito, dos sonhos, dos introvertidos e remete
também às emoções profundas e eternas.
Dessa forma podemos associar o conceito
de Baleia Azul ao comportamento de pessoas que se encontram desorientadas,
inseguras, fragilizadas e facilmente manipuláveis por viverem um momento
difícil de muita depressão, melancolia e tristeza, portanto, com todos os
sintomas típicos de um potencial suicida. Não é à toa que as supostas vítimas
do jogo sejam, predominantemente, compostas por pré-adolescentes, adolescentes
e jovens, ou seja, pessoas em idade de transformação física e psicológica, de
afirmação pessoal e muita pressão social por definição de seu papel na sociedade.
A arte imita a vida
A série televisiva estadunidense 13th Reasons Why sucesso recente de
audiência mundial, baseado no livro Os 13
Porquês de Jay Asher, retrata bem esse drama, e assim como o jogo da Baleia
Azul provocou, e ainda provoca, acaloradas discussões sobre a influência da
mídia no comportamento de jovens e adolescentes, levantando uma série de
medidas cautelares para que os país pudessem reconhecer em seus filhos os
sinais de um comportamento suicida.
A Pequena Loja de
Suicídio (Le Magasin des
Suicides, 2012) é uma animação francesa de Patrice Laconte, que aborda de
forma explícita e com muito humor negro a temática do suicídio. A trama se
passa em uma cidade extremamente triste e depressiva. Em um ambiente sempre
cinza e chuvoso com pessoas melancólicas e apáticas os suicídios são tão
recorrentes que o governo estipula até uma multa para quem sobrevive a uma
tentativa frustrada de tirar a própria vida.
É nesse clima
mórbido que uma família vê a oportunidade de ganhar dinheiro e cria uma loja
onde são comercializados os mais diversos e imaginativos artigos para suicidas.
Assim surge a Casa Tuvache, uma pequena loja que promete aos seus clientes “uma
morte requintada”, cujo lema é: “Ajudá-lo a Morrer é a Nossa Felicidade” (Essa
animação já foi tema aqui do Cinegnose, para saber clique aqui).
Imaginando
agora o Jogo da Baleia Azul, o filme Nerve e a série americana como
mercadorias (como de fato são) dentro da animação francesa, essas obras
certamente estariam em alguma prateleira e seriam comercializadas pela pequena
loja de suicídio, a Casa Touvache. Aqui a arte imita a vida, pois além de terem
o suicido como tema principal, as três produções visam, em última instância,
fama e dinheiro. Mas não é só isso, afinal, o mundo retratado por Patrice
Laconte não está muito distante de nossa realidade hoje.
Segundo dados
da Organização das Nações Unidas (ONU), levantados em 2016, a cada 40 segundos uma
pessoa comete suicídio no mundo. Curiosamente a idealização dessas obras
ocorreram no período e a partir da divulgação desses dados.
Oportunismo
(tal qual a Casa Touvache?), ou seria tudo um fenômeno sincromístico nascido,
dentre outras coisas, da ameaça cada vez mais iminente de um conflito mundial
nuclear devastador e de proporções épicas, ventilada pela mídia regularmente. O
suicídio a partir dessa realidade opressora e fatalista não parece algo tão sem
sentido assim afinal.
De qualquer
forma e apesar das inúmeras definições e concepções elaboradas pelo Homem sobre
a morte e o suicídio, lançaremos mão aqui, para finalizar, a célebre frase de
um cientista: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
- Antoine Laurent de Lavoisier, Pai da Química Moderna (1743-1794).
Simples em sua formulação mas profundo em seu significado, podemos por analogia, com essa frase buscar algum sentido tanto para a Vida em suas infinitas expressões, quanto para a Morte em seus infinitos mistérios.
Simples em sua formulação mas profundo em seu significado, podemos por analogia, com essa frase buscar algum sentido tanto para a Vida em suas infinitas expressões, quanto para a Morte em seus infinitos mistérios.
Referências da Internet:
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