“A Vida de Brian”
(1979) do grupo inglês de humor Monty Python é um filme que não só se tornou
atemporal como, depois de 38 anos, ganhou novas leituras. Paradoxalmente, com a
expansão das novas tecnologias de comunicação como Internet e redes sociais.
Por que? Porque o filme explora a incomunicabilidade humana: Religião e a
Política como subprodutos da mentira, ilusão e ideologias que sempre tentam
justificar algum mal entendido resultante da radical incomunicabilidade da
espécie: o fato de que cada um vê o que quer ver e ouve o que quer ouvir. Brian
é confundido com o Messias e passa a ser perseguido não só pelos romanos como
também por uma multidão de seguidores que veem nele apenas aquilo querem ver. Pedem
de Brian um “sinal” da sua suposta divindade. Não importa o quanto Brian se
esforce para tentar desfazer o mal entendido. Involuntariamente criou uma nova
religião. E o que é pior: a multidão está ávida por um mártir que morra por ela
na cruz...
Certamente Jesus de Nazaré gostaria do filme Vida
de Brian (1979) da trupe de humor inglês Monty Python. Afinal, Jesus tinha
senso de humor, manifestado em trocadilhos ocasionais na Bíblia como, por
exemplo, “É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico
entrar no reino do Céu”.
Ao contrário dos seus seguidores: na época do
lançamento do filme, muitos representantes de religiões, sejam protestantes ou
católicos, acusaram o filme de blasfemo e o grupo inglês de herege. O filme chegou a ser banido em muitas cidades dos EUA.
Apesar disso, A Vida de Brian não zomba da
vida de Cristo, mas de um certo “Brian de Nazaré” que nasceu no mesmo dia e num
estábulo vizinho ao recém-nascido famoso e aureolado.
Aliás, no filme, Cristo aparece apenas duas vezes,
sempre de passagem: na cena inicial como o vizinho famoso de Brian e na
sequência do Sermão da Montanha. Diante de uma enorme multidão reunida, alguém
se queixa: “Não consigo ouvi-lo! O quê ele disse?”. “Parece que ele disse que
os gregos herdarão a Terra... e bem aventurados os produtores de queijo...”,
alguém responde.
Depois de décadas, esse humilde blogueiro teve a
oportunidade de voltar a assistir A Vida de Brian, o segundo longa do
grupo depois do Em Busca do Cálice Sagrado (1975). O que me surpreendeu
é que, 38 anos depois, o filme comprovou não só ser atemporal como também parece
ter se renovado com o tempo ganhando novas leituras dentro do contexto cultural
atual.
Ao contrário de humoristas da mesma época que
acabaram ficando datados como, por exemplo, as paródias de Mel Brooks (O
Jovem Frankenstein, SOS Tem Um Louco no Espaço ou História do Mundo Parte 1).
Bem diferente, A Vida de Brian parece ter
ganho ainda mais força paradoxalmente devido a posterior expansão das
tecnologias de comunicação: TV digital, Internet, redes sociais etc. Apesar de
toda banda larga tecnológica, o grande problema humano ainda é a
incomunicabilidade. Algo parecido com o “ruído” do “telefone sem fio” da
sequência do Sermão da Montanha no filme.
Como não poderia deixar de ser, tudo se passa sob o
domínio e arbitrariedades do Império Romano que oprime o povo judeu. O filme
acompanha a vida de um zé-ninguém chamado Brian Cohen (Graham Chapman) e a sua
mãe Mandy Cohen (Terry Jones): ranzinza, autoritária e materialista, que o
trata como fosse ainda uma criança.
Toda a narrativa é como se fosse um acúmulo de mal
entendidos, ruídos e enganos que vão se amontoando até chegar ao caos final. Já
na primeira sequência o filme já dá o tom: os três reis magos entram no estábulo
errado e acham que o recém-nascido Brian é o Messias. Sua mãe os trata como
fossem bêbados pedófilos até que descobre que querem presenteá-lo com ouro,
incenso e mirra. Ela fica com os presentes enquanto os magos rezam para o
messias errado.
Claro que depois os reis magos descobrem o engano,
empurram a mãe de Brian e retomam a força os presentes, enquanto o pobre bebê é
esbofeteado pela mãe frustrada por não aguentar mais ouvir tantos choros, além
de ter perdido os valiosos presentes.
A Vida de Brian nos mostra como essa série de enganos (produzidos
pela incomunicabilidade humana) se espalha não só pela infeliz vida de Brian,
mas também se alastra na Política, na Religião e no Poder. É o ápice do senso
de humor do grupo Monty Python: non sense, cinismo e humor negro – a capacidade
de através do humor abordar temas muito sérios. De como o riso cínico pode
desconstruir uma realidade aparentemente sólida e racional.
O Filme
Após a impagável sequência inicial do engano dos
três reis magos, acompanhamos Brian aos 33 anos, preocupado com sexo, em dúvidas
se é realmente atraente para as mulheres e complexado pelo seu nariz grande.
Chateado de ser ainda um filhinho da mamãe trintão,
Brian vê a chance de ser alguém e se livrar da possessão materna: juntar-se à
Frente Popular da Judéia, uma célula terrorista que pretende minar a dominação
dos romanos sobre o povo judeu. O grupo planeja a ação mais ousada: sequestrar
a esposa de Pôncio Pilatos.
Mas na ação no subsolo do palácio de Pilatos, dão
de frente com outro grupo terrorista que teve a mesma ideia. Resultado: todos
começam a brigar entre si enquanto, incrédulos, os soldados romanos observam
esperando todos lutarem até cair para depois levar todo mundo preso.
Brian é capturado e levado na presença de um impagável
Pôncio Pilatos (Michael Palin) com língua presa (troca constantemente o “r”
pelo “l”) e inseguro por perceber que os soldados o ridicularizam pelas costas.
Enquanto Pilatos ameaça punir os soldados que o ridicularizam, Brian escapa e
pula de uma janela, para cair em um beco onde estão diversos candidatos a
“messias” fazendo discursos. Cada um com seus seguidores, todos tolerados pelos
soldados romanos.
O Messias involuntário
Brian então finge ser mais um candidato a messias
para passar desapercebido pelos romanos. Inventa um discurso qualquer e...
pronto! Um pequeno grupo se forma para ouvi-lo. Brian fala de forma desconexa,
preocupado com os soldados que o procuram e sai correndo, deixando incompleta
uma frase.
O pequeno grupo, que vira uma multidão, vai atrás
de Brian, pedindo que complete a frase. Todos acreditam em algum desfecho de
frase místico ou profético. Pronto! A contragosto, Brian virou um novo messias,
seguido por diferentes grupos que têm uma interpretação diferente para as
palavras desconexas que ouviram.
Não precisa de muito tempo para sabermos que
ironicamente sua vida, que sempre correu paralela a de Jesus Cristo, poderá ter
o mesmo desfecho trágico do filho de Deus.
O cinismo em relação ao Poder, às burocracias e aos
prestadores de serviço (seja dos pedintes aos comerciantes) são temas que
perpassam o humor do Monty Python desde os tempos da série de TV Flying Circus
(1969-1974) na BBC.
Em A Vida de Brian é ainda mais explícito: o
ex-leproso revoltado porque Jesus o curou e ele perdeu seu ganha-pão de pedir
esmolas; a Frente de Libertação propositalmente burocrática e inerte para
evitar derrotar os romanos e chegar ao Poder porque não saberia o que fazer
quando chegasse lá; comerciantes que precisam pechinchar não pela racionalidade
econômica, mas por um obrigação moral; os seguidores de Brian que não aceitam
os desmentidos do seu “messias”, não porque acreditam que ele seja um profeta
mas porque sem ele não teriam outra coisa melhor para fazer; os romanos tão
desorganizados que só conseguem dominar a Judéia porque os judeus parecem mais
interessados em cuidar das suas vidas e fazer troça dos romanos, e assim por
diante.
O cinismo do helenismo grego
Embora o humor do grupo a princípio trabalhe com
estereótipos (o judeu materialista e covarde, um Pilatos gay enrustido etc.),
vai muito mais além disso: explora uma forma especial de cinismo que remonta a
tradição filosófica do período helenístico da Grécia antiga de Diógenes e Pirro
– o cinismo (ou “kynismo” para os gregos da antiguidade) como forma crítica
contra as três formas de falsidades que sustentam os poderes e a sociedade: a
mentira (a má fé), a ilusão (a falsidade ontológica do mundo) e a ideologia (a
ilusão mobilizada para finalidades políticas) – sobre isso clique aqui.
O cinismo do grupo inglês é cético: vê uma espécie
de reversão irônica em cada ação humana – a fala de Jesus no Sermão da Montanha
vira um “telefone sem fio”; a Frente política de oposição aos romanos vira um
fim em si mesmo; tudo que Brian fala é filtrado por aquilo que seus seguidores
querem ouvir. Por mais que Brian negue e insista que tudo foi um mal entendido,
seus seguidores interpretam como algum tipo de mensagem mística cifrada.
Por isso A Vida de Brian vê a Religião, a
Política e o Poder de forma cínica – tudo é um conjunto de mal entendidos e
incomunicabilidade na qual cada um entende o que quer entender, ouve o que quer
ouvir.
Religião e política como racionalizações
Toda a mentira, a ilusão e as ideologias produzidas
por elas seriam nada mais que racionalizações para justificar esse mal
entendido radical.
Assim como na emblemática sequência em que Brian
foge desesperado não só dos romanos mas também de uma multidão de seguidores
que pedem dele um “sinal” de sua divindade. Na fuga, Brian deixa derrubar uma
cabaça (vaso de barro com gargalo estreito e comprido) e uma sandália acaba
saindo do seu pé, ficando para trás. O grupo que pegou a cabaça, ergue o objeto
dizendo que é “a cabaça sagrada de Jerusalém” e passam a se autodenominar
“cabacenos”.
Enquanto outro grupo rival levanta a sandália para
o céu e grita que aquilo é o verdadeiro “sinal”. Pronto! Acabou de ser criado o
primeiro cisma religioso da história do Cristianismo.
E sabemos que mais tarde o Império Romano adotou o
Cristianismo como a religião oficial. Será que foi mais uma estratégia
maquiavélica de “dividir para reinar” entre tantos outros exemplos que a
História nos conta?
Ficha Técnica |
Título: A Vida de Brian
|
Diretor: Terry Jones
|
Roteiro: Graham Chapman, John Cleese
|
Elenco: Graham Chapman, John Cleese, Terry Jones, Eric Idle, Michael Palin,
Terry Gillliam
|
Produção: HandMade Films
|
Distribuição: Columbia
TriStar
|
Ano: 1979
|
País: Reino Unido
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