segunda-feira, abril 17, 2017

Propaganda e a demonização do inimigo, por Marcelo Gusmão



O filme “1984” foi exibido esse ano em 165 cidades nos EUA como forma de protesto contra o presidente Donald Trump. Ele demoniza imigrantes e a oposição também o demoniza, definindo-o como o “novo Big Brother”. Enquanto isso o Brasil está um caos, dividido, semelhante a final de um campeonato: de um lado do campo os “Coxinhas”, no outro lado os “Mortadelas”. Há quem prefira dizer “esquerda” contra “direita”, ou ainda “amarelos” (canarinhos) contra os “vermelhos”. Essa divisão não é novidade - desde que o mundo é mundo há violência e luta pelo poder. “Nós contra Eles” sempre foi um princípio de identidade entre os “Iguais” das diversas irmandades, seja times de futebol, equipes em gincanas escolares, entre bairros, cidades, países, partidos políticos e, é claro, ideologias. Demonização e a divisão do inimigo são grandes princípios de propaganda e persuasão. Como lidar com essa dualidade?  Qual a sua origem? Há como anular sua força?

Hermes Trismegistus (= ‘Três Vezes Grande’), o maior místico que a humanidade já concebeu, influenciou o pensamento religioso, filosófico e metafísico das principais religiões e filosofias; não somente as ocidentais como o Cristianismo, Judaísmo e o Islã, mas também as religiões orientais, como o Budismo e o Hinduísmo, entre outras. Fragmentos de sua vasta sabedoria estão contidos no famoso livro “O Caibalion” o qual descreve as sete leis que governam o Universo manifestado e não-manifestado:

“Os Princípios da Verdade são Sete; aquele que os conhece perfeitamente, possui a Chave Mágica com a qual todas as Portas do Templo podem ser abertas completamente.”, diz o ‘Mestre dos Mestres’ em  O Caibalion.

Entre os Princípios Herméticos - Mentalismo, Correspondência, Ritmo, Polaridade,  Vibração, Causa e Efeito e Gênero - está aquele que nos dispõe como uma ferramenta para tentar entender com mais profundidade o atual, e dramático, momento ‘sócio-político’ em que o Brasil está mergulhado.

O Princípio da Polaridade nos diz:
“Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados.”
Mas o que isso tem a ver com “coxinhas” e os “mortadelas” ? Para começar temos que voltar um pouco na história e a partir da leitura do livro “O Capital” do famoso sociólogo Karl Marx (1818-1883); entender que os fundamentos do capitalismo subsistem da garantia da propriedade privada e da livre concorrência, ou seja, é condição sine qua non para que o capitalismo exista, que se garanta por todos os meios a posse da propriedade particular e o livre comércio de mercadorias e serviços.


Já no extremo oposto desse polo surge o socialismo, visto por muitos como uma força supostamente antagônica ao capitalismo e que também por isso o define e caracteriza. No socialismo a condição sem a qual não pode ser, é a garantia da coletividade em todos os setores da sociedade e a economia planificada. 

Exército Industrial de Reserva


Essa polaridade não para por aí, sabe-se que o capitalismo para existir necessita do conceito, desenvolvido também por Karl Marx, chamado Exército Industrial de Reserva. Esse fenômeno nada mais é que o desemprego estrutural da economia capitalista, ou seja, ele corresponde a força de trabalho que excede as necessidades da produção. Em outras palavras, para o bom funcionamento do sistema de produção capitalista em garantir o processo de acumulação, é necessário que parte da população economicamente ativa esteja permanentemente desempregada.

Esse contingente, por sua vez, atua como um inibidor das reivindicações dos trabalhadores e contribui para o rebaixamento dos salários. O que é bom apenas para o dono do meio de produção que assim diminui os seus gastos com a mão-de-obra. 

O conceito de exército industrial de reserva põe por terra a crença na liberdade de trabalho bem como no ideal do pleno emprego, ou seja, de “criar oportunidades de trabalho, para que todos possam viver dignamente, do próprio esforço”; segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1934), presidente do Conselho Federal de Educação em 1994.

Já o socialismo também peca em sua execução uma vez que para mover e perpetuar a sua economia planificada e planejada é necessário articular todos os seguimentos da sociedade nesse sentido, isso cria inevitavelmente uma elite estritamente controladora e burocrática, no geral uma elite unipartidária. Evidencias dessa realidade podem ser encontradas no Livro de George Orwell “1984” e muito bem retratado em seu filme.

Na trama George Orwell faz uma crítica à ditadura socialista e todas as implicações que isso representava: "Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado", inicia o filme. 


Trump e o Big Brother


Isso levanta a maior mensagem de G. Orwell, o controle. Um Big Brother (o Grande Irmão que não existe fisicamente), monitorando tudo o que acontece, criando regras onde ninguém pode ser capaz de pensar a sombra de uma guerra fictícia ameaçando a humanidade. Uma sociedade distópica e obsessivamente controladora.

Na época em que foi escrito (1946) as referências do livro recaia exclusivamente a uma realidade existente apenas atrás da “cortina de ferro” - termo cunhado por Margareth Thatcher se referindo aos países comunistas do pós-guerra particularmente a União Soviética. Era uma crítica direta a Joseph Stalim, ditador soviético que instituiu “O Grande Expurgo”, política repressora responsável pelo extermínio de todos aqueles contrários ao seu regime.

Curiosamente em pleno anos 2017 esse mesmo livro foi usado como protesto, só que desta vez em referência ao líder do chamado “Mundo Livre”, Donald Trump, contra a sua política notadamente xenófoba, racista e sexista. Cinemas nos EUA, Canadá, Reino Unido, Suécia, Croácia, Holanda e Nova Zelândia exibiram no dia 04 de abril de 2017 como forma de protesto contra o presidente estadunidense. Por trás da ação estavam os organizadores do festival cinematográfico Capital City Film Festival, de Lansing, no estado do Michigan.

"O retrato de Orwell de um governo que fabrica seus próprios fatos, exige total obediência e demoniza inimigos estrangeiros, nunca foi tão atual", lê-se na página do evento. (https://capitalcityfilmfest.com/ )

O filme foi exibido em 165 cidades em 43 estados americanos, assim como em cinemas no Canadá, na Inglaterra, na Suécia e na Croácia. Mais uma vez aqui aparecem os princípios hermético “a medida do movimento a esquerda (Joseph Stalim) é a medida do movimento a direita (Donald Trump)” O Caibalion.


Demonização do inimigo


A “demonização de inimigos” citado no evento de Michigan é o que nos traz de volta ao Brasil. É uma tática da propaganda política de enfrentamento ideológico que consiste em retratar o oponente como detentor do que há de pior em ética e moral no que diz respeito às suas verdadeiras intenções. A demonização de inimigos é uma forma que a mídia política tem de representar essa falta de caráter, denegrir a imagem e de gerar raiva e repulsa contra uma dada pessoa ou partido político. Essa metodologia não é nova, tendo sido largamente utilizada por governos de todo o mundo não importando a ideologia.

Quem não se lembra do “Grande Satã” termo criado pelo famigerado Aiatolá Khomeini líder da revolução islâmica no Irã. O termo foi originalmente utilizado em seu discurso em 5 de novembro de 1979 para descrever os Estados Unidos, o qual acusou de imperialismo e patrocinador da corrupção em todo o mundo. Este por sua vez na figura de George W. Bush, usou o conceito de “Eixo do Mal” para obter apoio político à chamada Guerra ao Terror e inseriu aí os governos que ele considerava hostis ou inimigos dos EUA, dentre os quais o Irã, além de Coréia do Norte e Iraque:

“Estados como estes, e os seus aliados terroristas, constituem um Eixo do Mal, armados para ameaçarem a paz no mundo”, George Bush, 2002.

Assim como no hermetismo, as técnicas de dominação pela propaganda aperfeiçoadas por pelo chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbles, se orientam não por sete mas por 11 princípios: 
Princípio da simplificação e do inimigo único; Princípio do contágio; Princípio da Transposição; Princípio da Exageração e desfiguração; Princípio da Vulgarização; Princípio da Orquestração; Princípio da Renovação; Princípio do Verossímil; Princípio do Silêncio; Princípio da Transferência; Princípio de Unanimidade.
Princípio da Exageração e desfiguração: exagerar as más notícias até desfigurá-las transformando um delito em mil delitos criando assim um clima de profunda insegurança e temor.

Maquiavel: "Os fins justificam os meios"

A demonização como instrumento de persuasão


O ‘fim justifica os meios’ ou os ‘fins justificam os meios’ é uma frase atribuída a Maquiavel, que significa que os governantes e outros poderes devem estar acima da ética e moral dominante para alcançar seus objetivos ou realizar seus planos. Conhecido como o "Pai da Teoria Política Moderna", Niccolò Machiavelli (ou Nicolau Maquiavel) foi um diplomata italiano lembrado até hoje por seus métodos subversivos e adaptados a um mundo corrupto. Em seu livro “O Príncipe”, o autor recomenda que as pessoas tenham ‘habilidades’ como astúcia, hipocrisia, crueldade e desumanidade para manter algum poder a todo custo. A frase na verdade, nasceu de uma assertiva contida em seu livro:
"Deixe um príncipe ter o crédito, e os meios sempre serão considerados honestos... Porque o vulgar sempre é tomado por aquilo que uma coisa parece ser e pelo que vem dela”.Machiavelli, O Príncipe.
A propaganda política nacional está impregnada de imagens demoníacas. Ora a esquerda, ora a direta, denigre nesse sentido a imagem de seu oponente sempre na esperança de persuadir os incautos a uma causa ou outra. Essa conduta serve, ainda que subjetivamente, para justificar em fim as suas próprias ações.

Dividir para conquistar


Júlio César fez uso das expressões “divide et impera” ou “divide et vinces” em sua obra "De Bello Gallico" (escrita por volta de 50 a.C.), na qual explica a estratégia que desenvolveu para vencer os gauleses. A partir daí muitos governantes tem lançado mão dessa estratégia para conquistar e expandir seus impérios, como foi o caso de Alexandre Magno (356 a.C. - 323 a.C.), seu pai Filipe II (382 a.C. - 336 a.C.) e, finalmente, Sun Tzu (544 a.C. - 496 a.C.) cuja orientação está contida em seu legado, o famoso livro “A Arte da Guerra”, sendo o primeiro indivíduo a escrever um tratado militar. No entanto, é possível — e até mesmo provável — que a estratégia em questão já seja usada há tempos muito mais antigos.

Atualmente esse estratégia faz parte de um novo conceito de guerra desenvolvido pelos Estados Unidos conhecido como “Guerra Híbrida” ou “Guerra Não Convencional”. É o nome dado ao tipo de combate no qual se utilizam meios não ortodoxos para atingir determinados objetivos. 

A "Primavera" Brasileira

Segundo o ‘Manual de Treinamento das Forças Especiais para Guerras Não Convencionais’ do Exército dos Estados Unidos, essa tática destinam-se a explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de um dado país considerado hostil, desenvolvendo e apoiando as forças de resistência, sempre com vistas à realização dos objetivos estratégicos dos EUA, em outras palavras, a guerra híbrida visa “destruir projetos conectados transnacionais multipolares por meio de conflitos provocados externamente (étnicos, religiosos, políticos, etc.) dentro de um país alvo”.

As “Primaveras” árabe e brasileira


É na execução desse manual que se explica fenômenos como a “Primavera Árabe” ocorridos no começo da década na Tunísia, Egito, Líbia e Síria. Os eventos no oriente médio dão um vislumbre do por vir no desenrolar dessa ‘guerra não convencional’ em curso no Brasil, um futuro que não pode ser negligenciado. No jogo geopolítico o Brasil sempre foi alinhado aos ditames neoliberais dos EUA, somente nos últimos anos sob um governo dito progressista que o governo brasileiro procurou um protagonismo maior a nível internacional, visando se consolidar como potência regional, através de acordos comerciais estratégicos com a Rússia, Índia, China e África do Sul, o chamado BRICS.

E foi para conter os avanços do BRICS que o governo americano deflagra a sua guerra não convencional no elo mais frágil dessa corrente, o Brasil. As razões que justificam essa guerra são inúmeras, os países do BRICS estão se articulando em várias frentes que ameaçam os interesses americanos, entre elas: a comercialização de produtos e serviços desvinculado ao dólar; a fundação de um banco de desenvolvimento dos países membros e a União Econômica da Eurásia, liderada pela Rússia e China.

No manual da Guerra Híbrida, a percepção da influência de uma vasta “classe média não-engajada” é essencial para chegar ao sucesso, de forma que esses não-engajados tornem-se, mais cedo ou mais tarde, contrários a seus líderes políticos. O processo inclui tudo, de “apoio à insurgência” como na Síria, a “ampliação do descontentamento por meio de propaganda e esforços políticos e psicológicos para desacreditar o governo” no Brasil. 

E conforme aumenta a insatisfação, cresce também a “intensificação da propaganda; e a preparação psicológica da população para a rebelião.” Assim a “Primavera Brasileira”, no início, foi virtualmente invisível, um fenômeno exclusivo das mídias sociais – tal qual a Síria, no começo de 2011. Em resumo, é o que vem ocorrendo até hoje e com uso sistemático de todos os princípios de dominação pela propaganda de Goebbles entre eles a demonização do inimigo.

“A verdadeira transmutação hermética é uma Arte Mental”


Henry David Thoreau (1817 - 1862) foi um autor, poeta, ativista anti-impostos, crítico da ideia de desenvolvimento, pesquisador, historiador e filósofo americano. De temperamento rebelde e contestador, Thoreau decide não pagar impostos aos Estados Unidos porque acreditava ser errado dar dinheiro a um país escravagista e que, na época, estava em guerra contra o México. 

Por não querer financiar nem a escravidão nem a guerra, Thoreau acabou sendo preso e solto no dia seguinte, após sua tia pagar a fiança. Inspirado pela noite na prisão, escreveu o famoso ensaio “A Desobediência Civil”, em defesa da desobediência individual, como forma de oposição legítima, frente a um estado injusto. Leon Tolstói, um dos mais famosos escritores do mundo, venerava este ensaio e o recomendou a um jovem indiano que estava preso na África do Sul. Este jovem indiano era Mahatma Gandhi.

A história da desobediência civil, levada a cabo por este indiano, está bem retratada no filme Gandhi” de 1982. Escrito por John Briley, produzido e dirigido por Richard Attenborough, o filme aborda a trajetória do advogado Mohandas Karamchand Gandhi, que se encontrava na África do Sul quando teve contato pela primeira vez com o regime de extrema discriminação racial : o Apartheid. 

Foi por ter sido expulso de um trem em 1893, por se recusar a deixar a primeira classe, que lhe ocorreu o “despertar da consciência social”, assim como,  sua visão humanista e universal. Gandhi torna-se assim o líder do movimento de independência não-violento e não cooperativo da Índia contra o Império Britânico durante o século XX, sendo aclamado pelos hindus como o “Mahatma” que significa “Grande Alma”.


Mahatma Gandhi se utilizou do conceito da desobediência civil para lutar contra a dominação britânica. Levando suas palavras motivadoras e pacifistas aos diversos povos por toda a Índia, ele foi, pouco a pouco, minando o sistema de dominação inglês : promovendo  a união de hindus, siques e muçulmanos pela independência, a recusa dos camponeses em pagar os impostos, a busca de igualdade para as mulheres, a recusa à bebida alcoólica, o boicote ao tecido inglês e a marcha do sal. Tais movimentos  forçaram o Vice-rei da Índia a ceder às políticas reformadoras, desmoralizando  a dominação inglesa.

As ideias de Henry D. Thoreau e o resultado da prática da Desobediência Civil por Mahatma Gandhi seriam um “contraponto” para o equilíbrio da polaridade política em que o Brasil se encontra? 

Seria a chave que abre a porta do entendimento da realidade sócio-política no Brasil e o guia para um caminho de embate não-violento e suficientemente eficaz  para derrubar um império?  

Como diz Hermes Trismegisto: “A verdadeira transmutação hermética, é uma Arte Mental”, portanto, basta usar a vontade para mudar a atitude mental visando a construção de uma sociedade mais justa e humana.

Hermes nos afirma que: se hoje nos encontramos em um estado de grande dúvida, podemos esperar amanhã por uma grande certeza, a Desobediência Civil como  opção de movimento neutralizador disponível. Longe de parecer uma utopia essa mensagem já se faz presente na atualidade, como nesse registro feito pelo jornal de maior circulação na Espanha El País na última grande manifestação popular ocorrida em São Paulo - clique aqui.

“A posse do Conhecimento sem ser acompanhada de uma manifestação ou expressão em Ação é como um amontoado de metais preciosos, uma coisa vã e tola.” Hermes Trismegisto.

Referências eletrônicas


https://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_industrial_de_reserva

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