“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. Isso é o
Marketing!”. Essa linha de diálogo do filme “Branded” (2012), sobre um
protagonista que se transforma em expert em Marketing na Rússia pós-comunismo, seria mais do que uma piada irônica? O líder da Revolução Bolchevique que
abalou o mundo em 1917 teria sido o precursor da invasão da sociedade pelas
marcas? Enquanto o capitalismo vivia a era da Publicidade como “a arte de
vender a qualquer preço”, Lenin estaria na vanguarda da política como a “venda”
da marca – o Marketing não trata mais de vender produtos ou serviços, mas da
valorização do imaterial, do intangível. Da marca da foice e do martelo ao “M”
do McDonald’s o Capitalismo levou algum tempo para entender isso. Se isso for
verdade, teria existido uma linha de continuidade entre União Soviética e
Sociedade de Consumo? A Guerra Fria teria sido na verdade um “Teaser” para
aquecer o mercado de marcas?
Na coprodução
Rússia/EUA chamada Branded (2012), filme
sobre a trajetória do jovem russo Misha que se transforma em expert em
Marketing e espião corporativo na Rússia pós-comunismo, a certa altura o
protagonista formula uma polêmica tese: Lenin foi o inventor do marketing em
1918 ao criar uma forma absolutamente única de divulgar o Comunismo – ele teria
feito o produto prometer algo: terra para os camponeses, fábricas para os
trabalhadores e paz para os soldados.
“Lenin com o
Comunismo prometeu felicidade. E isso é o Marketing! Os melhores designers...
as marcas oficiais de cor... o vermelho, o logotipo com a estrela de cinco
pontas. A super-marca. A KGB veio depois, como uma espécie de polícia da
marca”, defende Misha ao contemplar os cartazes da estética realista socialista
nas cores dominantes preto, branco e vermelho – sobre o filme Branded clique
aqui.
Se isso for verdade, não é à
toa que Lenin considerava a Publicidade uma “característica atividade da
mentalidade perniciosa do capitalismo burguês”. Se Lenin e os bolcheviques
estavam na vanguarda das estratégias de marca e da propaganda (para, como
afirmava a The Great Soviet Encyclopedia
(1926-1990), “disseminar o comunismo com o propósito de educação, treinamento e
organização das massas”), enquanto isso o capitalismo vivia o conceito de
Publicidade como “a arte de vender a qualquer preço”.
P.T. Barnum era o ícone
dessa época com o livro A Arte de Ganhar
Dinheiro, recheado de truques que fazia a arte da venda um espetáculo de
charlatanice. Só nos anos 1940 os EUA vão iniciar os primeiros estudos
científicos sobre Marketing com a aplicação da psicologia na propaganda (Walter
Scott) e Peter Ducker em 1954 onde o Marketing é considerado uma poderoso
instrumento nas mãos de administradores.
Assim como na corrida
espacial onde os soviéticos saíram na frente com o lançamento do Sputnik em
1957, da mesma forma na corrida do Marketing os EUA saíram atrasados.
A Guerra Fria foi um
“teaser”?
Se de fato Lenin e o
Comunismo criaram os fundamentos do Marketing (a invasão da sociedade pelas
marcas, o consumo não de produtos mas de ideologias, cores e símbolos e a venda
da promessa de uma felicidade futura), podemos considerar a existência de uma
linha de continuidade entre o Comunismo e o capitalismo pós-guerra? Entre a União
Soviética e a Sociedade de Consumo? Entre a Internacional Comunista (o Comintern) e a Globalização? Entre
Estatismo e Empreendedorismo? A Guerra Fria nada mais teria sido do que um teaser para provocar uma guerra entre
marcas e, dessa maneira, aquecer o mercado ideológico das marcas?
A vanguarda do construtivismo russo como arma semiótica de marca |
Para começar, Lenin dispôs
de todas as armas semióticas nas vanguardas artísticas russas de 1890 a 1930,
principalmente o movimento estético
político do construtivismo russo: a arte engajada às conquistas do Estado
Operário pós-revolução. Produção em massa, fábricas e progresso como
necessidades proletárias estampadas numa arte geométrica, de cores vivas e de
fortes contrastes; e no cinema de Dziga Vertov com seus filmes sobre multidões,
velocidade e máquinas (por exemplo, O
Homem da Câmera de 1929). Tudo que deveria motivar o operário para o
futuro.
Também, no pós-guerra, a
moderna publicidade e marketing científico dos EUA baseada massivamente em
psicologia e psicanálise vai buscar sua estética na vanguarda europeia do surrealismo
e dadaísmo como armas artísticas para a exploração do inconsciente: transformar
sonhos e fantasias em imagens e marcas estampadas em anúncios impressos e na
TV.
No Comunismo o futuro seria
o pleno emprego das fábricas produzindo em massa e de forma planificada; no
Capitalismo, o futuro é o gozo bem sucedido das fantasias e sonhos. Da foice e
martelo ao “M” do McDonald’s, onde se promete reviver o “first love” a cada bata
frita passada no sundae, a diferença é apenas de conteúdo: o dispositivo semiótico
continua o mesmo.
Enquanto P.T. Barnum queria
apenas vender objetos a qualquer custo, Lenin queria “vender” uma marca que
sintetizasse ideia, crença, promessa de realização do indivíduo em uma ação
coletiva.
Marca como “entidade
ontofórica”
Na Heráldica medieval a origem da estratégia das marcas |
Na verdade, Lenin não criou
nada de especificamente moderno: a base da invasão da sociedade pelas
marcas se situa na prática medieval da
heráldica – o aparecimento das armas e dos brasões no século XII. Com o brasão
a marca serve para diferenciar aquilo que é uniforme e idêntico, a armadura e
os próprios cavaleiros. A heráldica, assim como as marcas modernas, apresenta a
solução crucial em uma sociedade igualitária, seja a comunista ou a sociedade
de consumo (o igualitarismo pelo consumo ou pelo desejo): como se produzir
diferença quando indivíduos e produtos são iguais?
Para o filósofo francês
Dominique Quessada, a marca se tornou uma “entidade ontofórica”: a suposta
existência de uma imanência entre o Ser e seus modos de aparecer; marcas que
sustentariam a própria estrutura do Ser ao inscrever uma pequena diferença no
aparecer – leia QUESSADA, Dominique. O
Poder da Publicidade na Sociedade Consumida pelas Marcas, São Paulo:
Futura, 2003.
Se todas as pastas de dentes
possuem a mesma composição como diferenciá-las? Através da marca que põe uma
simples diferença como gel, sabor menta ou “flúor gard”. Sabão em pó? Uma tem
“bleach de ação flash” e a outra “branco radiante”. Todos têm telefones
celulares 4G? Uma marca é “inteligente” e a outra é “divertida”.
Novo Homem, Novo Mundo, Internacionalismo: o Marketing moderno repete os mesmos dispositivos semióticos do leninismo |
Marketing não se trata de
vender produtos ou serviços. O Ocidente demorou algum tempo para entender isso.
A estratégia de vender mercadorias a qualquer preço levou ao crash da Bolsa de Nova York em 1929 – o
mercado saturou de tantas mercadorias que não conseguiram ser vendidas. O
Marketing das marcas é o agente do desaparecimento do objeto. Lenin sabia que a
marca era a promoção do imaterial, da ideia, do conceito, da valorização do
inteligível, seguindo a linha de um neo-platonismo.
Marca e o medo do
desaparecimento
A força da marca da foice e
do martelo só foi equiparada tête-à-tête
tardiamente pelo Ocidente quando os publicitários da Madison Avenue em Nova
York finalmente compreenderam esse neo-platonismo que já estava latente nas
vanguardas artísticas e políticas europeias: do surrealismo ao construtivismo
russo, da suástica à marca da foice e do martelo.
Numa sociedade de massas as
marcas jogam com o principal fantasma ontológico: o medo do indivíduo desaparecer
na multidão – marcas produzem a ilusão da diferença no meio da igualdade
generalizada.
O sociólogo inglês Richard
Barbrock foi um dos pesquisadores que perceberam essa linha de continuidade
entre Lenin, Marketing e a Globalização. Em seu Manifesto Cibercomunista de 1999 defendia que Lenin e Stalin teriam
“se instalado no Vale do Silício” por meio do marketing e publicidade que se apropriavam das mesmas premissas do
leninismo para as novas tecnologias computacionais.
O “Partido de vanguarda” se
convertia em “elite tecnológica”; “Plano Quinquenal” virava “Novo Paradigma”;
“Jovem conhece o trator” era “Nerd conhece o computador”; “Terceira
Internacional Comunista” era a “Terceira
Onda”; “Sociedade-Fábrica” dos comunistas virava “Sociedade de Rede” (hoje
fala-se em “ator rede”) da Globalização; o “Novo Homem” soviético era o
“Pós-humano” do ciberespaço; e “Pravda” virava a revista “Wired”.
Assim como a marca da foice
e do martelo de Lenin, cada marca atual “vende” a mesma valorização do
imaterial, da ideia e do conceito: o Novo Homem, a Nova Sociedade, a valorização
do internacionalismo, do viver em rede e conectado (da mesma forma como a
propaganda soviética considerava um erro burguês o “culto ao individualismo”) e
as ações de marketing para reforço da marca em movimentos de massa como festas,
raves e grandes eventos esportivos ou ações sociais – o Marketing fala e
“transformar a marca em experiência” assim como Lenin falava da propaganda “com
ênfase na educação”.
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