quinta-feira, novembro 13, 2014

Lenin inventou o Marketing?

“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. Isso é o Marketing!”. Essa linha de diálogo do filme “Branded” (2012), sobre um protagonista que se transforma em expert em Marketing na Rússia pós-comunismo, seria mais do que uma piada irônica? O líder da Revolução Bolchevique que abalou o mundo em 1917 teria sido o precursor da invasão da sociedade pelas marcas? Enquanto o capitalismo vivia a era da Publicidade como “a arte de vender a qualquer preço”, Lenin estaria na vanguarda da política como a “venda” da marca – o Marketing não trata mais de vender produtos ou serviços, mas da valorização do imaterial, do intangível. Da marca da foice e do martelo ao “M” do McDonald’s o Capitalismo levou algum tempo para entender isso. Se isso for verdade, teria existido uma linha de continuidade entre União Soviética e Sociedade de Consumo? A Guerra Fria teria sido na verdade um “Teaser” para aquecer o mercado de marcas?

Na coprodução Rússia/EUA chamada Branded (2012), filme sobre a trajetória do jovem russo Misha que se transforma em expert em Marketing e espião corporativo na Rússia pós-comunismo, a certa altura o protagonista formula uma polêmica tese: Lenin foi o inventor do marketing em 1918 ao criar uma forma absolutamente única de divulgar o Comunismo – ele teria feito o produto prometer algo: terra para os camponeses, fábricas para os trabalhadores e paz para os soldados.

“Lenin com o Comunismo prometeu felicidade. E isso é o Marketing! Os melhores designers... as marcas oficiais de cor... o vermelho, o logotipo com a estrela de cinco pontas. A super-marca. A KGB veio depois, como uma espécie de polícia da marca”, defende Misha ao contemplar os cartazes da estética realista socialista nas cores dominantes preto, branco e vermelho – sobre o filme Branded clique aqui.


           Se isso for verdade, não é à toa que Lenin considerava a Publicidade uma “característica atividade da mentalidade perniciosa do capitalismo burguês”. Se Lenin e os bolcheviques estavam na vanguarda das estratégias de marca e da propaganda (para, como afirmava a The Great Soviet Encyclopedia (1926-1990), “disseminar o comunismo com o propósito de educação, treinamento e organização das massas”), enquanto isso o capitalismo vivia o conceito de Publicidade como “a arte de vender a qualquer preço”.

P.T. Barnum era o ícone dessa época com o livro A Arte de Ganhar Dinheiro, recheado de truques que fazia a arte da venda um espetáculo de charlatanice. Só nos anos 1940 os EUA vão iniciar os primeiros estudos científicos sobre Marketing com a aplicação da psicologia na propaganda (Walter Scott) e Peter Ducker em 1954 onde o Marketing é considerado uma poderoso instrumento nas mãos de administradores.

Assim como na corrida espacial onde os soviéticos saíram na frente com o lançamento do Sputnik em 1957, da mesma forma na corrida do Marketing os EUA saíram atrasados.

A Guerra Fria foi um “teaser”?

Se de fato Lenin e o Comunismo criaram os fundamentos do Marketing (a invasão da sociedade pelas marcas, o consumo não de produtos mas de ideologias, cores e símbolos e a venda da promessa de uma felicidade futura), podemos considerar a existência de uma linha de continuidade entre o Comunismo e o capitalismo pós-guerra? Entre a União Soviética e a Sociedade de Consumo? Entre a Internacional Comunista (o Comintern) e a Globalização? Entre Estatismo e Empreendedorismo? A Guerra Fria nada mais teria sido do que um teaser para provocar uma guerra entre marcas e, dessa maneira, aquecer o mercado ideológico das marcas?

A vanguarda do construtivismo russo
como arma semiótica de marca
Para começar, Lenin dispôs de todas as armas semióticas nas vanguardas artísticas russas de 1890 a 1930, principalmente  o movimento estético político do construtivismo russo: a arte engajada às conquistas do Estado Operário pós-revolução. Produção em massa, fábricas e progresso como necessidades proletárias estampadas numa arte geométrica, de cores vivas e de fortes contrastes; e no cinema de Dziga Vertov com seus filmes sobre multidões, velocidade e máquinas (por exemplo, O Homem da Câmera de 1929). Tudo que deveria motivar o operário para o futuro.

Também, no pós-guerra, a moderna publicidade e marketing científico dos EUA baseada massivamente em psicologia e psicanálise vai buscar sua estética na vanguarda europeia do surrealismo e dadaísmo como armas artísticas para a exploração do inconsciente: transformar sonhos e fantasias em imagens e marcas estampadas em anúncios impressos e na TV.

No Comunismo o futuro seria o pleno emprego das fábricas produzindo em massa e de forma planificada; no Capitalismo, o futuro é o gozo bem sucedido das fantasias e sonhos. Da foice e martelo ao “M” do McDonald’s, onde se promete reviver o “first love” a cada bata frita passada no sundae, a diferença é apenas de conteúdo: o dispositivo semiótico continua o mesmo.

Enquanto P.T. Barnum queria apenas vender objetos a qualquer custo, Lenin queria “vender” uma marca que sintetizasse ideia, crença, promessa de realização do indivíduo em uma ação coletiva.

Marca como “entidade ontofórica”

Na Heráldica medieval a origem da
estratégia das marcas
Na verdade, Lenin não criou nada de especificamente moderno: a base da invasão da sociedade pelas marcas  se situa na prática medieval da heráldica – o aparecimento das armas e dos brasões no século XII. Com o brasão a marca serve para diferenciar aquilo que é uniforme e idêntico, a armadura e os próprios cavaleiros. A heráldica, assim como as marcas modernas, apresenta a solução crucial em uma sociedade igualitária, seja a comunista ou a sociedade de consumo (o igualitarismo pelo consumo ou pelo desejo): como se produzir diferença quando indivíduos e produtos são iguais?

Para o filósofo francês Dominique Quessada, a marca se tornou uma “entidade ontofórica”: a suposta existência de uma imanência entre o Ser e seus modos de aparecer; marcas que sustentariam a própria estrutura do Ser ao inscrever uma pequena diferença no aparecer – leia QUESSADA, Dominique. O Poder da Publicidade na Sociedade Consumida pelas Marcas, São Paulo: Futura, 2003.

Se todas as pastas de dentes possuem a mesma composição como diferenciá-las? Através da marca que põe uma simples diferença como gel, sabor menta ou “flúor gard”. Sabão em pó? Uma tem “bleach de ação flash” e a outra “branco radiante”. Todos têm telefones celulares 4G? Uma marca é “inteligente” e a outra é “divertida”.

Novo Homem, Novo Mundo, Internacionalismo: o
Marketing moderno repete os
mesmos dispositivos
semióticos do leninismo
Marketing não se trata de vender produtos ou serviços. O Ocidente demorou algum tempo para entender isso. A estratégia de vender mercadorias a qualquer preço levou ao crash da Bolsa de Nova York em 1929 – o mercado saturou de tantas mercadorias que não conseguiram ser vendidas. O Marketing das marcas é o agente do desaparecimento do objeto. Lenin sabia que a marca era a promoção do imaterial, da ideia, do conceito, da valorização do inteligível, seguindo a linha de um neo-platonismo.

Marca e o medo do desaparecimento

A força da marca da foice e do martelo só foi equiparada tête-à-tête tardiamente pelo Ocidente quando os publicitários da Madison Avenue em Nova York finalmente compreenderam esse neo-platonismo que já estava latente nas vanguardas artísticas e políticas europeias: do surrealismo ao construtivismo russo, da suástica à marca da foice e do martelo.

Numa sociedade de massas as marcas jogam com o principal fantasma ontológico: o medo do indivíduo desaparecer na multidão – marcas produzem a ilusão da diferença no meio da igualdade generalizada.

O sociólogo inglês Richard Barbrock foi um dos pesquisadores que perceberam essa linha de continuidade entre Lenin, Marketing e a Globalização. Em seu Manifesto Cibercomunista de 1999 defendia que Lenin e Stalin teriam “se instalado no Vale do Silício” por meio do marketing e publicidade que  se apropriavam das mesmas premissas do leninismo para as novas tecnologias computacionais.

O “Partido de vanguarda” se convertia em “elite tecnológica”; “Plano Quinquenal” virava “Novo Paradigma”; “Jovem conhece o trator” era “Nerd conhece o computador”; “Terceira Internacional Comunista”  era a “Terceira Onda”; “Sociedade-Fábrica” dos comunistas virava “Sociedade de Rede” (hoje fala-se em “ator rede”) da Globalização; o “Novo Homem” soviético era o “Pós-humano” do ciberespaço; e “Pravda” virava a revista “Wired”.


               Assim como a marca da foice e do martelo de Lenin, cada marca atual “vende” a mesma valorização do imaterial, da ideia e do conceito: o Novo Homem, a Nova Sociedade, a valorização do internacionalismo, do viver em rede e conectado (da mesma forma como a propaganda soviética considerava um erro burguês o “culto ao individualismo”) e as ações de marketing para reforço da marca em movimentos de massa como festas, raves e grandes eventos esportivos ou ações sociais – o Marketing fala e “transformar a marca em experiência” assim como Lenin falava da propaganda “com ênfase na educação”.


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