O País está
hipnotizado pelo show diário de meganhagem midiática de colarinhos brancos
sendo levados presos por cinematográficos policiais federais com suas
reluzentes botas e armas negras. Porém, a passos lentos mas seguros, no
subterrâneo desse espetáculo de moralização nacional está ocorrendo uma
revolução silenciosa que vai determinar o futuro das próximas gerações:
reformas educacionais que estão impondo uma agenda secreta, a gestão de um novo
projeto de nação. Sai o Neodesenvolvimentismo lulopetista para entrar o
Capitalismo Cognitivo. No campo educacional, sai o Construtivismo de Piaget
para entrar as neurociências aplicadas à educação, turbinada por ONGs e
institutos privadas do indefectível mundo financeiro. Saem pedagogos, entram
engenheiros e gestores. No lugar de valores como autonomia e conhecimento
entram “disparos neuronais” e “sinapses” para formar futuros profissionais que
não mais lidarão com conhecimentos, mas com “efeitos do conhecimento” das
plataformas tecnológicas - a "uberização" da educação.
Fala-se que o
governo do desinterino Michel Temer carece de um projeto de nação: desmancha
conquistas sociais, sucateia o patrimônio nacional e saqueia os cofres públicos
correndo contra o tempo enquanto as delações premiadas não entregam todo mundo.
Mas por trás
desses escândalos mostrados pela grande mídia (o show da meganhagem das
conduções coercitivas da PF ao vivo) ou criticado pelas esquerdas (as denuncias
sobre delações seletivas e o esbulho do Estado pela banca financeira), o
consórcio golpista jurídico-político-midiático não está para brincadeiras e
tem, sim, um projeto de nação. Mas um projeto inconfesso.
As
intermináveis fases da Operação Lava Jato e os diários spots que iluminam a
ribalta do STF são apenas mera cortina de fumaça, estratégia diversionista para
esconder os lentos, porém, seguros passos para um novo projeto de nação –
doravante o projeto Neodesenvolvimentistas dos governos lulopetistas será
substituído pela agenda da inserção definitiva do Brasil no chamado “Capitalismo
Cognitivo”.
Ainda de
maneira esporádica, analistas estão começando a perceber os indícios desse
secreta agenda: “uberização das profissões”, “economia do compartilhamento
cooperativo”, “cooperativismo de plataforma”, “precarização do trabalho”,
“terceirização” etc.
Em linhas
gerais, sob o escândalo moralizador da Lava Jato e as errantes medidas
econômicas, cria-se a desregulamentação trabalhista necessária para o
surgimento de uma nova economia na qual temos ofertas de produtos ou serviços
com um intermediário extraindo valor entre prestador do serviço e consumidor,
não estabelecendo relações formais de trabalho. Sem respeito a leis
trabalhistas ou relações pré-existentes nos setores onde prestam serviços.
O que muitos pesquisadores denominam como o fenômeno da “uberização”, relativo ao Uber e a transformação de donos de veículos em motoristas eventuais sem proteções trabalhistas – leia MOROZOV, Evgeny "Resistir à Uberização do Mundo" - clique aqui.
O projeto do Capitalismo Cognitivo: a "uberização"
Precarização,
desregulamentação do trabalho, salários miseráveis, patrões invisíveis
escondidos por trás de plataformas tecnológicas e transações econômicas
misteriosas na sombra do espaço digital.
O primeiro
passo foi o impeachment. O segundo, a cortina de fumaça do moralismo
jurídico-midiático da meganhagem televisiva cotidiana. O terceiro, o desmonte
da regulamentação trabalhista para a limpeza do terreno.
Mas o quarto
passo, mais lento e decisivo, é no plano educativo e imaginário: a
implementação de uma nova subjetividade mais afeita ao novo projeto nacional: o
Capitalismo Cognitivo. Um projeto que prescinde de construção de cadeias
produtivas, grandes infraestruturas como linhas férreas ou portos ou
investimento em produção e distribuição de energia.
Um projeto sob
consultoria de ONGs e institutos privados que sugerem reformas educacionais
para um “brave new world” no qual cidadãos sem mais trabalhos formais são
convertidos em empreendedores de si mesmos, crentes de que um dia a sua força
de trabalho magicamente se converterá em capital.
E para que essa
crença se generalize, exige-se uma ampla mudança educacional e mental rumo ao
Capitalismo Cognitivo – a necessidade de implementação de uma formação
educacional voltada para o trabalho cognitivo-cultural em serviços comerciais e
financeiros caracterizados pela tecnologia digital, dentro de organizações
flexíveis ou pós-fordistas.
“Visão estreita de educação”
Saem pedagogos,
entram engenheiros e gestores que prestam consultoria às atuais reformas educacionais impostas pelo Governo: Marcos
Magalhães do Instituto de Co-Responsabilidades pela Educação (ICE) e engenheiro
(“pedagogo tem visão estreita da educação”, disse certa vez), assessor do atual
Ministro da Educação; Deniz Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann (de
Jorge Paulo Lemann, o “rei da cerveja” e homem mais rico do Brasil – um dos
donos da Ambev); Ana Ioue, consultora de educação da Fundação Itaú; Ricardo
Henriques, superintendente-executivo da Fundação Unibanco; David Saad,
diretor-presidente do Instituto Natura entre outros como Instituto Inspirare
(com seus projetos de “educação integral na prática” e “escola digital”) e
Todos Pela Educação (TPE).
Institutos e
fundações privadas cujos donos ou figuram nos vazamentos do chamado “Panamá Papers”
sobre lavagem de dinheiro em paraísos fiscais ou em delações premiadas na Lava
Jato.
Mas não só saem
os pedagogos: sai o modelo educacional do construtivismo de Piaget, Emilia
Ferreiro e Vygotsky (a educação pela autonomia na construção do conhecimento) e
entram as neurociências aplicadas na educação - nas quais a atenção a “disparos
neuronais” e “sinapses” fazem analogia da mente a um computador que assimila
informação, processa e dá feedbacks. O indivíduo como um nódulo, seja numa rede
neuronal ou eletrônica.
Analfabetismo visual
Em postagem
anterior discutíamos a reforma do ensino médio na qual “flexibiliza”
disciplinas como Arte e Educação Física e observávamos o início da
implementação dessa agenda secreta: intervir na autoconsciência corporal e
cinestésica (propriocepção, decisiva na inteligência visual) e reforçar o
analfabetismo visual com a “flexibilização” de disciplina que trabalha a
sintaxe visual.
O resultado é o
analfabetismo visual e recepção acrítica dos conteúdos da grande mídia,
perpetuando um modelo de comunicação monopolizado criado desde os governos
militares – sobre isso clique aqui.
Agora as reformas
educacionais chegam com a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) divulgada
pelo Governo cujo principal ponto é a antecipação da alfabetização dos 8 para
os 7 anos, do 3o para o 2o ano do ensino
fundamental.
As
justificativas para essa antecipação cheiram a racionalizações para ocultar motivações que certamente
estão em outra “cena”. Falam em “avanço lento” dos dados do Índice de
Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb)”, alta taxa de evasão porque a escola
“não é interessante” etc.
A outra cena
Um indício
dessa “outra cena” pode ser encontrada em artigos publicados por especialistas
em veículos dessas ONGs e Institutos privados, como, por exemplo, no artigo “Educação,
produtividade e crescimento” de janeiro de 2016 nas publicações de análises de
cenários da Itaú BBA:
Em 1992 os brasileiros estudavam 4,8 anos, em média. Em 2014, o número subiu para 8 anos. Com esses resultados, a produtividade da mão de obra no Brasil deveria estar aumentando, contribuindo para o crescimento do PIB potencial do país. No entanto, as estimativas de evolução da produtividade calculadas a partir das contas nacionais e dos números do mercado de trabalho sugerem que, na melhor das hipóteses, a produtividade ficou constante. Por que isso acontece?
Fica bem claro
o modelo educacional que motiva o alto investimento (188,8 milhões de reais do
banco Itaú apenas em 2015) do setor financeiro em projetos educacionais
privados e a consultoria nas reformas da educação pública: a formação de uma
nova força de trabalho mais flexível, facilmente adaptável a cenários
tecnológicos mutantes que exigem competências cada vez mais “imateriais” e
“abstratas” como “inteligência emocional”, “foco”, “motivação” e outras
disposições que nada têm a ver com o “saber fazer”.
Também fica
claro como as transformações do mundo do trabalho (flexibilização,
enfraquecimento associativo e sindical, profissionalização substituída por
capacitações etc.) prescindem cada vez mais da escola, cujos modelos educacionais
ainda se orientam por referenciais construtivistas de autonomia, pensamento
crítico, raciocínio, julgamento e argumentação – aliás metas jamais cumpridas
na totalidade, sempre prejudicadas pela condições sócio-econômicas tanto de
professores quanto dos alunos.
Modelos de mente: do hermenêutico ao neurocientífico |
"Conhecimento" é diferente de "informação"
A escola ainda
tinha como horizonte produção do conhecimento a partir de um processo gradual
que ia do jogo e o lúdico (desenvolver autoconfiança no corpo e habilidade
motoras e sensoriais) até o ingresso na linguagem escrita e as estruturas do
pensamento lógico. Eram valores ainda de uma sociedade de conhecimento – o conhecimento como resultante da
interação com o meio físico e as relações sociais, mediado pela linguagem.
Ao contrário,
as mudanças rápidas do mundo das organizações impõem a sociedade da informação: plataformas tecnológicas e suas interfaces
(dispositivos moveis, tablets, computadores etc.) colocam os novos
trabalhadores das organizações flexíveis na posição de manipuladores de efeitos de conhecimento (informação) e
não do conhecimento.
Na organização do trabalho regida pela
informação, a linguagem (a sintaxe das interfaces com seus ícones e símbolos)
não é mais mediação para algum conhecimento, mas um fim em si mesmo: assimilar,
processar, compreender, partilhar informações numa aparente liberdade criativa de
uma sociedade de rede – liberdade de formular problemas e de inventar soluções,
porém dentro de alternativas pré-estabelecidas.
Nesse contexto
a metáfora da mente se transforma: de uma máquina heurística/hermenêutica para
um computador pensado pela interface linguística-neurociência.
Escola: a pedra no sapato do mundo corporativo
Até aqui a
escola tem colocado no mercado de trabalho indivíduos com muitas expectativas
em relação à profissão e ao mundo. O mundo corporativo sempre teve que fazer um
esforço hercúleo (através dos seus psicólogos de RH e gestores) de baixar as
expectativas, desencantar e tornar seus “colaboradores” resignados pelo temor
da perda do emprego.
Na verdade a
escola sempre foi uma pedra no sapato para o mundo corporativo: uma instituição
que ainda teima em criar expectativas no indivíduo para o mundo do conhecimento
numa sociedade que condiciona usuários apenas para gerenciar informações.
Ao lado de
esquisitices como o “Escola Sem Partido”, a alfabetização mais cedo de crianças
faz parte desse enquadramento corporativo da escola sob a atenta consultoria de
engenheiros e gestores de ONGs e institutos privados.
A popularização de tablets, smartphones,
aplicativos e comunicadores instantâneos desde o início foram formas de
capacitação informais das competências esperadas pelo Capitalismo Cognitivo.
Porém, é necessário mais: antecipar o desencanto do mundo corporativo no
universo escolar infantil – desde cedo familiarizar a criança com o sistema
simbólico, só que agora não mais como mediação para o conhecimento mas como
prática funcional de input/output de dados e informações.
Aqui, os
desdobramentos do projeto de inserção do País no Capitalismo Cognitivo são
claros: se as reformas do ensino médio produzem o analfabetismo visual para
tornar os indivíduos dóceis e acríticos à grande mídia, as reformas do ensino
fundamental antecipam as competências esperadas pelo mundo corporativo: a
manipulação também acrítica de símbolos e ícones em interfaces, sem em nenhum
momento imaginar que outro mundo seria possível.
Ao invés do
conhecimento, assimilar e adaptar-se às demandas das informações.
Afinal, é para
isso que se pretende antecipar o mundo simbólico da linguagem, atropelando o
jogo, o lúdico e a imaginação.
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