domingo, abril 09, 2017

Curta da Semana: "At The End of The Cul-de-Sac" - o prazer voyeurista com um drone


Depois de filmar curtas com Iphone e snorriCam, o diretor Paul Trillo aceitou o desafio de fazer um curta com um único plano sequência (sem cortes) com imagens captadas por um drone. É o curta “At The End of Cul-De-Sac” (2016). A câmera fixa em um drone paira, desliza e gira em torno dos atores que nos mostram um protagonista invadindo um condomínio fechado para bater na porta de uma residência. Ele está transtornado e à beira de um colapso nervoso. Os moradores observam à distância, tentam entender o que acontece. Mas assim como nós espectadores vendo tudo através da onisciência do drone, os moradores parecem ter um prazer voyeurista em observar a cena e registrar tudo através de smartphones. Apesar do experimentalismo tecnológico, o curta aborda uma tradicional representação do cinema: os condomínios fechados suburbanos mostrados como enclaves de intolerância e preconceito.

Os drones começaram como um dispositivo militar de ataque, vigilância e espionagem. Depois como substitutos mais baratos das imagens feitas por helicópteros, usados pela televisão, jornalistas e documentaristas. Popularizado, hoje tornou-se um brinquedo ou hobby para jovens e adultos, assim como foi o aeromodelismo.

Cineastas também vem utilizado os drones, porém ainda tendo em mente o dispositivo como forma barata de capturar imagens aéreas.

O diretor, roteirista e produtor Paul Trillo (conhecido por suas experimentações com filmagens através de Iphone e snorriCam – dispositivo de câmera preso no corpo do ator) aceitou o desafio do seu amigo Brian Streem, dono da companhia de drones Aerobo: utilizar o drone em um filme de uma forma que jamais tivesse sido feito antes.

Trillo então imaginou o drone não como um helicóptero portátil, mas como suporte que pudesse colocar uma câmera em qualquer lugar, sem trilhos, gruas, operadores e departamento elétrico. O que dá liberdade total ao diretor, como se tivesse cortado as cordas de um fantoche.


O resultado foi o curta At The End of The Cul-de-Sac (“No Final do Beco Sem Saída”, 2016), um ininterrupto plano sequência de 10 minutos com a câmera pairando em torno de um grupo de atores em ação – dollys, travellings, panorâmicas, giros e toda sorte de planos de câmera que exigiriam uma complexa maquinaria solucionados por um dispositivo controlado remotamente.

O Curta


A narrativa acompanha um homem desconhecido para todos os moradores de um condomínio residencial suburbano que sobe com o carro no jardim de uma residência, sai transtornado do carro e bate na porta pedindo para alguém chamado Sarah deixa-lo entrar.

Moradores que estão na rua conversando (sobre a vida dos outros) ou treinando jogging começam a se reunir para acompanhar à distância o episódio. Debatem entre si sobre o que fazer com aquele desconhecido que parece estar sofrendo um colapso mental.

O homem parece estar envolvendo em algum crime de colarinho branco, perdeu emprego, dinheiro e está à beira da ruptura do estresse. A narrativa lentamente constrói a tensão: de um drama suburbano deriva para o comentário social, culminando com um final que lembra alguma coisa entre os final irônicos e sombrios de Black Mirror e Twilight Zone.


A atmosfera de tensão crescente parece ser ampliada com a presença voyeurística e onipresente do drone – cria um ar de constante ameaça.

O efeito curioso é que temos muito mais empatia com aqueles moradores que observam tudo com prazer sádico e voyeurista do que com o colapso mental do protagonista. Somos tão culpados quanto os vizinhos fofoqueiros pelo prazer de onisciência que o drone nos proporciona.

Tecnicamente, a produção do curta foi de um desafio único: o operador do drone teve que memorizar todos os diálogos dos atores para sincronizar com os giros e aproximações do drone nas cenas-chave. Para simplificar, o curta foi complementado com uma pós-produção que envolveu a utilização de atores em animação 3D e vozes inseridas digitalmente – veja abaixo também o vídeo sobre o making of do curta.

O beco sem saída dos condomínios fechados


Expressão de origem francesa e românica, “cul-de-sac” quer dizer literalmente “fundo do saco”. Em urbanismo é uma característica dos condomínios fechados de subúrbios: becos sem saída que se transformam em “balões de retorno” como solução para facilitar o retorno de veículos.

Por isso, o título do curta é ambíguo: não só se refere ao local no qual desenrola a narrativa (no final de um “cul-de-sac” de um condomínio fechado) como também ao beco sem saída do protagonista – ele conhecerá o lado sombrio da psicologia social dos moradores desses bairros.


Desde filmes como Poltergeist, ET ou Os Goonies, os subúrbios norte-americanos são representados pelo cinema como enclaves de conservadorismo moral e preconceito. Habitados por uma classe média consumista, materialista, intelectualmente medíocre, cujas famílias ou são atormentadas por maus espíritos ou têm filhos que tentam fugir de tudo isso.

Apesar de todo o experimentalismo tecnológico de linguagem e forma, o curta At The End of The Cul-de-Sac aborda um conteúdo bem tradicional sobre uma realidade que parece imutável – uma sociedade de consumo que foi assentada em um desenvolvimento urbano cujo modelo de felicidade são bunkers: do shopping center aos condomínios fechados, sejam verticais ou horizontais.

Paraísos artificiais assépticos e seguros das ameaças do mundo externo: a violência e miséria produzidas pela própria sociedade de consumo. Por isso, estranhos ou forasteiros sempre são mal vindos nesses paraísos.

Como demonstra o comportamento dos moradores que observam o colapso nervoso do protagonista, tentando enquadrá-lo em algum tipo violação penal que justifique a selvageria da cena final: ele está infringindo a propriedade privada? Ou está sendo sexualmente ofensivo?

Portanto, o curta experimental de Paul Trillo faz a gente pensar sobre esse verdadeiro paradoxo do cinema: cada vez mais linguisticamente e tecnologicamente sofisticado (3D, 4D, Imax, computação gráfica, efeitos especiais digitais etc.), enquanto aborda antigos temas de uma realidade que nunca muda.


Veja abaixo o curta e o making of.


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