Depois de filmar
curtas com Iphone e snorriCam, o diretor Paul Trillo aceitou o desafio de fazer
um curta com um único plano sequência (sem cortes) com imagens captadas por um
drone. É o curta “At The End of Cul-De-Sac” (2016). A câmera fixa em um drone
paira, desliza e gira em torno dos atores que nos mostram um protagonista
invadindo um condomínio fechado para bater na porta de uma residência. Ele está
transtornado e à beira de um colapso nervoso. Os moradores observam à
distância, tentam entender o que acontece. Mas assim como nós espectadores
vendo tudo através da onisciência do drone, os moradores parecem ter um prazer
voyeurista em observar a cena e registrar tudo através de smartphones. Apesar
do experimentalismo tecnológico, o curta aborda uma tradicional representação
do cinema: os condomínios fechados suburbanos mostrados como enclaves de
intolerância e preconceito.
Os drones começaram como um dispositivo militar de
ataque, vigilância e espionagem. Depois como substitutos mais baratos das
imagens feitas por helicópteros, usados pela televisão, jornalistas e
documentaristas. Popularizado, hoje tornou-se um brinquedo ou hobby para jovens
e adultos, assim como foi o aeromodelismo.
Cineastas também vem utilizado os drones, porém
ainda tendo em mente o dispositivo como forma barata de capturar imagens
aéreas.
O diretor, roteirista e produtor Paul Trillo
(conhecido por suas experimentações com filmagens através de Iphone e snorriCam
– dispositivo de câmera preso no corpo do ator) aceitou o desafio do seu amigo
Brian Streem, dono da companhia de drones Aerobo: utilizar o drone em um filme
de uma forma que jamais tivesse sido feito antes.
Trillo então imaginou o drone não como um
helicóptero portátil, mas como suporte que pudesse colocar uma câmera em qualquer
lugar, sem trilhos, gruas, operadores e departamento elétrico. O que dá
liberdade total ao diretor, como se tivesse cortado as cordas de um fantoche.
O resultado foi o curta At The End of The Cul-de-Sac
(“No Final do Beco Sem Saída”, 2016), um ininterrupto plano sequência de 10
minutos com a câmera pairando em torno de um grupo de atores em ação – dollys,
travellings, panorâmicas, giros e toda sorte de planos de câmera que exigiriam
uma complexa maquinaria solucionados por um dispositivo controlado remotamente.
O Curta
A narrativa acompanha um homem desconhecido para
todos os moradores de um condomínio residencial suburbano que sobe com o carro
no jardim de uma residência, sai transtornado do carro e bate na porta pedindo
para alguém chamado Sarah deixa-lo entrar.
Moradores que estão na rua conversando (sobre a
vida dos outros) ou treinando jogging começam a se reunir para acompanhar à
distância o episódio. Debatem entre si sobre o que fazer com aquele
desconhecido que parece estar sofrendo um colapso mental.
O homem parece estar envolvendo em algum crime de
colarinho branco, perdeu emprego, dinheiro e está à beira da ruptura do
estresse. A narrativa lentamente constrói a tensão: de um drama suburbano
deriva para o comentário social, culminando com um final que lembra alguma
coisa entre os final irônicos e sombrios de Black Mirror e Twilight
Zone.
A atmosfera de tensão crescente parece ser ampliada
com a presença voyeurística e onipresente do drone – cria um ar de constante
ameaça.
O efeito curioso é que temos muito mais empatia com
aqueles moradores que observam tudo com prazer sádico e voyeurista do que com o
colapso mental do protagonista. Somos tão culpados quanto os vizinhos
fofoqueiros pelo prazer de onisciência que o drone nos proporciona.
Tecnicamente, a produção do curta foi de um desafio
único: o operador do drone teve que memorizar todos os diálogos dos atores para
sincronizar com os giros e aproximações do drone nas cenas-chave. Para
simplificar, o curta foi complementado com uma pós-produção que envolveu a
utilização de atores em animação 3D e vozes inseridas digitalmente – veja
abaixo também o vídeo sobre o making of do curta.
O beco sem saída dos condomínios fechados
Expressão de origem francesa e românica,
“cul-de-sac” quer dizer literalmente “fundo do saco”. Em urbanismo é uma
característica dos condomínios fechados de subúrbios: becos sem saída que se
transformam em “balões de retorno” como solução para facilitar o retorno de
veículos.
Por isso, o título do curta é ambíguo: não só se
refere ao local no qual desenrola a narrativa (no final de um “cul-de-sac” de
um condomínio fechado) como também ao beco sem saída do protagonista – ele
conhecerá o lado sombrio da psicologia social dos moradores desses bairros.
Desde filmes como Poltergeist, ET ou Os
Goonies, os subúrbios norte-americanos são representados pelo cinema como
enclaves de conservadorismo moral e preconceito. Habitados por uma classe média
consumista, materialista, intelectualmente medíocre, cujas famílias ou são
atormentadas por maus espíritos ou têm filhos que tentam fugir de tudo isso.
Apesar de todo o experimentalismo tecnológico de
linguagem e forma, o curta At The End of The Cul-de-Sac aborda um conteúdo
bem tradicional sobre uma realidade que parece imutável – uma sociedade de
consumo que foi assentada em um desenvolvimento urbano cujo modelo de
felicidade são bunkers: do shopping center aos condomínios fechados, sejam
verticais ou horizontais.
Paraísos artificiais assépticos e seguros das
ameaças do mundo externo: a violência e miséria produzidas pela própria
sociedade de consumo. Por isso, estranhos ou forasteiros sempre são mal vindos
nesses paraísos.
Como demonstra o comportamento dos moradores que
observam o colapso nervoso do protagonista, tentando enquadrá-lo em algum tipo violação
penal que justifique a selvageria da cena final: ele está infringindo a
propriedade privada? Ou está sendo sexualmente ofensivo?
Portanto, o curta experimental de Paul Trillo faz a
gente pensar sobre esse verdadeiro paradoxo do cinema: cada vez mais linguisticamente
e tecnologicamente sofisticado (3D, 4D, Imax, computação gráfica, efeitos
especiais digitais etc.), enquanto aborda antigos temas de uma realidade que
nunca muda.
Veja abaixo o curta e o making of.