Com mais de 100 prêmios na sua trajetória em
festivais, o curta de animação argentino “El Empleo” (2008) é uma produção bem
oportuna para os tempos atuais em que vivemos onde o melhor remédio prescrito
para a crise econômica e o desemprego são eufemismos como “terceirização”,
“empreendedorismo” etc. O curta é o paroxismo da situação atual: para gerar
emprego uma sociedade parece consumir a si mesma - pessoas começam a assumir a função de objetos
cotidianos em “inovadoras” formas de “prestação de serviço”: a mulher-cabide, o
homem-abajur e assim por diante. Um curta surreal e tragicômico, mas que dá
muito no que pensar. Curta sugerido pelo nosso leitor A.Lex.
Em tempos de crise econômica, desemprego e, o que é pior, tempos
nos quais o remédio prescrito para todos os males é a chamada “flexibilização
do trabalho” (terceirização, “jornadas intermitentes”, empreendedorismo etc.)
assistir ao curta argentino El Empleo
(O Emprego, 2008), de Santiago Grasso e Patricio Plaza, é oportuno. Não é
exatamente tranquilizador, mas dá muito no que pensar.
O curta já arrematou 102 prêmios e faz uma crítica sobre o destino
do trabalho sob o Capitalismo de uma forma inteligente e sucinta nos seus sete
minutos. Ao contrário de muitas produções sobre o mesmo tema que se perdem no
cunho ideológico do protesto, El Empleo
tem uma narrativa fluida, simples que acaba prendendo nossa atenção, mas sem
perder o engajamento político e poético.
A reflexão direta que o curta faz sobre as relações de trabalho na
atualidade vai muito além da visão tradicional cujo ícone é Charlie Chaplin em Tempos Modernos: a alienação do
trabalhador na linha de montagem industrial, os movimentos repetitivos, o
esgotamento físico e nervoso etc.
Capitalismo Cognitivo
A reflexão de Chaplin naquele filme clássico era dos tempos do
capitalismo industrial, das relações tradicionais entre Capital e Trabalho
marcadas pela exploração da chamada, em termos marxistas, “mais-valia” seja
absoluta (exploração pelo alongamento de horas de trabalho) ou relativa (a
intensidade do trabalho no mesmo número de horas).
El Empleo já está em
outro cenário de transfiguração do capitalismo – o chamado “Capitalismo
Cognitivo” do trabalho precarizado no qual o desemprego é o outro lado da moeda
do trabalho. Condenados a serem “empreendedores de si mesmos”, os antigos
trabalhadores terão que precarizar cada vez mais seus ofícios. A “criatividade”
e “inovação” para buscar novos nichos de ofertas de serviços convergirá para
formas inéditas de precarização e jornadas absurdas de trabalho.
O Curta
O curta nos apresenta uma sociedade que, para criar novos
“empregos”, canibaliza-se em absurdas ofertas novas de serviços:
seres humanos ocupam o lugar de objetos como novos e surreais serviços –
cabides de roupas, carros, abajur, sinal de trânsito, capachos (aqui um tragicômico trocadilho das
relações de poder no trabalho) etc.
O curioso é que essa reflexão crítica radical só poderia vir de
uma produção audiovisual feita num país como a Argentina, cuja economia vive
eternamente em crise desde os tempos do peronismo, ditadura militar, as
experiências neoliberais dos anos 1990. a precarização dos serviços públicos pelas privatizações e a atual fase de mais crise econômica, desemprego e greves gerais de protesto.
Argentina ainda possui resistente cultura de influência europeia
que enfrenta heroicamente a americanização midiática (bem diferente do Brasil
que rapidamente capitulou à hollywoodinização das produções da TV Globo), cujas
ideias de “inovação”, “modernização”, “flexibilização” são sempre consideradas
como intrinsecamente boas – obscurecendo a verdadeira natureza de eufemismos
ideológicos para dourar a pílula da crescente brutalização do cotidiano.
No curta são marcantes as representações da mulher-cabide ou do
homem-abajur: eles não estão apenas lá, estão sofrendo, entediados. Suas
expressões são ao mesmo tempo de derrota e resignação. Todo um emaranhado de
sentimentos que devem ser superados pela imaginário meritocrático de que o
sucesso ainda é possível. Enquanto o mal estar psíquico é mitigado ou pelos
manuais de autoajuda ou pelas histórias de sucesso reportadas pela grande
mídia.
A distopia de “Moderninhas” e “Minizinhas”
Uma brutalização própria do Capitalismo Cognitivo cuja realidade
exige uma capacidade de resignação e adaptação cada vez mais radical dos
indivíduos – daí a natureza “cognitiva” dessa nova ordem do trabalho que exige
cada vez mais quesitos “abstratos” ou “imateriais” como “inteligência
emocional”, “Pro-atividade”, “foco”, “superação” e toda uma constelação de
novos eufemismos que, como sempre, servem para justificar os novos e absurdos
nichos de serviços.
El Empleo leva ao
paroxismo esse projeto do Capitalismo Cognitivo: o empreendedorismo levado à
situação na qual a sociedade se autoconsome.
Uma situação análoga a do indivíduo que, sob condições extremas de
fome ou alteração do metabolismo basal, seu corpo começa a entrar no chamado
“processo catabólico” - processo de degradação no qual o corpo começa a
consumir seu próprio tecido muscular.
Talvez o melhor indicador dessa distopia de El Empleo para a qual nos dirigimos a passos largos são aqueles
comerciais engraçadinhos das maquininhas de débito e crédito da “Moderninha”
com a Alessandra Negrini e a “Minizinha” com o Michel Teló.
Enquanto a “Moderninha” mostra uma prestadora de serviço robótica
que manipula a máquina diante de uma fila de clientes, na “Minizinha” Teló é um
pequeno empreendedor de si mesmo que vende qualquer coisa na praia com todos
(comerciante e clientes) dançando alegres.
A PagSeguro do grupo Universo On Line (Uol) sabe que está no
momento certo de investir em soluções de comércio eletrônico com empregos se
pulverizando em milhares de “empreendedores de si mesmo” em busca da terra
prometida na qual a força de trabalho magicamente se converterá em capital.
Quem sabe os homens-objeto do curta El Empleo têm também em seus bolsos “Moderninhas” e “Minizinhas”
para cobrarem pelos seus “serviços” de clientes que também são
homens-objeto-capachos.