Um filme tão excêntrico
que mereceu a expulsão do diretor da produtora japonesa Nikkatsu. Um filme
estranho até para uma produtora especializada em filmes “B”. É o filme “A Marca
do Assassino” (1967) do diretor Seijun Suzuki (falecido nesse ano), um diretor tão radical que inspirou
na atualidade diretores como Jim Jarmuch (pela forma como utiliza a trilha
musical) e Tarantino no filme “Kill Bill 1”. Além das muitas referencias ao
filme Noir, a narrativa de “A Marca do Assassino” é dominada por personagens
que vivem para morrer, na qual sexo e morte são abordados de forma niilista e
non sense em um Japão dos anos 1960 já ocidentalizado. É o que nos conta a nova
colaboradora do “Cinegnose” Bárbara Ribeiro*.
Na semana anterior ao carnaval brasileiro
desse ano, uma matéria jornalística em uma página da internet me atentou para a
morte um dos diretores japoneses mais irreverentes já conhecidos por mim até
então: Seijun Suzuki.
Diretor e roteirista, conhecido pela
importância que dava à estética acima do roteiro e se utilizando de temáticas
urbanas, contemporâneas e niilistas, o diretor é um marco no movimento que foi
chamado de Nouvelle Vague Japonesa.
Suzuki, que sempre preferiu a liberdade
das produções independentes, se juntou à produtora de filmes Nikkatsu,
conhecida por produzir filmes “B”, onde dirigiu 40 filmes até 1967, quando
lançou o filme A Marca do Assassino.
Foi expulso da produtora pelo seu estilo cinematográfico considerado
demasiadamente excêntrico até para o próprio publico da produtora.
Após a leitura da matéria, um frame de A Marca do Assassino (o filme que o fez
ser expulso da Nikkatsu), memória-marca(da) na retina, vem à tona em minha
mente: vemos a personagem Misako colocando sua meia-calça em uma sala cheia de
borboletas mortas através de um buraco de fechadura.
Revejo o filme e percebo então que Suzuki
abre a porta para muitas outras perspectivas de relação com a morte.
O Filme
A
Marca do Assassino contém muitas referências de filmes Noir. Além da imagem monocromática, o jazz se faz presente na
trilha sonora. Como o filme em si, a trilha sonora de jazz também contém traços
de um Japão antropofágico. E é sobre esse Japão contemporâneo e globalizado que
Seijun Suzuki criará suas histórias.
Temas clássicos de filmes japoneses como
morais religiosas e temas familiares já não fazem tanto sentido para a cidade
de Tokyo nos anos sessenta. Em A Marca do
Assassino, Seijun Suzuki nos trás para a realidade das ruas: dos
marginalizados, assassinos, depressivos e niilistas. Pessoas que estão à beira
da morte.
A morte é um elemento presente em toda sua
diegese fílmica, porém nunca de forma trágica ou clássica. Muito pelo
contrário, ela é quase como exaltada, atuando como um modo de resolução de
problemas.
Goro, um assassino profissional, sobrevive
das mortes que efetua. Entre outros assassinos e bandidos Yakuza, as mortes
aparecem como resolução de um conflito, e muitas vezes de forma cômica. São
muitas as cenas de mortes que chegam a ser engraçadas por seus métodos non sense e mirabolantes.
Por exemplo, em uma cena vemos um homem
atirar por um cano e acertar o homem que lava o olho na pia do andar de cima.
Além de muitas pessoas caindo de telhados altíssimos, rolando mortas pelas
gramas, entre outros.
Em A
Marca do Assassino estamos tanto perto da morte quanto perto da pele. Inclusive,
a sexualidade dos personagens é algo que se mescla com essa proximidade dos
mesmos com a morte. O sexo para os personagens toma um tom agressivo e até
mesmo sádico. Essa relação é tão forte que os próprios amantes se tornam
possíveis assassinos de seus cônjuges e, reciprocamente também há o desejo de
receber essa morte, na maioria das vezes já inevitável, de seu ser amado.
Sexualidade brincalhona e pervertida
Assim como as mortes no filme também são
registradas de maneira leve, engraçada e niilista, também as relações sexuais.
Elas não são de completa seriedade, e sim uma sexualidade brincalhona e
pervertida. Após uma das cenas sexo a esposa de Goro apanha algumas vezes. Ela
brinca dizendo – “Eu sabia. Você é gentil apenas no sexo.”
Também é pelo desejo de morte de Misako
que Goro se apaixona logo no primeiro encontro, quando ele a questiona sobre
seus sonhos e diz que a sua única esperança é morrer. A identificação é
instantânea. Detalhes de cabeças de pássaro penduradas no retrovisor do carro
dela aumentam ainda mais a relação da personagem com a morte, e muito
provavelmente o amor de Goro pela menina.
Atitude niilista – alerta de spoilers à frente
É clara a atitude niilista do personagem
(ou de todos os personagens) em relação a morte até o momento. Porém, o devir é
duro com Goro mais do que com qualquer outro personagem. A partir de seu
encontro com Eros (quando ele se apaixona por Misako), seu niilismo e relação
de desejo de morte acaba se tornando um desejo de vida. “Eu só quero morrer
depois de você me corromper”, diz Misako. E é por esse instante de vida antes
da morte que ele começa a fugir da morte.
Na cena final, vemos que Goro, possuído
por Eros, tem uma morte quase sofrida. Até o momento que Misako entra em cena e
leva um tiro de Goro , saciando assim o desejo de Misako (pela morte) e o
consequentemente libertando Goro novamente para Thanatos, isto é, para o seu
próprio desejo de morte.
No final todos os personagens morrem, como
em toda realidade humana. Vivemos e morremos, e os personagens de Seijun Suzuki
vivem para morrer.
*Bárbara Ribeiro Silva - Graduanda em Cinema e Audiovisual na Ufes,
participa da Organização dos Cineclubes Capixabas, atualmente trabalha num
projeto cineclubista no Asilo de Vitória. Faz cinema quando possível: já foi
diretora de arte, fotógrafa, diretora, roteirista, videomaker e documentarista.
Estudante pirada em cinema, psicanálise, roteiro, arquétipos, surrealismo,
cinema japonês e ocultismo sem neurose.
Ficha Técnica |
Título: A Marca do Assassino
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Diretor: Seijun Suzuki
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Roteiro: Hachiro Guryu
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Elenco: Jô Shishido, Kôji Nanbara, Isao
Tamagawa
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Produção: Nikkatsu
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Distribuição: The Criterion
Collection
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Ano: 1967
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País: Japão
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