sábado, abril 15, 2017

Niilismo e o desejo da morte na Modernidade em a "A Marca do Assassino", por Bárbara Ribeiro


Um filme tão excêntrico que mereceu a expulsão do diretor da produtora japonesa Nikkatsu. Um filme estranho até para uma produtora especializada em filmes “B”. É o filme “A Marca do Assassino” (1967) do diretor Seijun Suzuki (falecido nesse ano), um diretor tão radical que inspirou na atualidade diretores como Jim Jarmuch (pela forma como utiliza a trilha musical) e Tarantino no filme “Kill Bill 1”. Além das muitas referencias ao filme Noir, a narrativa de “A Marca do Assassino” é dominada por personagens que vivem para morrer, na qual sexo e morte são abordados de forma niilista e non sense em um Japão dos anos 1960 já ocidentalizado. É o que nos conta a nova colaboradora do “Cinegnose” Bárbara Ribeiro*.

Na semana anterior ao carnaval brasileiro desse ano, uma matéria jornalística em uma página da internet me atentou para a morte um dos diretores japoneses mais irreverentes já conhecidos por mim até então: Seijun Suzuki.

Diretor e roteirista, conhecido pela importância que dava à estética acima do roteiro e se utilizando de temáticas urbanas, contemporâneas e niilistas, o diretor é um marco no movimento que foi chamado de Nouvelle Vague Japonesa.

Suzuki, que sempre preferiu a liberdade das produções independentes, se juntou à produtora de filmes Nikkatsu, conhecida por produzir filmes “B”, onde dirigiu 40 filmes até 1967, quando lançou o filme A Marca do Assassino. Foi expulso da produtora pelo seu estilo cinematográfico considerado demasiadamente excêntrico até para o próprio publico da produtora.

Após a leitura da matéria, um frame de A Marca do Assassino (o filme que o fez ser expulso da Nikkatsu), memória-marca(da) na retina, vem à tona em minha mente: vemos a personagem Misako colocando sua meia-calça em uma sala cheia de borboletas mortas através de um buraco de fechadura.

Revejo o filme e percebo então que Suzuki abre a porta para muitas outras perspectivas de relação com a morte.

O Filme


A Marca do Assassino contém muitas referências de filmes Noir. Além da imagem monocromática, o jazz se faz presente na trilha sonora. Como o filme em si, a trilha sonora de jazz também contém traços de um Japão antropofágico. E é sobre esse Japão contemporâneo e globalizado que Seijun Suzuki criará suas histórias.

Temas clássicos de filmes japoneses como morais religiosas e temas familiares já não fazem tanto sentido para a cidade de Tokyo nos anos sessenta. Em A Marca do Assassino, Seijun Suzuki nos trás para a realidade das ruas: dos marginalizados, assassinos, depressivos e niilistas. Pessoas que estão à beira da morte.

A morte é um elemento presente em toda sua diegese fílmica, porém nunca de forma trágica ou clássica. Muito pelo contrário, ela é quase como exaltada, atuando como um modo de resolução de problemas.

Goro, um assassino profissional, sobrevive das mortes que efetua. Entre outros assassinos e bandidos Yakuza, as mortes aparecem como resolução de um conflito, e muitas vezes de forma cômica. São muitas as cenas de mortes que chegam a ser engraçadas por seus métodos non sense e mirabolantes.


Por exemplo, em uma cena vemos um homem atirar por um cano e acertar o homem que lava o olho na pia do andar de cima. Além de muitas pessoas caindo de telhados altíssimos, rolando mortas pelas gramas, entre outros.

Em A Marca do Assassino estamos tanto perto da morte quanto perto da pele. Inclusive, a sexualidade dos personagens é algo que se mescla com essa proximidade dos mesmos com a morte. O sexo para os personagens toma um tom agressivo e até mesmo sádico. Essa relação é tão forte que os próprios amantes se tornam possíveis assassinos de seus cônjuges e, reciprocamente também há o desejo de receber essa morte, na maioria das vezes já inevitável, de seu ser amado.

Sexualidade brincalhona e pervertida


Assim como as mortes no filme também são registradas de maneira leve, engraçada e niilista, também as relações sexuais. Elas não são de completa seriedade, e sim uma sexualidade brincalhona e pervertida. Após uma das cenas sexo a esposa de Goro apanha algumas vezes. Ela brinca dizendo – “Eu sabia. Você é gentil apenas no sexo.”


Também é pelo desejo de morte de Misako que Goro se apaixona logo no primeiro encontro, quando ele a questiona sobre seus sonhos e diz que a sua única esperança é morrer. A identificação é instantânea. Detalhes de cabeças de pássaro penduradas no retrovisor do carro dela aumentam ainda mais a relação da personagem com a morte, e muito provavelmente o amor de Goro pela menina.

Atitude niilista – alerta de spoilers à frente


É clara a atitude niilista do personagem (ou de todos os personagens) em relação a morte até o momento. Porém, o devir é duro com Goro mais do que com qualquer outro personagem. A partir de seu encontro com Eros (quando ele se apaixona por Misako), seu niilismo e relação de desejo de morte acaba se tornando um desejo de vida. “Eu só quero morrer depois de você me corromper”, diz Misako. E é por esse instante de vida antes da morte que ele começa a fugir da morte.


Na cena final, vemos que Goro, possuído por Eros, tem uma morte quase sofrida. Até o momento que Misako entra em cena e leva um tiro de Goro , saciando assim o desejo de Misako (pela morte) e o consequentemente libertando Goro novamente para Thanatos, isto é, para o seu próprio desejo de morte.

No final todos os personagens morrem, como em toda realidade humana. Vivemos e morremos, e os personagens de Seijun Suzuki vivem para morrer.

*Bárbara Ribeiro Silva - Graduanda em Cinema e Audiovisual na Ufes, participa da Organização dos Cineclubes Capixabas, atualmente trabalha num projeto cineclubista no Asilo de Vitória. Faz cinema quando possível: já foi diretora de arte, fotógrafa, diretora, roteirista, videomaker e documentarista. Estudante pirada em cinema, psicanálise, roteiro, arquétipos, surrealismo, cinema japonês e ocultismo sem neurose.


Ficha Técnica

Título: A Marca do Assassino
Diretor: Seijun Suzuki
Roteiro:  Hachiro Guryu
Elenco:  Jô Shishido, Kôji Nanbara, Isao Tamagawa
Produção: Nikkatsu
Distribuição: The Criterion Collection
Ano: 1967
País: Japão

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