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quinta-feira, maio 16, 2024

Série 'Matéria Escura': por que o século XXI está tão obcecado pelo multiverso?


A vida é feita de escolhas que fazemos em momentos cruciais que irão nos definir para sempre. Desde que os paradoxos da mecânica quântica, o experimento imaginário do gato de Schrödinger e a sua interpretação de Hugh Everett que abriu a possibilidade da existência de muitos mundos com diferentes versões de nós mesmos, parece que a angústia do “para sempre” ficou ainda maior, na literatura e no cinema: será que fiz a escolha certa? E se fosse possível ver a escolha da minha outra versão? Poderia ter uma segunda chance? A série Apple TV “Matéria Escura” (Dark Matter, 2024-) é mais uma produção na onda atual de filmes sobre multiverso. Embora o impacto cultural dos enigmas quânticos esteja no século XX, é nesse século que a angústia da escolha é ampliada, no estranho zeitgeist que domina a atualidade. Um gênio da física bem-sucedido cria uma maneira de viajar pelo multiverso para trocar de lugar com o sua outra versão menos bem-sucedida, invertendo a premissa tradicional do gênero.

Essa não é minha linda casa/Essa não é minha linda esposa
Meu Deus! O que eu fiz?
(“Once a Lifetime”, Talking Heads)

 

Desde a vitória do Brexit em 2015 e eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA no ano seguinte, parece que o mundo foi jogado para algum universo alternativo. 

Um mundo de catástrofes climáticas e que ideias intangíveis da qual dependíamos e considerávamos como óbvias e claras passaram a não funcionar mais: Democracia, Estado de Direito, Verdade, Consenso etc.

No caso brasileiro, desde a vitória eleitoral de Bolsonaro e a escalada da pós-verdade nas estratégias de comunicação política da extrema direita.

A realidade parece que se tornou desorientadora o suficiente para a indústria do entretenimento nos oferecer uma enxurrada de histórias sobre universos alternativos, realidades paralelas e emaranhados quânticos: dos multiversos dos mundos cinematográficos da Marvel ao vencedor do Oscar Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, passando por séries como Constelação da Apple TV. 

E, por que não, também a série O Problema dos 3 Corpos no qual passado, presente e futuro ocorrem simultaneamente num mesmo enredo. Um terreno fértil não só para a criatividade dos roteiristas (p.ex., você pode matar diversas vezes um personagem, mas sempre aparecerá uma nova versão alternativa) como também para o lucro dos estúdios.

Se esse universo misterioso quântico se tornou tão lucrativo, é porque está sintonizado a esse estranho zeitgeist do século XXI.



Este Cinegnose já discutiu em postagens anteriores como a física quântica impactou a cultura moderna, principalmente em dois temas: a viagem no tempo e o multiverso. Primeiro, o abandono da concepção clássica do tempo (entrópica) pela possibilidade de alterar o passado, criando linhas de tempo exponenciais; e com o multiverso, a existência de realidades não só paralelas, mas alternativas – como em “O Homem do Castelo Alto”, livro de Philip K. Dick e a série recente, no qual visitamos um mundo em que Alemanha e Japão ganharam a Segunda Guerra Mundial.

Certamente, o principal impacto íntimo foi o mito da segunda chance: será que el algum lugar existe uma versão bem-sucedida de mim mesmo ou mesmo pior? Que fez outras escolhas e traçou novos caminhos? Eu poderia pelo menos visualizá-los no passado ou no futuro para consertar erros e ganhar uma nova chance?

Todo esse impacto foi desenvolvido tanto no cinema quanto na literatura no século passado – e na Filosofia, mereceu as reflexões existenciais em torno da angústia feitas por Sartre.

Mas nesse século, parece que essa angústia da segunda chance ganhou uma nova dimensão, mais coletiva. Principalmente com o fenômeno do efeito bolha nas redes sociais e Internet e a relativização de noções dadas como óbvias como Verdade, Realidade e Ciência que trouxe talvez essa sensação social de entrarmos em alguma realidade alternativa – o crescimento de teorias em torno do chamado Efeito Mandela e a tese da Internet morta.

Como reflexo direto dessa zeitgeist que traçamos acima, temos agora a série da Apple TV Matéria Escura (Dark Matter, 2024), uma adaptação em nove episódios do livro homônimo de Blake Crouch de 2016. 

Sua premissa é interessante: um gênio da física poderoso e bem-sucedido cria uma maneira de ir para um universo paralelo para trocar de lugar com o sua outra versão menos bem-sucedida. Interessante porque, em primeiro lugar, parece inverter a premissa tradicional do gênero: invejamos sempre a versão melhor de nós mesmos vivendo em algum lugar do multiverso.



Em segundo lugar, a série revisita a experiência imaginária que deu origem a tudo: o experimento do gato de Schrödinger, de 1935. Só que, dessa vez, em uma escala maior: uma enorme caixa com uma liga metálica inédita capaz de vedar completamente o contato do interior com o mundo exterior, contendo humanos que viverão na prática o momento da sobreposição quântica – verificada apenas no paradoxal mundo das micropartículas.

A Série

 O professor de física Jason Dessen (Joel Edgerton - doravante conhecido como Jason 1) está levando uma vida tranquila como professor numa universidade de Chicago para alunos sonolentos e desatentos. Volta para casa todas as noites para sua amada esposa, Daniela (Jennifer Connelly), e o envolvente filho adolescente Charlie (Oakes Fegley). 

Alunos tão sonolentos que são incapazes de ter a curiosidade despertada para a aula sobre o experimento imaginário do gato de Schrödinger (a chave de compreensão de toda a série).

Para aqueles que não conhecem o experimento, podemos descrevê-lo da seguinte maneira: um gato está preso numa caixa que contém um recipiente com material radioativo e um contador Geiger. Se o material soltar partículas radioativas e o contador detectar, acionará um martelo que, por sua vez, quebrará um frasco com veneno, matando o bichano. De acordo com as leis da física quântica, a radioatividade pode se manifestar tanto como onda quanto partícula. Ou seja, na mesma fração de segundo, o frasco de veneno quebra e não quebra, produzindo duas realidades probabilísticas simultâneas – sobreposição quântica. 



Segundo o raciocínio, as duas realidades aconteceriam simultaneamente dentro da caixa, até que fosse aberta – a presença de um observador e a entrada da luz intervindo nas partículas acabariam com a dualidade no fenômeno do decaimento quântico.

O cotidiano do professor de meia idade é monótono, mas feliz, confortável e previsível, como requer a vida familiar. 

Mas seus olhos cintilam quando seu amigo dos tempos de faculdade, Ryan (Jimmi Simpson), ganha um prestigiado prêmio de física e um milhão de dólares, criando a tensão: ele fez a opção da vida familiar, enquanto seu amigo o sucesso do reconhecimento da pesquisa científica, optando pela vida de solteiro e vivendo em frios laboratórios de pesquisa. Será que Jason fez a melhor escolha? Todos nós tivemos momentos de dúvida sobre o caminho não tomado.

Jason 1 caminha de volta para casa tarde da noite após uma festa de comemoração pelo prêmio de Ryan. Mas ele é sequestrado e drogado pelo Jason 2 - a versão de si mesmo que dedicou sua vida à ciência, se tornou rico e famoso, e secretamente desenvolveu uma maneira de pular através dos universos para substituir por Jason 1 e pudesse desfrutar de todas as bênçãos da vida familiar e deixar seu outro eu aparentemente amnésico no mundo de Jason 2.

Se Jason 1 teve um lampejo de inveja pelo sucesso de Ryan, sua outra versão bem-sucedida por algum motivo inveja a vida pacata e familiar de Jason 1.

A partir daí, duas histórias se desenrolam. Um é um thriller doméstico, já que Jason 2 tenta evitar ser desmascarado como um impostor, procurando os convidados do jantar que ele deveria conhecer há anos. Daniela sente que algo mudou, principalmente na cama – Jason 2 é um incansável sedutor.


 

A outra história é a pura ficção científica, enquanto Jason 1 gradualmente vai deduzindo o que aconteceu no mundo alternativo que Jason 2 abandonou (os meios de comunicação abordam o seu desaparecimento, criando um grande circo midiático) e para depois fugir como um Odisseu da alta tecnologia para viajar através dos corredores do multiverso. Tentando reencontrar a sua vida familiar perdida.

Jason 1 está acompanhado pela parceira de Jason 2, Amanda (Alice Braga), uma psiquiatra que preparou psiquicamente os viajantes do multiverso anteriores (não sabemos o quão bem eles se saíram, pois não conseguiram voltar). Ela mostra disposição para fugir e entrar no cubo de sobreposição quântica que Jason 1 abandonou em seus estágios iniciais, mas que Jason 2 passou a aperfeiçoar, ingerindo os compostos psicoativos experimentais necessários para ver e escolher todos os universos disponíveis.

Jason 1 e Amanda partem para uma viagem para partes variadas do multiverso em busca de seu verdadeiro lar. Versões alternativas de Chicago, de brilhantes e espetaculares a apocalípticas e devastadoras, são apresentadas. 

Jason 1 vai encontrar as diversas versões da esposa Daniela e de seus amigos nas diversas realidades paralelas, seguindo a chamada “Interpretação dos Muitos Mundos” de 1957 feita por Hugh Everett na Universidade de Princeton.



A pós-modenidade dos Muitos Mundos

Na interpretação de Everett, esses dois gatos (morto e vivo) passam a ser considerados dois mundos independentes e sobrepostos sobre o mesmo tempo/espaço. Não são mais considerados uma “decoerência quântica” fruto da intervenção do observador que romperia com a função de onda. Everett considerava uma existência ontológica para cada um desses mundos, ou “subsistemas”, como afirmava.

Ou seja, cada momento de escolha em nossas vidas abriria diversas versões de decisões que não tomamos – universos alternativos sobrepostos no cosmos.

Não precisa dizer que à medida que os episódios avançam (estão sendo liberados semanalmente pela Apple TV) as histórias e as linhas do tempo se tornam cada vez mais complicadas, com Jason 1 e 2 confrontando suas escolhas e arrependimentos.

A mecânica quântica, o gato de Schrödinger e a interpretação de Everett incendiaram tanto a imaginação literária quanto cinematográfica. Mas também despertaram no século XX essa questão que o princípio da desconstrução pós-moderna da realidade: será que fiz a escolha certa? E se eu tivesse optado pelo outro caminho?

Aquela sensação pós-moderna de alienação expressada pela música dos Talking Heads de 1980 “Once a Lifetime”: 

E você pode dizer a si mesmo/Essa não é minha linda casa/Essa não é minha linda esposa/O que é a casa bonita?/Onde a estrada vai?/Estou certo?/Estou errado?/Meu Deus! O que eu fiz?

O século XXI potencializa essa angústia sartreana da liberdade da escolha. Porque para cada lado que olhamos, com a crise daquelas ideias intangíveis que davam alguma solidez em nossas escolhas (Verdade, Ciência, Democracia, Consenso etc.), parece que sempre faremos a escolha errada.


 

Ficha Técnica

 

Título: Matéria Escura (série)

Diretor:  Logan George, Celine Held

Roteiro:  Blake Crouch

Elenco: Joel Edgerton, Jennifer Connelly, Alice Braga, Jimmi Simpson, Dayo Okeniyi, Oakes Flegley

Produção: Sonny Pictures TelevisionMatt Tolmach Productions

Distribuição: Apple TV +

Ano: 2024-

País: EUA

 

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Filme 'State of Consciousness' e o zeitgeist neurocientífico do século XXI


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segunda-feira, março 11, 2024

'Oppenheimer': sete estatuetas para a Guerra Total e a destruição amoral de mundos



As sete estatuetas para o filme “Oppenheimer” (2023) na premiação do Oscar 2024 foram para as três obsessões que acompanham a filmografia de Christopher Nolan: protagonistas que buscam a perfeição, a escala épica e como o tempo narrativo altera a percepção do espectador. É o tom certo para descrever a vida do físico norte-americano que transformou na América todas as discussões teóricas quânticas e relativísticas do Velho Continente em tecnociência: a Guerra Total, livre de quaisquer dos antigos pruridos morais, éticos ou diplomáticos. J. Robert Oppenheimer temia que a explosão da bomba atômica deflagrasse uma reação em cadeia na atmosfera e que incendiasse todo o planeta. Sim. A reação em cadeia aconteceu, mas não como ele imaginava: a bomba atômica de Los Alamos inaugurou a nova era – a destruição amoral de mundos.No mundo atual com guerras e genocídios, as sete estatuetas para "Oppenheimer" fazem sentido.

quinta-feira, novembro 16, 2023

'Na Ponta dos Dedos': amor e dor no mercado da escassez afetiva


Um mundo alternativo no qual o dedo com um curativo é uma marca pública ambígua: de um lado pode ser a marca de um sucesso – o certificado de uma vida amorosa feliz. Ou a cicatriz de um fracasso. “A produção Apple TV + "Na Ponta dos Dedos” (Fingernails, 2023), do diretor grego Christos Nikou, é uma comédia dramática com toque sci-fi em que divórcios e frustrações amorosas foram resolvidos com um bizarro teste que envolve amor e dor: arrancar uma unha de cada parceiro para um dispositivo atestar a compatibilidade. Afinal, o primeiro sinal de problemas cardíacos é frequentemente notado nas unhas... Nesse mundo, a taxa de divórcios despencou. Mas paradoxalmente a felicidade parece ter despencado junto. Um filme que ecoa criticamente a atual cultura dos aplicativos de relacionamentos. E também, como a felicidade virou um nicho de mercado mediante a produção da escassez afetiva.

quinta-feira, agosto 31, 2023

'The Sadness': zumbis e humanos entre a civilização e a barbárie


No cinema a mitologia zumbi passou por várias transformações: escravos de fazendeiros, símbolos do racismo, representação sanitária e viral do Mal etc. Mas seja qual for o roteiro, há um prazer catártico nesse subgênero: o prazer dos sobreviventes por poderem matarem zumbis como num jogo de tiro ao alvo. Afinal, eles são trôpegos e idiotas. Mas a produção taiwanesa “The Sadness” (Ku bei, 2021) inverte totalmente isso: dessa vez o prazer catártico é dos mortos-vivos. Uma praga viral toma conta da capital Taipé tornando os infectados monstros amorais que matam e estupram com um sorriso sádico no rosto. Como em todos os filmes sobre zumbis, “The Sadness” reflete a crise social ou econômica do momento (no caso, a pandemia global) e a própria condição humana, no limite entre civilização e barbárie.

quinta-feira, agosto 17, 2023

A simbologia esotérica e política dos gatos em 'Um Dia, um Gato'


Um clássico cult da República Tcheca que consegue convergir crítica política, entretenimento e simbologia esotérica. Graças à presença disruptiva de um gato com óculos escuros. Esse é o filme “Um Dia, um Gato” (Az Pridje Kocour, 1963 aka When the Cat Comes eThe Cassandra Cat), um conto de fantasia satírica e colorida do diretor Vojtech Jasný. Da simbologia crepuscular dos gatos à crítica política de um país sob a dominação soviética, “Um Dia, um Gato” transforma esse felino no veículo através do qual se revela a hipocrisia dos sistemas autoritários. Uma trupe circense chega a uma pequena cidade com um curioso gato usando óculos escuros. Mas, se retirá-los, o seu olhar confrontará os humanos, revelando, através das cores, a verdade, a desordem e o caos.

sábado, agosto 05, 2023

Em 'LOLA' o lado prometeico e sombrio de cada progresso tecnocientífico


Desde o cultuado “Primer” (2004) não se viu um filme tão engenhoso sobre viagem no tempo quanto “LOLA” (2022). Não exatamente uma viagem no tempo, mas sobre duas irmãs que na década de 1930 inventaram um dispositivo que captava ondas de rádio vindas do futuro. Em 2021 foi encontrada a filmagem sobre a invenção e a história das irmãs que no início apenas queriam estudar o Tempo – apaixonaram-se por David Bowie e Stanley Kubrick antes mesmo deles nascerem. Mas da pior maneira possível descobriram que a tecnociência é prometeica: tal como o titã que foi acorrentado por roubar o fogo dos deuses, elas foram cegadas pelo brilho da própria invenção. Viram-se prisioneiras dos dilemas éticos e morais em conhecerem o futuro no meio da Segunda Guerra Mundial e o dispositivo do tempo virar arma contra os nazistas. No entanto, como em qualquer grande poder, há um potencial lado sombrio. 

sexta-feira, maio 26, 2023

Capitalismo e suas aventuras pela álgebra e matemática no filme 'Uma Mente Brilhante'


O filme “Uma Mente Brilhante” (A Beautiful Mind, 2001) foi a típica peça de propaganda de Hollywood nos anos ainda triunfantes da Globalização pós fim do bloco soviético. O filme conta a vida do gênio matemático John Nash, Nobel de Economia que revolucionou a Teoria dos Jogos aplicada ao comportamento econômico em cenários de competição e negociação. O “Equilíbrio Nash” foi a teoria redescoberta décadas depois e que caiu como uma luva no Capitalismo da Globalização. Substitui “mão invisível” de Adam Smith em um outro nível, deslocando o Capitalismo para a abstração algébrica e matemática. Tão abstrata quanto a própria biografia de Nash no filme, transformando-o no gênio “All American” e patriota, o sal da terra de West Virginia. Sofreu um tipo de “limpeza”, como a de outro gênio matemático: Alan Turing.

sábado, fevereiro 25, 2023

Niilismo e ateísmo querem fazer acerto de contas com Religião e Filosofia em 'The Sunset Limited'


Dois homens sentados à mesa num pequeno apartamento em um bairro miserável de Nova York. Ele salvou um desconhecido que tentava se matar atirando-se de uma plataforma de metrô e o trouxe para sua casa. Como pastor, tentará salvá-lo também com as palavras da Bíblia. O desconhecido é um professor universitário desiludido e, aparentemente, ateu. “The Sunset Limited” (2011), adaptação da peça teatral homônima de Cormac McCarthy, lembra o velho confronto entre Fé e Razão. Mas vai muito mais além disso: aquele professor não é um ateu comum – sua firme posição suicida é o resultado de uma jornada de séculos da destruição do indivíduo na Filosofia ocidental. De repente, Deus é a parte do problema existencial ao lado de noções como “Logos”, “Ideia”, “Razão” – o niilismo desafiador daquele estranho que quer fazer um acerto de contas com toda a inutilidade da Filosofia e da Religião.

quarta-feira, janeiro 18, 2023

Big Brother Brasil: Biosfera 2, Ecologia Maléfica e TV Excremental



É curioso lembrar que formatos de reality show como o Big Brother Brasil que começou dia 16 se inspiraram no fracasso de um projeto científico de 1991: o “Biosfera 2”, no qual cientistas ficaram confinados e isolados por dois anos em uma gigantesca estrutura que simulava os principais biomas (animais e vegetais) da Terra. Monitorados por câmeras por pesquisadores em todo o planeta. Mas a “ecologia maléfica” abortou o projeto: o ecossistema confinado gerou pragas e... baratas, muitas baratas! Porém, falha no projeto científico tornou-se a matéria-prima do esquema de negócios do reality show que começou na MTV e tomou a forma final no BB na Holanda - enclausurar uma diversidade humana proveniente de diferentes biomas sociais para exibir ao vivo a emergência explosiva da ecologia maléfica: assim como a natureza é predada por ervas daninhas, formigas e baratas, as relações humanas o são pela intolerância, preconceito, violência, estupidez e crueldade. Que cumprirá as quatro funções da “TV Excremental”: sacrifício, disciplina, vigilância e reenergização através da violência.

quinta-feira, novembro 10, 2022

Minissérie 'Inside Man': ciência e religião na jornada simbólica de Ulisses


Um prisioneiro (um brilhante ex-professor de Criminologia) no corredor da morte numa prisão dos EUA e uma mulher algemada no porão da casa de um respeitável vigário em uma vila inglesa. Duas histórias distantes, mas que irão se entrelaçar das formas mais inesperadas, lembrando os ardis de Hannibal Lecter e a cadeia de equívocos catastróficos como no filme “Fargo”. Essa é a minissérie de suspense e humor negro da Netflix “Inside Man” (2022) que oferece interessantes metáforas: o representante da Ciência, com sua lógica dedutiva e precisa, prisioneiro; e um vigário (a Religião) livre, porém preso à compulsão de se tornar um mártir. Afinal, representa “a única religião em que Deus morre no final”.  Ciência e Religião: as duas encarnações da Razão na jornada da civilização ocidental. Jornada semelhante à de Ulisses, na “Odisseia” de Homero.

quarta-feira, novembro 09, 2022

Em 'O Enfermeiro da Noite' o Mal é o efeito colateral de um sistema de saúde privatizado


O filme “O Enfermeiro da Noite” (The Good Nurse, 2022) é mais um filme de uma recorrente abordagem no cinema do Mal como viral e exponencial. Não pela monstruosidade do Mal, mas como efeito colateral de um sistema intrinsecamente corrompido. No caso, o sistema hospitalar dos EUA, visto pelo olhar de um diretor que veio de um país (Dinamarca) com assistência médica púbica e a saúde universalizada: ao contrário, nos EUA a saúde tornou-se um negócio centrado em ter pacientes, não em ajudá-los. Contando com o silêncio de um sistema privado temeroso por ações judiciais, um enfermeiro serial killer deixa um rastro de dezenas de pacientes mortos por envenenamento em diversos hospitais nos quais trabalhou. Baseado no caso real do assassino serial considerado o mais mortal da história do país.

quinta-feira, outubro 20, 2022

'O Telefone do Sr. Harrigan': há certas ligações que jamais podem ser atendidas


Certamente o conto de Stephen King “Mr. Harrigan’s Phone” (sobre o fantasma de um recém-falecido que se comunica através de um telefone com o amigo que deixou entre os vivos) inspirou-se na bizarra invenção de Thomas Edison em 1920: uma espécie de “disque fantasma” ou “telefone espiritual” para os mortos poderem se comunicar com os vivos. Um exemplo de como o Oculto misturou-se com a Ciência no início da Era da Informação. A produção Netflix “O Telefone do Sr. Harrigan (2022) adapta o conto de Stephen King indo muito além do sobrenatural: mais do que informar, os meios de comunicação acabaram se tornando reflexos dos nossos próprios fantasmas interiores. 

sexta-feira, junho 03, 2022

Bilionários do Vale do Silício se preparam para o apocalipse do Grande Reset do Capitalismo


Era uma vez uma época em que empreendedores tecnológicos Musk, Bezos, Thiel, Zuckerberg tinham planos de negócios otimistas sobre como a tecnologia poderia beneficiar a humanidade. Agora, eles reduziram as expectativas ao verem todo o progresso tecnológico como uma espécie de macabro videogame em que somente aquele que encontrar a escotilha de escape será o vencedor. Será Musk ou Bezo migrando para o espaço? Thiel escondendo-se num complexo na Nova Zelândia? Ou Zuckerberg imortal no Metaverso? Nesse momento, Big Tech e Big Money estão se preparando para “O Evento”: algum tipo de catástrofe que se aproxima (climática, nuclear, hackers, desmoronamento da sociedade por conflitos etc.). O livro “Survival of the Richest - Escape Fantasies of the Tech Billionaires”, de Douglas Rushkoff detalha o que ele chama “The Mindset”: a mentalidade que vê a humanidade não como um recurso, mas um bug no sistema, no qual somente uma elite sobreviverá de um colapso que que eles próprios criaram. E como os fundos de hedge mundiais investem em filmes sobre zumbis e sci-fis que normalizam essa agenda. 

quinta-feira, junho 02, 2022

O filme anti-Elon Musk 'Io - O Último na Terra'


O que há em comum entre Musk, Bezos, Thiel e Zuckerberg? Além da fortuna e dos fundos de investimentos turbinando seus projetos, está o niilismo apocalíptico e a urgência de fugir desse planeta, seja para colônias em Marte ou para Multiversos. Nove em cada dez produções sci-fi atuais está alinhada com a agenda desses super-ricos. E a exceção confirma a regra. Uma das poucas exceções é o filme “Io – O Último na Terra” (Io - Last on Earth, 2019), o filme mais anti-Musk dos últimos tempos. Uma cientista vive solitária na Terra pós-apocalíptica, dominada por uma nuvem tóxica que matou grande parte da humanidade – os sobreviventes migraram para uma estação espacial na lua de Júpiter Io. Seu namorado em Io (ironicamente chamado Elon) tenta convencê-la a embarcar na última nave que partirá da Terra. Porém, entre colmeias de abelhas e obras de arte que pega dos escombros de um museu de Arte Moderna, tenta provar que a vida no planeta é mais resiliente do que imaginamos. E somos os guardiões do renascimento.

quarta-feira, abril 20, 2022

Em 'Night's End' o sonho da Razão produz monstros


A cineasta Jenifer Reeder (considerada pelo diretor duas vezes vencedor do Oscar, Bong Joon Ho – Parasita – uma cineasta na lista dos imperdíveis) revisita o tema da casa mal-assombrada que, de tão recorrente no gênero terror, parece não restar nada mais relevante a ser dito. Porém, “Night’s End” (2022) prova o contrário ao trazer a clássica estória de fantasmas no zeitgeist da pandemia e as videochamadas e lives na Internet. Um homem recluso transforma a sua investigação sobre fantasmas em seu apartamento em lives num canal sobre fenômenos paranormais no Youtube, procurando engajamento e monetização. “Night’s End” mostra de forma criativa (superando limitações do baixo orçamento) como o pintor Goya tinha razão ao falar que “o sonho da Razão produz monstros” – o célebre pintor do romantismo espanhol antecipou a crítica que mais tarde a filosofia e a psicanálise fariam: paradoxalmente os mecanismos da Razão e das luzes da Ciência geram os monstros da irracionalidade e do obscurantismo que tanto queriam combater.  

sexta-feira, abril 08, 2022

Série 'For All Mankind': e se os soviéticos tivessem chegado primeiro na Lua?


Ao lado da série “O Homem do Castelo Alto”, “For All Mankind” (2019- ) é uma série que se alinha ao subgênero das realidades alternativas – se a série baseada em Philip K. Dick mostrava uma realidade alternativa na qual Alemanha e Japão ganhavam a Segunda Guerra Mundial, nessa da Apple TV + acompanhamos o efeito em cascata, seja geopolítico, seja na cultura e costumes, dos soviéticos terem sido não só os primeiros a pisar na Lua, mas de também colocar a primeira mulher cosmonauta pisando o solo lunar. A questão é que, mesmo em um mundo alternativo, a série repete as mesmas mitologias do nosso mundo real: a NASA como como uma agência “científica” e astronautas como os playboys do “american dream”. 

quarta-feira, janeiro 05, 2022

A incerteza do detetive gnóstico e pós-moderno na série 'Gente Ansiosa'


Conan Doyle e Agatha Christie criaram os detetives arquetípicos da Modernidade: Sherlock Holmes e Hercule Poirot: embora conhecedores da natureza humana, tratam a investigação como uma ciência exata - lógica e raciocínio. Porém, a descoberta do princípio quântico da incerteza do observador, mais do que uma descoberta da Física, impactou a cultura do século XX. E, principalmente, a figura literária do Detetive: a tentativa de solucionar um enigma sempre se volta para ele mesmo. O Detetive sempre será também uma peça do mistério que tenta solucionar. A série Netflix sueca de humor negro “Gente Ansiosa” (Folk Med Ångest, 2021) é mais um exemplo desse Detetive pós-moderno e gnóstico, cuja solução de um enigma (um assalto frustrado que terminou com reféns improváveis) passa pela compreensão de uma ferida psíquica da juventude de um obsessivo investigador da polícia.

sexta-feira, dezembro 03, 2021

O Mal se alia com a Natureza para vingar-se da civilização em 'The Feast'


Família e convidados reunidos num jantar pode ser um momento de alegria e festa. Mas não no cinema: é o momento em que a polidez e o verniz da educação se desfazem para revelar toda a hipocrisia e mentiras por trás das aparências. E tudo piora exponencialmente se foi permitida a entrada do Mal: ele irá explorar todas essas fraquezas como uma espécie de anjo da vingança do mal-estar contra a civilização. “The Feast” (2021) acompanha um jantar chique em uma fazenda no interior rural do País de Gales. Propriedade de família rica de um parlamentar que enriqueceu com relações promíscuas com empresas de prospecção de óleo e gás que profanam terras sagradas da mitologia galesa. E a Natureza, destituída dos seus mitos e magia, prepara uma vingança.

sábado, outubro 23, 2021

Metaverso: a aposta transhumana do Grande Reset Global

Enquanto o CEO do Facebook, Mark Zuckenberg, aposta tudo no futuro do Metaverso (a convergência de realidade física, aumentada e virtual em um espaço online compartilhado), em Madrid foi realizada a Conferência Transvision 2021, com os pesos pesados do Vale do Silício da agenda transhumanista mundial. Nos últimos meses estão sendo lançadas de forma mais acelerada as bases intelectuais e tecnomísticas para uma nova ordem social totalmente digitalizada – aquilo que está sendo chamada de Quarta Revolução Industrial, paradigma global de transformação total – adotado pela Microsoft, Alibaba, Sony, General Motors, Mozilla e Salesforce, entre muitos outros. No contexto do “Grande Reset Global” anunciado pelo Fórum Econômico Mundial, o que tudo isso representa? Não precisa ser nenhum escritor distópico como George Orwell ou Aldous Huxley para imaginar as implicações políticas da religião pós-humanista transformada em realidade. 

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