domingo, junho 15, 2014

Atratores estranhos e paradoxos da viagem no tempo em "Primer"

Vencedor no Festival de Sundance e odiado por aqueles que vão ao cinema apenas para comer pipoca e se divertir, o filme “Primer” (2004) do diretor Shane Carruth é um quebra-cabeça sobre questões lógicas sobre a viagem no tempo: paradoxos, lacunas, pontas soltas, causalidade. Esqueça o famoso “paradoxo dos gêmeos” (Paradoxo de Langevin) sobre a relatividade das viagens no tempo. Esse é o menor dos problemas nesse filme. Influenciado pelo ocultismo de Aronofsky de “Pi” e os “warmholes” de “Donnie Darko”, o filme se defronta com as grandes interdições estruturais do contínuo tempo-espaço que impedem o homem se libertar do Tempo: as noções de atratores estranhos e da geometria recursiva da Teoria do Caos. Filme sugerido pelo nosso leitor Marcos Garcia.

Primer se insere em um subgênero dos filmes de ficção científica que poderíamos chamar de low sci-fi como Another Earth, Sound of My Voice, Safety Not Guaranteed etc. Filmes de baixíssimo orçamento (Primer foi realizado com sete mil dólares) onde os temas científicos são pretextos e muitas vezes apenas um cenário para questões éticas e morais sobre relacionamentos humanos.


Carruth obviamente foi influenciado pela intensidade ocultista de Darren Aronofsky do filme Pi e os “warmholes” de Donnie Darko. Primer mostra como jovens engenheiros, com poucos recursos em uma pequena garagem, constroem alguma coisa que envolve campo magnético e manipulação da gravidade em pequenos objetos, mas que produz um inesperado efeito colateral de possibilidade de viagem no tempo.


Como todo bom filme low sci-fi, essa possibilidade não é mostrado em tom épico em cenas tensas, trilha musical de suspense ou closes em rostos perplexos. Há um fascínio na maneira de falar uns com os outros, de forma rápida, em tom baixo, mas com entusiasmo. Os diálogos são repletos de jargões técnicos com referências a gases inertes e metais que conseguem retirando catalisadores de automóveis para obterem palladium ou roubar uma geladeira para extrair freon.

Em muitos momentos, o espectador perde o fio da meada tendo que retomar o que foi perdido no caminho para juntar as peças do quebra-cabeça. Sem dúvida Primer é um filme para nerds, geeks e CDFs, assim como os protagonistas da narrativa. Mas é justamente isso que instiga os espectadores: há algo muito maior por trás dos diálogos intimistas e introvertidos. Isso é o que fez muitos fãs do filme elaborarem verdadeiros mapas do roteiro do filme e diagramas da máquina do tempo para tentar juntar as linhas soltas – veja um desses diagramas na ilustração acima.

Seguindo os filmes Pi e Donnie Darko, o diretor Carruth explora a estrutura paradoxal tempo-espaço não apenas relativística, mas caótica marcada por atratores estranhos, recursividade e dependência hipersensível às condições iniciais, também conhecido como “efeito borboleta”.

Ao mesmo tempo o Carruth parece explorar a simbologia ocultista dos metais e gases que envolvem o experimento dos engenheiros – sincronicamente na simbologia ocultista o palladium simboliza o guardião dos níveis mais altos, o metal da estabilidade e segurança em viagens muito distantes.

O Filme


Quatro engenheiros (Abe, Aaron, Robert e Philip) buscam financiamento para uma máquina que estão construindo na garagem. Nos diálogos nunca fica muito claro do que se trata, mas parece ter a ver com manipulação da gravidade. Logo Aaron e Abe percebem estranhos fenômenos envolvendo os gases inertes e o campo magnético no interior da máquina: um fungo que leva cinco anos para se desenvolver cresce em cinco minutos, um relógio que funciona para trás e assim por diante. Sim! Descobriram uma máquina do tempo. Abe e Aaron escondem essa possibilidade dos outros dois engenheiros da equipe e decidem sozinhos levar adiante o experimento.

Depois de alguns testes, Abe secretamente constrói uma máquina protótipo grande o suficiente para caber um homem e decide retornar algumas horas no passado. Lá encontra Aaron e os dois veem o “duplo” de Abe entrando na máquina protótipo, localizada em um depósito. Ou seja, a máquina tem uma estranha propriedade de unir os pontos A e B no tempo em looping: presente, passado e futuro podem criar um contínuo vai e vem. Aparentemente muito simples, não fosse um problema: a coexistência com seus duplos, que farão constantemente novas máquinas, criando um efeito recursivo. O tecido temporal exponencialmente começa a ficar instável, devido à hipersensibilidade às condições iniciais: cada novo duplo vai produzir novos efeitos, sempre exponenciais.
Como bons engenheiros que são, tentarão fazer uma engenharia reversa, quer dizer, “ressetar” o sistema caótico e recursivo. Tentam criar uma “máquina sem falhas”, secretamente, sem seus duplos saberem. Tentam retornar a um ponto onde sequer cogitavam a possibilidade da viagem no tempo. Algo como quando um sistema operacional em um computador tenta se recuperar de um catastrófico erro de programação, tentando retornar a um ponto anterior da instalação.

Tempo e atratores estranhos


Para os gnósticos o tempo é a principal falha do cosmos físico, aquilo que prenderia o homem nesse cosmos. O tempo seria uma seta que tende inexoravelmente para o futuro. Todos os eventos são irreversíveis tendendo para um estado de dissipação de energia, caos, inércia – a entropia.

Mas os cientistas Michael Feigenbaum e Benoit Mandelbrot descobriram que essa tendência à entropia em um suposto caos e desordem esconderia uma estranha simetria: os “atratores estranhos”. Regularidades geométricas e contornos altamente irregulares, estruturas recursivas como redemoinhos dentro de redemoinhos ou os dormentes de estradas de ferro que desaparecem no horizonte. Uma escala de repetição que faz certos fenômenos tender a uma constante universal. Assim como o número pi, presente em eventos tão distintos: do movimento das ondas numa praia ao trajeto diário das estrelas no céu.

Isso significa que a viagem no tempo, o secreto e arquetípico desejo humano pelo anseio de se libertar da entropia do tempo que nos prenderia a esse cosmos físico, é interditada pela censura da geometria recursiva dos atratores estanhos: Abe e Aaron irão cair na cilada do lopping temporal, sendo condenados ao vai e vem entre os pontos A e B (presente e passado), produzindo indefinidamente duplos que conspiram entre si, tentando produzir secretamente novas máquinas do tempo “sem falhas” para tentar reiniciar o sistema, produzindo ainda mais caos e recursividade.

É uma espécie de censura estrutural tempo-espaço: a impossibilidade de auto-cancelamento, isto é, de retornar a um ponto anterior do momento em que a máquina do tempo foi inventada. Nisso o filme Primer aproxima-se da relatividade de Einstein: é impossível existir algo além da velocidade da luz. A misteriosa caixa onde está um dispositivo com metais e gases inertes conseguiu, de algum modo, intervir na gravidade a tal ponto de curvar o espaço-tempo criando um warmhole entre passado e presente.

Mas acabou criando um atrator estranho, uma geometria recursiva que a certa altura do filme lembrará o filme O Feitiço do Tempo onde revisitarão diversas vezes uma mesma festa para desarmar um homem armado e, dessa forma, impressionar o pai de uma mulher – um importante capitalista de risco que pode torná-los milionários.

Ética e viagem no tempo


Primer retoma o mesmo tema do filme Pi de Aronofsky: a manipulação do tempo e da matemática como forma de conseguir não só informação privilegiada, mas conseguir prever os complexos e caóticos movimentos dos mercados financeiros.

Mas se por um lado Abe e Aaron estão cientificamente comprometidos, por outro lado, eticamente são deficientes. Ao se defrontar com efeito colateral de tamanha magnitude da pequena invenção de garagem, a primeira coisa que pensam é escondê-la dos demais companheiros e tentar fazer dinheiro, muito dinheiro: ver o comportamento das cotações das ações na Bolsa de Valores para retroceder horas antes com informações privilegiadas.

Aos poucos a amizade e o poder de cooperação entre Abe a Aaron entram em colapso com a paranoia e a desconfiança mútua: cada um tenta interferir no duplo do outro.

Primer apresenta o velho sonho americano de que a criatividade, o conhecimento aliado ao empreendedorismo fez do capitalismo e do liberalismo o grande motor do progresso e da liberdade. De fato, uma das grandes virtudes do filme é mostrar que as grandes descobertas científicas surgem por acaso, quando paradoxalmente os métodos científicos falham e são superados. 

Porém, a ciência parece libertar grandes forças com muita rapidez, para além da capacidade do amadurecimento ético e moral se equiparar a essa velocidade.

Ficha Técnica


Título: Primer
Direção: Shane Carruth
Roteiro: Shane Carruth
Elenco: Shane Carruth, David Sullivan, Casey Gooden, Anand Upadhya
Produção: ERBP
Distribuição: THINKFilm
Ano: 2004
País: EUA



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