As redes sociais devem ser pensadas a partir de conceitos como influência, vício e narcisismo. Essa é a interpretação de um trabalho de conclusão da
disciplina Estudos da Semiótica, que eu ministro dentro do curso de Comunicação Social da Universidade Anhembi
Morumbi (UAM/São Paulo), a partir dos dados de pesquisas empíricas realizadas nos EUA e Noruega sobre usuários do Facebook e redes sociais. A informações levantadas por essas pesquisas mudariam o foco da discussão: a questão não é a tradicional oposição entre os mundos real/virtual, mas a relação fetichista e de viciosidade com os gadgets tecnológicos que se inicia na própria sociedade de consumo, além da diluição das fronteiras entre a vida pública e a privada.
Falar mal das redes sociais, assim como de games de
computadores, parece ter se tornado um lugar comum, mas o diferencial dos
resultados apresentados nesse trabalho intitulado "Escola de Frankfurt e Redes Sociais" (do grupo de alunos formado por Aline Mathias, André Pinheiro, Bruno Cagide, Danilo Alves, Danilo Menezes, Karolina Garcia e Luely Vaz) é que eles se basearam em duas pesquisas
empíricas realizadas recentemente com usuários de redes sociais em várias
partes do mundo.
A primeira pesquisa foi a realizada pela Universidade de
Maryland, nos EUA, levada a cabo em 2011 a partir de um universo de mil universitários
de 37 países entre 17 e 23 anos. Os grupos em estudo foram impedidos de usar
celulares, redes sociais, internet e TV por 24 horas. Somente poderiam usar
telefone fixo e livros e tinham de manter um diário. Segundo os investigadores,
79% dos estudantes relataram sintomas análogos às síndromes de abstinência
química: desespero, “esvaziamento”, ansiedade, confusão e isolamento.
Um em cada cinco alunos relatou sentimentos de abstinência,
enquanto 11% disseram que estavam confusos ou se sentiam fracassados. Quase um
em cinco (19%) relataram sentimentos de angústia e 11% afirmaram que se sentiam
isolados. Apenas 21% admitiram que poderiam sentir os benefícios de ficar
incomunicáveis (veja: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=48447&op=all).
Proximidade entre o vício virtual das redes e os workholics da vida real |
As pesquisas
chegaram a conclusões praticamente idênticas: estão sendo criados elementos
socialmente prejudiciais característicos do narcisismo, como a ansiedade por
protagonismo e a impulso por querer se aproveitar dos demais.
No caso da
pesquisa norueguesa, mostrou-se uma proximidade entre o vício virtual das redes
e os workholics da vida real: insônia, problemas de saúde, “burnout” e stress
que acabam criando conflito com a vida familiar.
Ambiguidade e fetichismo
Esse trabalho universitário interpretou os dados das pesquisas
dentro do quadro conceitual da conhecida Escola de Frankfurt no campo das
teorias da comunicação.
O grupo encontrou
uma ambiguidade no Facebook e redes sociais: por um lado os vínculos criados
contribuem para criar a identidade do usuário frente aos outros e a simesmo
(compartilhamento de informações etc.), mas, por outro lado, pelo ponto de
vista cognitivo essa “vida eletrônica” pode substituir a vida real pela
viciosidade e compulsão.
O que mais chamou
atenção do grupo foi a relação “fetichista” dos usuários das redes sociais com
a tecnologia. Os conceitos de fetichismo da mercadoria (Marx) ou “sociedade
reificada” (Lukacs) eram entendidos pelos frankfurtianos como o momento em que
as relações humanas não são mais criadas espontaneamente, mas mediadas por
objetos, mercadorias ou, na esfera econômica, pelo capital.
“O fetichismo da mercadoria se expõe de forma que as pessoas preferem manter suas relações on line ao invés de pessoalmente, porque a facilidade e praticidade são muito maiores, fazendo com que esse serviço ou objeto se torne algo humano, pois conversamos com uma máquina acreditando estarmos conversando com nossos amigos, e ainda trazendo o pensamento de que sua amizade gira em torno de administrar sua conta no Facebook” (“Escola de Frankfurt e Redes Sociais”, p.13 UAM, 2012)
A viciosidade por gadgets tecnológicos deve ser colocado dentro da própria lógica consumista |
Portanto, o
trabalho de pesquisa do grupo da UAM sugere que os questionamentos sobre redes
sociais que partem da tradicional oposição entre real/virtual são equivocados. Pelo
contrário, as questões levantadas pelas pesquisas de Maryland e Bergen indicam uma
linha de continuidade que inicia na sociedade de consumo e incorpora as novas
tecnologias: consumimos as tecnologias virtuais da mesma forma como nos
relacionamos de forma fetichista com as mercadorias “analógicas” ou “reais”.
A discussão sobre
o vício e a compulsividade pelas redes sociais e gadgets tecnológicos deve ser
colocado dentro da própria lógica consumista dos chamados bens “reais”. Como
aponta a psicóloga Cecile Andreassen, coordenadora da pesquisa da Universidade
de Bergen, as redes sociais estão substituindo a antiga onipresença da TV,
principal instrumento da tradicional sociedade de consumo.
A falsa oposição real/virtual
Por isso, a
oposição entre real/virtual (a surrada crítica de que os amigos e
relacionamentos reais são substituídos por avatares virtuais) deve ser
substituída por outra: na verdade o mais importante é perceber como as novas
tecnologias estão diluindo as fronteiras entre as esferas públicas e privadas,
onde a identidade seria constituída a partir do vício e compulsividade por
objetos ou gadgets tecnológicos que, acreditamos, vão suprir daquilo que nos
falta: reconhecimento, amizades e realização.
O vício pelas redes: análogo à dependência química |
A relação entre o
dependente químico e tecnológico seria mais do que uma analogia, mas uma
associação concreta: assim como na droga a primeira vez “bate” muito rápido
trazendo intensa experiência de prazer criando uma memória afetiva positiva (e
o viciado buscará, de forma frustrante, repetir aquela sensação), da mesma
forma a repetição de cliques tentará reproduzir a primeira experiência afetiva
positiva de prazer, perdendo-se em um frustrante mar de links e informações
aleatórias que não se somam.
O sujeito fractal
A interpretação
do grupo de trabalho da UAM acabou coincidindo com a afirmação da psicóloga
Cecile Andreassen de que os scores mais altos na Escala Bergen são encontrados
em jovens ansiosos e socialmente inseguros
“Nos estudos da Escola de Frankfurt vimos que a desestruturação da família tradicional e o surgimento da família nuclear se reflete no Facebook: as pessoas procuram por algo inatingível, acreditam estarem felizes com uma pseudo-imagem criada a partir das páginas da web, buscam sentimentos criados pelas telas do computador e, consequentemente, acabam tendo o ego fragilizado e se tornando passíveis à manipulação” (Idem)
O que Cecile Andreassen e o
grupo da UAM dizem acabam confirmando uma intuição de Freud a respeito da
psicologia de massas: o que o homem mais teme, mais que a morte, é a solidão.
Essa ansiedade, produzida pelo medo de impotência e desamor, embotaria o pensamento
crítico diante do conformismo resultante
da ansiedade em conseguir a aprovação do outro.
É a emergência
daquilo que muitos pesquisadores da área de cibercultura entendem por “sujeito fractal”: Tal qual o fracta da geometria
(objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais
semelhantes ao objeto original), é um sujeito que se torna um nódulo que apenas
ratifica o que lhe é externo. A aparência narcísica de um ego grandioso encobre
um esvaziamento da própria subjetividade que, sitiado, adapta-se e reproduz
mimeticamente o entorno para ser reconhecido e amado. É o sujeito fractal, como
um fragmento que reproduz dentro de si, infinitamente, o padrão do todo.
No final o
Facebook seria uma “forma inteligente de manipulação, porque ninguém se sente
usado, pelo contrário, nos sentimos como colaboradores e importante por fazer
parte de algo em que outros também defendem ou aceitam da mesma forma” (Idem)
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