sábado, agosto 20, 2011

A Guinada Metafísica de Hollywood

Hollywood vem experimentando uma guinada metafísica nos últimos anos. Filmes como "Show de Truman", "Mera Coincidência", "O Quarto Poder", "Matrix", "Vanilla Sky" até o recente "A Origem", vêm apontado para uma tendência de auto-reflexão ao tomar a própria mídia e as novas tecnologias como tema, porém num sentido metafísico: e se considerarmos que a própria realidade está deixando de existir como tal? O que chamamos de realidade já teria se reduzido a uma fina interface gerada pela presença das mídias e tecnologias que a observam. Por que este tema do colapso das fronteiras entre essência e aparência, realidade e simulacro torna-se recorrente em Hollywood? 


Boris Groys (filósofo e crítico de arte alemão) acredita que o cinema mainstream hollywoodiano entrou numa fase metafísica, numa espécie de auto-reflexão. Ao contrário do cinema europeu que se preocupa com o tema do humano, demasiadamente humano, Hollywood vem recentemente tomando a própria mídia e as tecnologias de comunicação como foco. Groys salienta que esta auto-reflexão nada teria a ver com a perspectiva iluminista, isto é, a de procurar o trabalho sujo, a arte feia por trás da bela ilusão da realidade produzida tanto pelo dispositivo cinematográfico como pela sua narrativa.
“Para sabê-lo, muito mais úteis parecem ser a sociologia, a análise econômica, a análise de poder etc. Sem prejuízo do que todas essas veneráveis ciências são capazes, incorrem elas num erro fundamental. Não consideram a possibilidade de que a própria realidade, inclusive toda a sociologia, a ciência econômica etc., possa ser um filme mal produzido.”[1]
Para discutirmos os aspectos políticos ou ideológicos que permeiam o processo de representação ou esteticização da realidade no cinema temos as ciências como a Sociologia ou a Economia. Mas, e se considerarmos que a própria realidade, cercada por um ambiente altamente midiatizado pelas tecnologias de comunicação e informação, estaria se tornando, ela própria, um campo de eventos cada vez mais artificiais? 

Explicando melhor, e se a própria estrutura dos acontecimentos se tornasse cada vez mais moldada ou influenciada pela presença massiva dessas tecnologias ao ponto que os eventos progressivamente se esvaziassem em seu estatuto ontológico de fatos fechados em si mesmo, espontâneos, históricos?

E se a realidade for uma fina interface gerada
por códigos midiáticos?
Para Groys, este “erro fundamental” seria o de que as metodologias das ciências humanas ainda não perceberam esta espécie de paradoxo quântico na relação das mídias diante da própria realidade: o olhar do observador altera o transcorrer dos próprios fenômenos que ele quer observar. E se o social, o político e o econômico tiverem o seu vir-a-ser determinado pela existência das mídias que os observam? Consumindo as imagens dos eventos através das mídias ainda as tomamos pela tradicional noção ontológica de realidade, mas, ao contrário, há muito tempo deixaram de ser imagens da realidade para se tornarem cada vez mais representações de representações (simulacros) que tomamos como o próprio real. O que chamamos de realidade já teria se reduzido a uma fina interface gerada pelos códigos midiáticos.

Este questionamento, já levantado por diversos pesquisadores de diferentes matizes teóricas (tais como Jean Baudrillard e Daniel Boorstin), encontra correspondência na safra de filmes recentes de Hollywood como Show de Truman, Mera Coincidência, O Quarto Poder, Matrix, entre outros. Matrix, por exemplo, faz uma homenagem ao próprio Baudrillard em uma seqüência onde o livro “Simulacros e Simulações” (um dos principais da sua obra) serve de esconderijo para CDs com programas piratas. Mas de que maneira este questionamento teórico e epistemológico encontrou tal repercussão no cinema mainstream hollywoodiano?

Os recentes avanços tecnológicos e científicos têm levado as pessoas a questionar nossa percepção da realidade, e o cinema tem seguido esta tendência. Filmes recentes vêm explorando mundos virtuais e as falsas percepções da realidade. Autores como Eric Wilson e Jennifer Emick[2] apontam que este questionamento dentro destes filmes vem carregado de uma forte motivação transcendente ou mística que estaria na gênese de um novo gênero cinematográfico: o filme gnóstico. Uma das evidências disso é o súbito interesse de diretores de Hollywood pela obra do autodenominado escritor gnóstico Philip Dick, falecido em 1982. 


O interesse de Hollywood pela
obra do escritot de sci fi Philip K. Dick
Filmes como Minority Report (Mynority Report, 2002), Impostor( Impostor, 2002) e Vida Dupla (A Scanner Darkly, 2006) são produções baseadas nas suas obras de ficção-científica onde Dick recorrentemente aborda simbologias e visões gnósticas: a existência de um mundo artificialmente produzido, uma realidade virtual na qual os participantes não têm consciência de que são prisioneiros. A descoberta de que este mundo é falso e o despertar dele é sempre uma experiência envolta em paranóia e insights místicos de transcendência.

Poderíamos organizar uma lista bem significativa de filmes dos últimos dez anos onde os temas gnósticos estão presentes. Em Show de Truman (The Truman Show, 1998) um homem desperta dentro de um imenso reality show que julgava ser o mundo real e trava um duelo com o demiurgo (o diretor de TV Christof interpretado por Ed Harris), na busca de uma saída. O protagonista de Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001) é um homem mortos vivendo sem saber uma fantasia de vida com memórias que ele não sabe quem as criou. 

Sua redentora é ninguém mais do que sua amada Sophia (simbolismo gnóstico da Sabedoria) que constantemente o exorta: “abra seus olhos”. Ele desperta por meio de um guia que o ajuda a voltar ao mundo real por meio de um salto num abismo.

Em Matrix (Matrix, 1999) os humanos são forçados a viverem num estado de sonho para que as máquinas drenem suas energias bioelétricas. A certa altura, quando o herói Neo (Keanu Reeves) questiona do porquê o mundo virtualmente criado para aprisionar os humanos não ser perfeito. O agente Smith (computacionalmente gerado) responde que se a Matrix fosse um mundo sem sofrimento, os humanos poderiam despertar rapidamente do sonho. Então, melhor seria mantê-los em um constante estado de conflito e tensão. Esta idéia aproxima-se da velha crença gnóstica de que as almas humanas estão aprisionadas na Terra para que a nossa energia psíquica seja consumida nos conflitos do dia-a-dia esquecendo-nos, dessa forma, de despertar. Um a horda idêntica de “agentes”, os Arcontes, espécie de anjos do mal enviados pelo Demiurgo (o arquiteto deste mundo-prisão), vigiam e cuidam para nos manterem contidos neste mundo através das tentações, medo e ignorância propositalmente alimentados.

Em 13º Andar (Thirteenth Floor, 1999)  programadores de jogos em realidade virtual estão preocupados com o fato de que seus personagens estão assumindo uma forma de existência autônoma. No curso das investigações descobrem horrorizados de que são, na verdade, seus próprios avatares que tomam a sua existência virtual como real, e eles não passariam de criadores imperfeitos vivendo num outro universo virtual que tomam também como realidade. A partir daí o filme incorre numa espécie de regressão infinita (característica narrativa do gênero gnóstico). Dentro da narrativa teológica gnóstica, o Demiurgo acredita também ser a única realidade existente e a sua criação, o mundo material, que toma como obra perfeita e acabada, não passa de projeção espúria da Pleroma.

Todos esses filmes exploram o gnosticismo em diversas maneiras, mas a mensagem que os sobre determina é: Acorde! Há um mundo maior para além desta realidade artificial e imperfeita. Este tema gnóstico da imperfeição e artificialismo da realidade surpreendentemente encontra paralelo na discussão em torno do conceito de simulação empreendido pelos teóricos “pós-modernos” Boorstin e Baudrillard, para ficarmos apenas nesses dois autores. Cada um a sua maneira vai propor que a simulação é o componente constitutivo da realidade atual, cercada de sofisticadas tecnologias de comunicação e informação. 

Baudrillard e Boorstin gnósticos

“O mundo não é dialético, ele tende para extremos, não para equilíbrio, tende para o antagonismo radical. Esse é também o princípio do Mal.”[3] 
O Baudrillard gnóstico
É evidente a lógica do gnóstico Mani no pensamento pós-marxista de Baudrillard: tal como o professor Mani acreditava numa dualidade cosmológica na batalha entre Luzes e Trevas, Baudrillard crê na sedução da realidade pela simulação.
“Para mim a realidade do mundo foi seduzida, e isso  é o que é fundamentalmente maniqueísta em meu trabalho. Tal como os Maniqueos, não acredito na possibilidade de conhecer o mundo através de algum princípio racional ou materialista  – daí a diferença entre o meu trabalho e o processo de evocar a dúvida radical em Descartes”[4]
Nesta batalha cosmológica o homem primordial teria sido aprisionado pelas Trevas. Ao criar a Razão e a Realidade, o Demiurgo teria seduzido a ambos pela ilusão, tornando o homem incapaz de conhecer a verdade através da realidade ou pela Razão. Em Baudrillard esta ilusão é a simulação, presente desde a Metafísica grega (a “simulação original”) até o hiperrealismo produzido pelos códigos das mídias.

Show de Truman dramaticamente nos apresenta esta cosmologia Maniqueísta: a luta entre Trevas e Luz e a sedução da realidade pela simulação. Christoff, o produtor de TV, é o demiurgo. Ele cria um imenso estúdio em forma de domo onde as condições meteorológicas são controladas por computadores, tudo sob um céu falso, um pequeno mar simulando oceano, e uma cidade ficcional chamada Seaheaven habitada por atores que representam scripts pré-determinados. Ele necessita criar um simulacro da realidade para realizar seu sonho: tomar uma criança (Truman Burbank) desde o nascimento, colocá-la em um ambiente simulado e acompanhar com as câmeras o seu crescimento em cada ação, até tornar-se homem (o simbolismo do aprisionamento de Adão no Paraíso engendrado pelo deus-demiurgo). Truman e os espectadores são seduzidos pela hiperrealidade do programa televisivo.

Seaheaven remete às discussões de Baudrillard sobre o destino do real diante das suas contrafações: a cidade do reality show não é uma réplica ou um microcosmo das cidades fora do domo. Ela é uma cópia da cópia, ou seja, uma reprodução das cidades “normais” dos filmes publicitários que, por sua vez, já são simulacros dos cenários urbanos reais: cada café da manhã de Truman remete ao imaginário clichê dos comerciais de produtos matinais, as fachadas das residências remetem às casas de subúrbio americanas presentes em qualquer comercial de sabão em pó com donas-de-casa atarefadas e felizes, o céu de Seaheaven caracterizado por um saturado azul catódico de tela de TV, etc.

Para os gnósticos Basilides e Valentim o homem busca em vão a verdade na realidade. Através da Razão, palavras e demais ferramentas do conhecimento o homem acredita poder conhecer o objeto mas, na verdade, apenas refletiria por meio destes instrumentos o profundo erro de uma realidade mal produzida pelo Demiurgo. O homem pensa resgatar no real as fagulhas de luz que o reconduziria à Pleroma, mas apenas encontra o vazio. Em Baudrillard, o atual regime de imagens organizado em torno das mídias é mais um instrumento da Razão através do qual o homem pensa ter uma visão transparente da verdade e do real. Mas apenas encontra uma sala de espelhos que se refletem mutuamente, cópias da cópia. Desde a metafísica grega até as modernas mídias, a linguagem nada mais faria do que simular uma realidade.

Em Mad City este jogo de espelhos entre mídia e realidade é tematizado por Costa Gravas de forma contundente. Travolta faz um guarda de um museu (Sam Bailey) que passa por dificuldades financeiras. Demitido pela sua administradora (Mrs. Banks), Sam desespera-se em perder todos os benefícios trabalhistas e retorna ao museu determinado em reaver o seu emprego. Dentro de uma sacola carrega armas e explosivos para, ingenuamente, “convencer” Mrs. Banks a recontratá-lo. Sam perde o controle da situação, obrigando a pegar todos que estavam no interior do museu como reféns para negociar com a polícia que cerca o local. Dentre os reféns está Dustin Hofman (Max Breckett) que faz um repórter decadente que vê naquela situação uma forma de cobrir um evento que tenha repercussão nacional. A cobertura do fato pelo repórter que está no interior do museu junto com os demais reféns cria uma situação de múltiplos reflexos entre o fato e a mídia: as câmeras refletem a realidade espontânea dos fatos ou o próprio desenrolar dos acontecimentos são contaminados pela presença do aparato de cobertura televisiva? A certa altura Max Breckett é orientado a impedir que Sam se entregue de imediato à polícia para que a cobertura do evento alcançasse altos índices de audiência nacional no horário nobre. “Não se preocupem. Com Max em campo a história nunca termina”, afirma o âncora-estrela do telejornal Kevin Hollander. Eis o paradoxo quântico, simbolizado numa seqüência do filme onde a vidraça do museu reflete a chegada do furgão da estação de TV local: quem reflete o quê?

Se em Baudrillard, os pressupostos da sua crítica são explicitamente fundamentados numa cosmologia gnóstica, o mesmo não ocorre com o historiador conservador cristão Boorstin. Jamais poderíamos afirmar que as teses do primeiro teórico da simulação na cultura midiática contemporânea baseiam-se em uma visão gnóstica. Porém, o conceito de pseudo-evento involuntariamente reflete uma sensibilidade atual que tem origem nas chamadas ciências exatas e contamina o cotidiano. A sedução da realidade pela ficção tal qual descrita por Boorstin representa esta desconfiança: e se passarmos a crer que os fatos só aconteceram porque foram reportados pela TV? E se uma paisagem só existir se for registrada numa fotografia? E se uma pessoa só passa a existir quando tornar-se imagem ou celebridade?

Daniel Boorstin: o primeiro teórico da simulação
É possível alguma coisa existir REALMENTE se não foi captada, registrada, vista e ouvida através de alguma mídia? 

Isso lembra a antiga questão a respeito de o som de uma árvore que tomba na floresta existir quando não há ninguém para ouvir ou não. Muitos físicos quânticos afirmariam que não existe nenhum som se não há ninguém para observar. E talvez não exista nem mesmo árvore ou floresta! É a chamada realidade holográfica, conceito presente nas discussões da física quântica, uma das portas de entrada do gnosticismo na ciência no século XX. A luz é um padrão de onda até ser observada, para então se transformar em partículas. Ou seja, ao ser percebida, muda de forma. Esta incerteza a respeito do estatuto ontológico da realidade contamina a sensibilidade da própria sociedade.

Profeticamente, Boorstin em seu livro “The Image – A Guide de Pseudo-Events in America” coloca a seguinte epígrafe que sintetiza esta desconfiança radical em relação à solidez da percepção da realidade:
“Amiga admirada:
‘Oh! Que belo bebê você tem!’
Mãe:
‘Oh, isso não é nada – você ainda não viu sua fotografia!’ [5]
A ascensão da Publicidade e das Relações Públicas e o predomínio das imagens como fator de cristalização da opinião pública ajudam a implantar esta instabilidade perceptiva a cerca da realidade. A própria solução de problemas reais somente pode ser buscada por meio de “estratégias indiretas”, ou seja, uma espécie de solução simbólica por meio de imagens, sem intervir diretamente no mundo real. Boorstin dá o exemplo do proprietário de um hotel decadente:
“Os proprietários de um hotel, em um exemplo oferecido por Edward L. Bernays em seu livro pioneiro Crystallizing Public Opinion (1923), consulta um conselho de relações públicas. Eles perguntam como melhorar o prestígio do hotel e incrementar os seus negócios. Em tempos menos sofisticados, a resposta poderia ser contratar um novo chefe de cozinha, melhorar o encanamento, pintar os quartos, ou instalar um lustre cristalino no saguão de entrada. A técnica do conselho de relações públicas é mais indireta. Eles propõem a supervisão de uma celebração do trigésimo aniversário do hotel. Um comitê é formado, incluindo proeminentes banqueiros, a matrona líder da alta sociedade, um advogado famoso, um pastor influente e um ‘evento’ é planejado (digo, um banquete) para chamar a atenção dos distintos serviços oferecidos pelo hotel à comunidade. A celebração é realizada, são tiradas fotos, a ocasião é amplamente informada e o objetivo é alcançado. Esta ocasião é um pseudo-evento e ilustra todas as suas características.
Essa celebração, como nós podemos ver, é algo – mas não inteiramente – ilusório. Presumivelmente, o conselho de relações públicas não poderia formar um comitê de cidadãos proeminentes se o hotel não estivesse prestando bons serviços à comunidade. Por outro lado, se os serviços do hotel tivessem tal importância, a instigação feita pelo conselho de relações públicas não seria necessária. (...) É óbvio, também, que o valor de tal celebração para os proprietários está em ser fotografado e reportado em jornais diários, magazines, cine-jornais, rádio e televisão. É esta cobertura da mídia que dá ao evento o impacto nas mentes de clientes potenciais”[6]
A imagem precede o real, inversão radical. O filme Mera Coincidência (Wag the Dog, 1997) apresenta este fato antecipado por Boorstin. Envolvido em um escândalo sexual, o presidente dos EUA necessita de uma estratégia diversionista para enfrentar a cobertura extensiva da mídia. Conrad Brean (Robert De Niro), um spin-doctor de Washington, é convocado para gerenciar a crise. Ele trás o produtor de Hollywood Stanley Motts (Dustin Hoffman) para, a partir de técnicas cinematográficas e do showbizz, simular uma guerra dos EUA contra a Albânia e tornar o presidente, de sujeito de abuso sexual em pleno Salão Oval a paladino da luta pela liberdade (“Por quê Albânia? Porque nenhum americano sabe onde fica este país”, afirma Stanley ao ser questionado por Conrad). A solução não é lidar com a realidade, mas evitá-la, simulando uma contrafação do real.

Mas, e se os próprios fatos do mundo político, econômico ou social ambicionarem se tornar pseudo-eventos como estratégia para atrair a atenção dos holofotes da mídia, garantindo a promoção ao status de “realidade” diante da opinião pública? Daí terá a realidade como um filme mal produzido, estruturado pela linguagem do cinema, TV e pelas estratégias do showbizz. O simulacro se apossa do real. Tais como concebidos por Baudrillard, esses “não-acontecimentos” irão impedir o conhecimento sobre a realidade:
“Um demônio seduziu Razão e Realidade ao criá-las, tornando-as irreconciliáveis e assim rendendo-nos à incapacidade de conhecer a verdade sobre a realidade. Ao contrário, experimentamos a ilusão ou um jogo de realidade entre nossa racionalidade imperfeita e  o mistério do mundo mediado pela consciência. Aqui, a realidade mediada pelo pensamento e linguagem surge da sedução original, incitada pela vertigem da simulação que é verdadeiramente diabólica”[7]

Conclusão

Fica evidente que esta safra de filmes não empreende uma crítica política ou ideológica sobre a “realidade”. Não estamos aqui mais no campo do filme político onde a denuncia da dissimulação ou da manipulação da realidade é o grande tema. A guinada está na nova abordagem sobre a questão da simulação da realidade, sejam em filmes com um “sabor” gnóstico (O Quarto Poder ou Mera Coincidência) onde o artificialismo da realidade é apresentado de forma mais direta; sejam em filmes explicitamente gnósticos (Show de Truman, Matrix), onde a simulação do real é apresentada com explícitos simbolismos místicos ou metafísicos.

A primeira percepção da artificialidade do real vem com o trabalho seminal de Daniel Boorstin em 1961 com o seu diagnóstico dos pseudo-eventos como fenômeno central da cultura norte-americana. Baudrillard, informado pela tradição filosófica gnóstica principalmente de Basilides e Mani, empreende a crítica mais radical do que seu antecessor ao ver o real, desde o seu início, já seduzido pela ilusão, inviabilizando, desde o ponto de partida, qualquer possibilidade de crítica político-ideológica que pudesse retirar o véu da ilusão. Surpreendentemente, esse tema com fortes conotações metafísicas passa a ser um tema recorrente de filmes hollywoodiano.

“Hollywood torna-se Gnóstica”[8], como afirma categoricamente Jennifer Emick. Esta guinada metafísica ocorre num momento crucial de crise das fronteiras tradicionais sobre as quais se ergueu toda a Epistemologia, Ciência e Filosofia ocidentais: a distinção entre ilusão e realidade, aparência e essência, verdade e mentira. A percepção dessas diferenças torna-se instável com as novas tecnologias de comunicação e informação. Se esta crise torna-se o tema comum neste grupo de filmes analisado no presente trabalho resta uma questão: o público entenderá essa mensagem?

 Notas



[1] GROYS, Boris, “A Guinada Metafísica de Hollywwod”. Mais, Folha de São Paulo, 03/06/2001.
[2] WILSON, Eric G., Secret Cinema: gnostic vision in film, New York, Continuum, 2006; EMICK, Jennifer, “Hollywood Goes Gnostic?” In: http://altreligion.about.com/library/weekly/aa072302a.htm acessado em 03/12/2007.
[3] BAUDRILLARD, Jean. Las Estrategias Fatales. Barcelona : Editorial Anagrama, 1983, p.5.
[4] Idem. The Evil Demon of Images. Sydney: Power Publications, 1987, p.46.
[5] BOORSTIN, Daniel. Op. Cit. p. 7.
[6] BOORSTIN, Daniel, IDEM pp. 7-8.
[7] SMITH, Jonathan. “The Gnostic Baudrillard: A Philosophy of Terrorism Seeking Pure Appearance” In: International Journal of Baudrillard Studies. RMIT University, Melbourne. Volume 1 No2, julho de 2004,
[8] EMICK, Jennifer. Op. Cit.

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