quinta-feira, agosto 04, 2011

A Celebração da Velocidade e a Politização do Tempo

Ironicamente a nosso indignação moral diante das mortes no trânsito corresponde à moralização que a cultura atual faz da velocidade: ser veloz é moralmente bom, como nos informa diariamente o discurso publicitário de produtos e marcas. Através da moralização da velocidade e da glamorização da lei do menor esforço, a obsessão pelo "maior é melhor" é substituída pela compulsão do "mais rápido é melhor“.
“Quicklube”, “Quick Cash”, “American Express”, “Federal Express”, “Mach 3”, “Slimfast”, “Speedo”, “Speed Dial”, “Instant Credit”. “Entregamos em 20 minutos ou você não precisa pagar por ele”. “Você precisa agir AGORA!”. “Você será aprovado em menos de 2 minutos”. “Corra! Restam alguns dias. Acabarão muito em breve!”
Sob esse regime da velocidade explicitado pelas mensagens publicitárias e da construção da imagem das marcas, ser veloz é moralmente bom. Em postagem anterior quando discutíamos sobre os atropelamentos de ciclistas na cidade de São Paulo (veja links abaixo), afirmávamos que era necessário politizar o tempo através da crítica à moralização da velocidade. De nada adiantam medidas de contenção do fluxo acelerado urbano (multas, câmeras, radares, leis etc) se testemunhamos o crescimento do regime da velocidade por meio da sua celebração e glamorização.
Onde Guy Debord via a “sociedade do espetáculo”, Paul Virilio (urbanista e pensador francês) via uma sociedade dominada pelo novo regime da velocidade. Nesta abordagem, velocidade é um meio ambiente e uma força sócio-psicológica que transformam o quê fazemos, como o fazemos, como nós pensamos e sentimos e, assim, como nos tornamos.
Os estados velozes se tornam o significante do desejo, capacidade, superioridade, eficiência, energia libidinal, performance e inteligência. Ao contrário, lentidão torna-se o significante da frustração, falta, inferioridade, deficiência, impotência, fraqueza, ou ainda – pensando em termos infantis – retardamento mental.

Velocidade se torna um novo imperativo cultural, disciplina, forma de dependência e submissão. Virilio também vê a velocidade como uma força psicológica e social ou uma pressão que altera a visão de mundo, desorienta-nos, deixa-nos num estado de concussão mental e promove uma profunda crise que afeta nossas relações com o mundo, sociedade e democracia. Para ele, a natureza não é apenas destruída por uma poluição química ou térmica mas também por uma poluição dromosférica – uma invisível poluição através da velocidade (veja VIRILIO, Paul. “Velocidade e Política”)
Para o geógrafo britânico David Harvey, o efeito primário dessa aceleração geral é notado na nova ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade (instantâneos e fast-foods, refeições e outras satisfações) e da descartabilidade (sociedade do desperdício) ... Isso significa muito mais do que jogar fora bens produzidos (criando um monumental problema da coleta de lixo), mas também significa a criação de valores descartáveis, estilos de vida, relações estáveis e associações com coisas, construções, lugares, pessoas e maneiras aceitas de fazer e ser ... indivíduos são forçados a lidar com descartabilidade, novidade e possibilidades com obsolescência instantânea ... isso implica em profundas mudanças na psicologia humana.
Com o incremento da velocidade de locomoção, temos cada vez menos espaço para mover-nos; com a aceleração da velocidade da informação e telepresença, temos menos distância mental-emocional – menos tempo para refletir, menos atraso entre interpelação, interpretação, seleção e consumo. Assim como telefones substituem cartas e contatos face-a-face, telas de computadores substituem livros, imagem suplanta a linguagem e notícias substituem a História.
Como um anúncio comercial da TV Fox News clamava, “Se às 10 horas é notícia, às 11 horas foi História” (com uma entonação estressada na palavra “História”).
A Sociedade do Espetáculo foi substituída
pelo "regime da velocidade"
Sob o regime da velocidade, o “Grande Confinamento” ao qual Foulcault se referia não mais tem a ver com práticas coercitivas de controle e constrangimento individual  por trás de muros de tijolos das instituições totais. Particularmente, a velocidade acelerada da vida cotidiana termina por nos confinar naquilo que Rifkin chamava de “gueto temporal” – um espaço físico, social e mental que se torna progressivamente estreito nos termos de seus limites espaciais, imediatista em termos de suas necessidades temporais e exaustivo em termos da energia emocional e mental que exige (veja RFKIN, J. Time wars: The primary conflict in human history. New York: Henry and Holt, 1987).
Sob estas condições de aceleração, a grande recusa, o grande NÃO, foi derrotada pelo grande AGORA! Cada desejo e urgência devem ser preenchidos imediatamente pelo tempo real e limitações espaciais se tornam cada vez mais tomadas como experiências sem sentido e intoleráveis. Como um slogan comercial produzido pela empresa de telecomunicações norte-americana Sprint (o nome da companhia já é significativo) coloca: “Esteja lá agora! – mas é especialmente difícil de distinguir se este slogan é uma promessa ou uma ordem.
Comerciais e Senso Comum
A constante exposição e celebração da velocidade na mídia de massa, a constante associação da velocidade com a variedade de mercadorias promove o desejo por estas mercadorias enquanto, ao mesmo tempo, celebra e normatiza a velocidade.
Por exemplo, cereais matinais não têm nenhuma ligação com velocidade, mas quando comerciais repetidamente justapõem imagens de cereais com imagens de crianças alegremente correndo em volta da cozinha, uma conexão é criada entre esses significantes: cereais, alegria e velocidade. Tal relação, simultaneamente, salienta e normaliza a inter-relação e desejo.
Quando contabilizamos o número de comerciais que desenvolvem a mesma estratégia e relacionam velocidade com uma infinita ordem de mercadorias (de laxantes a lipoaspirações), o desejo por velocidade se torna crível, evidente por si mesmo, reestruturando nosso senso comum. Simultaneamente, essas mercadorias e práticas derivadas tornam-se veículos de certos significados sobre a velocidade, certas expectativas e certos critérios através dos quais avaliamos a nós mesmos e aos outros. Através de penetrantes imagens de diversão, aventura, lazer, performance e prazer a velocidade se insinua como necessária para a vida cotidiana.
Em um grande número de comerciais parece que a obsessão fálica pelo “maior é melhor” é progressivamente substituída pela compulsão do “mais rápido é melhor”. No mundo dos comerciais televisivos, muito mais do que tamanho, velocidade é agora representada como a fonte essencial de prazer e a vida cotidiana passa a ser orquestrada pela lógica da velocidade como algo inerentemente satisfatória, poderosa e irresistível – no sentido de ser sedutora e ao mesmo tempo de ser impossível opor qualquer resistência contra ela.
Nesta terra de fantasias prazerosas, nunca há filas nos caixas de supermercados, carros disparam ao longo de auto-estradas vazias produzindo instantes de liberdade, olhares ansiosos de uma mãe transformam vegetais crus em deliciosas refeições, cabelos crescem e avolumam-se sob olhares atentos, uma mancha de ketchup numa camisa favorita se decompõe imediatamente com uma gota de detergente, limo nos azulejos do banheiro se liquefazem e desaparecem com apenas um spray, pastas de dentes embranquecem o amarelado dos dentes num contato, todo medicamento cura instantaneamente, um EU totalmente novo está a apenas uma simples ligação telefônica.
Mas também a velocidade é apresentada como irresistível também em termos de superação a qualquer resistência contra ela. Dessa maneira, enquanto muitos comerciais inscrevem a velocidade como puro prazer, outros reconhecem que a vida cotidiana realmente, e sempre infelizmente, revela um ritmo estonteante. Ainda, enquanto algumas vezes deploram a aceleração, comerciais também tacitamente comunicam esta nova inevitável condição. Raramente sugerem que podemos resistir à velocidade ou talvez desacelerar um pouco. Convocam-nos a adaptarmos ao novo regime, a seguir a corrente e para ficarmos agradecidos por todas as mercadorias que ajuda-nos a performar a total capacidade. Seja pelo prazer ou por necessidade, no regime da velocidade rapidez é boa. O agradável é ser rápido e você dever ser rápido para o seu próprio bem.
Ou ainda a desaceleração é transformada em símbolo de status como no filme publicitário do banco Santander onde se você for cliente especial “Van Gogh” terá “mais tempo para ser” graças a um gerente disponível até à meia-noite. Resignadamente, aceitamos, nas entrelinhas do discurso, que para “ser” antes de mais nada é necessário “ter” dinheiro para ser cliente especial. Ou seja, é necessário ter, antes, corrido muito atrás do dinheiro!
Velocidade no discurso publicitário
Nível pictórico
No nível pictórico, anúncios comerciais desenvolvem diferentes estratégias fílmicas e efeitos visiuais onde efetivamente apresentam a velocidade como normal e desejável.  Incluem a apresentação de: 


(1) objetos movendo-se rapidamente, humanos e outras entidades os quais naturalmente associamos com velocidade (corredores, trem, carros, aviões, tigres, barcos, cavalos selvagens);
(2) fragmentos de imagens de objetos, paisagens, pessoas e outros seres movendo-se mais rápido do que a velocidade normal;
(3) rápida mudança de ângulos forçando o espectador a rapidamente e mentalmente trocar entre várias posições espaciais;
(4) sobrevoos rápidos por áreas, pessoas, paisagens evocando um rápido movimento ocular e físico;
(5) manchas em movimento rápido, traços, figuras voando e outros efeitos visuais conotando velocidade;
(6) gestos faciais e linguagem corporal denotando prazer, satisfação e bem-estar ao experimentar a velocidade como oposta ao desconforto, frustração e ansiedade experimentados pela lentidão.
O uso frequente destas técnicas para descrever mercadorias, relações sociais e processos psicológicos normatizam e celebram a experiência do ritmo acelerado do dia-a-dia. Tais técnicas podem também tacitamente legitimar a ideia de que não somos irracionais quando esperamos que os objetos, transações e processos diários procedam a uma velocidade comparável a aquela que propulsiona o mundo dos anúncios da TV.
Nível Textual
(a) O nome das marcas
Um primeiro e óbvio dispositivo linguístico consiste na verbalização do nome do produto – nomes que ao mesmo tempo denotam e conotam velocidade. Quando cantado como um mantra, repetido como um slogan político e anunciado com um tom de aprovação, alívio e entusiasmo, esses nomes simultaneamente conduzem o desejo por velocidade e pelos produtos por eles designados. Exemplos familiares incluem: Slim Fast, Boost, Raid, Federal Express, Minute Maid, Minute Rice, Mach3, Sprint, QuickLube, Rapid Refund, Speedo, Speed Stick, etc. Dessa maneira, sem ter que dar grandes explicações sobre o desejo por velocidade, as próprias marcas registradas dos produtos celebram a velocidade e as companhias que entregam essas mercadorias.
(b) Prometendo associações
Uma segunda estratégia textual consiste  em simples enunciados que simultaneamente:

(1) inscrevem a velocidade como uma importante qualidade e fonte valiosa, 


(2) associam velocidade com outros qualidades valorizadas (eficiência, popularidade, competitividade, performance, competência, respeito) e 


(3) prometem que ao consumir certo produto teremos acesso à velocidade e às qualidades associadas a ela. Alguns típicos exemplos incluem: “Jeito rápido para curar sintomas”, “Jeito rápido para cair no sono”, “Alívio rápido para o problemas de gases”, “Remova suas rugas em apenas 12 semanas. Isso é uma promessa”, “Você pode se graduar em menos tempo do que você pensa”, “Aprovado em menos de 2 minutos”, “Seja uma pessoa que você sempre quis ser: agora”, “Resultados rápidos com os Vigilantes do Peso”, “Um passo e você já fez”, “Campeão instantâneo”, “Nada funciona mais rápido”, “Alívio da constipação à noite inteira”, “Jantar em apenas 5 minutos”. 


Em todos esses casos, os enunciados sugerem que os produtos irão satisfazer rapidamente, e que essa gratificação se traduzirá em qualidades desejáveis – popularidade, beleza, aprovação, juventude, paz de espírito, excitação, etc. Embora não problemático, os enunciados cada vez mais estabelecem a curiosa ideia que soluções rápidas para toda uma gama de problemas são as melhores. Raramente ouve-se a ideia de que alguns problemas simplesmente não podem ser resolvidos rapidamente, e que tentativas do uso da velocidade podem intensificá-los.
(c) Comandando
 “Venha agora!” “Ligue agora!” “Não se atrase!”, “Ligue hoje!”, “Não espere!”. A terceira estratégia textual consiste em injunções ou ordens diretas. Tais enunciados não buscam explicação, promessa ou justificativa. Eles simplesmente nos ordenam a agir rápido, apressadamente ou de preferência agora. Essas ordens são comunicadas através de várias formas paralinguísticas: de uma suave, sensual e sedutora voz feminina sussurrando “Corra para a liquidação anual da Victoria’s Secret’s” até o berro “Ligue agora!” tudo nos ordena a correr sem atraso. Diferente da estratégia anterior que procura nos convencer que uma mercadoria irá dar acesso à velocidade e ou a qualidades desejáveis conotadas por ela, aqui há uma total ausência de justificativas ou explicações que normatizem o desejo e importância da velocidade.

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review