terça-feira, agosto 03, 2010

Morte e Ressurreição em "Riverworld"

Apesar dos evidentes problemas de produção e roteiro, ao lidar com clássicos elementos da simbologia gnóstica Riverworld (piloto de uma possível série) torna-se um candidato a sucessor da série Lost. Morte/ressurreição é o tema central, acompanhado do simbolismo gnóstico de Sophia e na cisão cabala/alquimia na busca pela saída do pesadelo que representa o mundo de Riverworld.

Exibido pelo SciFi Channel, Riverworld é a adaptação, por Robert Hewitt Wolfe (Star Trek: Deep Space 9, Andromeda e The Dresden Files) de uma série de livros de ficção científica escritos por Phillip José Farmer. A história gira em torno de um jornalista fotográfico, Matt, e sua namorada Jessie. Após morrerem em um atentado terrorista numa casa noturna são transportados para o mundo misterioso de Riverworld, local para o qual as pessoas que já viveram na Terra são levados, em uma espécie de ressurreição.

Em Riverworld as pessoas acordam mais jovens e livres de qualquer doença ou problemas genéticos. Sem envelhecer, elas são capazes de se regenerar. Lá estão as almas de todos aqueles que um dia já passaram pela Terra em toda a História. Um lugar que é uma espécie de segunda chance ou talvez uma espécie de purgatório.

Em Riverworld encontramos desde anônimos até grandes personagens históricos que cruzam o caminho do protagonista Matt, tais como o escritor e romancista norte-americano Mark Twain ou o conquistador e explorador espanhol Francisco Pizarro. Ao despartarem nesse mundo (as pessoas acordam submersas e desorientadas num rio para emergirem e nadarem até às margens), veem-se, involuntariamente, no meio de uma guerra travada por dois grupos de seres: os chamados “Salvacionistas” que querem destruir aquele mundo e libertar todas as almas, e o outro grupo que quer manter o status quo. Com seus poderes, esses seres (com rostos azuis em trajes de monge) interferem no curso dos acontecimentos, criando uma espécie de jogo de xadrez.

Como afirma Jeff Kripal (professor de Estudos da Religião da Rice University, Houston Texas), os comic books e livros de ficção científica se tornaram os evangelhos pós-modernos do Gnosticismo (sobre isso clique aqui e leia "The Postmodern Gnosticism & Gnosis" do Aeon Byte Gnostic Radio).

Descontando os flagrantes problemas de roteiro e produção (produção de baixo orçamento, muitos diálogos clichês e desnecessários, narração em vários momentos arrastada etc.), a estória de Riverworld é repleta de clássicos elementos míticos do Gnosticismo.

Para começar, a natureza ambígua do local onde acontece a narrativa (Riverworld) é ambígua: será um purgatório de almas? Um outro planeta? Almas humanas aprisionadas por ETs? Ou um simples pesadelo coletivo? Essa ambiguidade dá à estória um caráter de fábula, uma fábula gnóstica sobre o homem aprisionado num cosmos, servindo de joguete numa batalha entre deuses que não o amam. Onde nem a morte é saída. Após morrer, quase que imediatamente é ressuscitado para retornar ao jogo.

Vemos, então, após a morte ou um suicídio desesperado de alguém (falam em “suicídio express”), uma vasta região onde corpos em estado de dormência são mantidos como que depositados (visual que lembra Matrix) para serem despertados pelos seres que governam Riverworld, de acordo com suas conveniências táticas no jogo.

Talvez esse seja o tema mítico gnóstico principal explorado pelo filme: a visão desesperançada da morte e da reencarnação. Como já discutimos em postagem anterior, o Gnosticismo vê a reencarnação como uma perversa estratégia do Demiurgo para manter a humanidade aprisionada num círculo infinito. Na morte/reencarnação não há evolução, aprendizado. Há esquecimento, condenado a recomeçar sempre do zero.

Mas em Riverworld, esse mito gnóstico da reencarnação como prisão é levado ao paroxismo e desespero. Sthephen King em um dos seus livros de suspense e terror dizia que o inferno é a repetição. Pois bem, é exatamente isso que temos no filme: não há, pelo menos, a ilusão de recomeçar, a esperança de um novo dia. Todos são ressuscitados para recomeçarem do ponto em que morreram. O jogo não tem fim.

No gnóstico filme de Alex Proyas, Cidade das Sombras (Dark City), esse mesmo tema foi explorado: ETs que aprisionam seres humanos em uma cidade fake para, a cada meia-noite, serem colocados em estado de dormência para que as identidades sejam trocadas, com o objetivo de encontrar a essência humana no transitório.

Na mitologia gnóstica, um personagem feminino é de vital importância na trajetória humana no cosmos hostil: Sophia. Um dos mais importantes aeons na mitologia gnóstica essa personagem é explorada nos filmes gnósticos em três aspectos: como aquela que decaiu sob o jugo do Demiurgo, como aquela que desperta no protagonista a necessidade da gnose e como aquela que, secretamente, doa seu amor e sabedoria aos homens ao contribuir com importantes padrões arquetípicos à Criação.

Em Riverworld a personagem Jessie é aquela que motiva Matt a seguir em frente e lutar naquele mundo estranho. A personagem cumpre os dois primeiros aspectos enumerados acima: ela cai sob o jugo do “vilão” Burton (torna-se sua namorada, após perder as esperanças de encontrar Matt), que quer, a todo custo, mandar pelos ares aquele mundo através de uma bomba com potencia nuclear. Mas a busca de Matt por Jessie é a chave para a compreensão da natureza daquele mundo. Simbolicamente, fará o protagonista ir ao encontro da “nascente” do rio cujas almas vivem aprisionadas às suas margens.

Por fim, a ambiguidade do personagem Burton. Aparentemente é o “vilão” (utiliza-se de métodos violentos para conseguir seu objetivo), mas, no final, ele pretende destruir aquele mundo para libertar todas as almas humanas aprisionadas. Explodir tudo por meio de uma espécie de bomba atômica não parece ser a melhor das soluções: ele, na verdade, pretende um “suicídio express” final, sem volta, rompendo com o inferno da repetição. É a proposta de um gnosticismo cabalístico: transcender a alma pela aniquilação da matéria, sem redimi-la.

Todo gnosticismo nutre um ódio pela matéria, ao vê-la como uma prisão criada pelo Demiurgo para aprisionar a Luz. Porém, a forma de trasncendê-la é controversa: de um lado o gnosticismo cabalístico (um atalho rápido para a fuga do espírito) e, do outro, o gnosticismo alquímico (a transcendência somente é possível após redimir a matéria, isto é, resgatar nela os elementos sagrados que auxiliem a gnose).

Riverworld, ao lidar com todos esses simbolismos gnósticos, lembra essa dicotomia cabala/alquimia ao opor os personagens Matt/Burton: o primeiro quer resgatar Jessie/Sophia daquele cosmos. O segundo, só quer mandar tudo pelos ares.

Ficha Técnica:
  • Filme: Riverworld
  • Diretor: Stuart Gillard
  • Escritor: Phillip Jose farmer (livro) e Robert Wolfe e Randall Badat (roteiro)
  • Gênero: Drama/Sci-Fi
  • Elenco: Tahmoh Penikett, Mark Deklin, Peter Wingfield, Jeananne Goossen.
  • Ano: 2010
  • Produção: Reunion Pictures, Riverworld Productions
  • Distribuição: SyFy TV
  • País: EUA

Trailer Riverworld


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