quarta-feira, setembro 28, 2022

Filme 'A Mulher Rei' é a 'smoking gun' da Era Joe Biden


Sempre soubemos que Hollywood é o braço ideológico do império americano. Principalmente quando suas produções entram no terreno da História: começam a torcer os fatos para que se transformem em contos morais que justifiquem as agendas políticas do presente. O filme “A Mulher Rei” (The Woman King, 2022) é o mais novo exemplo, mas com uma torção histórica tão exagerada que virou a verdadeira “smoking gun” (objeto ou fato que serve como prova conclusiva de um crime) da propaganda política da Era Joe Biden – que acabou gerando um crescente movimento de boicote ao filme nos EUA: “#BoycottWomanKing”. O filme transforma o Reino de Daomé e seu exército de amazonas “Agojies” em um libelo do empoderamento feminino e da luta racial (historicamente, a violenta economia de Daomé era baseada na captura e comercialização de escravos para o tráfico europeu). “A Mulher Rei” é uma peça de propaganda dos chamados “Novos Democratas”, cujo apoio aos movimentos identitários serve para “colorir” a geopolítica do “Big Stick” ("Grande Porrete"), vigente desde a Era Roosevelt. 

 

Se havia alguma dúvida de que, ao longo do século passado, Hollywood se tornou o braço ideologicamente armado do governo dos EUA, isso acabou quando o filme Argo (uma reconstituição dos eventos em torno do resgate de diplomatas norte-americanos reféns na Revolução Islâmica de 1979) ganhou o Oscar com anúncio através de link ao vivo de Michelle Obama: ela abriu o envelope da premiação, diretamente da Casa Branca. 

    Faltava a “smoking gun” hollywoodiana da Era Joe Biden, como foi Argo para a Era Obama. E A Mulher Rei (The Woman King, 2022) é esse filme. Para começar, no poster promocional: a protagonista soldada, mulher negra empoderada, repousando um pesado facão no ombro. Lembrando simbolicamente um grande porrete (o “Big Stick”) nome dado à política externa do presidente Theodore Roosevelt (1882-1945) que virou o paradigma diplomático do país: “fale com suavidade, e carregue um grande porrete, assim irás longe.  Lema originário na África Ocidental, coincidentemente onde localizava-se o Reino Daomé, região onde desenvolve-se a narrativa de Mulher Rei.  

A protagonista Nanisca (a grande atriz Viola Davis, numa performance impactante) não tem exatamente essa suavidade: é uma general de um destacamento de ferozes amazonas que defendem um jovem rei de seus inimigos, o Império Oyo, que trafica escravos para vende-los às potências coloniais europeias.

Porém, é a versão hollywoodiana mais perfeita da política dos “Novos Democratas”, o neoliberalismo progressista: o empoderamento do multiculturalismo e do direito das mulheres como nova aliança política entre o Big Money do financismo, classes médias de subúrbios e os novos movimentos sociais – emprestando um carisma jovem com a boa fé moderna e progressista. Porém, sem abandonar o “Big Stick”: de um lado a indústria armamentista que mantém guerras e revoluções híbridas por todo o planeta e a elite financeira de Wall Street, responsável pela explosão das bolhas financeiras que produzem mais crises e violenta concentração de renda – O Fórum Econômico de Davos chama isso de “Grande Reset Global”.

É como fosse um poderoso avião B52 jogando bombas, porém com a fuselagem pintada com as cores do arco-íris LGBTQIA+...  

  

  

Como toda peça de propaganda, A Mulher Rei tem que fazer uma radical torção histórica para fundamentar e justificar esse verniz identitário no qual se baseia a ideologia da Era Joe Biden e dos Novos democratas. Como se em toda a História já existissem latentes essas lutas identitárias libertárias representada na atualidade pelo governo Biden.

E essa torção histórica está na caracterização exército das amazonas chamadas “Agojies” e o Reino do Daomé, onde é hoje Benin, que existiu entre 1600 e 1904. Uma potência regional cuja economia era baseada na conquista e comercialização de escravos para o comércio europeu. Exatamente o contrário do que é mostrado no filme, no qual o jovem rei Ghezo (John Boyega), cuja chegada ao trono foi auxiliada pelas Agojies, é convencido a abandonar o comércio de escravos para comercializar ouro e óleo de palma (azeite de dendê).

E por isso, atrai o ódio do renitente Império Oyo, cujo cruel rei Oba Adei (Jimmy Odukoya) mantém o tráfico de escravos para os portugueses e quer capturar as bravas amazonas para transformá-las também em matéria-prima para o seu comércio.  

  A torção histórica é tão violenta que acabou criando um crescente movimento de boicote ao filme: “#BoycottWomanKing”, hashtag criada por grupos de luta racial e feministas nos EUA. Acusam os figurões de Hollywood de “glorificar e branquear” a “verdade” por trás do envolvimento do Daomé no tráfico de escravos.  Na vida real, as Agojies eram conhecidas pelo seu destemor - trupe de guerreiras notória por invadir aldeias próximas em busca de escravos. Em tempos de guerra, elas cortavam a cabeça de seus resistentes e os devolviam ao rei como troféus.     

Uma série de usuários criticaram a produtora do filme Sony e Prince-Bythewood por tentarem “reescrever” o passado sórdido das Agojies. Por exemplo, o podcaster Anthony Moore chamou o épico histórico de “o filme mais ofensivo para os negros americanos em 40-50 anos” – clique aqui.  



Viola Davis ignorou as críticas durante grande parte da semana do lançamento da produção. Mas as críticas chegaram a tal nível que ela não podia mais ignorá-las. Então, ela e os outros membros do elenco passaram a dar entrevistas respondendo às críticas. Mas suas respostas foram muito decepcionantes.

Por um lado, Viola afirma que a crítica é injusta porque outros filmes históricos que glorificam assassinos e colonizadores não receberam a mesma quantidade de críticas. É o argumento do “whataboutism” no qual tenta-se defender um filme pelo seu próprio mérito. Porém, outros filmes que glorificam personagens questionáveis não justificam que Mulher Rei faça o mesmo – principalmente pela violenta torção histórica, típica da retórica de propaganda. No caso, propaganda política.

Viola ainda tentou descartar toda a crítica como nada mais do que tagarelice no Twitter. Além de tentar pintar o filme como uma história de “empoderamento feminino”.

O Filme

Logo na primeira cena Mulher Rei mostra para o quê veio: um grupo de homens descansa no centro de um campo perto de uma fogueira. Eles ouvem farfalhar na grama alta; eles veem um bando de pássaros voando com uma brisa. De repente, a ameaçadora general Nanisca, uma feroz mulher cansada do mundo, emerge da vegetação armada com um pesado facão. Um pelotão inteiro aparece atrás dela. 

A matança que se seguiu dos homens (as mulheres na aldeia são deixadas ilesas), está encharcada de sangue, fazendo parte de uma missão para libertar parentes de Daomé presos pelo inimigo rei Oba Adei. Nanisca, no entanto, perde tantas companheiras na ação que decide treinar um novo lote de recrutas. 

Após a emocionante cena de batalha de abertura, o enredo de Mulher Rei torna-se intrincado. Mas seus excessos servem aos objetivos de sucesso de bilheteria do filme. 



Uma adolescente desafiadora, Nawi (Thuso Mbedu), é oferecida como presente ao jovem rei Ghezo pelo seu pai dominador, que está frustrado com a recusa obstinada de sua filha em se casar com um dos seus muitos pretendentes. No entanto, Nawi nunca chega a ser entregue ao rei: a guerreira inabalável e divertida Izogie (Lashana Lynch, o necessário alívio cômico do roteiro) vê na resistência de Nawi um ponto forte e a coloca no treinamento das novas recrutas de Nanisca. 

Fazer parte das Agojie promete liberdade para todas as envolvidas, mas não para aqueles que conquistam. Os derrotados são oferecidos como parte do pagamento de tributos ao draconiano Império Oyo, que trata seus companheiros africanos como escravos para os europeus em troca de armas. É um círculo de opressão que a culpada Nanisca quer que o jovem rei Ghezo quebre – troque esse abominável comércio humano por outros produtos como ouro e óleo de palma. 

Enquanto isso, um sonho assombrou Nanisca (no sonho, alguém de um passado traumático estaria voltando) enquanto a desobediente Nawi luta para cumprir alguns dos requisitos rígidos do clã Agojie, particularmente a parte "sem homens".

E a narrativa continua dentro dos tropos maniqueístas típicos de Hollywood: de um lado os homens cruéis representados pelo rei Oba Adei e uma dupla de portugueses traficantes de escravos (claro, um deles eventualmente se arrependerá e será atraído afetivamente por Nawi); e do outro a atormentada Nanisca que vê na figura de Oba Adei o homem responsável por uma traumática cena de estupro do passado.

Admiração nostálgica

É compreensível que muitos afro-americanos e outros descendentes pelas Américas não vejam o histórico Reino do Daomé com admiração nostálgica.



Na história real, os escravos do Reino Daomé eram cativos de guerra dos reinos vizinhos. Os cativos eram então vendidos como escravos aos traficantes europeus. Esses escravos eram então levados para as Américas, onde tornavam-se vítimas de atrocidades incalculáveis.

Em defesa, afirma-se que os africanos não sabiam o quão horrível era a escravidão nas Américas. Esse não é o caso do Reino do Daomé, como evidenciam as caminhadas em torno da chamada “Árvore do Esquecimento” - antes de serem enviados para as Américas, os cativos eram forçados a marchar em círculos em torno da “Árvore do Esquecimento” para esquecer quem os vendeu para o horrível sistema de escravidão americano. Os reis de Daomé acreditavam que esse ritual faria os cativos esquecerem quem os vendeu para a escravidão americana, para que seus espíritos não retornassem para se vingar dos daomeanos – clique aqui.

Os escravos mantidos no próprio reino de Daomé também não eram bem tratados. Muitos deles eram mortos como sacrifícios pelos caprichos do rei Ghezo. Centenas foram mortos para celebrar certas ocasiões. Alguns foram mortos como “sacrifício alternativo”. Ou seja, quando o rei adoecia e acreditasse que a morte queria levá-lo, ele sacrificaria um dos escravos capturados como “suplente”. Quando o rei Ghezo finalmente morreu, 800 escravos capturados foram sacrificados em sua homenagem.



Infantilização do espectador

Ok! Podemos argumentar que Mulher Rei é uma obra de ficção e que “qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais é mera coincidência”, como sempre lemos no final dos créditos finais dos filmes.

Porém esse tipo de torção histórica sempre foi mais comum em produções satíricas ou humorísticas para criar o efeito non sense paródico. É o caso da animação Os Flintstones (uma típica família de classe média americana vivendo ao lado de dinossauros), os filmes da trupe de humor Monty Python como A Vida de Brian (uma sátira à vida de Cristo) ou Em Busca do Cálice Sagrado (sátira sobre a Idade Média e as lendas em torno do Rei Arthur). E ainda A História do Mundo de Mel Brooks (uma paródia histórica com Moisés descendo do Monte Sinai com três tábuas de pedra e Jesus dizendo aos apóstolos “Um de vocês me traiu”).

Mas Mulher Rei é o contrário: pretende ser um drama histórico sobre o empoderamento feminino e a potência da raça negra. Procurar transformar um drama histórico em lições morais para o presente. Daí a inevitável hollywoodinização dos fatos históricos através do maniqueísmo, alívios cômicos etc. Paradoxalmente “embranquece” a História, justificando agendas atuais (os movimentos identitários sob os auspícios dos Novos Democratas) como supostamente justificada pelas lições da História.

Assim como Os Flintstones viam o sonho americano na Idade da Pedra, Mulher Rei quer ver os movimentos identitários na Era Colonial: o historicamente sanguinário Reino Daomé transformando num libelo pelo feminismo e lutas raciais.

O que significa uma verdadeira infantilização dos espectadores: transformar os fatos históricos, de cruéis, violentos e injustos, em contos morais de luta pela justiça e liberdade. 

É o que faz todo panfleto de propaganda política, assim como Mulher Rei: a verdadeira smoking gun da Era Joe Biden.  


 

 

Ficha Técnica

 

Título: A Mulher Rei

Diretor: Gina Prince-Bythewood

Roteiro: Dana Stevens, Maria Bello

Elenco:  Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, John Boyega, Jimmy Odukoya 

Produção: TriStar Pictures

Distribuição: Sony Pictures

Ano: 2022

País: EUA

 

 

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