sábado, setembro 24, 2022

Grande mídia quer aceitar vitória de Lula com custo semiótico o mais alto possível


Diante de uma bancada de “isentões” que acreditam estar vivendo num processo eleitoral absolutamente normal, no “Roda Viva” da TV Cultura, o cientista político Steven Levitsky, autor do livro “Como as Democracias Morrem”, pediu que os brasileiros “acordem”. Para evitar uma crise, seria necessário “uma oposição massiva e uma vitória no primeiro turno”. O oposto da atual estratégia do jornalismo corporativo: dentro do script da “normalidade” que executa, agora os “colonistas” defendem um “debate transparente com propostas”. Falam que a polarização está impedindo um “debate com propostas” e numa vinheta os apresentadores do JN aparecem folheando as páginas da Constituição. Jogo de cena para dar pernas à “terceira via” e arrastar a eleição para o segundo turno. No qual será cobrado um custo semiótico o mais alto possível à vitória de Lula.

 

No último programa “Roda Viva” (19/09), da TV Cultura, foi entrevistado o cientista político Steven Levitsky, autor do livro “Como as Democracias Morrem”. Professor em Havard, discutiu as ameaças à democracia brasileira.

A certa altura, o filósofo Joel Pinheiro fez uma pergunta provocativa ao entrevistado:

Você disse que seria muito importante para a democracia brasileira que todos os candidatos se unissem em torno de uma candidatura que possa vencer o Bolsonaro. Agora, eu e muitos outros eleitores provavelmente acabaremos votando em uma terceira via, com a ideia de que haverá um segundo turno e, aí sim, é o momento de se unificar em torno daquele que puder vencer o Bolsonaro. O senhor considera essa minha postura irresponsável?

E Steven Levitsky respondeu, com feições graves e pacientemente:

Irresponsável é um pouco forte, eu diria arriscado... eu acho que é arriscado e que a melhor maneira de garantir a democracia em uma situação em que Bolsonaro provavelmente vai perder, e vai claramente tentar minar a legitimidade da eleição... ele vai tentar com seus apoiadores, vai tentar e talvez até com elementos do exército... Bolsonaro vai tentar criar uma crise assim como Donald Trump criou uma crise.  A melhor maneira, a meu ver, de evitar uma crise é bater Bolsonaro no primeiro turno com uma lavada de 62 a 38, para que ninguém possa negar a derrota. Se as pessoas se derem ao luxo de votarem em seus terceiros candidatos favoritos, para depois votar no Lula no segundo turno, teremos uma eleição apertada... 44 a 40... será muito mais fácil para Bolsonaro minar a legitimidade disso... Esse foi o problema dos EUA com Trump... foi facilitada as coisas para ele inventar mentiras sobre fraude... Então a melhor maneira de evitar uma crise é uma oposição massiva e vitória no primeiro turno... Espero que os brasileiros acordem. 

Nessas últimas postagens, este Cinegnose vem descrevendo como a grande mídia vem desenvolvendo o script da “normalidade”. Apesar de a maioria  dos analistas políticos considerarem essas eleições decisivas para a sobrevivência da democracia brasileira (não foi por acaso que o programa “Roda Viva” convidou o cientista político norte-americano) e que vivemos num quadro anômalo da possibilidade até de uma intervenção militar (que esse humilde blogueiro considera que já ocorreu, de uma forma híbrida), o jornalismo corporativo insiste com a narrativa de que vivemos uma normalidade democrática na qual os candidatos fazem “apostas” ou “movimentos” em um tabuleiro de xadrez. Viveríamos a normalidade de uma democracia liberal análoga a britânica ou de alguma país escandinavo.


O cientista político e o "isentão"

É o que também deve pensar o filósofo Joel Pinheiro (também não é por acaso que estava na bancada do Roda Viva) ao provocar o entrevistado com a pergunta se ele estaria sendo “irresponsável” por querer votar num candidato de terceira via... é o típico “isentão”. Aquele que num futuro, em um possível novo round de guerra híbrida, não hesitará em sair às ruas com uma camiseta estampada com os dizeres “Não tenho culpa! Votei em Ciro... ou Tebet... ou... 

Custo semiótico alto

A possível vitória de Lula já está sendo digerida pelo jornalismo corporativo (com dificuldades e, às vezes, ameaçando golfar) diante da esperança branca que se desmanchou no ar. Porém, pretende vender a derrota a custo semiótico bem alto.

 


(a) Lula NÃO pode vencer no primeiro turno. Uma vitória, como a sugerida por Steven Levistsky, representaria uma derrota derradeira também para a grande mídia: afinal, anos dos esforços do jornalismo de guerra não podem acabar assim. Uma vitória no primeiro turno daria um enorme capital simbólico ao candidato petista, conferindo força política ao seu terceiro governo;

(b) Razão pela qual a grande mídia quer uma vitória de Lula no segundo turno. Seria custosa, sangrenta. Lula seria obrigado a fazer mais concessões, mais alianças. Assumiria seu possível terceiro governo enfraquecido, tendo diante de si um país dividido. Algo parecido com a vitória de Dilma Rousseff em 2014, quando o viés semiótico midiático foi a retórica do “país dividido” – quem não se lembra de infográficos como o da Folha, mostrando um muro que separava o Norte-Nordeste do Sul-Sudeste? Foi o pontapé inicial da construção da imagem do país polarizado: o ódio deveria ser a herança deixada para o governo Dilma depois de uma eleição conflagrada. Foi a preparação do terreno semiótico no qual a extrema-direita seria impulsionada. O que deu uma valiosa ajuda na ascensão do candidato manchuriano do PMiG (Partido Militar Golpista), Jair Bolsonaro.

Para evitar que “os brasileiros acordem”, como exaltou o cientista político no Roda Viva, o jornalismo corporativo pôs em ação a única estratégia possível para frear Lula: dar pernas para a chamada “Terceira Via”. Ao lado de “Bolsonaro”, a expressão mais repetida no jornalismo impresso e eletrônico.



Além dessas expressões, outra que começou a ser repetida foi “propostas”. Segundo os “colonistas” (jornalistas especializados em serem correias de transmissão de fontes interesseiras), o debate eleitoral está “prejudicado pela polarização”: dizem não mais ser possível discutis “propostas”. Virtude que a Terceira Via trazia, por furar as “bolhas da polarização”.

Outra expressão que começou a ocupar espaço nas críticas desses colonistas foi “o candidato prometeu fazer isso e aquilo... mas não diz como vai fazer”. Lula promete reforma fiscal... continuar pagando Bolsa Família no seu mandato.... mais não diz como fazer: de onde vai tirar dinheiro?

De repente, a grande mídia começou a defender “transparência” nas “propostas” dos candidatos. Mais hilário ainda é ver, em uma vinheta autopromocional da TV Globo, os apresentadores do JN, William Bonner e Renata Vasconcelos, andando com um exemplar da Constituição debaixo do braço ou folheando suas páginas. Logo eles, âncoras do telejornal que foi o principal canhão no jornalismo de guerra, com aquele croma key do duto enferrujado que vertia dinheiro.

Ora, para a mídia corporativa historicamente debates eleitorais sempre tiveram duas características: o sensacionalismo e a oportunidade de criar freios e contrapesos para controlar o cenário político de acordo com seus interesses.

Por exemplo, quem também não se lembra do último debate de 1985 durante a eleição a prefeitura de São Paulo no qual o jornalista Boris Casoy disparou a pergunta “Você acredita em Deus?” para o perplexo Fernando Henrique Cardoso. Bomba semiótica marotamente jogada pelo jornalista. A deixa para o conservador Jânio Quadros reforçar a campanha de rejeição a FHC, associando a ideia de que se tratava de um candidato ateu.


A grande mídia nunca se interessou em "propostas" na eleições


O ardil do “debate de propostas”

Desde sempre os debates eleitorais promovidos pela grande mídia jamais promoveram “debates de propostas”, mas modelos televisivos engessados, populados de candidatos, sem tempo para desenvolver “propostas”. A não ser, dar espaço a franco atiradores com seus jogos de cena e estocadas como aquela de Boris Casoy. 

Embora sustente esse discurso da necessidade de um debate eleitoral com propostas, é curioso ver que nas entrevistas ou sabatinas com Lula esse princípio é convenientemente esquecido: metade do tempo é gasto incitando o petista a ter que “explicar” mensalão, petrolão, Venezuela, Dilma e assim por diante.

Por que então, de repente, nosso jornalismo corporativo descobriu que um debate eleitoral deve ser “transparente e com propostas”? 

(a) A insistência por propostas e transparência confere ao processo eleitoral mais anômalo da História (com o atual chefe do Executivo e candidato frequentemente passando por cima da legislação eleitoral diante da procrastinação do Judiciário) uma atmosfera de normalidade: tudo o que temos é pura e tão somente “candidatos” com suas “apostas” ou “lances no tabuleiro” fazendo suas “propostas” – cabendo aos atentos jornalistas cobrar o “como vão fazer”.

(b) A cobrança por “propostas” e “como fazer” ajuda a dar pernas à terceira via. Afinal, quanto mais “candidatos”, melhor para furar a “polarização” que impede um “debate com propostas e transparência”.  Com esse jogo semiótico, a grande mídia quer evitar a formação de possíveis frentes amplas. A execução desse script da normalidade quer evitar justamente aquilo que Steven Levitsky exorta como urgente e necessário.

(c) Dividir para reinar. Essa máxima maquiavélica parece ser a orientação principal da mídia hegemônica. Quanto maior for a divisão, maior a fragmentação do cenário eleitoral, arrastando-o para um segundo turno. Principalmente nesse momento em que a vitória de Lula é um cenário cada vez mais possível no qual a cobrança de um preço cada vez mais alto é a única forma de dar continuidade à agenda neoliberal num futuro governo politicamente fragilizado.  

                                             

 

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