segunda-feira, setembro 05, 2022

O lado oculto do universo de Sandman, por Andreas Dao


"Sandman", a aclamada obra-prima em quadrinhos do genial escritor e roteirista Neil Gaiman, finalmente ganhou sua versão live action pela plataforma de streaming Netflix. Como admirador da obra me sinto honrado em poder escrever este artigo para os leitores do blog Cinegnose! Nas próximas linhas vamos entrar no universo de Sandman, analisando alguns aspectos ocultos da obra num contexto não linear, abrangendo diferentes campos do saber (Xamanismo, Hinduísmo, Budismo, Cabala, Psicanálise etc.) e como não poderia deixar de ser, o tema principal serão os sonhos!

O Universo de Sandman

No final dos anos 1980, Neil Gaiman recebeu a missão de repaginar um antigo herói esquecido dos quadrinhos, o Sandman, um tipo de vigilante noturno como o Batman, e, assim como o morcegão, ele também colocava os bandidos para dormir, porém não com socos e chutes, mas com gás sonífero. Com sua genialidade, Gaiman não só criou uma nova versão do personagem, mas um universo inteiro e toda uma mitologia!

O Sandman de Neil Gaiman é uma entidade cósmica superior a um deus. Seria parte de um grupo de 7 entidades conhecidas como PerpétuosSonhoDesejoDelírioDesesperoDestruiçãoDestino e Morte. Essas entidades eternas não teriam começo nem fim e estariam presentes desde o início até o fim de tudo. Não possuem forma definida e podem assumir diferentes aparências.



O protagonista é o Sonho, ou a personificação antropomórfica do Sonhar, identificado por vários nomes e aparências em diferentes culturas. Para os antigos gregos era o deus dos sonhos Oneiros, para os romanos era Morpheus, e cada cultura no mundo (talvez no universo) lhe atribuiu um nome e imagem. Ele e seus irmãos perpétuos influenciam e são influenciados pelo mundo humano, e a obra de Neil Gaiman gira em torno desse tema: as interações e dramas entre os perpétuos, deuses, pessoas, animais e outros seres.

Sandman e o Xamanismo

"Tudo o que os sonhadores sabem sonhar foi ensinado a eles por nós. Nosso mundo está conectado ao seu por uma porta chamada Sonhos. Sabemos como passar por aquela porta, mas os homens não. Eles têm que aprender." O Emissário (A Arte do Sonhar, Castañeda)

 

Antropólogos concordam que a espécie humana, Homo Sapiens, cerca de 20 milhões de anos atrás não era muito diferente de outros animais que habitavam o planeta naquela época. Primatas que estavam bem abaixo na cadeia alimentar do leste africano, fugindo de predadores e se alimentando de frutas e do tutano de restos de carcaça deixados por leões e hienas. A mentalidade era puramente instintiva como qualquer outro animal, humanos não eram dignos de nota. Porém em algum ponto desse período aconteceu algo, que cientistas chamam de Revolução Cognitiva, e não tem muitas explicações ou consenso sobre como ocorreu. O fato é que os primitivos Homo Sapiens começaram a ter uma compreensão diferente do mundo, entendendo a natureza e tudo ao redor como dotado de espírito, dando início às primeiras manifestações do que viria a ser conhecido como animismo. Cada tribo tinha um espírito guardião: o céu, sol, lua, árvores, florestas, rios, rochas tinham espíritos e tudo era vivo e se comunicava (lembram do Verde do Violinista?). Isso permitiu às pequenas tribos se tornarem grupos maiores, criando sociedades mais complexas. O que isso tem haver com Sandman? Vou chegar lá.



Com a revolução cognitiva e a compreensão animista, alguns indivíduos tinham mais facilidade para ter pensamentos subjetivos, ideias mais complexas e um maior grau de abstração e sensibilidade, estes foram os primeiros xamãs. Essas pessoas podiam se comunicar com espíritos, viajar por realidades imateriais, ter sonhos proféticos e usar suas mentes de formas incomuns e incompreensíveis para os demais, o que lhes garantiu lugares de grande destaque nas sociedades primitivas: chefes de tribo, curandeiras, sábios, feiticeiros, contadores de histórias...

Diferente das demais pessoas, um xamã consegue transitar normalmente em diferentes níveis de realidade, incluindo o mundo dos sonhos, de onde tiram informações e conhecimentos úteis para a sua comunidade. Até os dias de hoje os xamãs têm um papel importante na sociedade. Benzedeiras, curadores, sacerdotes, psiconautas, e também os escritores, contadores de histórias e, segundo o mago e roteirista Alan Moore, os publicitários.

Ainda nos dias atuais, é possível encontrar algumas "tribos de sonho", geralmente em florestas tropicais e também entre os aborígenes da Austrália. Nessas tribos é comum usar os sonhos como forma de comunicação. Tribos sem internet ou smartphones precisavam de algum meio para se comunicar com alguém que estava do outro lado de uma floresta, e faziam isso por meio dos sonhos. Na cultura aborígene há a ideia do "Tempo do Sonho", que seria a origem do mundo e é um "local/tempo" que os xamãs têm acesso, mas esse assunto sozinho daria livros inteiros...

De volta a Sandman, segundo a mitologia desenvolvida por Gaiman, Morpheus seria a entidade responsável pelo mundo dos sonhos e, de certa forma, ele seria o próprio sonhar, assumindo uma forma. Na história conhecemos a personagem Rose Walker, bisneta de Unity Kincaid (que dormiu durante o período em que Morpheus estava aprisionado). Rose pode transitar pelos sonhos de outras pessoas, diminuir o véu entre o mundo dos sonhos e o mundo físico, além de outras habilidades extraordinárias. 

Ela é uma xamã, assim como sua bisavó Unity, que viveu a maior parte de sua vida no sonhar. Mas na série, além de xamã ela é um vórtice, uma singularidade que ocorre raramente em eras, capaz de criar ou destruir universos, ou seja, uma Super Xamã! Ao longo da obra outros personagens demonstram ter habilidades xamânicas, como é o caso da profeta felina do Sonho de Mil Gatos, e da princesa Nada, da primeira cidade humana, que era capaz de se comunicar com seres espirituais, inclusive teve um caso com o Senhor dos Sonhos (que não terminou muito bem para ela...).


Sandman e as Religiões

Posteriormente ao animismo e ao xamanismo vieram as grandes religiões organizadas, que veremos nessa sessão. Sabe-se que muitas religiões surgiram à partir de sonhos ou visões espirituais, como é o caso do cristianismo que teve seu princípio com a visão de Maria do Arcanjo Gabriel anunciando o nascimento de Jesus, e também do islamismo com as visões e sonhos do profeta Mohamed com o anjo Jibril e suas revelações, assim como a rainha Maya teve a revelação do futuro nascimento de seu filho Sidarta Gautama, o Buda, através de um sonho. Aqui eu poderia incluir muitas outras religiões, novas ou ancestrais, que surgiram a partir de sonhos ou visões, mas vou me ater a apenas algumas delas, que no geral consideram sonhos como algo de maior importância.



Hinduísmo

"Como a aranha, tecemos nossa vida e então nos movemos ao longo dela. Somos como o sonhador que sonha e então vive no sonho Upanishads

 

O que chamo aqui de hinduísmo inclui várias religiões e correntes de pensamento que surgiram na Índia e em geral têm os Vedas ou os Upanixades como base filosófica. No contexto das tradições védicas o conceito de sonho tem significados mais profundos e complexos do que Freud seria capaz de explicar.

Nessas tradições ancestrais o universo é entendido como um sonho, ou uma ilusão, Maya, e na realidade há apenas um único ser, Brahman, que se manifesta como muitos, e cada um desses muitos sonha que é um indivíduo, um "eu"  isolado, e não o Ser Único, sendo isto chamado de ignorância e sendo a causa do sofrimento.

Então na cosmovisão védica hinduísta, especialmente da escola Advaita (não-dual), a meta seria acordar deste sonho de Maya para a realidade suprema que é chamada de Brahman. No contexto da obra de Gaiman, Morpheus poderia ser análogo à Maya, deusa das ilusões, pois assim como a deusa ele teria o poder de criar e moldar os sonhos dos homens desde o princípio. Há milhares de deuses nas religiões hinduístas, e poderia fazer correlações deles com outros perpétuos e personagens da série, mas para esse artigo vou focar no Sonho.

Budismo

"Minha forma de sonho surgiu a seres de sonho. Para lhes mostrar o caminho de sonho. Que leva à iluminação de sonho."  O Buda (Bhadrakalpa Sutra)

 

Conforme se espalhou pelo mundo, o budismo assumiu particularidades únicas em diferentes culturas. Antes de se estabelecer como a religião oficial no Tibet, havia ali uma religião com características xamânicas conhecida como Bön, a religião ancestral do povo tibetano. O Budismo indiano acabou se mesclando ao Bön criando uma manifestação única do budismo no mundo, que viria a ser a escola budista Vajrayana.


Muitos séculos antes do budismo se estabelecer na região os sonhos já eram assunto importante entre os tibetanos, sendo parte integral de sua cultura e modo de vida. Isso influenciou a prática budista na região, o que pode-se notar em textos como o Livro Tibetano dos Mortos (Bardo Thödol), cujos ensinamentos e práticas envolvem sonhos e o pós-morte. E também em muitas práticas budistas, como é o caso do Yoga dos Sonhos, um dos 6 Yogas do sábio Naropa. Segundo os tibetanos há 3 tipos de sonho: o Sonho Samsárico, o Sonho de Claridade e o Sonho da Clara Luz, cada um com suas próprias características e níveis de profundidade. 

O Sonho Samsárico seria aquele sonho da ignorância o qual a maior parte das pessoas experiencia ao dormir, sem lucidez ou controle. O Sonho de Claridade é aquele em que o indivíduo está plenamente consciente durante o sonho, tendo controle de si e do sonho, sendo capaz de realizar práticas, obter conhecimento, sabedoria e interagir conscientemente com seres espirituais e mestres no além. O nível mais profundo é o Sonho da Clara Luz, que é um estado sem sonhos, onde se está estabelecido na pura luminosidade base da mente, sem perturbações. 

Esse nível mais profundo não é mencionado na obra de Gaiman, e nesse contexto Morpheus teria algum poder somente no nível de sonhos samsáricos, não tendo influência sobre alguém que alcançou os outros níveis, como é o caso de Rose Walker, que possuía lucidez onírica e controle sobre os sonhos, incluindo o próprio Morpheus. Há uma deidade que preside sobre os sonhos na tradição tibetana, a Dakini Salgye du Dalma, divindade dharmica feminina que auxilia praticantes do yoga dos sonhos.


Rose Walker: lucidez onírica

Cabala

"Esses 32 caminhos são considerados caminhos da Sabedoria. No sentido cabalístico, a Sabedoria é vista como mente pura e indiferenciada. A sabedoria é o nível acima de toda divisão, onde tudo é uma simples unidade." – Aryeh Kaplan (Sefer Yetzirah)

 

No início do primeiro episódio, Morpheus menciona como os sonhos podem influenciar o mundo. Em termos cabalísticos o mundo dos sonhos, das emoções e das formas mentais, o plano astral, na tradição cabalística hermética é associado com Yesod, a esfera da Lua. Na visão cabalística o plano físico, Malkuth, seria o resultado de emanações de esferas superiores, sendo "menos real" que estes planos ou esferas. Assim, para um cabalista o plano astral de certa forma é mais "real" do que o plano físico, sendo este último uma emanação do que ocorre em níveis superiores. 

Segundo a cabala, tudo o que é manifestado no mundo físico existiu antes em planos sutis supernais, passando para planos mais densos até se manifestar no plano material, Malkuth, o Reino, que seria o produto final de um processo que se inicia em níveis superiores. Assim, o que Morpheus fala no início da série pode ser compreendido mais profundamente à luz da Cabala. Podem ser traçadas algumas correlações e associações entre os Perpétuos na perspectiva da Cabala Hermética, que tentarei fazer dentro do meu entendimento.

Morpheus, por ser uma entidade dual, capaz de criar tanto sonhos como pesadelos, teria domínio tanto sob o aspecto sephirótico/ (diurno) como qliphótico (noturno) da esfera de Yesod. 

Delírio pode ser entendida como uma manifestação da qlipha de Yesod, Gamaliel, sendo um aspecto desequilibrado da esfera lunar. Já os gêmeos Desejo e Desespero poderiam ser associados com a qliphah da esfera de Vênus, A'Arab Zaraq, sendo ambas manifestações obscuras de aspectos venusianos.

Destruição na HQ não demonstra um aspecto muito destrutivo. Pela sua função, poderia, assim como Morpheus, assumir ambos os aspectos, diurno e noturno, da esfera de Marte, como Geburah e sua qlipha Golachab

Morte, no meu entender, poderia ser identificada com a esfera de Daath, por ser um ponto de travessia ou mudança, uma morte. Por fim, Destino seria associado com esfera de Hochma. Essas associações foram feitas com base em meu conhecimento limitado de cabala. Estudantes mais experientes podem entender de outras maneiras e fazer análises mais profundas desses aspectos.

Nota: Sendo sephiroth o plural de sephirah e qliphoth o plural de qliphah. Embora a Cabala nos seja apresentada de forma plana, em duas dimensões, os círculos são, na verdade, esferas, sendo sephirah, esfera e qliphah, casca, algo em volta das esferas como as cascas de frutos ou mesmo a contraparte negativa das mesmas.



Sandman e Magick

"Despertar do sonho, a verdade é conhecida: acordar da vigília. A verdade é conhecida: O Desconhecido Aleister Crowley

 

Logo no primeiro episódio conhecemos o ocultista Roderick Burgess, inspirado no mago inglês Aleister Crowley. Roderick lidera um grupo de ocultistas e tinha o objetivo de evocar a Morte, ou o Anjo da Morte, e aprisioná-la a fim de viver eternamente. Porém o ritual de evocação não sai como o planejado e o grupo acaba evocando Morpheus por engano, que tem seus pertences roubados e é aprisionado em uma cúpula por muitas décadas. 

Os 3 objetos de Morpheus, a areia, o rubi e o elmo, podem ser entendidos como "armas mágicas" carregadas de intenção e poder espiritual, de forma semelhante ao que magistas fazem com baquetas, taças, pentáculos, adagas, cristais, amuletos, etc. De certa forma seriam objetos "vivos", dotados de energia espiritual suficiente para afetar o nível astral, sendo comum haver algum elemental ou outro tipo de ente espiritual magicamente ligado à tais objetos. 

O primeiro episódio possui referências a Aleister Crowley, citando-o como um mago rival de Roderick. Roderick e seu grupo eram praticantes de magia cerimonial da Mão Esquerda, ou Caminho da Mão Esquerda, que busca poder pessoal e autodeificação através de práticas mágicas. É possível notar referências crowleyanas no capítulo em que Morpheus duela com um demônio para recuperar seu elmo. Na série, ele duela com Lúcifer, porém, na HQ, o adversário é o demônio Choronzon, conhecido na literatura thelêmica de Crowley como o habitante do Abismo, o demônio do ego. 

É interessante notar o tipo de duelo travado, onde cada um assume uma forma que subjuga ou supera a do adversário, onde Morpheus supera seu adversário personificando a esperança. Em seu Liber 418 (A Visão e a Voz), Crowley narra sua experiência com este ser, envolvendo verborragia interminável, confusão e loucura, que Crowley superou através do silêncio. Não silêncio convencional, mas o silêncio interior, ou "silêncio do Eu", um nível conhecido no yoga como Antar Mouna (Silêncio Interno)

Em outro capítulo conhecemos Johanna Constantine, contraparte feminina de John Constantine,adaptada para a série. Uma ocultista experiente de uma linhagem familiar que lida há séculos com as forças ocultas, como é mostrado no episódio em que vemos uma de suas ancestrais encontrando Morpheus e seu amigo imortal Hob Gandling em um de seus encontros pelos séculos. Na série, Johanna realiza o banimento de um demônio que influenciava uma princesa britânica e planejava se infiltrar na família real pelo ato do casamento.

No episódio bônus vemos a história da Musa Calíope, aprisionada magicamente pelo escritor Erasmus e forçada a inspirar seus livros, posteriormente sendo entregue a Madoc para o mesmo fim, de forma semelhante a alguns relatos de magos capazes de prender seres espirituais em lugares ou objetos a fim de obter vantagens, dando origem a lendas como a Lâmpada Mágica de Aladin, o espelho da bruxa na história da Branca de Neve e diversas histórias de locais assombrados. 

Erasmus também menciona o bezoar formado por cabelos de mulheres acumulados em seus estômagos, usados em práticas de bruxaria natural. E por falar em bruxaria, não poderia deixar de mencionar a deusa tríplice, padroeira das bruxas, deusa que encarna aspectos lunares, as fases da lua, em suas faces como donzela (crescente), mulher madura (cheia) e senhora sábia (minguante). Conhecida por muitos nomes: MoirasParcas, e Hécate, a deusa marca a série com suas impressionantes aparições para Morpheus, John Dee, Rose Walker e Calíope.



Alguns personagens da série, a maioria habitantes do sonhar como Lucienne, o CoríntioGalt e o Verde do Violinista, seriam criações ou construtos astrais, conhecidos como Servidores ou Elementares, seres criados por meios mágicos para fins específicos, como cuidar da biblioteca ou causar pesadelos. No caso do Coríntio, notamos o que pode acontecer quando um construto astral sai do controle ganhando autonomia e vontade própria, se voltando contra seu criador e causando todo tipo de problema. Dion Fortune narra um caso assim em seu clássico Autodefesa Psíquica.

Sandman Psicanálise, Mitologia e Cultura Pop

"Aquele que olha para fora sonha. Mas o que olha para dentro desperta– Carl Jung

 

Segundo a teoria de Carl Gustav Jung, além do inconsciente pessoal que foi tema das pesquisas de seu mentor, Sigmund Freud, há um campo psíquico muito mais abrangente que engloba todo o Inconsciente e imagens arquetípicas criadas pela humanidade ao longo das eras. Ele chamou esse campo de Inconsciente Coletivo. Segundo Jung, esse campo psíquico conecta a todos e contém em si todos os arquétipos, imagens e sonhos da humanidade, sendo fonte de inspiração para todo tipo de criação; um repositório de toda a experiência psíquica e conhecimento humano, ao qual estamos sob constante influência.

Nesse sentido, os Perpétuos são imagens arquetípicas do Inconsciente Coletivo, assim como muitos personagens da obra de Neil Gaiman, que como um grande escritor, xamã e mitólogo sabe bem como se utilizar dos símbolos e arquétipos para contar histórias incríveis que tocam a alma humana e transformam o mundo. 

Muitos personagens em Sandman são figuras arquetípicas recorrentes em diversas mitologias de várias épocas ao redor do mundo. As pesquisas inovadoras de Jung em psicanálise e Joseph Campbell em mitologias comparadas nos revela a universalidade desses mitos e arquétipos em diversas culturas em diversos tempos, e nos mostram a unicidade da humanidade em seus sonhos, medos, dramas e fantasias. 

Sonho, Desejo, Delírio, Desespero, Destruição, Destino e Morte são aspectos compartilhados por toda a humanidade, em todas as culturas do passado e do presente, tendo sido personificados na forma de diversos deuses pelas diferentes culturas ao longo das eras. Morpheus, o Deus dos Sonhos adorado entre os antigos gregos, novamente é adorado entre as pessoas na forma de um personagem da cultura pop, assim como diversos deuses de culturas antigas ressurgem na forma de super-heróis e vilões na cultura pop dos dias atuais. E os mitos e deuses se renovam, assumem novas formas e continuam a influenciar os assuntos humanos, e talvez estejam mais populares do que nunca. 

Visitar um evento de anime ou uma Comic Con cheia de cosplayers é estar numa espécie de Monte Olimpo multicultural, onde se vê novas formas de deuses antigos de diversas culturas caminhando entre os homens. Imagine um grupo de jovens em uma praça na Grécia antiga debatendo sobre qual é o mais poderoso dos filhos de Zeus. Agora pense em um grupo de jovens em um shopping nos dias atuais discutindo se Kratos ganha do Goku(que é uma nova versão de um antigo Deus Macaco da mitologia chinesa). 

A internet, redes sociais e mídias massivas aproximaram as culturas, suas religiões e deuses, num grande caldeirão multicultural que se mostra na cultura pop, filmes, séries, jogos, e livros, demonstrando que todos os mitos têm seu espaço no grande campo psíquico que é alma coletiva da humanidade. Crowley afirmava que todas as religiões convergem para um único ponto e, segundo Campbell, os deuses são máscaras do absoluto. Nas palavras do escritor, roteirista e mago Grant Morrison: "Os deuses são apenas máscaras. Quem as usa? Descubra!"



Considerações finais

Neil Gaiman conseguiu juntar arquétipos universais para criar uma nova mitologia fantástica, coerente e magistralmente desenvolvida em uma narrativa complexa e profunda, que abrange o comum e o transcendental, o asqueroso e o sublime, englobando um amplo espectro da experiência humana. Não por acaso Sandman se tornou um fenômeno cult desde o seu lançamento em HQ e vem cativando pessoas e ganhando cada vez mais admiradores com o lançamento da série na Netflix. 

Sandman merece seu posto no alto escalão das obras de fantasia. É um momento especial para fãs antigos da obra, que agora podem assistir seus personagens favoritos ganhando vida nas telas, e também para os novos fãs que após assistir a série terão a experiência sem igual de ler as páginas de Sandman pela primeira vez. A série talvez não seja tão magnífica quanto a HQ, mas cumpre muito bem o seu papel de oferecer entretenimento de alta qualidade e temas profundos para reflexão filosófica, além de revelar este universo fantástico para as novas gerações e para o grande público que desconhece a magia das HQs.

Chegamos ao fim deste pequeno ensaio sobre o "lado oculto" de Sandman. Espero que tenham gostado da leitura! 

Muita Paz

 

Andre Dao cursou psicologia, é instrutor de yoga certificado, treinado em artes marciais, além de escritor, músico e pintor amador. Com passagem por diversas ordens iniciáticas, atualmente é praticante do Budismo, investidor e nômade digital.

 

 

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