sexta-feira, junho 18, 2010

Uma Pequena História Gnóstica da Espontaneidade na Indústria do Entretenimento (parte 1)

Se a Indústria do Entretenimento repete o mesmo drama cósmico descrito pelas mitologias gnósticas (o Demiurgo aprisionando seres humanos na tentativa de extrair de nós as partículas de Luz para por em movimento um cosmos desde o início decaído) precisamos traçar essa mesma trajetória no interior das mídias. Procurar fazer uma história das formas como o entretenimento tenta capturar e reter a espontaneidade de forma instrumental.

Em duas postagens anteriores (veja links abaixo) abordamos a questão da espontaneidade na indústria do entretenimento pelo ponto de vista gnóstico. Nossa tese é a de que a busca pela espontaneidade pela indústria do entretenimento para torná-la produtiva no interior das estruturas-clichês (dar “vida” ou “sensações” às formas vazias e inertes que perigosamente tendem à entropia – a apatia do público) reproduz numa escala micro um drama cósmico descrito pelas mitologias gnósticas: a luta do Demiurgo em aprisionar o ser humano para extrair dele as partículas de luz que animem as formas etérias a partir das quais o cosmos físico foi construído. Por ser uma cópia imperfeita da Plenitude (Pleroma), a partir do momento que foi “construído” e não “emanado”, tende à inércia ou entropia.

Pois bem, cabe agora traçarmos uma pequena história da espontaneidade na cultura de massas, procurando mapear as sucessivas fases e estratégias pelas quais a espontaneidade do público é apropriada e representada nos produtos

Mas, antes disso, temos que definir o que entendemos por “espontaneidade”. Para a mitologia gnóstica é a forma pela qual as partículas de luz (memórias das nossas verdadeiras origens não nesse cosmos, mas no Pleroma) se manifestam no cotidiano: alegria, boa-fé, disposição, brilho, vitalidade, confiança etc., isto é, sentimentos e disposições que põem em movimento nossas vidas não em um sentido instrumental (em função de metas, objetivos, eficiência, eficácia ou “pensamento positivo”, como preconiza a literatura de auto-ajuda). Pelo contrário, tomamos a espontaneidade no aspecto do “jogo” e do “lúdico”.

Ao remeter esse conceito a esse universo, lembramos de imediato das brincadeiras infantis, onde a espontaneidade ainda manifesta-se livremente. Mas tomamos o jogo e o lúdico não no sentido que o adulto faz como “irresponsabilidade feliz” ou “algo não sério”. Para Richard Sennett o jogo é uma coisa séria:

“(...) é o princípio que leva a criança a investir muita paixão numa situação impessoal comandada por regras e a pensar a expressão, nessa situação, como uma questão de refazer e aperfeiçoar tais regras para dar maior prazer e promover uma sociabilidade maior junto aos outros” (SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público, S. Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 384.)

No jogo as crianças investem muita paixão em regras absolutamente impessoais, criam um mundo de fantasia para criar prazer e sociabilidade. Levam a sério o jogo não no sentido instrumental ou tático de buscar a vitória procurando entender metodicamente as regras para entender a mecânica do jogo e nunca perder. No jogo aceitamos a experiência, seja boa ou má, vitória ou derrota. A paixão está no desenvolvimento das regras (quando mais prolongado for o jogo, mais prazer) e não no objetivo final Ao contrário do adulto que renega a experiência escondendo-se em estruturas ou estratégias que o mantenha protegido da ameaça da experiência (incerteza, perda, etc.) Esconde-se no clichê para fugir do imprevisível e do perigoso.

Entretenimento e Espontaneidade

Definida a noção de espontaneidade, vamos partir para a história das suas relações com o entretenimento.

Para Neal Gabler no livro “Vida: o Filme” o entretenimento como indústria e, mais do que isso, como fenômeno que vai estruturar a própria experiência, surge nos EUA. Assim como a Suíça exporta chocolate e a Holanda tulipas, os EUA exportarão entretenimento.

Suas origens mais profundas talvez estejam no protestantismo evangélico cuja prática religiosa era em si bastante divertida: fiéis tomados por ataques de catalepsia, convulsões, visões, explosões de riso e cantorias, além de sermões carregados de histórias bizarras, relatos de assassinatos cruéis e deformidades para que os fiéis sentissem nos próprios ossos a esperança, convicção e culpa. Essas histórias, mais tarde massificadas em tablóides e literatura popular, seriam a extensão desse fenômeno religioso tipicamente norte-americano.

Aqui, o entretenimento está associado com as sensações: o inusitado, o bizarro, o inesperado. Estas manifestações espontâneas do cotidiano estão associadas ao Fantástico, ao Mistério. Circos e parques de variedades que expunham deformações humanas serão a base dos arquétipos e iconografia modernas dos filmes de terror e suspense que darão movimento às estruturas-clichê desses gêneros.

Com a entrada da fotografia, cinema e, mais tarde, TV, esse potencial sensacional, teatral e imagético do entretenimento realiza-se tecnologicamente. Nessa primeira fase dos meios visuais e audiovisuais, quando não havia ainda uma linguagem estruturada pelo mundo dos negócios, temos a presença do espontâneo pela relação ainda “desajeitada” ou “disfuncional” do homem com as novas tecnologias de então.

Por exemplo, nas fotografias do século XIX as pessoas parecem ser mais “feias” do que nas fotos atuais por elas ainda não terem em mente a noção de pose e iluminação. Na verdade, eram fotos mais espontâneas do que as atuais.

No cinema ainda havia espaço para uma relação diretor-ator ainda não codificada pelo ritmo da linha de montagem. Por exemplo, na autobiografia da atriz Mae Marsch ela faz um relato das instruções passadas pelo diretor D W Griffith em uma cena em que ela deveria representar medo e pânico. Um diretor convencional diria “Grite!”.

“O Sr. Griffith, ao contrário, perguntou-me se eu já tinha sentido alguma vez na vida medo ou susto. ‘Sim’, eu disse. ‘O que você fez então’,perguntou-me a seguir. ‘Eu comecei a rir’, respondi. Ele soube imediatamente do que se tratava (...) Eu creio que a risada histérica era muito mais expressiva do que os olhos virando ou as lágrimas.” (Citado por PROKOP, Dieter. “O Trabalho com Estereótipos: os filmes de D. W. Griffith”, In: MARCONDES FILHO (org.) Dieter Prokop. Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo: Ática, p.64.)


Com a consolidação do entretenimento como indústria a partir dos anos 30 e o ajuste definitivo do homem e a nova tecnologia temos o desenvolvimento de uma linguagem (estrutura-clichê) específica para cada mídia e gênero, surgindo a necessidade crescente da prospecção da espontaneidade do público.

A primeira estratégia foi a criação do Star System ou a promoção dos atores como “estrelas” (para a visão gnóstica a expressão não é mera coincidência: expressa o desejo secreto de capturar a luz, “estrela”, brilho, para por em movimento o entretenimento). Os produtores logo perceberam que o público reconhecia seus atores preferidos e lhes dava apelidos afetuosos (Mary Pickford a “menina dos cachos” - veja foto ao lado -, Jane Harlow a “vênus platinada”). Não tardou transformar esses atores em estrelas ao explorar o fascínio do público pelas idiossincrasias ou características espontâneas ou únicas, transformando-os em deuses de um Olimpo, isto é, “olimpianos”.

Celebridades e o Ciclo Vicioso da Indústria do Entretenimento

A segunda estratégia foi a da criação das “celebridades”. A exposição das estrelas torna-se mais aprofundada ao procurar no cotidiano delas escândalos, manias, hobbies inusitados, enfim, tudo que desse espontaneidade a atores que já entediavam o público. Logo as estrelas perceberam o mecanismo que produzia a constante exposição nas mídias e passaram deliberadamente, por meio de relações públicas ou jornalistas, a produzir acontecimentos ou eventos para alcançar espaços midiáticos cada vez maiores.

Isso vai criar um ciclo vicioso, uma armadilha para a indústria do entretenimento na busca pela espontaneidade:
“O resultado foi transformar a sociedade num gigantesco efeito Heisenberg, em que a mídia não estava relatando o que as pessoas faziam; estava relatando o que as pessoas faziam para obter a atenção da mídia. Em outras palavras, à medida que a vida estava sendo vivida cada vez mais para a mídia, esta estava cada vez mais cobrindo a si mesma e a seu impacto sobre a vida” (GABLER, Neal. Vida, o Filme. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 97).

A celebridade é tautológica, como definiu nos anos 60 Daniel Boorstin em seu livro seminal "The Image: a guide of pseudoevents in America": “a celebridade é uma pessoa que se caracteriza pela sua notoriedade”. É famosa porque é muito conhecida!

Na verdade, as celebridades, com suas poses, jeito de jogar o cabelo, bocas com os lábios entre-abertos etc., vão reproduzir os clichês imagéticos do cinema e da publicidade.

Se o cinema explorava a espontaneidade por meio do Star System, a Publicidade vai buscar o espontâneo no erotismo, crianças e animais. Quando Marilyn Monroe, talvez uma das primeiras celebridades, se expôs com o seu sex appeal para capturar a atenção das lentes e câmeras, já replicava caras e bocas, outrora espontâneos, do repertório imagético publicitário das pin ups.

A indústria do entretenimento cria uma cilada para ela mesma, um efeito secundário imprevisto: todo esforço em captar a espontaneidade de situações cotidianas no cinema e publicidade (como nas imagens de Norman Rockwell tentando capturar instantâneos da rotina da vida interiorana dos EUA nas capas da “Saturday Evening Post”) resultou num repertório de iconografias, verdadeiras táticas para atrair a atenção de repórteres, promoteurs e produtores. E isso não apenas no campo frívolo das celebridades. Eventos políticos e econômicos surgem em tons exagerados para se igualar ao script dos dramas ficcionais e atrair a atenção das mídias. Os eventos terroristas são aqueles que melhor comprovam essa tese.

A prática jornalista mais preocupada com a “linguagem” do que com o fato demonstra isso: o repórter vira um diretor de cena, conduzindo o entrevistado ou o fato para torná-lo mais “noticiável”, “telegênico” ou “emocionante”.

Em decorrência, a espontaneidade desaparece e a indústria do entretenimento alcança perigosamente o limite do tédio, inércia e perda de interesse. Era necessário renovar as estratégias midiáticas de busca por novos tipos, situações, instantâneos e sensações. Mas isso é assunto para a próxima postagem.

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    domingo, junho 13, 2010

    Sid Vicious, Zina e Charles Wikipedia: o Demiurgo sabe que temos algo especial

    A trajetória desses três personagens repete o mesmo drama arquetípico da mitologia gnóstica: espontaneidade e vitalidade intrumentalizadas para dar vida a estruturas-clichê da indústria do entretenimento ameaçadas pela inércia, assim como, no plano cósmico, o Demiurgo confina o ser humano para extrair dele partículas de Luz para por em movimento um cosmos caótico e ameaçado pela entropia.

    Qual a semelhança entre os personagens citados acima no título dessa postagem? Podemos considerar os três como exemplos da espontaneidade e inocência explorados como formas de injetar energia ou conteúdo “espiritual” as estruturas-clichê estáticas e vazias da indústria do entretenimento. Cada um ao seu tempo, foi pinçado do anonimato por suas características únicas: espontaneidade, boa-fé, alegria, entrega. Únicas no sentido de que neles essas características presentes em cada um de nós estava mais aflorada, prontas para serem fisgadas e confinadas em plots ou scripts desenvolvidos pelas mídias.

    Como já discutimos em postagem anterior, essa é a narrativa de um drama mítico gnóstico: o Demiugo, divindade decaida e artífice dos reinos inferiores ou materiais, inebriado pelo poder e onipotência por crer ser o único deus, cria o cosmos físico como uma cópia imperfeita dos mundos superiores (O Pleroma). Imperfeita por que criou apenas a forma, necessitando da vitalidade da Luz espiritual (sabedoria) para dar propósito ou sentido ao universo caótico. Por isso o homem é mantido aprisionado nesse cosmos por meio da força de reencarnação e pelas ilusões (racionalizações da Ciência, o consolo da religião e a sedução por meio do poder e sensualidade) para criar um conflito cósmico em torno da posse das partículas de Luz (reminiscência dos reinos superiores existente no interior do espírito humano): de um lado o Demiurgo querendo possuí-las para tentar equiparar as suas criações com as emanações do Pleroma e, do outro, Sophia (“mãe” do Demiurgo que o concebeu de forma “ilegítima”ao emaná-lo do Pleroma) querendo resgatar o homem de volta as suas origens, tentando converter a Luz em sabedoria (gnose).

    A indústria do entretenimento repete numa escala micro essa drama cósmico (certamente porque o complexo midiático é mais um instrumento do Demiurgo).

    Se observarmos a trajetória de Sid Vicious, Zina e Charles Wikipédia veremos a recorrência de uma característica: eles entram em cena em momentos em que as estruturas de entretenimento começam a ser ameaçadas pela inércia dos clichês. A espontaneidade (humor, alegria, raiva, imprevisibilidade etc.) é injetada nas estruturas que ameaçam paralisar para dar sobrevida aos negócios e aos compromissos firmados pelas linhas de produção.

    Sid Vicious


    Quando John Ritchie (mais conhecido por Sid Vicious) foi convidado pelo empresário Malcom McLaren para assumir o baixo (?) da banda Sex Pistols, a cena Punk já se esvaziava em novidade, inovação e dinamismo. Nascido em bares e casas noturnas de Detroit e Nova York no início dos anos 70 com bandas como MC5 e nomes como Iggy Pop, era uma cena underground, cheia de energia e espontaneidade que rompia com o imobilismo que chegava toda a psicodelia dos anos 60 (na época, já encampada pelo mainstream fonográfico).

    Quando se fala na “explosão do Punk” em 1977, na verdade é o momento em que a indústria do entretenimento confina essa cena musical num script para consumo. Sex Pistols e seu empresário Malcom McLaren é o exemplo mais evidente dessa época. A banda já existia desde 1975. McLaren pressentia a estagnação final do Punk Rock na repetição das mesmas atitudes até chegar ao ódio e rebeldia sem causa. John Ritchie, fã da banda Sex Pistols, segundo relatos da época, era um completo alienado, desajustado, desempregado, silencioso, fechado, sem falar coisa com coisa. Em seu talento empresarial, McLaren viu nele a possibilidade de um novo script, visceral, uma “bomba atômica em potencial”.

    Levado ao palco, sem saber tocar uma nota no instrumento dado a ele e complacente, assume o script e torna-se o ícone-clichê do punk no apagar das luzes dessa cena musical. Porém, nem tudo pode ser estrutura, ícone ou clichê na indústria do entretenimento. John Ritchie transformado em Sid Vicious tinha, na sua alienação e desajuste, o brilho e a energia necessárias para dar sobrevida a formas que se esvaziavam. Dinheiro e drogas fáceis o cooptaram, ilusões necessárias para que assumisse o script oferecido. Mas, se toda ideologia tem o seu momento de verdade (como dizia Theodor Adorno), sua verdade era a espontaneidade e imprevisibilidade, energias que trariam novidades (nem que fossem escâdalos) para dar movimento a um cenário musical moribundo.

    Zina e Charles Wikipedia

    Para quem assiste o programa "Pânico na TV" desde o seu início em 2003 sabe que o personagem Zina surge num momento de transição no estilo e linguagem dessa atração da Rede TV. Enquanto esteve no “underground”, escondido na programação nas noites de domingo, era uma atração marcada pela espontaneidade, surpresa e humor metalingüístico feito em cima da própria linguagem televisiva, chegando a lembrar clássicos dos anos 80 como “Perdidos na Noite” (início do Fausto Silva) e “Fábrica do Som” (com Tadeu Jungle).

    Havia quadros como “A Hora da Morte” (vídeo-cassetadas levadas ao paroxismo) e humor metalingüístico que lembravam o clássico grupo inglês Monty Phyton (como telejornais onde o áudio era gravado de trás para frente e o vídeo no sentido normal e o personagem César Polvilho, desmontando os clichês do mainstream do telejornalismo). A estrutura-clichê deixa de ser questionada após quatro anos para se acomodar em piadas em cima de celebridades. O Personagem César Polvilho desaparece para transformar-se em repórter que persegue celebridades e tenta ser penetra em festas das colunas sociais.

    Torna-se evidente o crescimento do clichê “o povo fala” (jargão jornalístico para entrevistas rápidas com populares na rua) na busca de injetar energia e humor que já faltava ao programa, engessado que estava na estrutura-clichê após chegar ao mainstream televisivo. Numa dessas surge Zina, o “poeta de uma palavra só” (“Ronaldo!”). Olhar fixo, alienado, desajustado etc., um “freak” perfeito na busca de espontaneidade e improviso que já havia desaparecido.

    Charles Wikipedia é a bola da vez. Com um olhar não tão fixo, mas igualmente perdido e vago, com inúteis conhecimentos e memória enciclopédica. Outro personagem descoberto em um “o povo fala”, é colocado no mesmo script da cobertura da festa com celebridades. Sua alienação e inutilidade da sua memória são formas de injetar energia e alguma graça em clichês já vazios e desgastados.

    Por que rimos ou ficamos fascinados por esses personagens? Duas hipóteses: ou Adorno tinha razão ao dizer que rimos do fato de não termos mais nada para rir, isto é, o nosso riso é sado-masoquista ao vermos no outro o mesmo drama em que vivemos; ou a nossa fascinação vem do fato de que esses personagens desajustados, disfuncionais e alienados nos fazem inconscientemente lembrar nosso próprio drama cósmico, como exilados aprisionados em estruturas das quais desejamos escapar.

    Tal como no filme “O Show de Truman” onde o demiurgo diretor de TV Christof tenta manter Truman aprisionado na gigantesca estrutura cenográfica do Reality Show. Truman era o único personagem espontâneo e real. Antes de conseguir escapar do programa, Christof tenta dissuadi-lo a ficar: “Mas você inspira milhões de telespectadores!”. Talvez a reposta seja a combinação dessas duas hipóteses.

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    sábado, junho 12, 2010

    A TV Globo confirma a existência da Ad-Gnose

    A exibição de chamadas para a série da emissora intitulada "Sagrado" com críticas ao consumismo no meio do intervalo publicitário proporciona momentos impagáveis de absoluto non-sense. Porém, passado o prazer da ironia, a aparente ausência de sentido reflete transformações profundas que estão ocorrendo nos subterrâneos da sociedade de consumo e na Publicidade

    Estava zapeando pelos canais de TV quando, para minha surpresa, me detive diante da imagem de um líder budista brasileiro tecendo alguns comentários sobre os males do consumismo: desejar além do que necessitamos, religiões contaminadas por ondas de consumo, sede de consumo desenfreado, sociedade consumista que valoriza o acúmulo de bens materiais e assim por diante. Pregava-se o “consumo consciente”, em plena tarde da programação da TV Globo, no intervalo publicitário do programa “Video Show”, em meio a muitos anúncios de produtos cuja técnica de persuasão é a da compulsividade e viciosidade . Ao final do vídeo, a assinatura com os logotipos da Fundação Roberto Marinho, TV Globo e do canal Futura.

    Quase caí para trás, num misto de surpresa e risada, diante do absoluto non-sense do que acabava de testemunhar. Quase perdi o fôlego, recuperei-me e pensei: Como pode a emissora de TV, cuja inserção publicitária é a mais cara da mídia nacional, repentinamente cair numa auto-consciência ética e fazer a mea-culpa sobre os males espirituais da sociedade de consumo?

    Mais tarde descobri que aquele final de vídeo que tinha assistido fazia parte de chamadas para uma série que a TV Globo e o Canal Futura lançarão chamada “Sagrado” (clique aqui para ler a notícia no portal da emissora). A série discutirá diversos temas como violência urbana, sexualidade urbana, liberdade de expressão e ... consumo consciente!


    Depois, fui procurar no You Tube mais vídeos de chamadas para essa nova série e me deparei com outro momento absolutamente non-sense e impagável: a atriz Juliana Paes (notabilizada, entre outras coisas, pela aparição em comerciais de cervejas que fazem associações metonímicas entre mulheres gostosonas e cervejas geladas) dizendo que “o homem é o único animal que bebe sem ter sede, come sem ter fome...” para introduzir o tema sobre o consumismo!

    Como entender esta ironia? Para além de qualquer preocupação mercadológica da TV Globo em agregar valores como responsabilidade social e preocupação comunitária à sua imagem, há algo mais profundo. Esse aparente non-sense ou hipocrisia da emissora é o reflexo de um movimento mais profundo das transformações da publicidade e da própria sociedade de consumo: a ascensão da Ad-Gnose como nova forma mais “espiritualizada” de lidar com o consumo.

    Como vimos em postagens anteriores (veja links abaixo), a Publicidade contemporânea está entrando numa nova fase com técnicas persuasivas e motivacionais menos hard (comportamental, subliminar etc.) e muito mais “espiritualizadas” (exploração de simbologias, iconografias e temas arquetípicos, elementos do inconsciente coletivo) . Ao lado da Tecnognose e das tecnologias do espírito (auto-ajuda, auto-conhecimento e estratégias motivacionais), a Ad-Gnose (Advertising + Gnosis) propõe que o consumo seja menos o de produtos tangíveis e muito mais a oportunidade de experiências “emocionais”, “espirituais” e de “auto-conhecimento”.

    Nos vídeos publicitários a presença física do produto tende a desaparecer ou ser deslocada para segundo plano, colocando em destaque narrativas com temas míticos, fantasias, analogias etc. O consumo seria muito menos um ato de acúmulo e ostentação e mais uma oportunidade de buscar um atalho para a iluminação espiritual: comprar-consumir-espiritualizar-se. A gnose sem disciplina, conhecimento, confronto com o status quo ou questionamentos. Um autêntico atalho. Spiritual Delivery!

    Vimos que essa transformação do paradigma do consumo está relacionada com uma necessidade decorrente das próprias transformações da infra-estrutura econômica: os produtos tornam-se cada vez mais parecidos numa economia cartelizada com empresas concentradas em grupos cada vez menos numerosos. Arquétipos são explorados para, ao mesmo tempo, simular diferenciação e concorrência entre produtos por meio da imagem e injetar energia em estruturas-clichê vazias por meio da exploração de autênticos conteúdos espirituais dos desejos e aspirações arquetípicos da humanidade.

    Nesse contexto, passa a fazer sentido a repentina consciência ética da TV Globo: as tradicionais críticas contra a sociedade de consumo foram definitivamente absorvidas pelo mainstream porque o consumo deixou de ter, há muito tempo, um caráter materialista. Lamas, budistas e umbandistas são colocados na série “Sagrado” criticando os valores inautênticos da sociedade consumista porque essa crítica já foi cooptada há muito pelo capitalismo. Isso porque o consumo deixou de ser materialista e se deslocou para esferas mais espirituais.

    Sob a fachada da consciência crítica e ética, o discurso do “consumo consciente” é o último hit que sustenta as transformações radicais que estão ocorrendo nos subterrâneos da sociedade de consumo e na Publicidade. Mais do que isso, talvez estajamos diante de uma estratégia pedagógica generalizada para educar os consumidores aos novos tempos menos "materialistas" da Publicidade. O "espiritual" na Ad-Gnose é muito menos transcendência e mais imanência. Sob a aparência do aprendizado espiritual esconde uma mais sofisticada e invasiva estratégia, dessa vez indo mais além do que o comportamento e o psiquismo: a alma.

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    domingo, junho 06, 2010

    Série Lost, Última Temporada: Trapaça do Roteiro ou Mitologias Gnósticas?

    Lost termina com seus fãs divididos: de um lado, aqueles que se sentiram traídos pelos roteiristas da série e, do outro, aqueles que não se incomodoram com enigmas não explicados pela série. Mas o interessante de Lost não está na ansiedade pelas soluções cartesianas que o roteiro poderia resolver ao final, mas nos grandes simbolismos ou mitologias que surgem justamente nessas lacunas da narrativa.

    De todas as discussões em fóruns na Internet e em grupos de fãs da série televisiva norte-americana Lost, as opiniões se dividiram basicamente em duas tendências: a primeira que viu a série como uma grande trapaça dos roteiristas: ursos polares que aparecem em selvas tropicais, hieróglifos egípcios que aparecem em ruínas de uma civilização antiga na ilha, os “Outros” que falavam em latim, bases polares onde se fala em português etc, todos e outros numerosos enigmas ficaram soltos e sem explicação na trama. A solução final, aliás esperada, de que todos já estavam mortos (suspeita ampliada com os flashfowards da sexta temporada), pareceu um “Deus Ex-Machina” (termo para designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade na narrativa, para solucionar becos sem saída encontrados em roteiros mal conduzidos).

    A segunda tendência defende que os mistérios devem permanecer, faziam parte do charme ou dos pressupostos da série Lost. Os mistérios deixados sem explicação só fizeram acentuar que o enigma da ilha é muito antigo, tão antigo quanto a própria espécie humana, portanto, impossível de serem explicados em seis temporadas em uma série televisiva. Na verdade, o desenlace final (ou a pergunta final de Jack: “Estamos indo para onde?) seria apenas a ponta do iceberg, o aspecto visível de uma trama cósmica que vai além da compreensão humana. Em síntese, o Mistério por trás daquela enigmática igreja onde os protagonistas da série se reúnem ao final, aparentemente católica, mas, pelos vitrais (com simbolismos de todas as principais correntes místico-religiosas – cristianismo, islamismo, judaísmo, taoísmo, budismo etc.), uma igreja especial, de caráter ecumênico (veja foto abaixo).


    Vamos esquecer, portanto, todos os pequenos mistérios e enigmas lançados ao longo das temporadas da série (aliás, é disso que vive o roteirista). Vamos deixar de lado nossa tendência cartesiana de querer que um roteiro esgote todas as explicações e feche-se em si mesmo. Vamos nos concentrar nos grandes arquétipos ou simbolismos trabalhos pela série: personagens presos em uma ilha querendo escapar, cada um deles com um passado do qual queriam também escapar, esquecer. Todos sincronicamente reunidos num vôo que não terminará. Um acidente aéreo os fará cair numa ilha perdida em algum lugar no tempo e no espaço. Todos (a ilha e suas vidas) em estado de SUSPENSÃO.

    Estamos lidando com um arquétipo gnóstico do VIAJANTE, estado alterado de consciência que possibilitará a gnose (iluminação) por meio do estado da suspensão (anulação do pensamento racional, algo próximo ao mantra ou meditação). Jacob, Desmond, Locke e, no final, Jack, foram crentes: renunciaram suas racionalidades para se dedicarem a mantras repetitivos para “salvar o mundo” (apertar botões, defender cavernas com luzes etc.).

    No episódio 16 (em minha opinião o mais importante de toda a série pois sintetiza a gênese e a comogonia da Ilha), temos o forte simbolismo gnóstico da Luz e do cosmos que aprisiona a todos. Filhos de uma mãe assassinada pelo Demiurgo (uma mulher que guarda o segredo da Luz que mantém a existência da Ilha) estão presos na Ilha. Sua madrasta tenta mantê-los a todo custo na ilha dizendo que nada existe fora dela. Tal qual na mitologia gnóstica, o cosmos que nos aprisiona é um constructu constituído por formas vazia postas em movimento pelas partículas de Luz presentes em cada ser humano. Quando a madrasta apresenta o mistério da Ilha (a Luz confinada numa caverna que mantém a existência da Ilha) diz: “esta Luz também está no interior de cada um de nós”. Tudo que o irmão de Jacob quer é “voltar para casa”. Ele descobre que aquela ilha não é o seu lugar (assim como os humanos no cosmos físico) e se une a um grupo de “cientistas” (“homens que se preocupam em saber o funcionamento das coisas”) que querem roubar aquela Luz (abrir a “rolha” que confina a todos na ilha).

    Aqui começa uma nova simbologia arquetípica explorada pela série: o gnosticismo alquímico versus gnosticsimo cabalístico. Como já discutimos em postagem anterior (ver abaixo links sobre postagens relacionadas), as narrativas gnósticas simbolizam esta ansiedade humana em transcender a própria carne e superar as limitações físicas e existenciais do espírito. Duas soluções são apresentadas: de um lado o atalho da tecnociência cabalística (a “tecnognose”) representada na série pelo manipulativo Projeto Dharma e a pretensão do irmão e antagonista de Jacob (a “fumaça preta”) de escapar da Ilha a partir do momento que consiga afundá-la (apagando a Luz do “coração da Ilha”). O passado tem que ser simplesmente descartado, esquecido. A carne, a existência física, deve ser simplesmente desprezada e eliminada, sem nada aprender da sua memória (dor, sofrimento etc.).

    Do outro lado, a transcendência alquímica: Jack no final restabelece a Luz na Ilha, pouco antes da sua morte. Simultaneamente, no flashfoward, a revelado pelo seu pai a verdade: todos morreram (cada um no seu tempo) e se reuniram inconscientemente naquela espécie de existência paralela (ou um limbo). Cada um viveu o período mais importante da sua vida naquela ilha, todos junto. Portanto, como explicou o pais de Jack, todos estão ali juntos, vivendo naquele limbo, para relembrarem e, depois, esquecerem. Devem compreender o passado (perdoar uns aos outros, por exemplo, como o fez Hugo com Linus) para prosseguir em frente, superando e prosseguindo nas suas jornadas espirituais.

    Tal como na Alquimia onde a matéria deve ser redimida e não simplesmente descartada, em Lost todos estão em estado de suspensão à espera do momento da iluminação (gnose) que, como vimos, surgiu em momentos intuitivos como flashs, deja-vus. A iluminação veio da redenção (compreensão do que se passou na Ilha). A simples destruição daquela ilha, como pretendia a “fumaça preta” não, propiciaria essa compreensão.

    Em síntese: o penúltimo e último episódios da última temporada pelo menos conseguiram amarrar fragmentos de elementos gnósticos soltos ao longo da narrativa (multifacetamento da realidade, realidade vista como um constructu, suspensão, paranóia, confusão entre realidade e projeção psíquica etc.).

    Por isso, o interessante de Lost não está na ansiedade pelas soluções cartesianas que o roteiro poderia resolver ao final, mas nos grandes simbolismos ou mitologias que surgem justamente nessas lacunas da narrativa.

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    quinta-feira, junho 03, 2010

    Ad-Gnose e Tecnognose: Atalhos para Satori

    Ad-Gnose (Advertising + Gnosis) e Tecnognose: duas promessas de espiritualização no horizonte cultural. Espiritualização rápida, indolor, sem contradições ou confrontos. Depois do "aqui está o produto. Compre-o!", agora a Publicidade diz: "aqui está a oportunidade de renovação espiritual!". Mais uma vez a energia espiritual deve ser capturada para dar movimento às formas vazias e inertes da indústria do entretenimento.

    Certa vez Theodore Roszak no seu trabalho “From Satori to Silicon Valley” ironicamente sintetizou a motivação mística por trás das novas tecnologias computacionais: “um atalho para Satori” (Satori – termo japonês budista para “iluminação”, atingido com esforço doutrinário ou disciplinar).

    Para além do discurso utilitarista ou racional das novas tecnologias (eficiência, redução de custos e tempo, eficácia etc.), a motivação mística ou gnóstica aparece como um subtexto: como a possibilidade de uma experiência de superação dos limites corpóreos, habitar o tempo, transcender ao ciberespaço e abandonar a imobilidade do espaço e da carne. As novas tecnologias possibilitariam a experiência da gnose, porém, sem ascese, disciplina ou reforma íntima. A tecnologia é o atalho puro, o mais rápido para ansiedade atávica da espécie em escapar desse cosmos físico. Em postagens anterioras (ver abaixo as postagens relacionadas) discutimos que esse gnosticismo está imbuído de princípios cabalísticos no sentido de desprezar o mundo material per si, sem redimi-lo, encarando a carne e a própria materialidade como um golem, caos, disformidade, algo queadeve ser simplesmente descartado.

    Mas outra espécie de tecnologia surge no horizonte da cultura: as tecnologias (e a sua aplicação prática, a engenharia) do espírito. Sua origem está na área de auto-ajuda e autoconhecimento, formas secularizadas de uma teologia positiva, isto é, formas de auto-divinização: a partir de técnicas análogas às tecnologias computacionais (interação, simulação, rede, recursividade etc.), o ser humano se auto-conheceria (na verdade se auto-reprogramaria) para libertar-se das limitações corpóreas e existenciais, tornando-se motivado, positivo e vencedor. Adaptar-se ao mundo corporativo e dos negócios é mais do que ganhar dinheiro. É uma jornada espiritual de autoconhecimento.

    Temos aqui outro “atalho para Satori”: a partir de livros esquemáticos e muitos cursos à base de apostilas em Power Point (a simplificação da simplificação) alcançamos a gnose de forma rápida e sem perda de tempo. De novo o princípio cabalístico: nada temos a aprender com a memória da carne (a dor, traumas, sofrimentos etc.). Devem ser descartadas (ou melhor, deletadas) como se apertasse um botão em um teclado de computador.

    Associa-se a essa área a última novidade na engenharia espiritual: a Ad-Gnose. Ao explorar o vasto repertório arquetípico do inconsciente coletivo da espécie, a Publicidade vai oferecer o atalho da concretizção imediata dos anseios e desejos do inconsciente coletivo, por meio de produtos e da materialidade das imagens. O que era simbólico agora é material: mais do que comprar o produto, o fato de desejá-lo seria já uma experiência espiritual.


    As Origens da Ad-Gnose


    Há muito tempo a Publicidade deixou de ser orientada pelo princípio comportamental do “aqui está o produto. Agora compre-o!”. Desde o início a Publicidade esteve envolvida com um aspecto mágico e fetichista. Karl Marx, na obra máxima “O Capital”, já apresentava o capitalismo como uma fantasmagoria religiosa com a noção de fetichismo da mercadoria (ao invés de Deus, o homem passa a idolatrar e ser dominado pelo dinheiro, capital e mercadoria, entidades criadas pelo próprio homem). Toda a tradição da chamada “Teoria Crítica da Sociedade” vai identificar esse fenômeno na Indústria Cultural e na “Estética da Mercadoria” na publicidade (velha e nova geração da Escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Prokop e Haug). Aqui, ainda temos essa dimensão “mágica” ou “mística” ainda confinada na materialidade do produto. É como se o produto tivesse vida própria ao ser incorporado nele qualidades humanas ou mágicas de transformação. Se o homem quer essas qualidades de volta, deve adquirir o produto. Se o homem não consumir, ele estaria vazio e sem propósito.

    Ao longo do século XX a Publicidade empregou diversas táticas da engenharia espiritual: técnicas comportamentais (behaviorismo e táticas subliminares), psicológicas (motivação, gratificação, cognição, necessidades psicológicas etc.) e psicanalíticas (compulsão e dependência oral, narcisismo, voyeurismo, erotismo etc.). Mas ainda temos o psiquismo ou subconsciente atrelados à existência do produto.

    Numa economia cartelizada e caracterizada pela alta concentração das empresas em poucos grupos transnacionais, os produtos tornam-se cada vez mais idênticos, em tecnologia, imagem, função e utilização. As estratégias de diferenciação tornam-se cada vez mais superficiais, levando o produto às raias do supérfluo e da frivolidade. Por exemplo, pastas de dentes tornam-se idênticas na sua composição e função. Como diferenciá-las para “aquecer” o mercado e simular uma competição? Através da marca-fantasia e características hiperbólicas (“flúor garde”, “pró-menta”, “clean mint”, “mentol”,”Colgate total 12”, e assim por diante). Mas as figuras de retórica, embora numerosas, são finitas e se esgotam.

    A Publicidade deve dar um novo salto qualitativo: paradoxalmente fazer o produto desaparecer no anúncio, transformando-o muito menos em algo a ser adquirido do que a ser experimentado como evento, jornada, descoberta ou renovação pessoal.


    Assim como no passado onde o início da publicidade moderna originou-se no esforço em desconectar o motivo da compra do produto da sua utilidade (obliterar o valor de uso, fazendo o consumidor comprar o produto pela sua inutilidade), agora a Publicidade deve dar um novo salto qualitativo: paradoxalmente fazer o produto desaparecer no anúncio, transformando-o muito menos em algo a ser adquirido do que a ser experimentado como evento, jornada, descoberta ou renovação pessoal.

    O primeiro movimento para esse salto foi o surgimento da técnica de segmentação VALS (Values, Advertising e Life Style) idealizada pelo futurólogo norte-americano Arnold Mitchell nos anos 70 e aprimorada nos anos 90. Além da tipologia psicológica, sua grande inovação foi a expansão do conceito de consumo: consumir não é apenas comprar mas, sobretudo, desejar. Desejar valores e estilos de vida inalcançáveis pela maioria da população, porém agregando valor às marcas. Explicando melhor, o desejo frustrado da maioria faz apenas agregar valor a marcas e estilos de vida consumidos efetivamente por uma minoria.

    Marcas produzem eventos (maratonas, concursos, passeios de bicicletas etc.) com milhares de participantes que apenas desejam, mas não têm poder aquisitivo para consumir os produtos. Mas vivenciam seus desejos, agregando valor a produtos restritos a poucos. A separação entre o desejo e a aquisição imediata do produto foi o primeiro passo dessa engenharia do espírito.


    Ad-Gnose: mais um atalho para a Gnose

    Mas ainda a técnica VALS mantém um laço, ainda que tênue, entre o desejo e a aquisição produto. A frustração pelo não-consumo da maioria é o que agrega valor às marcas das minorias. Portanto, apesar dos valores e estilos de vida, o produto ainda continua lá, num horizonte potencial de consumo.


    Na Ad-Gnose temos a imaterialidade plena do produto. Para além dos valores e estilos de vida, algo mais profundo, no espírito, deve ser mobilizado: os arquétipos . Como símbolos do inconsciente coletivo aglutinadores de anseios, dúvidas e esperanças mais profundas da espécie humana, do ponto de vista gnóstico seriam a manifestação visível das partículas de Luz presente em cada um. Essa energia espiritual ou partícula de Luz em cada um de nós manifesta-se no cotidiano por meio da espontaneidade, inocência, boa-fé, bondade, compaixão, alegria, entrega e integridade de propósitos. Os arquétipos traduziriam esse élan em temas, tipologias, narrativas ou símbolos que, tal como a linguagem dos sonhos, canalizariam esse magma espiritual (Freud chamaria de Id), “materializando-o”. A compreensão e vivência do arquétipo potencialmente propiciaria a gnose e a possibilidade de transcendência e, como conseqüência, o confronto com esse cosmos material.

    Mas a Ad-Gnose não é transcendência, mas imanência, não compreende ou vivencia o arquétipo, mas instrumentaliza-o. Toda a indústria do entretenimento necessita dessa energia pra dar vida às formas vazias e inertes que estruturam seus produtos.

    Um exemplo é o filme publicitário “Gêmeos” da operadora “Oi”. Aplicando a caracteriologia arquetítipica de Carol Pearson, o filme aborda o arquétipo “O Nomal” (The Regular Guy) com o personagem do “Ligador” (veja foto acima). Pela descrição dada por essa pesquisadora, o Normal é aquele que quer estar em conexão com os outros, ser amado, querido ou, na tradução publicitária, ser popular. Como o próprio Freud já observou sobre a psicologia de massas e o mal estar da civilização, mais que a morte o que o homem mais teme é não ser amado, ficar solitário. Esse temor criaria uma armadilha que será a base da psicologia de massas: o medo da solidão conduz ao espírito gregário, querer fazer parte da maioria, anular a individualidade e o pensamento crítico.

    O que seria a Sombra do arquétipo, o filme publicitário traduz como aspecto positivo. Confina o momento de verdade do arquétipo (amor e interesse pelo outro, compaixão e solidariedade) na bajulação e conformismo. A energia do arquétipo é instrumentalizada para o objetivo mais óbvio da operadora: façam bastantes ligações para termos mais lucros.

    O subtexto na Ad-Gnose é esse: mais do que consumir um produto ou serviço, o consumo é a possibilidade de renovação ou enriquecimento espiritual. É um evento, jornada, experiência. O produto “desaparece” ou é deslocado para segundo plano para prometer ao consumidor um atalho para o enriquecimento espiritual: a gnose.

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    domingo, maio 30, 2010

    Ad-Gnose: A Engenharia do Espírito na Publicidade

    Depois da Publicidade atingir o comportamento e o subconsciente com as técnicas behavioristas e subliminares, e o inconsciente com as abordagens psicanalíticas, temos agora o ápice com uma verdadeira engenharia espiritual: a “Ad-Gnose” (Advertising + Gnosis). Para além do comportamento e do insconsciente, o próximo alvo é o próprio espírito com as abordagens arquetípicas cada vez mais sofisticadas na Publicidade.

    A idéia dessa postagem originou-se numa questão levantada por um aluno na aula de Estrutura de Roteiro no curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Anhembi Morumbi. Estávamos discutindo a aplicação de arquétipos nos roteiros de diversos filmes publicitários que analisávamos. Quando, então, paramos no filme da operadora de telefonia celular Oi intitulado “Moda”. O filme comparava a moda de antigamente (que apertava ou restringia com espartilhos, corpetes etc.) com a atual (que preza a liberdade de movimentos e escolhas). No final do filme, o slogan “Liberdade é estar na moda”. A questão levantada se o slogan seria uma contradição: mas estar na moda é seguir a tendência da maioria, portanto, não há liberdade. De imediato veio à minha cabeça a “novilingua”, linguagem criada pelo Grande Irmão da distopia 1984 de George Orwell onde contradições eram esvaziadas numa linguagem banalizadora (“guerra é paz”, e assim por diante). Mas, quando discutimos arquétipos, a questão é mais complexa do que a discussão em planos semânticos no campo da lingüística.

    O filme publicitário da Oi trabalhava com o arquétipo do Explorador, focando o aspecto da sua Sombra: o medo de estar preso, confinado, limitado nas possibilidades de aprender e fruir novas experiências, ficando alienado e desconectado dos outros. Ou seja, um desejo atávico da espécie (transcender, ir além etc.) traduzido através do serviço de telefonia celular e, principalmente, confinado em um slogan contraditório, onde o anseio pela liberdade se esgota na imanência da moda.

    Mas há um aspecto mais profundo: num sistema econômico estático e cartelizado, onde os produtos são cada vez mais idênticos, a única forma de injetar élan ou energia no sistema é através do aprisionamento dos aspectos mais espontâneos dos indivíduos – Luz e Espírito traduzidos pelos arquétipos instrumentalizados pela Publicidade. É o que chamaremos de “Ad-gnose”.

    Da cartelização aos arquétipos

    Desde o crash da Bolsa de Nova York de 1929 (onde a economia capitalista mundial quase foi para o ralo) há uma tendência cada vez mais crescente pela monopolização e cartelização de amplas áreas da economia. A guerra de preços de uma economia competitiva (razão profunda do crash de 1929) foi substituída pelo controle dos preços e das demandas (dos desejos por consumo) por meio da cartelização e da Publicidade. Nesse novo cenário, progressivamente os produtos se tornam cada vez mais idênticos: as práticas gerenciais, os processos produtivos e a tecnologia tornam-se cada vez mais parecidas entre as empresas no interior de um cartel ou inseridas em gigantescos grupos transnacionais.

    A indiferenciação entre os produtos torna-se uma ameaça de inércia ao ímpeto de consumo do mercado. Sucessivas estratégias passam a ser empregadas pela publicidade no sentido de simular diferenças e competição. Dos testemunhais ligando celebridades do star system hollywoodiano aos produtos, passando pelas associações simbólicas de status e prestígio, até chegar, nos anos 50 e 60, às táticas de inspiração subliminar e até psicanalítica (explorando a compulsividade, impulso, viciosidade e dependência psicológica), cada vez mais a Publicidade vem aprimorando uma espécie de engenharia do espírito. Com a Globalização e a radicalização da concentração das empresas em cada vez menos grupos transnacionais, as táticas de simulação das diferenças dos produtos no mercado necessariamente devem se tornar muito mais sofisticadas, sob risco de todo o imaginário do consumo (sofisticação, concorrência, inovação tecnológica infinita e satisfação) entre num estado inercial. Depois de atingir o comportamento e o subconsciente com as técnicas behavioristas e subliminares, e o inconsciente com as abordagens psicanalíticas, temos agora o ápice com uma verdadeira engenharia espiritual: a “Ad-Gnose” (Advertising + Gnosis). Para além do comportamento e do insconsciente, o próximo alvo é o próprio espírito com as abordagens arquetípicas cada vez mais sofisticadas na Publicidade.


    Podemos identificar as origens do desenvolvimento dessa engenharia profunda na criação da técnica VALS (Values, Advertising e Life Style) de segmentação, desenvolvido no final dos anos 70 pelo futurólogo norte-americano Arnold Mitchell e finalmente aprimorado no início dos anos 90. O método baseava-se na segmentação de mercado por perfis psicológicos: os indivíduos seriam motivados menos por fatores comportamentais ou individualistas e muito mais por ideais, valores e estilos de vida que poderiam ser classificados em oito tipologias: Inovadores, Sobreviventes, Conservadores, Realizados, Esforçados, Vitoriosos, Experimentadores e Criadores. Isso orientou a publicidade a buscar “valores agregados” aos produtos tais como filosofias, missões, metas etc. e não mais o estilo “duro” do imaginário do status e prestígio.

    Mas apenas isso não era suficiente. Era necessário alcançar um plano mais “místico” ou “mágico” mais em consonância com os tempos “New Age” em que vivemos.

    Carol Pearson, PhD em Psicologia e professora em Estudos sobre Liderança da Maryland University nos EUA vai encontrar, a partir dos estudos da simbologia arquetípica do psicanalista Karl G. Jung, doze modelos de simbologia inconsciente que,segundo ela, motivariam a espécie humana: Inocente, Explorador, Sábio, Herói, Fora-da-Lei, Mágico, Normal, Amante, Palhaço, Protetor, Criador, Poderoso. A princípio voltado para servir de ferramenta para táticas de engenharia organizacional, chega ao mundo do Marketing e da Publicidade como conceitos orientadores de roteiros de vídeos publicitários e como estratégia de de criação da imagem de marcas.

    Nos seus livros "Awakening the Heroes Within: Twelve Archetypes That Help Us Find Ourselves and Transform our World" (Harper SanFranc isco, 1991); "Magic At Work: Camelot, Creative Leadership and Everyday Miracles" (DoubleDay, 1995); "The Hero and the Outlaw: Building Extraordinary Brands Through The Power of Archetypes"(McGraw- Hill, 2001); "Mapping the Organization Psyche: A Jungian Theory of Organizational Dynamics and Change" (CAPT: Center for Applications of Psychological Type, 2003) está claro que a motivação humana é a principal preocupação da organizações, negócios, marketing e publicidade.

    Em Jung os arquétipos são símbolos do inconsciente coletivo, símbolos atualizados por diversos meios (misticismo, religião, lendas, mitos até chegar à forma mais mística da publicidade contemporânea) onde são aglutinadas aspirações, desejos e grandes questões metafísicas e existenciais da espécie humana. Vivenciar um arquétipo é se sintonizar nessa rede inconsciente de significantes, nem que seja por breves flashs, como num déjà-vu.

    Em termos gnósticos, os arquétipos são as manifestações dessas partículas de Luz presentes em cada um de nós que nos liga às nossas verdadeiras origens espirituais (o processo da gnose), vislumbrando a possibilidade de transcendência desse cosmos material que nos confina.

    Na Ad-Gnose essas partículas de Luz ou espírito são traduzidas como “motivações”, fonte de energia para serem aglutinadas e aprisionadas em narrativas e imagens que ponham em movimento o imaginário do consumo que convive com a ameaça da estagnação e da entropia: a descoberta de que, no final, todos os produtos se equivalem e que as diferenciações são meramente sígnicas ou imagéticas.

    Por exemplo, se nos filmes publicitários sobre sabão em pó as donas de casa são representadas pela mesma caracteriologia clichê (magras, morenas, cabelos lisos, em torno dos 30 anos e o mesmo olhar terno para o filho que aparece imundo dos pés até a cabeça etc.), o arquétipo será aquilo que captará a “motivação” do consumidor, injetando espontaneidade e energia num design estático e vazio.

    sábado, maio 22, 2010

    "Porque Sabemos que Você Tem Algo Especial", diz o Demiurgo

    O concurso do canal infantil de TV Discovery Kids é emblemático. O concurso busca novos apresentadores para seus programas. Seu tom de emergência e recrutamento parece denunciar essa secreta necessidade da indústria do entretenimento: assim como o Demiurgo no campo cósmico, os Arcontes no campo micro da mídia buscam a Luz e energia espirituais de cada um de nós para por em movimento um design imperfeito e estático.

    As narrativas mitológicas gnósticas vêem o homem como um exilado ou um estrangeiro dentro de um cosmos que lhe é hostil, governado por um Demiurgo que não o ama mas que o aprisiona no interior da sua criação com um único objetivo: aprisionar a energia que o homem contém (Espírito ou Luz).

    Originado de um Anthropos que decaiu nesse universo material em tempos imemoriáveis como resultado trágico de uma batalha cósmica entre os reinos da Luz (Pleroma) e o Demiurgo, o homem é constantemente seduzido pelas ilusões materiais criadas pelos Arcontes.

    Os Arcontes, ou os “pequenos regentes” tal como descritos nas narrativas gnósticas, são os maliciosos anjos criados pelo Demiurgo para auxiliá-lo, por meio das armas do mal e da ilusão, a manter o homem aprisionado no interior dos círculos da matéria. Eles têm a capacidade de iludir por meio da religião, Ciência ou Razão e pela capacidade de seduzir através da sensualidade ou pelos símbolos de Poder.

    Tudo isso porque na criação do Demiurgo há uma incompletude na arquitetura cósmica da criação: ele não cria diretamente o mundo, mas somente um modelo etérico, faltando para essa criação a energia que a anime: o Espírito ou a Luz. Ele está à procura do elemento que anima o cosmos material, a Luz que está mesclada com a escuridão. Originada nos reinos das alturas (o Pleroma), esta luz mescla-se na escuridão porque o ser humano, inconscientemente, a detém. Por isso, o Demiurgo tenta aprisioná-lo para extrair dele esse elemento que, organizado pelos princípios corrompidos do cosmos físico, completará a lacuna da sua criação.

    A mídia e a indústria do entretenimento parecem reproduzir em termos micro essa incompletude macro-cósmica. Como mais uma ferramenta do Demiurgo (afinal, a mídia e a indústria do entretenimento são a fusão perfeita entre Ciência e Religião, Tecnologia e Feitiço - ou fetichismo), ela é pura forma, clichê, estereótipo, mercadoria. É apenas um modelo que necessita de algo que a anime, que a ponha em movimento: a energia, espontaneidade, inocência etc. Ou seja, necessita das partículas de Luz ou daquilo que torna cada um de nós único, brilhante e espiritualmente conectado com as nossas origens ancestrais, o Pleroma.

    O slogan do concurso do canal infantil Discovery Kids “porque sabemos que você tem algo especial” é muito sugestivo e dá o que pensar nesses termos gnósticos. O tom do evento do Discovery Kids é convocatório e urgente: “Estamos procurando apresentadores como você”. O nome do concurso é sedutor: “Participe do concurso Vire a Estrela”.

    Mais do que seduzir por meio do imaginário narcísico-voyeurista-exibicionista (tornar-se uma “star”), a indústria do entretenimento procura de diversas formas recrutar pessoas que tenham aflorada essa energia espiritual necessária para dar vida às formas vazias e estáticas dos produtos culturais.

    Essa energia espiritual ou partícula de Luz em cada um de nós manifesta-se no cotidiano por meio da espontaneidade, inocência, boa-fé, bondade, compaixão, alegria, entrega e integridade de propósitos. A gnose seria a busca interior do sentido espiritual para essas manifestações cotidianas das partículas de Luz que animam o espírito. Compreender isso por meio da gnose significa entrar em confronto com esse cosmos físico no qual estamos aprisionados, já que essas energias transcendem ou não podem ser contidas pelos papéis ou normas sociais ou políticas.

    Mas todo o processo sedutor da indústria do entretenimento reside em nos convencer de que essa verdade que já está presente em cada um de nós não nos basta. É necessário transformar em imagem midiática. Da mesma forma que para muitos pais corujas não basta o filho apenas existir, mas precisa que a sua existência transforme-se em imagem (transformar o filho em modelo publicitário, enviar vídeos para sites infantis ou avidamente esperar que apareçam em canais de TV). É precisamente dessa exteriorização que a indústria do entretenimento necessita, para canalizar essas energias para animar os clichês e estereótipos.

    Muitos pesquisadores da linha da Teoria Crítica já perceberam essa dinâmica perversa. Por exemplo, Theodor Adorno percebia a dinâmica entre as formas padronizadas da indústria cultural e a espontaneidade necessária para dar movimento. Principalmente nas suas análises sobre a música popular, Adorno entendeu a tensão potencialmente emancipatória entre o padrão (o leitmotiv e a melodia na música) e elementos potencialmente espirituais, energéticos ou transcendentes (o atonal, o contra-ponto etc.). Tanto é verdade que o seu projeto final (abreviado pela morte), representado pela obra “Dialética Negativa”, seria o de perscrutar a espontaneidade presente nas massas, para além dos modelos estáticos da indústria cultural.

    O alemão Dieter Prokop tentou dar continuidade a esse insight de Adorno sobre a discussão sobre “Fascinação e tédio nos produtos culturais. Essa passagem é muito interessante na nossa reflexão gnóstica:

    “Fascinante é uma certa independência despreocupada em algumas representações e gestos de cantores e cantoras de hits: um prazer sincero em representar, uma firmeza, um contentamento consigo mesmo, uma insuficiência, gestos de uma auto-representação narcisista inabalável demonstrada em forma que suscita admiração e inveja” (PROKOP, Dieter. Dieter Prokop, Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo: Ática, 1987, p. 150).

    Em síntese, o fascinante é ver um star que já sabemos, de antemão, ser mais do mesmo, porém com elementos de espontaneidade e inocência despreocupada.

    O concurso do Discovery Kids é emblemático. Seu tom de emergência e recrutamento parece denunciar essa secreta necessidade da indústria do entretenimento: assim como o Demiurgo no campo cósmico, os Arcontes no campo micro da mídia buscam a Luz e energia espirituais de cada um de nós para por em movimento um design imperfeito e estático. Fascinados, somos seduzidos pelas estrelas como se elas fossem pessoas especiais, ungidas e escolhidas, sem sabermos que em cada um de nós temos igualmente esse “anima”. Porém, somos levados a acreditar que somos vazios e dependentes dessa energia transmitida pela mídia, quando, na verdade, temos exatamente o inverso.

    A exploração da ingenuidade e inocência


    Acredito uma das traduções fílmicas mais exatas dessa realidade está no filme O Quarto Poder (Mad City, 1997) do diretor Costa Gavras. Conhecido por filmes com tramas de forte conotação política, nesse filme ela põe a mídia em questão, mas não apenas no aspecto político mais imediato: vai mais além, explorando dimensões metafísicas.

    Sam Baily (John Travolta), desesperado por ter sido demitido do seu trabalho como segurança, retorna ao local do seu emprego (Museu de História Natural) para tentar entrar em um acordo com sua patroa (a curadora do museu Mrs. BanksBlythe Danner). Intencionando intimidá-la, Sam chega armado e com uma sacola repleta de dinamites. Max Breckett (Dustin Hoffman – um jornalista em baixa após ser punido pela rede de TV onde trabalha com o rebaixamento a uma emissora regional) está no museu quando, acidentalmente, Sam dispara sua arma atingindo outro segurança que sai para a rua cambaleando. Em reação, Sam toma a todos no museu como reféns (crianças que visitavam o museu naquele momento e Mrs Banks). Max tem em mãos um furo de reportagem que poderá fazê-lo novamente retornar ao jornalismo nacional da emissora.

    A partir daí, Max fará de tudo para conduzir a história à repercussão nacional, criando um circo midiático em torno do museu. Sam, um ingênuo e comum morador de uma típica cidade do interior, vê-se enredado numa teia de interesses que tem a mídia como o centro de tudo.

    Por que a mídia interessa-se pelo drama pessoal de Sam Bailey? Aos 35 anos e sem emprego sente-se acabado e sem perspectiva. Esconde da esposa a perda do trabalho, tentando resolver tudo por conta própria. Melancólico e impotente diante dos fatos da vida (não tem estudo e não se acha inteligente ou esperto), vê na mídia (personificada pelo “rapaz das notícias”, Max Breckett) o único caminho para uma saída. Max fala que ele é popular e simpático para a opinião pública. Para Sam, Max torna-se seu agente pessoal. Pensa em um livro sobre a história, um telefilme e até um programa sobre pesca, o “Cantinho de Pesca do Sam”. Tal qual Max, Sam é traído pelo jogo midiático. Sam é ingênuo e espontâneo, matéria-prima necessária em qualquer show midiático para, em seguida, esta essência íntima ser corrompida pelo script e protocolos do roteiro ficcional.
    Max: por que não estudou?
    Sam: não tinha dinheiro... e parece que não era muito inteligente
    Max: também não estudei... não podia pagar
    Sam: como é que fez para ser tão esperto?
    Max: dizem que graças ao meu encanto... é algo que você tem
    Sam: encanto?
    Max: encanto, personalidade
    Sam: nesse caso poderia animar um programa de televisão?
    Max: por que não? Já é até famoso!
    Sam: sim, mas famoso no mal sentido
    Max: Não tem importância em
    televisão. Sabem quem é.

    A ingenuidade e espontaneidade de Sam é o que busca o Demiurgo midiático, o que torna o seu drama telegênico. Max orienta Sam a acompanhar um script, ou uma espécie de protocolo, que a mídia e a opinião pública esperam em eventos como esse Sam assume o personagem de seqüestrador, consegue a simpatia da opinião pública e até pensa em um futuro programa na TV. Assim como na mitologia gnóstica o Demiurgo cria a forma, mas não o conteúdo da existência (necessitando da matéria-prima humana para dar vivacidade à criação), da mesma maneira a mídia precisa capturar e explorar o espontâneo e o ingênuo para dar movimento ao clichê do seu universo.

    segunda-feira, maio 17, 2010

    Uma Pequena História do Cinema Esquizo

    Como já refletiu pensadores gnósticos como Valentim, a paranoia e esquizofrenia podem ou arrastar o indivíduo à insanidade ou a um estado alterado consciência que abra espaço para a gnose. Percebe-se na história do "cinema esquizóide" essa mesma dualidade entre os ápices onde Hollywood permite a produção de filmes esquizofrenicamente perturbadores e subversivos e "filmes de recuperação", verdadeiros neuropléticos onde a paranóia é confinada nos limites racionalizantes do mercado.

    Desde a transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos” de Orson Wells, pela rádio CBS em 1938, que levou pânico à Nova York e costa leste americana pelo temor de uma invasão marciana, a paranóia emerge na cultura midiática norte-americana: quantas vezes a cidade de Nova York já foi destruída ou sitiada na cinematografia americana por ETs, terroristas, catástrofes climáticas, guerras nucleares, black-outs, meteoros etc.? Incontáveis vezes. A partir dos anos 40 com o filme Noir, simplesmente o cinema americano e as platéias passam a ficar fascinados pela paranóia: um senso de que algo está fora da ordem na sociedade, um segredo, um oculto centro do qual se irradia corrupção, demência.

    Paranóia e Esquizofrenia andam lado a lado. A paranóia é a resultante da condição esquizóide que pode ser sintetizada nas seguintes características: passividade, experiência existencial e psiquismo fragmentado e incapacidade de estabelecer uma fronteira entre realidade e fantasia. Se a esquizofrenia está próxima à paranóia, no outro extremo, essa “enfermidade” também está muito próxima de uma experiência mística ou “xamânica”. O psiquiatra R D Laing traçou um paralelo entre ambas as condições: enquanto na esquizofrenia o indivíduo se afoga no oceano da experiência, na vivência xamânica o indivíduo “aprende” a nadar e atravessá-la. Isso aproxima-se do gnosticismo valentiniano da paranóia como um estado alterado de consciência que possibilitaria a gnose: o questionamento da realidade in totum como construção artificial de algo ou alguém que não nos ama. Se toda ideologia tem o seu momento de verdade (como nos ensina Theodor Adorno), toda loucura tem o seu momento progressista como resposta a uma condição de realidade sem sentido.

    Em nenhum lugar do mundo a ficção invade a realidade como nos EUA (e sua indústria do entretenimento exporta essa condição para todo o planeta). O centro da sua irrealidade não está em Hollywood, mas seminalmente localizado no Deserto de Nevada com Las Vegas, os primeiros testes nucleares e a Área 51. É o pólo irradiador de paranóia e esquizofrenia em escala mundial. Ao mesmo tempo, o florescimento do cinema como indústria também somente seria possível na sociedade norte-americana pela própria natureza esquizo do dispositivo: passividade (no sentido cinemático da passividade corporal em relação à atividade mental) e a suspensão da descrença produzida pelas artimanhas do roteiro e pelo “realismo cinematográfico” da edição e montagem.
    Portanto, o tema da paranóia e esquizofrenia acompanha a própria história do cinema americano, produzindo uma batalha interior entre as possibilidades progressistas ou emancipadoras dessa condição (jornadas místicas, gnose) e a contenção racionalizadora que reduz essa experiência a ameaça do Outro.

    Jason Horsley faz essa trajetória no segundo capítulo do seu livro “The Secret Life of Cinema”, descrevendo essa luta interna e as respostas da indústria hollywoodiana no sentido de conter os potenciais de ruptura da condição esquizofrência e paranóica.

    Se Orson Wells em “Guerra dos Mundos” involuntariamente transmite o inconsciente coletivo da paranóia americana e, logo depois, o filme Noir vai radicalizar essa percepção ao apresentar um mundo onde não há mocinhos e nem bandidos e o Mal é a própria condição de uma realidade que se dissolve em chuva e névoas, em resposta Hollywood reage com os filmes sci-fi que irão traduzir esse inconsciente coletivo como medo da Guerra Fria. Séries de TV como “Além da Imaginação” e filmes como “Vampiros de Almas”, “O Ataque dos Discos Voadores”, o monstro de outro planeta em “stop motion” em “A 20 Milhões de Milhas da Terra” onde Roma é salva pelos americanos etc., reduz a paranóia ao medo do Outro. No Outro (alienígenas, monstros, agentes corruptos infiltrados na sociedade) é projetada a fragmentação do ego e a paranóia resultante de uma “multidão solitária”, no sentido dado pelos estudos do sociólogo David Riesman nos anos 50. O paroxismo da ameaça do Outro infiltrado chega no filme The Village of the Damned (1960) onde as crianças de uma localidade começam a tornar-se seres alienígenas.

    O Ápice do Cinema Esquizo


    Nos anos 60 e 70 com a chegada da contracultura a figura do Outro passa progressivamente a sair de cena. A paranóia torna-se atual e com fundamentação histórica. Filmes como Blow Up, Perdidos na Noite, Easy Rider, Um Estranho no Ninho etc. começam a trazer um novo realismo misturado com desespero, cinismo e paranóia política, dando ao tema uma nova maturidade. Os próprios protagonistas desse período são retratados não mais como heróis convencionais, mas, agora, potencialmente psicopatas, esquizóides, alienados e revoltados. Jack Nicholson foi o porta-voz desse período (combinando inarticulação e revolta com cinismo e integridade). Protagonistas instáveis, obsessivos e paranóicos indicam um processo de maturidade do diagnóstico da sociedade norte-americana: com a saída de cena do Outro, a origem de todo mal só pode ser encontrado na sociedade, nas próprias instituições constitutivas. Da desilusão e rebeldia sem causa, a paranóia e psicopatia passam a ser respostas válidas e adequadas do herói para os novos tempos.

    Nos anos 70 temos o ápice da maturidade desse tema em filmes como Laranja Mecânica, Straw Dogs, O Fantasma do Paraíso, O Poderoso Chefão, Chinatown e Taxi Driver.

    “Esses filmes, como nenhum outro anteriormente conseguiu, chegam a ficar cara-a-cara com o dilema. Eles não apenas chegam a admitir a existência do problema, mas começam a sugerir o que está por trás dele. O que esses filmes têm em comum é um profundo senso de alienação, não unicamente em relação à sociedade, mas da humanidade ela mesma ou dos valores e pressupostos nos ela se constitui. Eles não oferecem qualquer tipo de solução, além de atos de violência sem sentido” (HORSLEY, Jason, The Secret Life of Cinema: Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema. London: McFarland, 2009, p. 42.)


    Após o banho de sangue final do filme Taxi Driver, entra em cena um “cinema recuperativo” ou “cinema de retro-fantasia”: Star Wars e Alien. No primeiro, Hollywood retorna ao esquema infantil e inocente dos antigos sci-fi como Flash Gordon ou Buck Rogers (plots maniqueístas e happy ends moralistas). Seu sucesso decorreu menos da sua nostalgia e muito mais em exorcizar os sombrios diagnósticos paranóicos da condição humana como em Taxi Driver.
    Já em Alien, o Outro retorna como catalizador da paranóia, mas com um componente metafórico para os novos tempos da AIDS: o Mal como algo que se dissemina viroticamente em uma nave que necessita de urgente assepsia (a nave Nostromo era suja, úmida, com astronautas mal-educados e mulheres masculinizadas).

    Após o auge atístico do cinema dos anos 70 onde os filmes foram provocantes, subversivos e perturbadores, a violência amoral ou niilista cede lugar a formas de violência sadística, primitiva e exibicionista (narcisismo tanático?) em filmes como Sexta-Feira 13, Halloween, Pesadelos em Elmstreet etc. Se, pelo menos, os filmes sci-fi e horror do passado assustavam visceralmente e provocavam intelectualmente, nos anos 80 e 90 o “cinema recuperativo” enquadra o mal estar diagnosticado em Taxi Driver: o Mal irrompe em típicos bairros de subúrbio das classes médias, mas em locais sujos como porões, garagens, celeiros e becos; medo e paranóia são problemas de assepsia e controle. Jason e Fred Krugger não pertencem a condição humana, são Outros.

    Enquanto isso, o Sci-fi se degenera em filmes de fantasia motivacional e New Age como Campo dos Sonhos e Forrest Gump ou filmes quase espirituais como Ghost, Cidades dos Anjos ou Amor Além da Vida. Toda a questão da esquizofrenia e paranóia é reduzida à impossibilidade de comunicação ou a uma religiosidade na sua forma mais deteriorada.

    Ao mesmo tempo, dois subgêneros surgem para traduzir a paranóia de uma forma mercadologicamente aceitável: filmes que poderiam, por assim dizer, ser denominado como “desconstruindo o Yuppie” e “teorias da conspiração”.

    Depois de Horas, Procura-se Susan Desesperadamente, Totalmente Selvagem são exemplos de comédias sobre ansiedade: a paranóia do protagonista não se origina de um conflito com a sociedade, condição humana ou consigo mesmo, mas da constatação de que a vida é caos, acúmulos de infelizes coincidências sem propósito ou sentido (percepção que, afinal, surge da resignação do indivíduo nas grandes cidades).

    Filmes como Teoria da Conspiração, Cocoon, War Games, Starman, ET, etc, vão transformar a paranóia em medo de conspirações. Os novos paranóicos agora são crianças, idosos, e subempregados cuja paranóia origina-se do ressentimento pela condição social subalterna. Toda a conspiração que porventura o protagonista se vê enredado é proveniente de um genérico “sistema” ou de uma figura inescrupulosa que está “corrompendo” os valores autênticos do sistema.

    A partir da segunda metade dos anos 90, o “cinema esquizo” passa a ter um renascimento com um súbito interesse por escritores gnósticos como Philip K. Dick e Cornac McCarthy (respectivamente O Homem Duplo e A Estrada), roteiristas como Charlie Kauffman (Quero ser John Malkovitch e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) com profundos temas, simbologias e iconografias gnósticas e diretores como David Lynch (Inner Empire e Mulholland Drive) ou Scorsese (Ilha do Medo). Novamente, vemos protagonistas instáveis, potencialmente psicóticos e paranóicos, mas, dessa vez, com um viés “xamânico”: a jornada conduz a um nível para além da ilusão e da realidade. Como as duas faces de uma mesma situação, devem ser transcendidas por meio do insight místico: a gnose.

    quinta-feira, maio 13, 2010

    O Coringa e o Sincromisticismo - parte 2

    Atores como médiuns (no mínimo, personalidades fragmentadas) recrutados pela indústria de entretenimento para servirem de canal para formas-pensamento elaboradas a partir do vasto material arquetípico da psique humana. Em alguns momentos os ecos dessa realidade mais divina e profunda (os arquétipos autênticos, um texto deixado deliberadamente oculto pela indústria do entretenimento) alcançam nossos ouvidos ao sabermos de mortes como a do ator Heather Ledger, consumido pelas formas-pensamento do psicopata arquetípico Coringa.



    Essa hipótese de Jason Horsley, apesar de impregnada de pesado tom conspiratório, é interessante na medida em que aponta para o destino do ator na sociedade contemporânea. Desde o desenvolvimento do "Método" do famoso Actors Studio de Nova York ao ator não basta representar os personagens, mas precisa vivenciá-los através de “laboratórios”, encontrando na própria personalidade elementos psíquicos que o ligue ao papel. Nunca me esqueço da resposta dada pelo ator Paulo Autran no antigo programa “Matéria Prima”, apresentado pelo Sérgio Groisman, a uma típica pergunta estilo “Vídeo Show”: “dos personagens que você desempenhou na carreira, qual tinha mais a ver com você?” “Nenhum!”, respondeu enfático Autran. E explicou que a função do ator é representar e não ser o próprio personagem.
    Essa técnica clássica cai em desuso com o “Método” surgindo duas conseqüências: atores que interpretam a si mesmos ou atores fragmentados esquizofrenicamente em múltiplas personas. Fragmentado, o indivíduo não consegue alcançar a simbolização que, para a psicanálise, é o momento de distanciamento para a compreensão da cena traumática. Ao cair de cabeça na cena, repete-a intensamente como clichê levando a desorientação esquizóide ou neurótica. Para Horsley, essas personalidades fraturadas tornam-se canais inconscientes de todo magma do inconsciente coletivo levando a consumação (e até a morte) do próprio ator e a fácil manipulação pelos modelos da indústria de entretenimento.
     Abaixo, a tradução da segunda parte da análise “sincromística” sobre a morte do ator Heath Ledger postado no blog de Jason Horsley Aeolus Inc. Parece que a análise de Horsley tem um tom propositalmente conspiratório e paranóico, como uma espécie de método retórico de análise da realidade. Algo parecido com o método de Woody Allen abordar seus temas nos filmes. Afinal, o que seria de Woody sem suas paranóias e neuroses? Seu mal-estar psíquico é o que faz ver aspectos da realidade que o olhar “sadio” não consegue enxergar.


    Sincromisticismo, Teatro de Bruxaria Maçônica e
    os Três Níveis Narrativos

    É possível, então, que Hollywood – e antes disso, que o mundo do teatro moderno – tenha sido concebido e criado como uma espécie de provedor para recrutamento e treinamento de médiuns ou vassalos – personalidades fragmentadas – através do qual o processo de criação das Formas-Pensamento e entidades de possessão possa se desenvolver e se expandir em escala literalmente global – e transformar o mundo em um palco?


    Na redação desse presente trabalho, devemos estar preparados para nos deparar com essa possibilidade, certamente muito além da visão normal de como as coisas podem ser.


    Hollywood como um instituição
    recrutadora de médiuns
    Nesse caso, todo “inocente” mapeamento da trajetória das celebridades e as sincronicidades entre os papéis nos filmes e seus plots e temas etc, tão apreciado pelos sincromísticos, poderia assumir uma nova dimensão. Faria parte de uma agenda mais sutil, de grande alcance, porém, menos “cósmica”, impulsionada por finalidades humanas, no sentido que Levenda chamou de “sincronicidade induzida”. Em outras palavras, engenharia mística ou Teatro de Bruxaria Maçônica.


    Nessa perspectiva, a morte de Heath Ledger, para citar um conveniente exemplo, poderia revelar diferentes camadas narrativas que se sobrepõem e se interpenetram. Primeiro de tudo, podemos encontrar a história pessoal de Ledger, sua carreira, todos os processos de treinamento (ou “entretenimento”), iniciação, compromisso e “ajustamentos” psicológicos que teve que fazer ao longo da sua trajetória, não unicamente para ser um ator realizado, mas, acima de tudo, se tornar uma celebridade – ou seja, para ser permitida a sua entrada no reino das celebridades e atuar como um canal escolhido para plena adoração das massas.


    Esse aspecto das coisas – o progresso de Ledger da pouca conhecida personalidade da TV australiana para o mundialmente famoso sex symbol, ídolo das telas e vaca sagrada de ouro da indústria de Hollywood – é, no mínimo, de domínio público por meio de fatos autobiográficos e factóides. 


    Essa é a primeira camada da narrativa, visível para todos, pelo menos em parte. Essa narrativa poderia mostra como a luta particular de Lodger pelo sucesso e para alcançar a excelência como ator levou-o, finalmente, a escolher o papel do Coringa, um personagem que ofereceu a Ledger um novo nível de fama, fortuna e reconhecimento, mas que presumivelmente desempenhou um fator chave em sua “consumação” e morte prematura, e que também lhe valeu um Oscar, embora postumamente.


    Apesar de existirem muitas pistas, e até mesmo fortes evidências sobre as conexões diretas entre as opções que Ledger fez em sua carreira, seu envolvimento no papel de Coringa, e sua morte, essas provas ainda são inconclusivas, ainda dentro do domínio das coincidências, ou apenas uma tragédia irônica para o observador médio.

    Ledger foi escolhido e preparado desde o início, em cada papel escolhido por ele como fazendo parte de uma grande trajetória “oculta”



    Psiquiatras e hipnose para "segurar"
    estrelas como o caso
    de Marilyn Monroe
    Abaixo dessa primeira camada, no entanto, poderia haver o que poderíamos denominar como “Heath Ledger psy-op”, a narrativa de bruxarias. Isso mostraria como Ledger foi escolhido e preparado desde o início, em cada papel escolhido por ele como fazendo parte de uma grande trajetória “oculta”, dentro da qual fariam parte sua vida e morte. Naturalmente, pode-se argumentar que os papéis foram escolhidos por Ledger, em certa medida, pelo menos, mas isso seria apenas na medida em que foi autorizada a ilusão da escolha. Mesmo que manipuladores humanos não estejam sutilmente (ou não tão sutilmente) coagindo ou encurralando-o em direção a pré-selecionados trajetos de carreira, poderiam existir forças mais sutis em ação, na e através da sua psique, assegurando que ele fosse trilhar os canais já preparados. Embora, tanto quanto sabemos, Ledger não era um Cientologista. É possível, e até provável, que ele tenha tido algum tipo de “aconselhamento” espiritual durante esse tempo, e psiquiatras são sabidamente utilizados para “segurar” uma estrela (como no caso de Marilyn Monroe).


    Possivelmente Ledger era mesmo sujeito a hipnose ou alguma outra forma de conversão de controle da mente como parte dessa “terapia”. Nós não podemos saber isso sem fazer uma investigação, sendo, dessa forma, tudo hipotético – Estou citando Ledger como um possível estudo de caso, sem ter feito uma pesquisa suficiente para saber se ele se enquadra nos modelos ou não. Mas de qualquer forma, todos esses fatores e possibilidades podem se tornar claros ao analisar a segunda camada da narrativa.


    No hipotético caso de Ledger, a intenção geral era uma série de eventos cuidadosamente dirigida, presumivelmente, a criação de um sacrifício ritual, deixando várias pistas e símbolos, o conteúdo arquetípico, como "gatilhos" para o inconsciente, pelo qual o público seria alimentado com uma narrativa mítica, um plano. Essa narrativa, assim como nos filmes em que Ledger atuou de forma discreta, seria destinada a invocar certas respostas mentais e emocionais em público, em uma palavra, seu investimento psíquico na narrativa – a suspensão da descrença – pela qual a falsa realidade estaria sendo criada substancialmente mais “sólida” e persuasiva. Nesse caso, a narrativa é de um jovem, bonito, talentosa estrela cinematográfica que tinha tudo a seu favor, mas que flertou com o lado escuro – simultaneamente como ator (admirável) e como um drogado (tolo) – e que foi consumido por suas próprias trevas, perdendo sua própria vida.


    Como é frequente nesses casos, o “suicídio” (acidental ou não, parece haver muito espaço para dúvidas) está envolto em mistério suficiente para criar ambiguidade, garantindo assim que os mais exigentes (e paranóicos) entre nós suspeite de um “jogo sujo”, para então olhar o assunto de forma mais aprofundada e descobrir a segunda camada da narrativa. Teatro de Bruxaria Maçônica, os negócios de sempre.


    A camada final é aquela que os sincromísticos estão alegremente propagando, que é como o mito desenrola-se em um nível superior, transpessoal ou arquetípico: algumas notas marcantes ou melodias que refletem na consciência da espécie. Esse aspecto da narrativa, o profundo e maior aspecto, requer não uma conspiração ou um humano/demoníaco elemento, quer no trabalho ou no lazer – exceto, é claro, se ele assim requerer. 


    Fantoches precisam de cordas para dançar, não apenas de um mestre.
    O ator como uma ponte entre
    entre o ordinário consenso de
    realidade e a ordem divina da
    sincronicidade
    Jake Kotz e outros do movimento Sincromístico estão tão fascinados pela idéia de que um Mestre está puxando as cordas que chegam à prematura conclusão de que as cordas não são algo com o que se preocupar, ou sequer acham que elas existem, tornando o Mestre e o fantoche a mesma coisa. Há um nível em que isso talvez seja verdade, mas se assim for, então esse não é o nível em que estamos analisando nesse momento. Se você não acredita, pergunte a Heath Ledger.


    O Heath Ledger “psy-op” é uma espécie de ponte, uma área de sobreposição entre o ordinário consenso de realidade – onde tudo acontece por acidente – e a divinamente ordenada realidade ou sincronicidade, onde tudo acontece por design. Os manipuladores e bruxos por trás da narrativa Ledger/Coringa – sua ascensão e queda e tudo mais – empregam símbolos específicos, projetos e conhecimentos avançados alquímicos e psicológicos a fim de impregnar a narrativa com tanta substância e profundidade possível. Naturalmente, estão transmitindo poderosos símbolos universais, verdades universais, via magia e subterfúgios.


    Eles não têm escolha. A coisa sobre símbolos e modelos arquetípicos é que para serem efetivos, precisam ser autênticos.Eles não podem ser concebidos ou inventados visando um efeito determinado. Somente assim que muitos arquétipos e narrativas podem ser utilizados para a criação da falsa realidade. Então, por mais que a narrativa esteja sendo moldada e dirigida para fins sócio-políticos de controle das massas, os elementos da narrativa ainda pertencem ao reino dos arquétipos e do divino. Em outras palavras, mesmo quando as narrativas falsas estão sendo criadas para nos cegar para o que está por trás delas, um eco reflete a mesma realidade profunda que tentam esconder.


    Isso porque Hollywood, apesar de tudo, e apesar de ser nada mais nada menos do que um vasto sistema de controle psicológico, ainda produz filmes que valem à pena. Ela simplesmente não ajuda a si própria.


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