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quarta-feira, maio 04, 2011

Mitologia Ufológica e Gnosticismo na ficção científica francesa “La Belle Verte”


Se no passado buscávamos deuses, anjos e santos , hoje a sociedade tecnológica nos tornou mais céticos: esperamos agora por extraterrestres de uma civilização mais avançada que nos ensine  o verdadeiro sentido da vida e da espiritualidade. A ficção científica “A Turista Espacial” (La Belle Verte, 1996) explora não apenas esse arquétipo ufológico contemporâneo, mas também simbologias que dão um sabor gnóstico à narrativa. Indicado pelo nosso seguidor Rodrigo Dias, o Blog “Cinema Secreto” conferiu o filme.

Um distante planeta vive o ano 6000 da sua época. Seus habitantes são seres muito avançados que vivem aproximadamente 250 anos. Convivem em harmonia com a natureza e são dotados de poderes telepáticos, além de viverem em uma sociedade cujas noções de hierarquia, chefia e poder a muito desapareceu. De tempos em tempos eles fazem excursões a outros planetas, seja para estudá-los ou para auxiliá-los no processo evolutivo. Mas ninguém quer ser voluntário para ir até a Terra. Há 200 anos ninguém do planeta a visita. Na verdade, ninguém suporta os terráqueos com sua mania em não evoluir.

Até que uma mulher, Mila, decide ir a Terra. Por razões pessoais: ela descobriu que é uma mestiça, filha de uma mãe terráquea quando seu pai esteve na Terra há muito tempo atrás. De uma forma bem humorada, a narrativa descreve o impacto cultural de Mila ao chegar à Terra, em plena cidade de Paris caótica, congestionada e poluída.

Essa é a ficção científica francesa “La Belle Verte” (1996). O filme aborda temas como espiritualidade, anticonformismo, ecologia, feminismo, homossexualismo, sustentabilidade e outros com um humor que às vezes chega a beirar o non-sense (lembrando o humor negro do grupo inglês Monty Phyton).  Filme indicado pelo leitor desse humilde blog, Rodrigo Dias pergunta: é um filme gnóstico?

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

WALL-E e EVA: Disney faz Releitura do Gênesis Gnóstico

Em postagem anterior discutíamos o chamado “paradigma Disney” e nos perguntávamos como é possível animações voltadas para o público infantil tratar de temas tristes e até cruéis de uma forma lúdica e divertida. 

A animação “WALL-E” (2008) é um desses exemplos: uma fábula dark, cínica, sobre um planeta Terra devastado e tomado por lixo e escombros pacientemente compactados e empilhados por um robô, enquanto o que restou da humanidade se exilou numa gigantesca nave mais parecida com um shopping center onde o consumismo, ociosidade e conveniência são tão excessivos que acabaram produzindo seres que, de tão obesos, não conseguem mais manter-se em pé.

Nessa animação talvez encontremos a resposta para esse nossa indagação: o filme explora intensamente simbologias e arquétipos da interpretação gnóstica do gênesis bíblico. Afinal, a busca pela pureza, inocência e simplicidade do protagonista WALL-E é a busca pela transcendência, o retorno ao Paraíso perdido, a busca pela inocência infantil, aquela nostalgia que toda criança sente por uma unidade que foi perdida com a entrada forçada no mundo simbólico adulto (a escola, estudos, deveres etc.). E toda essa busca possibilitada pelo auxílio do robô high tech chamado de EVA, nome altamente simbólico para essa narrativa.


sábado, novembro 06, 2010

A Nova Alice de Tim Burton: Empresária Empreendedora

A Versão de Alice no País das Maravilhas de Tim Burton tem o claro enquadramento moral e ideológico dos Estúdios Disney: reduz toda a complexidade ocultista e gnóstica (transcendente) do livro de Lewis Carroll a uma viagem psicológica de Alice em suas memórias onde apenas procura a reconciliação com a ordem desse mundo: buscar auto-conhecimento e auto-confiança que ajudem a transformá-la numa empresária empreendendora.

Publicado em 1865 por Lewis Carroll, mais do que uma suposta declaração de amor à garotinha Alice Lidell (então com 10 anos de idade), o livro Alice no País das Maravilhas é uma narrativa episódica, repleta de simbolismos teosóficos, ocultistas e gnósticos (como vimos em postagem anterior – veja links abaixo). Alice é uma protagonista que não se encaixa à sociedade que pertence. Uma estória com diálogos repletos de charadas e jogos de linguagem que levam a lógica, física e matemática ao paroxismo, até o ponto em que toda racionalidade resulta no oposto: o surreal, o non sense e o anárquico.

Uma personagem tão desajustada como Alice seria perfeito para o diretor Tim Burton, um cineasta que frequentemente enfrenta universos fantasiosos e incômodos e narrativas com andamento complexo.

Apesar desse casamento aparentemente perfeito, a versão do cineasta desponta com uma narrativa convencional que reduz a complexidade e ambiguidade do texto original.

sábado, outubro 23, 2010

Sophia e a Gnose são derrotados pelo Clichê no filme "Sonhando Acordado"

Tom de falso documentário, sonhos como uma realidade paralela, frases com filosofias gnósticas e a personagem mítica de Sophia interpretada por Penélope Cruz nos fazem pensar estarmos diante de um novo Vanilla Sky, ou seja, um filme gnóstico e crítico. Engano! Todos esses elementos de fantasia presentes nesta comédia romântica servem para, além de sintonizar o filme com a agenda tecnognóstica vigente em Hollywood, aprisionar os potenciais elementos transcendentes e críticos no velho clichê da "quebra-da-ordem-e-retorno-à-ordem".

Gary (Martin Freeman) é um músico talentoso, porém frustrado por fazer jingles para campanhas publicitárias. No passado foi músico de rock pop, até a banda acabar e ver seu parceiro de composições de sucesso (Paul - Simon Pegg) se tornar bem sucedido financeiramente no campo da Publicidade, enquanto ele se deprime numa atividade profissional frustrante e sua vida conjugal cada vez pior, vítima da sua melancolia e depressão crescentes.

sexta-feira, setembro 24, 2010

"Neon Genesis Evangelion": a Ascensão do Gnosticismo nas Animações Japonesas

Assim como os ocidentais absorvem religiões orientais pelo estilo exótico e fluidez, os orientais parecem adotar as tradições abraâmicas. Tais tradições mitológicas parecem traduzir melhor os mundos distópicos e ultra-violentos de batalhas futuristas das narrativas das "Animes" japonesas. Neon Genesis Evangelion, por exemplo, é uma verdadeira enciclopédia de temas do Gnosticismo clássico, onde o homem se confronta com divindades insanas e indiferentes na luta pela posse dos elementos remanescentes das origens do Cosmos.

Abaixo apresentamos uma tradução de parte do artigo de Miguel Conner "Gnostic Themes in Japanese Anime", publicado no site "Exanimer.com National". O texto didaticamente sintetiza o Gnosticismo em quatro mitos básicos (Mito do Demiurgo, da Alma Decaída, do Salvadore do Feminino Divino) que são explorados pela Ficção Especulativa, desde filmes clássicos como Matrix até as Anime (animações) japonesas. Além disso, Conner procura entender o porquê da ascensão dos temas gnósticos na cultura pop japonesa.

Miguel Conner é escrtor de ficção científica norte-americano e apresentador do programa "Aeon Byte Gnostic Radio" uma Internet Radio com entrevistas e debates semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop.

Temas Gnósticos nas Animes Japonesas
Miguel Conner


Ao contrário da maioria das religiões, o Gnosticismo não consegue limitar a sua heresia à bidimensionalidade do papel. Além da verdadeira ausência de uma canonização, seu caráter sincrético e parasitário permitiu o espírito do gnosticismo se manifestar ao longo da história por meio de diversas mídias. Além disso, a gnose (o despertar do conhecimento divino) é muitas vezes melhor servida através das expressões artísticas de cada época. Mago Simon, Valentino, Mani, WB Yeats e William Blake eram poetas tão sofisticados como também criadores de blasfêmias.



Nos tempos atuais, o gnosticismo foi reativado tanto pela popularidade da Ficção Especulativa como também pelas descobertas da Biblioteca de Nag Hammadi e do Evangelho de Judas. A Ficção Especulativa talvez seja o veículo ideal para a teologia gnóstica já que ambos se baseiam fortemente na psicologia, mitologia e estados alterados de consciência.


Mais do que um veículo, Gnosticismo e Ficção Especulativa são muito mais do que a Câmera Nupcial Valentiana, um casamento feito nos infernos da audácia artística onde, muitas vezes, não se tem consciência de se estar mergulhando nas nascentes Sethianas e Valentianas. Isto é evidente na frenética tempestade digital dos irmãos Wachowski, em Matrix, uma visionária exploração da ficção de Philip K. Dick, ou, então, os delírios alquímicos encontrados nas HQs de Alan Moore. Bastante se tem escrito sobre essas e outras expressões gnósticas contemporâneas.


Mas o que se tem dado pouca atenção é um já amadurecido campo de Gnosticismo numa forma semi-underground de ficção especulativa diferente do ocidente, uma espécie de masturbação mental sexo-masculino-adolescente com símbolos fálicos em forma de robôs gigantes, entre Aphrodites, distópicos mundos alternativos e ultra-violentos e catárticos ciber punks.

É a Anime (definido por Merriam-Webster como “estilo de animação originário do Japão que se caracteriza por gritantes gráficos coloridos retratando personagens vibrantes em ações frequentemente preenchidas por temas do fantástico e futurismo”).


Há pouca evidência de que esse fenômeno seja proposital. Há provavelmente duas razões para o Gnosticismo se encontrar com a animação japonesa (além do fato óbvio de que a Anime já é flagrantemente sincrética e parasitária com sua frenética agitação de produtos que fogem da estética Bollywood para buscar uma audiência mundial).


A primeira razão é que, sem os mandamentos da comercialização de Hollywood, a imaginação dos escritores e animadores japoneses está mais desapegada, permitindo ir a fundo nos poços da psicologia, mitologia e estados alterados de consciência.


A segunda tem a ver com o romance. Assim como os ocidentais absorvem elementos místicos de religiões por causa do seu estilo exótico e fluidez, os orientais parecem adotar as vertentes esotérica das tradições Abraâmicas que melhor traduzem as intensas fantasias policromáticas das paisagens Anime. A história revela que simbolismo ocultista e narrativa, uma relação tão incompreendida, cria ficções muito poderosas (a sedução da Alemanha pela filosofia oriental no século XIX poderia ser um óbvio exemplo).


Antes de abordarmos os evangelhos gnósticos em que se tornaram as séries de Anime, vamos fazer uma breve exposição da mitologia Gnóstica através de um sintético quadro:


1. O Mito do Demiurgo: A Criação, o Mundo ou a própria realidade é controlada por uma divindade inferior e os seus agentes. Esses anjos (ou arcontes) lançaram um véu de ilusão, ignorância ou desespero existencial sobre aqueles que procuram dominar (e às vezes se alimentam). No gnosticismo clássico, o caráter do Deus do Antigo Testamento era um modelo preferido para o vilão extramundano. Ele é muitas vezes referido como o Demiurgo. Nos evangelhos gnósticos pós-modernos, o Demiurgo não tem necessariamente de ser um antagonista do divino, mas pode assumir a forma de qualquer entidade opressora incluindo ETs , tecnologias opressoras e até mesmo as instituições humanas.Tudo se resume a questão do controle humano versus a liberdade humana. Esse mito inflama a questão sobre o que é real e o que é falso em intrincados níveis ontológicos (ou dimensões).


2. O mito da alma decaída. A ideia de que a semente divina, proveniente de um lugar chamado Pleroma (ou Plenitude) tenha caído em um mundo estranho. Este esperma-luz, a matéria prima da auto-realização, reside dentro de cada mortal, também conhecida como “centelha-divina”. É exatamente pela qual que as criaturas espirituais do Demiurgo anseiam ou querem corromper. Descansando no sono ou estupor, a jornada épica começa verdadeiramente quando um mortal descobre ou é escolhido para realizar o seu potencial transcendental. Uma guerra de libertação tende a entrar em erupção. No Anime e na ficção especulativa normalmente envolve uma agitação do protagonista durante a vigília por algum poder latente ou um presente que o obrigue a cumprir um destino heróico. Este mito provoca a pergunta do que é ser consciente e os níveis de consciência que o ser humano pode chegar.

3. O Mito do Salvador. Pode assumir duas formas. O primeiro é que após o despertar para a sua constituição sobrenatural, o protagonista não deve apenas salvar aqueles ao redor dele dos poderes que criaram o regime ilusório, ele deve também divulgar o conhecimento (gnose) para os outros, para que possam compartilhar as mesmas liberdades ou descubram habilidades semelhantes. A segunda forma é que uma figura salvadora precisa de outra figura salvadora, pois a relação de um hierofante para um neófito é central no Gnosticismo (a ocidental caricatura do professor sábio oriental ajudando o herói). Este mito acende a questão do significado do ser humano, e todos os seres humanos são verdadeiramente iguais, mesmo que alguns possuam maiores habilidades do que outros (um tema predominante nas HQs, óperas de ficção científica e até mesmo em séries de televisão, tais como “Heroes”).

4. O Mito do Feminino Divino. No gnosticismo clássico, Sophia ocupa o centro do palco, simultaneamente, como ser caído e uma redentora da humanidade. Sua encarnação já assumiu várias formas, incluindo a Shekinah de Deus na Cabala, Maria Madalena no Cristianismo esotérico, e Gaia no neo-paganismo. Sylvia em “O Show de Truman” e Trinity em “Matrix” são duas das mais famosas nos domínios da Ficção Científica e da Fantasia. A encarnação pode ser o protagonista, o professor do protagonista, e toda uma gama de variações. Ela resgata ou é resgatada, ou ambos, nas batalhas contra os agentes da opressão e da quebra da realidade falsa. É difícil negar a obsessão das Anime com a confusão com o feminino e sexualidade em geral (que se afasta ou, talvez, complementa a atitude gnóstica da desconfiança em relação ao sexo). Isso agrava a questão dos diferentes níveis de amor, amizade e individualidade no que poderia parecer um universo frio e indiferente.

Há um novo elemento que permeia os quatro mitos, muito relevante para as gnósticas Animes e para ficção especulativa. Em sua luta para entender o que realmente definiu o homem e seu destino no cosmos, o Gnosticismo clássico cogita a tripartição entre Matéria-Homem, Mente e Espírito. O Gnosticismo Contemporâneo tece essa tríade no interior da Máquina – tecnologia avançada, inteligência artificial, cibernética, realidade virtual, etc. A Máquina acrescenta um componente filosófico mais profundo, como o Deus que faz o homem e o homem que faz a Máquina, e os três se encontram frequentemente tentando imaginar quem está no controle e quem realmente existe na percepção de cada um. A Trilogia Matrix e os escritos de Philip K. Dick certamente focam essa revelação gnósticas modernista.


Neon Genesis Evangelion é uma das principais Anime gnósticas.

Humanidade enfrenta anjos não só pela sua existência, mas pela sua própria alma. A superfície da estória é flagrantemente gnóstica. É o clichê Anime típico de um mundo pós-apocalíptico, duelo de robôs gigantes e angústia adolescente . Mas Neon Genesis Evangelion abriga uma camada ainda mais profunda de temas gnósticos de várias escolas (Clássica, junguiana, Dickiana e Cabalística).

As origens da humanidade são muito semelhantes aos da cosmogonia gnóstica de Valentino, onde a queda de Sophia do Pleroma cria o universo e seus habitantes. Em Neon Genesis Evangelion, Sophia é substituída por um ser chamado Lilith, cujo material remanescentes são descobertos na Antártida e, em seguida, salvaguardados pelo homem moderno no Japão, num esconderijo subterrâneo chamado Tokyo 3. Logo depois, a civilização sofre o Dia do Julgamento, quando um outro ser chamado Adam (ecoando as Adamas celestes do Gnosticismo, Maniqueísmo e Cabala) de alguma forma se choca contra a Terra. Metade da humanidade é destruída e os sobreviventes são forçados a viver no subterrâneo. O aquecimento global e outros cataclismos prejudicam os recursos do planeta. Um mundo despótico emerge das cinzas.

E depois vêm os anjos para piorar as coisas.

Estas criaturas buscam recuperar os restos mortais de Lilith e Adam das garras da humanidade, pois eles também são a Mãe e Pai primordiais. Os anjos querem a mesma coisa que os líderes da humanidade – reintegrarem-se com Lilith e Adam, a fim de criar uma consciência coletiva piedosa que se torne uma lei suprema. Enquanto os cientistas humanos tentam desbloquear as essências de Lilith e Adam, eles também utilizam partes de seus corpos titânicos para criar monstros chamados unidades Evangelion (ou Evas), a fim de repelir a invasão divina. Evas aparecem como elegantes e estereotipados robôs gigantes, mas são realmente semideuses bestiais que querem associar com os agentes humanos. Isso tudo constitui o cenário de uma batalha grandiosa e brutal que assola a civilização, ainda mais que os anjos não se encarnam na Terra como dândis alados, mas como pesadelos ao estilo Lovecraft.

Apenas alguns jovens talentosos podem pilotar os Evas. O protagonista principal é Shinji Ikari, um adolescente torturado, que não apenas se torna o salvador da humanidade, mas o representante de muitos dilemas psicológicos e existenciais. Suas esposas-irmãs são as tempestuosas Asuka Langley (a ruiva símbolo de Maria Madalena) e o astral Rei Ayanami (de cabelos prateados, símbolo místico de Sophia). Esses jovens não só passam pelas várias fases clássicas da maturidade de crescimento humano e do herói, mas também representam a confusão da inocência que se perde num mundo louco, não apenas de adultos, mas também de divindades insanas e indiferentes.

Neon Genesis Evangelion empurra todos os aspectos da exploração gnóstica nas diferentes fases de plots brutais, realidades despedaçadas e emboladas, e visões psicológicas da alienação pós-industrial, através de extensos monólogo interiores, todos banhados pelo fedor e desespero de uma civilização condenada. A série também leva o público para a fronteira da insanidade e desolações teológicas através de um elenco de personagens cansados e frequentemente sobrenaturais que atritam a trindade anti-heróica de Shinji, Asuka e Rei (e suas psiques, eventualmente, são absorvidos primeiro pelas Evas e, mais tarde, pelos próprios anjos). Da sobrevivência às falsas realidades para as viagens em planos celestiais através dos horrores pré-criação, “Neon Genesis Evangelion” é uma enciclopédia de Gnosticismo.



sábado, setembro 11, 2010

Sophia Prisioneira das Neurociências na HQ On Line de "O Prisioneiro"

Após os seis episódios, o canal de TV norte-americano AMC dá continuidade ao remake da série "O Prisioneiro", agora através de uma HQ on line no site da própria emissora. Nessa continuação é explicitado o papel das neurociências na radical terapia psicológica criada pela corporação Summakor e aprofundado ainda mais o simbolismo gnóstico de Sophia (na tradição gnóstica o aspecto feminino de Deus e a fagulha de Luz espiritual presente na alma humana).

O canal de TV norte-americano AMC lançou no final do ano passado uma continuação da série "O Prisioneiro" (remake da cultuada série dos anos 60). A novidade é que a continuação foi através de uma história em quadrinhos on line, apresentada no site da emissora e dividida em 10 capítulos (clique aqui para acompanhar os capítulos da HQ de "O Prisioneiro").

Nessa continuação vemos uma nova personagem, Rebeca Meadows, que busca pela sua irmã desaparecida e com sérios distúrbios comportamentais agravados por uma crescente esquizofrenia. Ao saber que em Nova York uma empresa chamada Summakor desenvolvia uma inédita e radical técnica de tratamento para distúrbios psicológicos, Rebeca leva sua irmã para lá. Com o tratamento em andamento, ela torna-se cada vez mais distante da família até desaparecer. Rebeca parte, então, para a investigação que a levará para dentro da Vila – espécie de alucinação consensual produzida pela mente de seus habitantes, criada pelos cientistas da Summakor como técnica de tratamento de paciente que sofrem severos distúrbios psicológicos.

Se na série original da TV britânica dos anos 60, o propósito dessa Vila é ambíguo, aqui na adaptação da AMC tudo é explícito. A Vila é uma cidade misteriosa onde as pessoas têm números ao invés de nomes, sob a liderança de um homem conhecido apenas como Dois. Os habitantes levam uma vida idílica norteada por valores positivos e motivacionais, equanto permanecem inconscientes do mundo exterior. Os cientistas da corporação Summakor pensaram que poderiam curar pessoas transpondo seus inconscientes em um ambiente virtual positivo.

Se na adaptação levada ao ar pelo canal AMC fica confusa a relação entre os habitantes da Vila e o mundo real, na HQ tudo é colocado de forma didática no início: a Vila foi criada realmente a partir do inconsciente dos seus habitantes. Todos levam uma vida dupla: enquanto seus “eus” conscientes habitam o mundo real, simultaneamente seus “eus” inconscientes vivem o cotidiano bucólico da Vila. Enquanto as pessoas habitam o mundo real, seus “eus” inconscientes estão sendo “consertados” na Vila através de uma agenda de valores “positivos” levada a cabo pelo líder Dois.

Nas últimas postagens nesse blog temos insistidos nessa mutação do argumento dos filmes gnósticos nesse início de novo século. Se no final do século XX, filmes como Matrix e Show de Truman levam o argumento gnóstico (mundos artificiais criado por um Demiurgo para aprisionar o homem) para ambientes tecnologicamente criados (ciberespaço, estúdios de TV etc.), nesses últimos anos esses mundos são introjetados para o interior da mente humana. O protagonista se descobre aprisionado em seu próprio ambiente onírico, manipulado por um Demiurgo (corporações ou cientistas free-lancers). Isso fica claro na sequência de filmes que se iniciam com Vanilla Sky, passando por “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “A Passagem” e terminando no recente “A Origem”.

Isso corresponde a uma agenda tecnognóstica que subjaz todo o desenvolvimento das neurociências (Programação Neurolinguística, Memética, Psiquiatria, Engenharia do Cérebro, Cibernética) e dos seus subprodutos (literatura de auto-ajuda e auto-conhecimento, Cientologia, Neuromarketing e toda uma gama de técnicas motivacionais). O propósito mais profundo de todas essas disciplinas não é mais apenas comportamental ou subliminar. É ir além: fazer uma cartografia e topografia da mente humana para, através de um mapeamento extensivo, exercer o controle social. É a “engenharia social” sugerida pela corporação Summakor em “O Prisioneiro”.

Tal como na mitologia gnóstica, toda essa engenharia social induz o indivíduo ao “sono do esquecimento”: na Vila o Eu inconsciente desperta sem lembranças, passado ou problemas. Página em branco, pronto para ser reescrito. O inconsciente freudiano cheio de culpas e traumas é substituído por outro: infantil, idílico, puro e imaculado, tal como um disco rígido de computador reformatado. Deletar e Re-iniciar! É o lema das neurociências tecnognósticas desse início de século. Eliminar todo o entulho mental que dificulta a eficácia e retidão que a engenharia social (por meio das mídias, religião, ciência e governo) planifica para esse século.

O simbolismo de Sophia

Tanto na série televisiva quando na HQ on line o que chama a atenção é a explícita utilização do simbolismo gnóstico de Sophia.

Na mitologia gnóstica, Sophia (na tradição gnóstica simboliza simultaneamente o aspecto feminino de Deus e a alma humana) foi um “aeon” que foi a responsável pela transição do imaterial para o material, do numenal ao sensível, causado por uma falha – uma paixão que produziu um filho ( o Demiurgo, Yaldabaoth, o “filho do caos”). Sophia decai no mundo material conseguindo infundir alguma fagulha espiritual no cosmos físico produzido pelo Demiurgo. Inconsciente da existência de Sophia, o Demiurgo acredita ser a única divindade existente e que o mundo físico existe apenas pela sua vontade. Porém, sua criação não passa de formas etérias vazias. O dinamismo, vitalidade e sentido é dado pela luz espiritual infundida por Sophia nesse cosmos.

Sophia consegue ascender de volta ao Pleroma. Porém, observa os homens (inconscientemente portadores dessa fagulha de Luz) e deseja que eles alcancem a gnose, se libertem do mundo físico e alcancem o mundo espiritual.

Em “O Prisioneiro” a existência da alucinação consensual da Vila somente é possível com a “Sonhadora”, chamada de M2, esposa de Dois. Por meio de um coquetel de drogas, ela é induzida ao sonho que cria a estrutura onírica da Vila. O paralelismo com a mitologia gnóstica é evidente: as drogas aprisionam Sophia aos desígnios do Demiurgo/Dois/Summakor.

Na HQ on line o simbolismo de Sophia ganha uma nova dimensão, aproximando o paralelismo com o Gnosticismo: Rebeca Meadow vai à Nova York/Summakor/Vila (o cosmos físico) em busca de sua irmã (a humanidade) que cai sob o sono do esquecimento do mundo físico (A Vila) ao qual todos estão condenados, esquecendo da fagulha espiritual (a memória deletada do inconsciente).

E para reforçar ainda mais o simbolismo gnóstico, a irmã desaparecida de Rebeca sofre de esquizofrenia. Para filósofos gnósticos como Mani (viveu no Irã no século III DC), a paranóia (o outro lado da cisão esquizofrênica) é um estado alterado de consciência que criaria condições para a gnose.

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segunda-feira, setembro 06, 2010

Remake de "O Prisioneiro" adapta-se à Agenda Tecnognóstica

O canal AMC nos EUA fez um remake da cultuada série britânica dos anos 60 "O Prisioneiro". Sinal dos tempos: se naquela época a série refletiu o clima dos tempos da Guerra Fria e das distopias como "1984", o remake atual apresenta os sintomas do neo-liberalismo e da utopia tecnognóstica por meio da privatização do controle social e das técnicas das neurociências que pretendem mapear e fazer uma cartografia da mente. Atenção: essa postagem possui spoilers.

Há 40 anos estreava uma série transmitida pela televisão britânica que combinava espionagem, ficção científica e drama psicológico. A cultuada série “O Prisioneiro” contava a estória de um homem que, após entregar uma carta de renúncia ao que seria um alto cargo no serviço secreto do governo britânico em plena Guerra Fria, é seguido até sua casa. Através do buraco da fechadura é introduzido um gás branco que o faz dormir. Ao acordar, está em outro lugar, uma vila litorânea, cheia de gente feliz desfrutando uma vida repleta de atividades recreativas. Logo descobrirá que é uma prisão onde ninguém tem nome, apenas números. O seu é número seis.

No ano passado o canal AMC (American Movie Classics) nos EUA fez um remake dessa série, ironicamente em seis episódios. Se “O Prisioneiro” dos anos 60 apresentava a atmosfera das distopias de pós-guerra como "1984" de George Orwell ou "Farenheit 451" de Ray Bradbury (Governos totalitários e estados policiais vigiando, controlando e punindo o indivíduo que transgride sistemas, aqui a série sofreu duas importantes adaptações aos novos tempos:

Primeiro, não temos mais um sistema de controle estatal. Todo o controle e dominação foi privatizado e está a cargo de uma empresa de mineração de dados chamada Summakor. Um novaiorquino chamado Michael (James Caviezel) pede demissão dessa empresa de uma forma ostensiva e desafiadora (como vemos nas imagens dos créditos iniciais, onde aparece o protagonista pichando “Resign” numa divisória de vidro do escritório, para escândalo dos funcionários). Logo depois, ele acorda num deserto, sem saber como veio parar ali. Ele é levado para um lugar chamado A Vila onde ninguém tem nomes, apenas números, e todos o chamam por Seis, como se lá morasse há muito tempo. Aos poucos descobre que possui um irmão e que trabalha como motorista de ônibus turístico. Micheal vê-se numa situação surreal, pois se lembra de quem era em Nova York.

Número Dois (o governador daquele lugar - Ian McKellen), diz para ele que A Vila é a única realidade e que para além dos seus limites nada existe, a não ser o deserto. Portanto, a missão de Michael é encontrar uma saída para retornar a sua vida em Nova York. A Vila possui uma atmosfera que lembra muito O Show de Truman: tudo é a-histórico (a arquitetura das casas, o design dos automóveis, as roupas dos habitantes etc). Um enorme pastiche de estilos de épocas diferentes criando um conjunto lógico a-temporal.

Segundo: ao contrário da série original, essa adaptação apresenta uma explicação final sobre o propósito da Vila e o porquê de Micheal ter parado lá. Após os seis episódios com muitos flash backs da última noite de Micheal, em seu apartamento em Nova York na companhia da enigmática Lucy, colega de trabalho na Summakor, chegamos à revelação ensaiada ao longo da série: Summakor não era apenas uma empresa de mineração de dados: mais do que isso, uma gigantesca empresa de engenharia social. A Vila fazia parte de uma experiência de tecnologia de controle social.

A agenda Tecnognóstica

A adaptação de 2009 de “O Prisioneiro” encaixa-se claramente na agenda tecnológica desse início de século. Se na era da Guerra Fria o grande tema era discussão sobre estados totalitários que esmagavam a liberdade individual (herança dos estados nazistas e stalinistas), agora a agenda se concentra nas tecnologias do espírito (neurociências, neuromarketing, neurolinguística, memética etc.) e na aplicação sócio-política dessas pesquisas puras: a engenharia social.

Em postagens anterioras vimos que essa agenda vem influenciando os argumentos e roteiros de filmes como “A Origem”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Vanilla Sky”: narrativas que dramatizam as novas experiências de controle social a partir do mapeamento da mente, onde a vida mental é representada por uma cartografia e topografia, revelando mundos imaginários dentro dos quais se encontram personagens que tentam manipulá-los.

“O Prisioneiro” de 2009 claramente se sintoniza com essa tendência: A Vila é mais um desses lugares imaginários, uma cartografia da vida mental feita pela Summakor para “consertar pessoas quebradas” como fala o personagem Dois. A partir da indução por drogas pesadas, a Vila é a construção de uma “alucinação consensual” (definição que o escritor William Gibson deu para o ciberespaço) para onde são enviados os egos de pessoas disfuncionais à ordem social (paranoicas, violentas, deprimidas etc.). Lá vivem numa vila em tons pastéis dentro de uma rotina idílica, simples e inocente.

Michael se insurge contra a Summakor (“nenhuma dessas pessoas pediram para ser consertadas”, diz indignado para número Dois). Ele é mais uma das “pessoas quebradas”, um funcionário insurgente da mega empresa que vigia a todos na busca de comportamentos disfuncionais que necessitem ser enviados à Vila para serem “consertados”.

Simbolismos Gnósticos

Paranóia, pessoas que despertam em mundos paralelos, demiurgos que criam e mantém lugares que aprisionam pessoas que perderam suas memórias. “O Prisioneiro” trabalha com temas clássicos do filme gnóstico. Porém, dois temas da simbologia gnóstica são explorados em profundidade: o papel da mulher (a personagem mítica de Sophia) e a representação distópica da reencarnação (representada pela existência da Vila).

Toda a infra-estrutura da “alucinação consensual” da Vila é criada a partir do material psíquico de M2, esposa de Dois, governador, demiurgo e, na vida real, neurocientista. Junto com sua esposa (ambos formados no MIT – Massachusetts Institute of Technology) criaram a engenharia social da Summakor. Tal como na simbologia gnóstica, Sophia dá vida ao mundo criado por formas etérias e vazias do Demiurgo. Aprisionada nesse cosmos material, a ascensão de Sophia para as dimensões elevadas deverá ser o caminho pelo qual o homem deverá também trilhar (a gnose).

A Vila em “O Prisioneiro” é o próprio simbolismo da natureza regressiva e aprisionadora da reencarnação para o Gnosticismo. Os egos das pessoas “quebradas” chegam à Vila sem lembranças de sua vida “terrena” (com exceção de Michael, que fará de tudo para escapar). Essa é a condição inicial para o tratamento: assim como na reencarnação onde sempre somos condenados a partir do zero, esquecendo-se das outras existências, os habitantes da Vila deletam suas existências e problemas psíquicos para viverem uma vida conformista de uma típica cidade interiorana. Para a engenharia social da Summakor (e para o Demiurgo na mitologia gnóstica) essa é a terapia ideal para, a partir do esquecimento, realizar o eterno retorno da existência na prisão do cosmos material.

Embora a adaptação do canal AMC de “O Prisioneiro” se insira nessa agenda tecnognóstica atual, seu viés é bem mais crítico. Ao contrário de “A Origem” de Christopher Nolan que faz uma apologia das neurociências ao apresentar a heroica luta do protagonista contra as projeções do seu próprio subconsciente, em “O Prisioneiro” o amargo e irônico final nos faz lembrar a máxima de Stephen King no livro “A Tempestade do Século”: “O inferno é a repetição”.

Créditos
  • Série: O Prisioneiro
  • Direção: Nick Hurran
  • Roteiro/adaptação: Bill Galagher
  • Elenco: James Caviezel, Hayley Atwell, Ruth Wilson, Ian McKellen
  • Produção: Granada Internacional, ITV Productions
  • Distribuição: AMC (American Movie Classics)
  • País: EUA
  • Ano: 2009

Trailer de "O Prisioneiro"



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sábado, agosto 21, 2010

Filme "A Origem": Nolan cai sob o fascínio das neurociências

Apesar da embalagem gnóstica (questionamentos sobre a natureza do real, os sonhos como um mundo paralelo, e personagem feminino que exorta o protagonista a despertar do sono da realidade) "A Origem" (Inception, 2010) de Christopher Nolan é extremamente reacionário ao fazer a apologia da engenharia do espírito das neurociências. O simbolismo dos sonhos substituído pela cartografia invasiva da mente.

É sabido que nos EUA a Psicanálise freudiana não goza de credibilidade científica. Conceitos como psiquismo e inconsciente são ignorados por não serem científicos, sem comprovação empírica. Discutir os sonhos e desejos humanos a partir da sexualidade e das relações infantis com a boca e excrementos é bizarro demais para o puritanismo norte-americano.

A cultura norte-americana é mais prática: se Freud pretendia analisar o simbolismo dos sonhos, o imaginário tecnológico atual pretende fazer uma cartografia e topologia dos sonhos. Muito mais prático, como bem comprovam as neurociências e o neuromarketing. Símbolos são filosóficos demais, enquanto uma cartografia e uma topologia é muito mais eficaz para apontar caminhos para inserir ideias nas mentes.

“A Origem” (Inception, 2010) comprova essa agenda tecnológica. Embora a narrativa do filme ocorra nos sonhos, nenhuma vez ouvimos a palavra inconsciente. Ela é substituída pelo genérico conceito de subconsciente, expondo essa matriz do pragmatismo neurocientífico.

Embora a princípio "A Origem" pareça ser um filme gnóstico, esotérico ou “filosófico”, tal como “Matrix”, ele tem um profundo sentido pragmático: a exploração do último refúgio do indivíduo (a mente, os sonhos) no invasivo mundo atual dos interesses corporativos (marketing, publicidade, fusões, aquisições etc.).

Embalagem Gnóstica

A narrativa de “A Origem” utiliza muitos elementos e tiradas dos filmes gnósticos, atribuindo uma roupagem “séria” à estória, dando a entender ao público que estamos diante de profundos insigths filosóficos. Por exemplo, quando os protagonistas vão para Mombasa recrutar um farmacêutico especialista em drogas pesadas para auxilia-los na missão, encontram em um porão dezenas de pessoas adormecidas. Elas vão para lá diariamente para viverem seus sonhos como uma realidade paralela. “Elas vêm aqui não para dormir, mas para despertar”, diz o responsável pelo local. Evidente tirada gnóstica que lembra as questões do personagem Morpheus no filme “Matrix”. Mas os protagonistas estão naquela farmácia de manipulação menos para discutir a natureza filosófica ou místicas dos sonhos, mas para usar pragmaticamente as drogas para resolver os problemas corporativos do cliente de Cobb (Leonardo Di Caprio).

Ou ainda a personagem Mal, a falecida esposa de Cobb. Aparentemente ela representa o personagem mítico gnóstico de Sophia, ao alertar Cobb sobre a natureza fictícia da realidade, apelando para que seu marido desperte. No sonho está a realidade e a realidade é uma ilusão! Ela constantemente fala para Cobb “retornar para casa” com ela, ou seja, retornar a uma origem idílica perdida durante o sono da realidade. Ela fala para Cobb: “você não se sente atormentado, perseguido pelo mundo por empresas anônimas?” Uau! Parece até que estamos diante das tramas gnósticas de Philip K. Dick! A personagem feminina que vai conduzir o protagonista para o despertar, como no filme O Pagamento (Paycheck, 2003).

Puro engano. Mal não passa de projeção do subconsciente de Cobb, originado pelo sentimento de culpa pela morte da esposa. Tal como nas terapias baseadas em neurociências (PNL, Cientologia etc), ele apenas quer deletar a culpa da sua consciência. Toda a aventura dos protagonistas nos diversos níveis dos sonhos em inserir (inception) a semente de uma ideia na mente de uma pessoa por interesses corporativos, servirá apenas para resolver os problemas de Cobb com sua consciência: deletar a projeção subconsciente da culpa.

O Reacionarismo de "A Origem"

Por isso, “A Origem” é um filme extremamente reacionário. Comparado com filmes como “Brilho Eterno de uma Mente Sem lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004), O Pagamento (Paychek, 2003) e Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), “A Origem” glorifica as tecnologias neurocientíficas que querem basear a felicidade no esquecimento. Se nos filmes gnósticos há a denúncia da secreta aliança da tecnologia servir aos interesses que nos aprisionam a uma realidade por meio do esquecimento, em “A Origem” temos a apologia da eficácia das tecnociências.

Se em “Brilho Eterno”, “O Pagamento” e “Vanilla Sky”, os personagens femininos Clementine, Rachel e Sofia são peças-chave para o despertar (a gnose) do protagonista, em “A Origem” a parsonagem Mal é a mera projeção subconsciente da culpa. Com a mesma tecnologia que serve os interesses corporativos, ele “cura” a si mesmo eliminando a culpa dos seus sonhos.

Isso é surpreendente, já que Christopher Nolan vem de autênticos filmes de questionamentos gnósticos da realidade como “Amnésia” (Memento, 2000) e “O Grande Truque” (The Prestige, 2006 com a participação do gnóstico pop David Bowie como o misterioso cientista NiKolas Tesla).

Se em "Brilho Eterno" toda a tecnologia que quer manipular os sonhos e memórias cai diante da irrupção do insconsciente como a única resistência que o indivíduo ainda possui para enfrentar os interesses corporativos, em “A Origem” isso desaparece para dar lugar a um subconsciente que aparece como mera disfunção ou obstáculo para a aventura dos protagonistas.

Se em “Vanilla Sky” e “Brilho Eterno” as tecnologias da engenharia do espírito (neurociências) são tematizadas criticamente ao ponto da ironia e ridicularização, em “A Origem” elas são enaltecidas (as engenhosas descrições da utilização das arquiteturas impossíveis de Escher nos sonhos – paradoxos, loopings etc.) e vendidas ao espectador como instrumentos para a felicidade de uma vida sem culpas.

Para a psicanálise freudiana a questão sonho é simbólica, isto é, o conhecimento das chaves que abrem as portas para resgatarmos aquilo que nos foi esquecido pelos mecanismos represssivos da realidade. Mas para as neurociência o sonho é uma simples questão de cartografia e topografia: um mapa de associações mentais para mais facilmente deletarmos as disfunções que nos incomodam.

Assim como no neuromarketing onde colocam-se eletrodos na cabeça de um consumidor prototípico para mapearmos as reações mentais diante de peças publicitárias.

Por que esse retrocesso em Christopher Nolan? Em “Amnésia” ele nos apresentou brilhantes e gnósticos insigths sobre a natureza da percepção, memória e realidade e em “O Grande Truque” um brilhante cenário das origens da tecnologia moderna num ambiente histórico (virada de séculos XIX-XX) onde ciência, misticismo e magia se confundiam. Talvez Nolan tenha se rendido ao fascínio pelas neurociências que, afinal, oferecem um modelo simplificado, visual (cinematográfico) e muito mais pragmático do que as complicadas interpretações simbólicas. Projeções subconscientes com armas na mão e o inconsciente traduzido como cofres dentro do qual guardamos nossos segredos e depois jogamos fora a combinação são imagens muito mais convincentes e compreensíveis. “A Origem”, assim como as neurociências, não quer descobrir a combinção, mas apenas destruir o cofre.

Portanto, o filme apresenta uma aparência gnóstica por supostamente ter profundos questionamentos filosóficos ou existenciais sobre a natureza da realidade. A brilhante e complexa narrativa (marca dos filmes de Nolan) de sonhos dentro de sonhos e o final ambíguo (que leva o espectador a questionar o próprio ponto de partida do filme – onde termina o sonho e começa a realidade?), marca da ironia narrativa dos filmes gnósticos, estão em “A Origem” como uma embalagem atraente para seduzir públicos “cabeças”. Mas o seu interior é extremamente reacionário e sintonizado com a agenda tecnognóstica da glorificação das engenharias do espírito.

Ficha Técnica:
  • Título: A Origem (Inception)
  • Diretor: Christopher Nolan
  • Roteiro: Christopher Nolan
  • Ano: 2010
  • Elenco: Leonardo Di Caprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy.
  • Produção e Distribuição: Warner Bros.
  • País: EUA
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terça-feira, agosto 03, 2010

Morte e Ressurreição em "Riverworld"

Apesar dos evidentes problemas de produção e roteiro, ao lidar com clássicos elementos da simbologia gnóstica Riverworld (piloto de uma possível série) torna-se um candidato a sucessor da série Lost. Morte/ressurreição é o tema central, acompanhado do simbolismo gnóstico de Sophia e na cisão cabala/alquimia na busca pela saída do pesadelo que representa o mundo de Riverworld.

Exibido pelo SciFi Channel, Riverworld é a adaptação, por Robert Hewitt Wolfe (Star Trek: Deep Space 9, Andromeda e The Dresden Files) de uma série de livros de ficção científica escritos por Phillip José Farmer. A história gira em torno de um jornalista fotográfico, Matt, e sua namorada Jessie. Após morrerem em um atentado terrorista numa casa noturna são transportados para o mundo misterioso de Riverworld, local para o qual as pessoas que já viveram na Terra são levados, em uma espécie de ressurreição.

Em Riverworld as pessoas acordam mais jovens e livres de qualquer doença ou problemas genéticos. Sem envelhecer, elas são capazes de se regenerar. Lá estão as almas de todos aqueles que um dia já passaram pela Terra em toda a História. Um lugar que é uma espécie de segunda chance ou talvez uma espécie de purgatório.

Em Riverworld encontramos desde anônimos até grandes personagens históricos que cruzam o caminho do protagonista Matt, tais como o escritor e romancista norte-americano Mark Twain ou o conquistador e explorador espanhol Francisco Pizarro. Ao despartarem nesse mundo (as pessoas acordam submersas e desorientadas num rio para emergirem e nadarem até às margens), veem-se, involuntariamente, no meio de uma guerra travada por dois grupos de seres: os chamados “Salvacionistas” que querem destruir aquele mundo e libertar todas as almas, e o outro grupo que quer manter o status quo. Com seus poderes, esses seres (com rostos azuis em trajes de monge) interferem no curso dos acontecimentos, criando uma espécie de jogo de xadrez.

Como afirma Jeff Kripal (professor de Estudos da Religião da Rice University, Houston Texas), os comic books e livros de ficção científica se tornaram os evangelhos pós-modernos do Gnosticismo (sobre isso clique aqui e leia "The Postmodern Gnosticism & Gnosis" do Aeon Byte Gnostic Radio).

Descontando os flagrantes problemas de roteiro e produção (produção de baixo orçamento, muitos diálogos clichês e desnecessários, narração em vários momentos arrastada etc.), a estória de Riverworld é repleta de clássicos elementos míticos do Gnosticismo.

Para começar, a natureza ambígua do local onde acontece a narrativa (Riverworld) é ambígua: será um purgatório de almas? Um outro planeta? Almas humanas aprisionadas por ETs? Ou um simples pesadelo coletivo? Essa ambiguidade dá à estória um caráter de fábula, uma fábula gnóstica sobre o homem aprisionado num cosmos, servindo de joguete numa batalha entre deuses que não o amam. Onde nem a morte é saída. Após morrer, quase que imediatamente é ressuscitado para retornar ao jogo.

Vemos, então, após a morte ou um suicídio desesperado de alguém (falam em “suicídio express”), uma vasta região onde corpos em estado de dormência são mantidos como que depositados (visual que lembra Matrix) para serem despertados pelos seres que governam Riverworld, de acordo com suas conveniências táticas no jogo.

Talvez esse seja o tema mítico gnóstico principal explorado pelo filme: a visão desesperançada da morte e da reencarnação. Como já discutimos em postagem anterior, o Gnosticismo vê a reencarnação como uma perversa estratégia do Demiurgo para manter a humanidade aprisionada num círculo infinito. Na morte/reencarnação não há evolução, aprendizado. Há esquecimento, condenado a recomeçar sempre do zero.

Mas em Riverworld, esse mito gnóstico da reencarnação como prisão é levado ao paroxismo e desespero. Sthephen King em um dos seus livros de suspense e terror dizia que o inferno é a repetição. Pois bem, é exatamente isso que temos no filme: não há, pelo menos, a ilusão de recomeçar, a esperança de um novo dia. Todos são ressuscitados para recomeçarem do ponto em que morreram. O jogo não tem fim.

No gnóstico filme de Alex Proyas, Cidade das Sombras (Dark City), esse mesmo tema foi explorado: ETs que aprisionam seres humanos em uma cidade fake para, a cada meia-noite, serem colocados em estado de dormência para que as identidades sejam trocadas, com o objetivo de encontrar a essência humana no transitório.

Na mitologia gnóstica, um personagem feminino é de vital importância na trajetória humana no cosmos hostil: Sophia. Um dos mais importantes aeons na mitologia gnóstica essa personagem é explorada nos filmes gnósticos em três aspectos: como aquela que decaiu sob o jugo do Demiurgo, como aquela que desperta no protagonista a necessidade da gnose e como aquela que, secretamente, doa seu amor e sabedoria aos homens ao contribuir com importantes padrões arquetípicos à Criação.

Em Riverworld a personagem Jessie é aquela que motiva Matt a seguir em frente e lutar naquele mundo estranho. A personagem cumpre os dois primeiros aspectos enumerados acima: ela cai sob o jugo do “vilão” Burton (torna-se sua namorada, após perder as esperanças de encontrar Matt), que quer, a todo custo, mandar pelos ares aquele mundo através de uma bomba com potencia nuclear. Mas a busca de Matt por Jessie é a chave para a compreensão da natureza daquele mundo. Simbolicamente, fará o protagonista ir ao encontro da “nascente” do rio cujas almas vivem aprisionadas às suas margens.

Por fim, a ambiguidade do personagem Burton. Aparentemente é o “vilão” (utiliza-se de métodos violentos para conseguir seu objetivo), mas, no final, ele pretende destruir aquele mundo para libertar todas as almas humanas aprisionadas. Explodir tudo por meio de uma espécie de bomba atômica não parece ser a melhor das soluções: ele, na verdade, pretende um “suicídio express” final, sem volta, rompendo com o inferno da repetição. É a proposta de um gnosticismo cabalístico: transcender a alma pela aniquilação da matéria, sem redimi-la.

Todo gnosticismo nutre um ódio pela matéria, ao vê-la como uma prisão criada pelo Demiurgo para aprisionar a Luz. Porém, a forma de trasncendê-la é controversa: de um lado o gnosticismo cabalístico (um atalho rápido para a fuga do espírito) e, do outro, o gnosticismo alquímico (a transcendência somente é possível após redimir a matéria, isto é, resgatar nela os elementos sagrados que auxiliem a gnose).

Riverworld, ao lidar com todos esses simbolismos gnósticos, lembra essa dicotomia cabala/alquimia ao opor os personagens Matt/Burton: o primeiro quer resgatar Jessie/Sophia daquele cosmos. O segundo, só quer mandar tudo pelos ares.

Ficha Técnica:
  • Filme: Riverworld
  • Diretor: Stuart Gillard
  • Escritor: Phillip Jose farmer (livro) e Robert Wolfe e Randall Badat (roteiro)
  • Gênero: Drama/Sci-Fi
  • Elenco: Tahmoh Penikett, Mark Deklin, Peter Wingfield, Jeananne Goossen.
  • Ano: 2010
  • Produção: Reunion Pictures, Riverworld Productions
  • Distribuição: SyFy TV
  • País: EUA

Trailer Riverworld


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domingo, junho 13, 2010

Sid Vicious, Zina e Charles Wikipedia: o Demiurgo sabe que temos algo especial

A trajetória desses três personagens repete o mesmo drama arquetípico da mitologia gnóstica: espontaneidade e vitalidade intrumentalizadas para dar vida a estruturas-clichê da indústria do entretenimento ameaçadas pela inércia, assim como, no plano cósmico, o Demiurgo confina o ser humano para extrair dele partículas de Luz para por em movimento um cosmos caótico e ameaçado pela entropia.

Qual a semelhança entre os personagens citados acima no título dessa postagem? Podemos considerar os três como exemplos da espontaneidade e inocência explorados como formas de injetar energia ou conteúdo “espiritual” as estruturas-clichê estáticas e vazias da indústria do entretenimento. Cada um ao seu tempo, foi pinçado do anonimato por suas características únicas: espontaneidade, boa-fé, alegria, entrega. Únicas no sentido de que neles essas características presentes em cada um de nós estava mais aflorada, prontas para serem fisgadas e confinadas em plots ou scripts desenvolvidos pelas mídias.

Como já discutimos em postagem anterior, essa é a narrativa de um drama mítico gnóstico: o Demiugo, divindade decaida e artífice dos reinos inferiores ou materiais, inebriado pelo poder e onipotência por crer ser o único deus, cria o cosmos físico como uma cópia imperfeita dos mundos superiores (O Pleroma). Imperfeita por que criou apenas a forma, necessitando da vitalidade da Luz espiritual (sabedoria) para dar propósito ou sentido ao universo caótico. Por isso o homem é mantido aprisionado nesse cosmos por meio da força de reencarnação e pelas ilusões (racionalizações da Ciência, o consolo da religião e a sedução por meio do poder e sensualidade) para criar um conflito cósmico em torno da posse das partículas de Luz (reminiscência dos reinos superiores existente no interior do espírito humano): de um lado o Demiurgo querendo possuí-las para tentar equiparar as suas criações com as emanações do Pleroma e, do outro, Sophia (“mãe” do Demiurgo que o concebeu de forma “ilegítima”ao emaná-lo do Pleroma) querendo resgatar o homem de volta as suas origens, tentando converter a Luz em sabedoria (gnose).

A indústria do entretenimento repete numa escala micro essa drama cósmico (certamente porque o complexo midiático é mais um instrumento do Demiurgo).

Se observarmos a trajetória de Sid Vicious, Zina e Charles Wikipédia veremos a recorrência de uma característica: eles entram em cena em momentos em que as estruturas de entretenimento começam a ser ameaçadas pela inércia dos clichês. A espontaneidade (humor, alegria, raiva, imprevisibilidade etc.) é injetada nas estruturas que ameaçam paralisar para dar sobrevida aos negócios e aos compromissos firmados pelas linhas de produção.

Sid Vicious


Quando John Ritchie (mais conhecido por Sid Vicious) foi convidado pelo empresário Malcom McLaren para assumir o baixo (?) da banda Sex Pistols, a cena Punk já se esvaziava em novidade, inovação e dinamismo. Nascido em bares e casas noturnas de Detroit e Nova York no início dos anos 70 com bandas como MC5 e nomes como Iggy Pop, era uma cena underground, cheia de energia e espontaneidade que rompia com o imobilismo que chegava toda a psicodelia dos anos 60 (na época, já encampada pelo mainstream fonográfico).

Quando se fala na “explosão do Punk” em 1977, na verdade é o momento em que a indústria do entretenimento confina essa cena musical num script para consumo. Sex Pistols e seu empresário Malcom McLaren é o exemplo mais evidente dessa época. A banda já existia desde 1975. McLaren pressentia a estagnação final do Punk Rock na repetição das mesmas atitudes até chegar ao ódio e rebeldia sem causa. John Ritchie, fã da banda Sex Pistols, segundo relatos da época, era um completo alienado, desajustado, desempregado, silencioso, fechado, sem falar coisa com coisa. Em seu talento empresarial, McLaren viu nele a possibilidade de um novo script, visceral, uma “bomba atômica em potencial”.

Levado ao palco, sem saber tocar uma nota no instrumento dado a ele e complacente, assume o script e torna-se o ícone-clichê do punk no apagar das luzes dessa cena musical. Porém, nem tudo pode ser estrutura, ícone ou clichê na indústria do entretenimento. John Ritchie transformado em Sid Vicious tinha, na sua alienação e desajuste, o brilho e a energia necessárias para dar sobrevida a formas que se esvaziavam. Dinheiro e drogas fáceis o cooptaram, ilusões necessárias para que assumisse o script oferecido. Mas, se toda ideologia tem o seu momento de verdade (como dizia Theodor Adorno), sua verdade era a espontaneidade e imprevisibilidade, energias que trariam novidades (nem que fossem escâdalos) para dar movimento a um cenário musical moribundo.

Zina e Charles Wikipedia

Para quem assiste o programa "Pânico na TV" desde o seu início em 2003 sabe que o personagem Zina surge num momento de transição no estilo e linguagem dessa atração da Rede TV. Enquanto esteve no “underground”, escondido na programação nas noites de domingo, era uma atração marcada pela espontaneidade, surpresa e humor metalingüístico feito em cima da própria linguagem televisiva, chegando a lembrar clássicos dos anos 80 como “Perdidos na Noite” (início do Fausto Silva) e “Fábrica do Som” (com Tadeu Jungle).

Havia quadros como “A Hora da Morte” (vídeo-cassetadas levadas ao paroxismo) e humor metalingüístico que lembravam o clássico grupo inglês Monty Phyton (como telejornais onde o áudio era gravado de trás para frente e o vídeo no sentido normal e o personagem César Polvilho, desmontando os clichês do mainstream do telejornalismo). A estrutura-clichê deixa de ser questionada após quatro anos para se acomodar em piadas em cima de celebridades. O Personagem César Polvilho desaparece para transformar-se em repórter que persegue celebridades e tenta ser penetra em festas das colunas sociais.

Torna-se evidente o crescimento do clichê “o povo fala” (jargão jornalístico para entrevistas rápidas com populares na rua) na busca de injetar energia e humor que já faltava ao programa, engessado que estava na estrutura-clichê após chegar ao mainstream televisivo. Numa dessas surge Zina, o “poeta de uma palavra só” (“Ronaldo!”). Olhar fixo, alienado, desajustado etc., um “freak” perfeito na busca de espontaneidade e improviso que já havia desaparecido.

Charles Wikipedia é a bola da vez. Com um olhar não tão fixo, mas igualmente perdido e vago, com inúteis conhecimentos e memória enciclopédica. Outro personagem descoberto em um “o povo fala”, é colocado no mesmo script da cobertura da festa com celebridades. Sua alienação e inutilidade da sua memória são formas de injetar energia e alguma graça em clichês já vazios e desgastados.

Por que rimos ou ficamos fascinados por esses personagens? Duas hipóteses: ou Adorno tinha razão ao dizer que rimos do fato de não termos mais nada para rir, isto é, o nosso riso é sado-masoquista ao vermos no outro o mesmo drama em que vivemos; ou a nossa fascinação vem do fato de que esses personagens desajustados, disfuncionais e alienados nos fazem inconscientemente lembrar nosso próprio drama cósmico, como exilados aprisionados em estruturas das quais desejamos escapar.

Tal como no filme “O Show de Truman” onde o demiurgo diretor de TV Christof tenta manter Truman aprisionado na gigantesca estrutura cenográfica do Reality Show. Truman era o único personagem espontâneo e real. Antes de conseguir escapar do programa, Christof tenta dissuadi-lo a ficar: “Mas você inspira milhões de telespectadores!”. Talvez a reposta seja a combinação dessas duas hipóteses.

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