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sábado, junho 11, 2011

Filme "Os Agentes do Destino" Revela o Atual Conservadorismo Religioso de Hollywood

Embora inspirado em um conto do gnóstico escritor Philip K. Dick, o filme “Os Agentes do Destino” (The Adjustment Bureau, 2011) ignora o principal elemento da narrativa original: o horror metafísico do protagonista ao descobrir que o tecido da realidade se abriu e que, por trás, há um jogo cósmico onde somos meros fantoches.O resultado é o conservadorismo que elimina o que há de mais importante na religião: a experiência "numinosa". 

Desde a década de 80, Hollywood passou a ter um súbito interesse na obra do escritor de ficção-científica norte-americano Philip K. Dick. A partir do filme Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982) baseado no livro “Do Androids Dream of Eletric Sheep?”, seguiram-se uma série de filmes inspirados em contos e livros do autor como o filme “O Pagamento” (“Paycheck”, 2003 – baseado no conto “Paycheck”), “Minority Report” (2002, baseado no conto “The Minority Report”) e “O Homem Duplo”(A Scanner Darkly, 2006 – baseado em livro homônimo).

O interesse pela obra de K. Dick (tão marcada pela paranoia e pela exploração gnóstica de realidades alucinógenas, a luta do indivíduo contra autoridades cósmicas superiores e o questionamento da moralidade convencional) demonstrou o interesse hollywoodiano em promover nas telas comerciais um gnosticismo pop, cujo auge foi a trilogia “Matrix”.

Todos os exemplos citados acima de adaptações da obra de K. Dick, foram bem sucedidas em manter o cerne gnóstico das suas especulações (o autor se autodenominava como “gnóstico”): a  natureza artificial daquilo que entendemos como realidade e a luta do homem contra autoridades ou divindades cósmicas que não nos amam e tentam nos aprisionar numa gigantesca conspiração. Não é o caso desse filme “Os Agentes do Destino” que, embora mantenha a atmosfera paranoica e os personagens “agentes do destino” (referência aos chamados “arcontes” na mitologia gnóstica), elimina o que há de estruturante na obra de K. Dick: o horror metafísico diante da descoberta de uma conspiração cósmica que há por trás do tecido da realidade.

segunda-feira, maio 02, 2011

Cultura Pop Ocidental e Gnosticismo nos Animes e Mangás Japoneses

Os animes e mangás japoneses tornam-se cada vez mais populares ao reciclar a cultura pop ocidental com lendas medievais e temas clássicos do Gnosticismo. Um terreno fértil onde cenários futuristas violentos se encontram com Demiurgos, divindades femininas promíscuas e ao mesmo tempo salvadoras e protagonistas em estado de exílio e abandono. Parecem traduzir melhor a natureza humana do que produções ocidentais “místicas” como “Avatar” ou livros de Dan Brown.

Em postagem passada (veja links abaixo) apresentamos a primeira parte de um texto de Miguel Conner sobre o anime “Neon Genesis Evangelion” e a ascensão do Gnosticismo nas animações japonesas. Conner afirmava que assim como o ocidente vem há tempos absorvendo as religiões orientais, o fértil terreno dos animes e mangás japoneses vem demonstrando um interesse por reciclar a cultura pop ocidental com lendas medievais e muitos temas das religiões gnósticas.

Em meio aos mundos distópicos e com batalhas futuristas ultra-violentas, despontam os temas clássicos das narrativas gnósticas: o Demiurgo (divindade enlouquecida e manipuladora), Sophia (ao mesmo tempo divina salvadora e promíscua em corpos cibernéticos, lutando secretamente a favor da humanidade), fagulhas divinas e divindades decaídas no mundo físico, perda da memória e da identidade, universos paralelos, mundos virtuais, protagonistas com sentimentos de exílio e abandono e a iluminação buscada em discos de armazenamento de bancos de dados.  

A seguir a tradução da segunda parte do texto de Miguel Conner. Ele é um escritor de ficção científica norte-americano e apresentador do programa "Aeon Byte Gnostic Radio" uma Internet Radio com entrevistas e debates semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop.

domingo, abril 17, 2011

Do Herói Épico e Trágico ao Herói Amoral da Indústria do Entretenimento

Arquétipo milenar, o mito do Herói apresenta um movimento pendular entre a sua face épica e trágica. Na atualidade a indústria do entretenimento cria uma nova face para o mito: o herói amoral. As origens dessa nova atualização do mito podem ser encontradas na propaganda nazifascista na II Guerra Mundial e na contrapropaganda norte-americana com a criação dos super-heróis Capitão América e Super-Homem. 

O tema desse post foi motivado por duas coisas: primeiro, a lembrança do filme “Team America: Detonando o Mundo” (Team America: World Police, 2004), uma comédia politicamente incorreta onde os personagens são marionetes em cenas explicitamente violentas com mísseis, artes marciais e tiroteios associados à luta de heróis americanos contra o terrorismo internacional. O Team America (a polícia mundial do título cuja missão é proteger o mundo dos terroristas) é comicamente catastrófica em seus rompantes de heroísmo.

É impagável a sequência inicial. Terroristas muçulmanos aparecem em uma praça em Paris onde estão muitas crianças, mulheres e idosos. Um deles carrega uma mala-bomba. Derrepente, aparece o Team America numa blitz com mísseis e bazucas. Ironicamente, quem destrói Paris (a torre Eiffel cai sobre o Arco do Triunfo e o Museu do Louvre vai pelos ares) é o Team America na luta desajeitada contra os terroristas. No final, falam para os franceses aturdidos: “Não se preocupem, tudo acabou”. Literalmente, acabaram com os terroristas junto com Paris! Hilário!

A segunda coisa foi uma questão originada em  uma aula de Comunicação Visual na Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo). Discutia com os alunos a propaganda nazista pelo ponto de vista da criação das modernas técnicas no campo da publicidade e linguagem visual.  A certa altura apresentei a contra-propaganda norte-americana: a criação de super-heróis como Capitão América e Super-Homem. Se os heróis nazistas possuíam um “destino manifesto” (representantes de uma raça superiora cuja supremacia já havia sido programada desde o início dos tempos), os super-heróis americanos eram dotados de super poderes conferidos  pela ciência ou por poderes alienígenas.

Um aluno me perguntou qual seria a característica moderna do herói nazi, visto que o herói é um arquétipo milenar. Isto é, diferente de toda a narrativa tradicional do herói desde a antiguidade, qual seria a novidade do herói moderno do século XX, seja nazista ou norte-americano?

O início da resposta pode ser encontrado no humor incorreto do filme Team America. A “world Police” representa os EUA como os únicos heróis do mundo interessados em destruir o terror. A truculência catastrófica  dos heróis do filme se origina em uma visível indiferença com os civis, com a História e com os próprios tesouros da civilização ao redor: sem o menor cuidado, nas suas ações contra o terrorismo destroem o patrimônio cultural da humanidade (pirâmides, torre Eiffel, o Big Ben etc.) e civis inocentes que estejam na hora errada e no lugar errado. Efeitos colaterais. Como diz a música do filme “Free is not Free” (Liberdade não é de graça).

sexta-feira, setembro 24, 2010

"Neon Genesis Evangelion": a Ascensão do Gnosticismo nas Animações Japonesas

Assim como os ocidentais absorvem religiões orientais pelo estilo exótico e fluidez, os orientais parecem adotar as tradições abraâmicas. Tais tradições mitológicas parecem traduzir melhor os mundos distópicos e ultra-violentos de batalhas futuristas das narrativas das "Animes" japonesas. Neon Genesis Evangelion, por exemplo, é uma verdadeira enciclopédia de temas do Gnosticismo clássico, onde o homem se confronta com divindades insanas e indiferentes na luta pela posse dos elementos remanescentes das origens do Cosmos.

Abaixo apresentamos uma tradução de parte do artigo de Miguel Conner "Gnostic Themes in Japanese Anime", publicado no site "Exanimer.com National". O texto didaticamente sintetiza o Gnosticismo em quatro mitos básicos (Mito do Demiurgo, da Alma Decaída, do Salvadore do Feminino Divino) que são explorados pela Ficção Especulativa, desde filmes clássicos como Matrix até as Anime (animações) japonesas. Além disso, Conner procura entender o porquê da ascensão dos temas gnósticos na cultura pop japonesa.

Miguel Conner é escrtor de ficção científica norte-americano e apresentador do programa "Aeon Byte Gnostic Radio" uma Internet Radio com entrevistas e debates semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop.

Temas Gnósticos nas Animes Japonesas
Miguel Conner


Ao contrário da maioria das religiões, o Gnosticismo não consegue limitar a sua heresia à bidimensionalidade do papel. Além da verdadeira ausência de uma canonização, seu caráter sincrético e parasitário permitiu o espírito do gnosticismo se manifestar ao longo da história por meio de diversas mídias. Além disso, a gnose (o despertar do conhecimento divino) é muitas vezes melhor servida através das expressões artísticas de cada época. Mago Simon, Valentino, Mani, WB Yeats e William Blake eram poetas tão sofisticados como também criadores de blasfêmias.



Nos tempos atuais, o gnosticismo foi reativado tanto pela popularidade da Ficção Especulativa como também pelas descobertas da Biblioteca de Nag Hammadi e do Evangelho de Judas. A Ficção Especulativa talvez seja o veículo ideal para a teologia gnóstica já que ambos se baseiam fortemente na psicologia, mitologia e estados alterados de consciência.


Mais do que um veículo, Gnosticismo e Ficção Especulativa são muito mais do que a Câmera Nupcial Valentiana, um casamento feito nos infernos da audácia artística onde, muitas vezes, não se tem consciência de se estar mergulhando nas nascentes Sethianas e Valentianas. Isto é evidente na frenética tempestade digital dos irmãos Wachowski, em Matrix, uma visionária exploração da ficção de Philip K. Dick, ou, então, os delírios alquímicos encontrados nas HQs de Alan Moore. Bastante se tem escrito sobre essas e outras expressões gnósticas contemporâneas.


Mas o que se tem dado pouca atenção é um já amadurecido campo de Gnosticismo numa forma semi-underground de ficção especulativa diferente do ocidente, uma espécie de masturbação mental sexo-masculino-adolescente com símbolos fálicos em forma de robôs gigantes, entre Aphrodites, distópicos mundos alternativos e ultra-violentos e catárticos ciber punks.

É a Anime (definido por Merriam-Webster como “estilo de animação originário do Japão que se caracteriza por gritantes gráficos coloridos retratando personagens vibrantes em ações frequentemente preenchidas por temas do fantástico e futurismo”).


Há pouca evidência de que esse fenômeno seja proposital. Há provavelmente duas razões para o Gnosticismo se encontrar com a animação japonesa (além do fato óbvio de que a Anime já é flagrantemente sincrética e parasitária com sua frenética agitação de produtos que fogem da estética Bollywood para buscar uma audiência mundial).


A primeira razão é que, sem os mandamentos da comercialização de Hollywood, a imaginação dos escritores e animadores japoneses está mais desapegada, permitindo ir a fundo nos poços da psicologia, mitologia e estados alterados de consciência.


A segunda tem a ver com o romance. Assim como os ocidentais absorvem elementos místicos de religiões por causa do seu estilo exótico e fluidez, os orientais parecem adotar as vertentes esotérica das tradições Abraâmicas que melhor traduzem as intensas fantasias policromáticas das paisagens Anime. A história revela que simbolismo ocultista e narrativa, uma relação tão incompreendida, cria ficções muito poderosas (a sedução da Alemanha pela filosofia oriental no século XIX poderia ser um óbvio exemplo).


Antes de abordarmos os evangelhos gnósticos em que se tornaram as séries de Anime, vamos fazer uma breve exposição da mitologia Gnóstica através de um sintético quadro:


1. O Mito do Demiurgo: A Criação, o Mundo ou a própria realidade é controlada por uma divindade inferior e os seus agentes. Esses anjos (ou arcontes) lançaram um véu de ilusão, ignorância ou desespero existencial sobre aqueles que procuram dominar (e às vezes se alimentam). No gnosticismo clássico, o caráter do Deus do Antigo Testamento era um modelo preferido para o vilão extramundano. Ele é muitas vezes referido como o Demiurgo. Nos evangelhos gnósticos pós-modernos, o Demiurgo não tem necessariamente de ser um antagonista do divino, mas pode assumir a forma de qualquer entidade opressora incluindo ETs , tecnologias opressoras e até mesmo as instituições humanas.Tudo se resume a questão do controle humano versus a liberdade humana. Esse mito inflama a questão sobre o que é real e o que é falso em intrincados níveis ontológicos (ou dimensões).


2. O mito da alma decaída. A ideia de que a semente divina, proveniente de um lugar chamado Pleroma (ou Plenitude) tenha caído em um mundo estranho. Este esperma-luz, a matéria prima da auto-realização, reside dentro de cada mortal, também conhecida como “centelha-divina”. É exatamente pela qual que as criaturas espirituais do Demiurgo anseiam ou querem corromper. Descansando no sono ou estupor, a jornada épica começa verdadeiramente quando um mortal descobre ou é escolhido para realizar o seu potencial transcendental. Uma guerra de libertação tende a entrar em erupção. No Anime e na ficção especulativa normalmente envolve uma agitação do protagonista durante a vigília por algum poder latente ou um presente que o obrigue a cumprir um destino heróico. Este mito provoca a pergunta do que é ser consciente e os níveis de consciência que o ser humano pode chegar.

3. O Mito do Salvador. Pode assumir duas formas. O primeiro é que após o despertar para a sua constituição sobrenatural, o protagonista não deve apenas salvar aqueles ao redor dele dos poderes que criaram o regime ilusório, ele deve também divulgar o conhecimento (gnose) para os outros, para que possam compartilhar as mesmas liberdades ou descubram habilidades semelhantes. A segunda forma é que uma figura salvadora precisa de outra figura salvadora, pois a relação de um hierofante para um neófito é central no Gnosticismo (a ocidental caricatura do professor sábio oriental ajudando o herói). Este mito acende a questão do significado do ser humano, e todos os seres humanos são verdadeiramente iguais, mesmo que alguns possuam maiores habilidades do que outros (um tema predominante nas HQs, óperas de ficção científica e até mesmo em séries de televisão, tais como “Heroes”).

4. O Mito do Feminino Divino. No gnosticismo clássico, Sophia ocupa o centro do palco, simultaneamente, como ser caído e uma redentora da humanidade. Sua encarnação já assumiu várias formas, incluindo a Shekinah de Deus na Cabala, Maria Madalena no Cristianismo esotérico, e Gaia no neo-paganismo. Sylvia em “O Show de Truman” e Trinity em “Matrix” são duas das mais famosas nos domínios da Ficção Científica e da Fantasia. A encarnação pode ser o protagonista, o professor do protagonista, e toda uma gama de variações. Ela resgata ou é resgatada, ou ambos, nas batalhas contra os agentes da opressão e da quebra da realidade falsa. É difícil negar a obsessão das Anime com a confusão com o feminino e sexualidade em geral (que se afasta ou, talvez, complementa a atitude gnóstica da desconfiança em relação ao sexo). Isso agrava a questão dos diferentes níveis de amor, amizade e individualidade no que poderia parecer um universo frio e indiferente.

Há um novo elemento que permeia os quatro mitos, muito relevante para as gnósticas Animes e para ficção especulativa. Em sua luta para entender o que realmente definiu o homem e seu destino no cosmos, o Gnosticismo clássico cogita a tripartição entre Matéria-Homem, Mente e Espírito. O Gnosticismo Contemporâneo tece essa tríade no interior da Máquina – tecnologia avançada, inteligência artificial, cibernética, realidade virtual, etc. A Máquina acrescenta um componente filosófico mais profundo, como o Deus que faz o homem e o homem que faz a Máquina, e os três se encontram frequentemente tentando imaginar quem está no controle e quem realmente existe na percepção de cada um. A Trilogia Matrix e os escritos de Philip K. Dick certamente focam essa revelação gnósticas modernista.


Neon Genesis Evangelion é uma das principais Anime gnósticas.

Humanidade enfrenta anjos não só pela sua existência, mas pela sua própria alma. A superfície da estória é flagrantemente gnóstica. É o clichê Anime típico de um mundo pós-apocalíptico, duelo de robôs gigantes e angústia adolescente . Mas Neon Genesis Evangelion abriga uma camada ainda mais profunda de temas gnósticos de várias escolas (Clássica, junguiana, Dickiana e Cabalística).

As origens da humanidade são muito semelhantes aos da cosmogonia gnóstica de Valentino, onde a queda de Sophia do Pleroma cria o universo e seus habitantes. Em Neon Genesis Evangelion, Sophia é substituída por um ser chamado Lilith, cujo material remanescentes são descobertos na Antártida e, em seguida, salvaguardados pelo homem moderno no Japão, num esconderijo subterrâneo chamado Tokyo 3. Logo depois, a civilização sofre o Dia do Julgamento, quando um outro ser chamado Adam (ecoando as Adamas celestes do Gnosticismo, Maniqueísmo e Cabala) de alguma forma se choca contra a Terra. Metade da humanidade é destruída e os sobreviventes são forçados a viver no subterrâneo. O aquecimento global e outros cataclismos prejudicam os recursos do planeta. Um mundo despótico emerge das cinzas.

E depois vêm os anjos para piorar as coisas.

Estas criaturas buscam recuperar os restos mortais de Lilith e Adam das garras da humanidade, pois eles também são a Mãe e Pai primordiais. Os anjos querem a mesma coisa que os líderes da humanidade – reintegrarem-se com Lilith e Adam, a fim de criar uma consciência coletiva piedosa que se torne uma lei suprema. Enquanto os cientistas humanos tentam desbloquear as essências de Lilith e Adam, eles também utilizam partes de seus corpos titânicos para criar monstros chamados unidades Evangelion (ou Evas), a fim de repelir a invasão divina. Evas aparecem como elegantes e estereotipados robôs gigantes, mas são realmente semideuses bestiais que querem associar com os agentes humanos. Isso tudo constitui o cenário de uma batalha grandiosa e brutal que assola a civilização, ainda mais que os anjos não se encarnam na Terra como dândis alados, mas como pesadelos ao estilo Lovecraft.

Apenas alguns jovens talentosos podem pilotar os Evas. O protagonista principal é Shinji Ikari, um adolescente torturado, que não apenas se torna o salvador da humanidade, mas o representante de muitos dilemas psicológicos e existenciais. Suas esposas-irmãs são as tempestuosas Asuka Langley (a ruiva símbolo de Maria Madalena) e o astral Rei Ayanami (de cabelos prateados, símbolo místico de Sophia). Esses jovens não só passam pelas várias fases clássicas da maturidade de crescimento humano e do herói, mas também representam a confusão da inocência que se perde num mundo louco, não apenas de adultos, mas também de divindades insanas e indiferentes.

Neon Genesis Evangelion empurra todos os aspectos da exploração gnóstica nas diferentes fases de plots brutais, realidades despedaçadas e emboladas, e visões psicológicas da alienação pós-industrial, através de extensos monólogo interiores, todos banhados pelo fedor e desespero de uma civilização condenada. A série também leva o público para a fronteira da insanidade e desolações teológicas através de um elenco de personagens cansados e frequentemente sobrenaturais que atritam a trindade anti-heróica de Shinji, Asuka e Rei (e suas psiques, eventualmente, são absorvidos primeiro pelas Evas e, mais tarde, pelos próprios anjos). Da sobrevivência às falsas realidades para as viagens em planos celestiais através dos horrores pré-criação, “Neon Genesis Evangelion” é uma enciclopédia de Gnosticismo.



quinta-feira, julho 01, 2010

A Realidade Oculta de Philip K. Dick em Minority Report

Traduzimos abaixo texto de Jay Kinney, autor do livro Hidden Wisdom: A Guide to the Western Inner Traditions (Quest Books, Spring 2006) e editor da coletânea The Inner West (Tarcher/Penguin, 2004). Foi editor da Gnosis Magazine no período 1985-1999. Um excelente texto abordando não apenas o filme Minority Report mas, principalmente, o gnosticismo do autor do livro que deu origem ao filme: Philip K. Dick.

A partir da célebre experiência religiosa vivida por Dick em 1974 que teria sido o ponto de virada na sua vida intelectual e pessoal, Jay Kinney discute o significado do conceito de Gnose, um conceito controvertido não só dentro do Gnosticismo mas no próprio campo das discussões místicas e teológicas. Esse artigo saiu originalmente na New Dawn Magazine, número 74, setembro-outubro de 2002. Mais abaixo postamos também uma versão traduzida da "Experiência Religiosa de Philip K. Dick, por Robert Crumb" publicada em 1986 na revista Weirdo # 17 sobre a experiência retratada no romance "Valis". A história é uma interpretação gráfica de uma série de eventos que Dick vivenciou no mês de março de 1974. Ele passou o resto de sua vida tentando descobrir o que teria acontecido durante aquele período.

A REALIDADE OCULTA DE MINORITY REPORT
A Gnose Política de Philip K. Dick
Por Jay Kinney


É difícil imaginar imaginar que há quase vinte anos foi lançado Bladerunner . Esse filme fascinante e influente foi o primeiro a ser inspirado nos escritos do autor de ficção-científica, Philip K. Dick. Seguiram-se outros filmes com diferentes graus de sucesso, incluindo Total Recall e Screamers, mas até agora a maioria dos filmes têm sido aqueles que captaram a distópica sensibilidade paranóide de Philip K. Dick, sem diretamente basear-se em um dos seus livros ou contos. O Show de Truman, They Live!, Pleasantville e, principalmente, The Matrix, foram todos filmes com Dick no coração, apesar de sua ausência nos créditos.

O recém-lançado filme de Spielberg, Minority Report, mergulha diretamente no poço profundo PKD, e apesar do inevitável final de filme Spielberguiano, consegue evocar um dos temas favoritos de Dick: como se esquivar da asfixia de um estado policial invansor? Em Minority Report, este tema assume a forma de o local do Departamento de Pré-Crime, em Washington DC, que conseguiu eliminar os assassinatos ao prender e encarcerar os criminosos antes de cometerem os crimes. Isso é feito baseando-se nas habilidades de três precogs (precognitivos), que tem o talento involuntário de ver o futuro próximo e vislumbrar os assassinatos em andamento. Como o filme revela, no ano de 2054 um referendo nacional está prestes a ocorrer sobre a possibilidade de ampliar a política de prevenção Pré-Crime para uma política nacional.

Tendo em conta as recentes iniciativas do governo Bush e dos EUA para deter indefinidamente aqueles que tenham cometido nenhum crime, mas quem pode ter planejado, a oportunidade de "Minority Report" é quase inconcebível. A história original de Dick surgiu em 1956, e o roteiro do filme foi escrito bem antes dos atentados de 11 / 9. Mas, de alguma maneira, as intuições de Dick sobre as execuções do Pré-Crime foram levadas da tela grande para a vida real. PKD, que morreu em 1982, iria saborear a ironia. Ele ainda está conosco.


Gnose

O gnosticismo é um nome comum aplicado a várias seitas dos primeiros tempos do cristianismo que enfatizavam a necessidade de receber a "gnose" (conhecimento divino da verdadeira realidade), a fim de ser salvo. Enquanto eles se consideravam cristãos, os gnósticos divergem tanto o judaísmo e do cristianismo católico em sua crença de que este mundo é uma criação imperfeita de um Demiurgo despótico que usurpou a posição de Deus. Através da agência de um Cristo redentor e sua noiva, Sophia (Sabedoria), os gnósticos esperavam o regresso, após a morte, o reino mais elevado do Pleroma (plenitude) para se unir com o verdadeiro Deus Desconhecido.

Isso, pelo menos, é um modelo resumido do gnosticismo. Se alguém tomar uma visão mais ampla, perceberá que houve muitos gnosticismos muitos e muitas "gnoses" - algumas anterioras à Era Cristã e algumas completamente independentes do Cristianismo. Gnose, como sinônimo de iluminação ou união mística, é equivalente a marifah (árabe) ou irfan (persa) no Islão esotérico, por exemplo. No entanto, embora possamos supor que o estado de consciência significado pelo termo "gnose" é universalmente acessível (ou pelo menos potencialmente), não é de todo certo que aqueles que usam o termo se referem sempre à mesma coisa.

Por exemplo, a gnose dos místicos Sufi do Islã não inclui o reconhecimento da existência de um Deus Demiurgo ou falso, mais baixo. Na verdade, Tawhid, a Unidade de Deus e da Criação, é fundamental paraessa suposição do Islã, de que uma realização espiritual que aponta para um Deus maior do que o Criador seria imediatamente rejeitado como uma ilusão. Por outro lado, os iogues hindus podem facilmente concordar com muitos gnósticos que este mundo é um véu ou a ilusão (Maya, em sânscrito), e que existe um Deus absoluto por trás ou acima de deuses menores. Mas os iogues poucos compartilham da avaliação gnóstica que indica uma falha moral no universo.

Qual é exatamente a natureza do conhecimento divino que os gnósticos e outros místicos têm buscado? É impossível descrever com precisão, devido à natureza não-discursiva do seu conhecimento. Frithjof Schuon refere-se a gnosis como "a nossa participação na perspectiva do Sujeito divino, que, por sua vez, está além da polaridade de separação sujeito-objeto" (1). GEH Palmer se refere a ele como "Sabedoria composta do Conhecimento e da santidade ", e sublinha a distinção "entre o conhecimento adquirido pela mente ordinária e discursivas de conhecimento maior que vem da intuição do intelecto, o intelecto prazo com o mesmo sentido que em Plotino ou Eckhart " (2).

Em outras palavras, a gnose, de acordo com esta definição, é uma experiência do "saber" que resulta da expansão da consciência gnóstica ao nível do divino intelecto, onde a ilusão do self separado (ego) é eliminada - ao menos temporariamente - na perspectiva ampla do Eu Superior. Esse estado não pode, naturalmente, ser mantido indefinidamente. O que sobe tem que descer. Mas, tendo se elevado a essas alturas, o ego, que é montado em cima de sua descendência, é permanentemente afetado. Ele já "sabe" o seu lugar no esquema cósmico das coisas.

Tal conhecimento não é facilmente comunicado a outros, em parte porque os pontos de referência comuns são poucos, e porque qualquer tentativa de descrever a experiência é obrigado a diminui-la e reifica-la. Assim, aqueles que foram abençoados com a gnose usam estratégias oblíquas para conferir o inefável: a poesia, em vez de prosa, mitos em vez de análise clara; afirmações paradoxais, em vez de declarações.

Há ainda outro fator que contribui para a proliferação da gnose e gnosticismos: enquanto a experiência da gnose pode ser ahistórica, isto é, além do tempo e espaço, o gnóstico obviamente não é. Um budista tibetano nos recessos do Himalaia, que toma a reencarnação como um dado adquirido e acredita em muitos deuses, não vai vestir a sua gnose com as vestes de um muçulmano sufi na Andaluzia, que acredita em uma vida e um só Deus. E vice-versa.

Um gnóstico, cujo histórico e cultura é marcado pela guerra e perseguição, provavelmente tal situação influenciará sua explicação da gnose pós-realidade. Pode ainda haver uma realidade maior para além dos conflitos e da violência que ele experimenta em gnose, mas sua versão mítica da jornada para a verdade como um duro esforço, poderia ser apresentado de forma diferente numa outra situação.

Finalmente, há a personalidade e condição psicológica do gnóstico deve ser considerada. Ao contrário do contemporâneo pressuposto holístico de que a combinação de uma boa alimentação, uma vida boa e uma boa atitude torna alguém mais susceptível de conduzir a uma consciência espiritual mais elevada, isso nem sempre é assim. Estados superiores também podem ser acionados pelo ascetismo, substâncias psicoativas, a prática disciplinada ou mera casualidade. A ausência de desejos e obsessões pode tornar mais fácil a prática da meditação, mas a gnose pode também surgir em alguém que está longe de ser um santo. Nesse caso, sua compreensão da gnose pode muito bem ser atingida pela predisposição neurótica.


A Invasão Divina

O que nos traz de volta a Philip K. Dick.

Em fevereiro de 1974, Dick estava vivendo em Fullerton, Califórnia, uma cidade medíocre em Orange County. Ele fugiu de sua residência fixa no norte da Califórnia com medo de sua vida e sua sanidade Ele havia se envolvido com drogas ilícitas por longo tempo, recusava-se a pagar impostos em protesto contra a Guerra do Vietnam, e a pobreza era crônica. Em 1971, o seu lar anterior, em San Rafael, ao norte de San Francisco, havia sido arrombado por pessoas desconhecidas. Ele tentou o suicídio, internou-se num centro de reabilitação de drogas em Vancouver, e em 1972 voou de lá para Fullerton.

Em 1974, ele casou com a sua quinta esposa, Tessa, e teve um novo filho, Christopher. Mas, logo depois, em fevereiro, extraiu dois dentes do siso e estava aguardando a entrega da farmácia dos medicamentos prescritos.

A campainha tocou e Dick abriu a porta. A menina da entrega da farmácia estava diante dele, usando um colar delicado do qual pendia um peixe dourado, símbolo de Cristo, muitas vezes usado por cristãos evangélicos.

Como Dick relatou mais tarde que - possivelmente na forma mitológica - foi como um tiro de laser cor-de-rosa a partir do peixe atingindo terceiro olho de Dick. Isso teve um efeito extraordinário:

"De repente, experimentei, aprendi mais tarde, o que é chamado de anamnese - a palavra grega que significa, literalmente, "perda do esquecimento". Lembrei-me quem eu era e onde estava. Num instante, num piscar de olhos, tudo voltou para mim. E não só eu podia lembrar, mas eu podia ver. A menina era um cristão secreto e assim como no passado. Nós vivemos com medo de sermos descobertos pelos romanos. Nós temos que nos comunicar por meio de sinais enigmáticos. Ela tinha acabado de me contar tudo isso, e era verdade" (3).

Havia muito mais a seguir. Nos anos que se seguiram, Dick sentia que seu psiquismo fora invadido por uma "mente racional transcendental, "como se toda a minha vida tivesse sido uma loucura, e de repente tornei-me são"(4). Ele experimentou visões hipnagógicas, audições, sonhos tutelares, e toda a visão de milhares de gráficos coloridos lembrando "a pintura não-objetiva de Kandinsky e Klee" (5).

Dick nomeou essa mente racional invasiva como VALIS (para Vast Active Living Intelligence System), que se tornou o nome do seu romance 1981, contando sua experiência boggling mente em forma de ficção.

Talvez mais significativamente, ele percebeu que o "tempo real cessou em 70 dC com a queda do templo em Jerusalém.” Tudo recomeçou em 1974. O período de intervenção foi uma espúria interpolação perfeita imitando a criação da mente ...."(6).

A preocupação ao longo da vida PKD com as questões de "o que é realidade?" e "o que é o homem?" não lhe permitiria resolver sua experiências de 1.974 em uma única explicação fácil. Ele vislumbrou diversas formas de se comunicar com Deus como um satélite em órbita da Terra, ou, num estilo barroco, como a cortesia das invasões psíquicas da Academia de Ciências Soviética a partir de transmissores psicotrônicos. Esses insights alimentaram vários romances antes de sua morte prematura aos 53 anos em 1982.

A questão que pode ser bastante questionado se as experiências de Philip K. Dick em 1974 se constituíram numa forma de gnose. A julgar pelas suas muitas histórias e romances, Dick conviveu ao longo de sua vida, com uma sensação de que a realidade, como costumamos percebê-la, é uma fachada. Ele sentiu que havia algo de moralmente errado em um universo onde um inocente gato de um amigo podia andar na rua e ser alegremente atropelado por um carro que passava. Seus romances recorrentemente abordaramcom o tema do homem aprisionado no interior dasmaquinações de um poder além de seu controle. Dick pode ter sido nominalmente um episcopal, mas ele era constitucionalmente um gnóstico.

Mas, aqui está o paradoxo: nem todos os gnósticos recebem a gnose de forma completa. Alguns gnósticos, como os cátaros do sul da França, reconheceram isso e dividiram seus membros entre os crentes simples e os eleitos (perfecti), e é seguro assumir que nem todos os perfecti tinham conseguido plena consciência mística (7).

Os gnósticos ensinavam que há diversos planos ou esferas entre o mundo material e o reino puramente espiritual do Pleroma, "morada" do Deus desconhecido. Esses planos eram governados por Arcontes, e parte do desafio para a alma do gnóstico é, no momento da morte, navegar passando por essas autoridades cósmicos sem ser ludibriado.

O gnóstico que percebeu gnose completa antes de sua morte, (a consciência que se refere o Sufi terminologia como "a morrer antes de você morrer"), foi abençoado com a chave de segurança para fazer essa viagem pós-morte. Mas a gnose nem sempre é completa para todos e algumas experiências podem fornecer somente uma realização parcial - talvez de um reino Archonic intermédio que mais se assemelhe ao mundo velado do Pleroma.

Embora incompleta, esta gnose Archonica ainda poderia ser útil em lançar luz sobre a nossa situação atual -, enquanto suas descobertas não foram tomadas como a última palavra ou a imagem total.

Sugiro que a gnose de Philip K. Dick foi parcial deste tipo: pertubadora, convincente, ambígua, e tão política como espiritual. Sua predisposição para a paranóia - agravada pelo abuso de anfetaminas, e do temperamento da era do McCarthismo e a agitação política dos anos 60 - levou a escrever dezenas de romances anteriores a 1974 que foram amplamente gnósticos em sua exploração da realidade alucinógena, a luta do indivíduo hostil com autoridades superiores e, em seu questionamento da moralidade convencional.

A gnose de Dick em fevereiro-março '74 - que ele experimentou, de forma dissociada, como a intrusão de um maior mente racional em sua consciência - passou a ser entendida por ele como uma revelação de profundas implicações políticas. Dadas as suas preocupações políticas, que já estavam presentes, não é uma surpresa.

A história humana pode parecer uma série interminável de ciclos recorrentes: poder detido pelos poucos se consolida, segue a corrupção, o regime cai e é substituído, e assim por diante. PKD, no entanto, escravo da sua gnose do raio rosa, chegou a uma conclusão urgentemente mítica: o tempo real fora interrompido em 70 dC, um falso sonho temporal foi imposto bre nós por dezenove séculos e, em seguida, através de intervenções externa,s tempo real começa novamente. Sob a aparência normal de nosso mundo moderno, Dick (e outros selecionados) eram como cristãos secretos em conflito com o Império Romano, que ainda estava no poder.

Esta é realmente uma grande verdade cósmica? Acho que não. Mesmo na década de 1970 teve seu lado trivial, como a noção de Dick de que a renúncia do Presidente Nixon após o Watergate foi um evento de significado cósmico.

Mas, de uma forma metafórica ou mesmo arquetípica a gnose de PKD fez revelar uma realidade político-espiritual que está cada vez mais relevante para nós, vinte anos após sua morte. "O Império nunca terminou", escreveu o Dick, e ainda vemos a superpotência reinante bradando seus sabres e seus asseclas contra inimigos designados. O colosso cultural dos conglomerados de mídia e de Hollywood têm girado uma névoa de sonhos que absorve o passado eo futuro num presente perpétuo de novidade e de distração. Para pensar com clareza e sem clichés é necessário um esforço heróico, semelhante ao esquivar-se dos Arcontes em cada um dos mundos pelos quais passamos.

Dick pensou que 1974 fora um ponto de viragem - um momento em que a verdade estava começando de novo e penetrava o véu das aparências. Desejava que isso fosse verdade, mas o choque de 11/09 e a guerra psíquica subsequente, leva à conclusão de que há uma abundância de velamentos - talvez mais do que nunca.

À medida em que partes do véu vão sendo retiradas, Minority Report dá uma lufada de gnose política de Philip K. Dick. Mas nenhum filme - e nenhum livro - é um substituto para um encontro com próprio com o Deus desconhecido.

Qualquer verdadeira gnose - parcial ou completa, seja ela política ou espiritual - é mais valiosa do que todas as palavras que foram escritas sobre ela. Acima de tudo fique alerta, e quando baterem à porta faça uma oração rápida, de que seja uma menina com o colar de peixe e não o policial do Departamento de Pré-Crime.

Notas

1. Frithjof Schuon, Gnosis: Divine Wisdom (Bedfont, Middlesex: Perennial Books, 1990) p. 2.
2. Ibid, GEH Palmer, “Translator's Forward,” p. Ibid, GEH Palmer, "Forward Translator's", p. 83. Veja: Larry Sutin, Divine Invasions: A Life of Philip K. Dick (New York, NY: Harmony Books, 1989).
3. De “How to Build a Universe that Doesn't Fall Apart Two Days Later,” published as an introduction to I Hope I Shall Arrive Soon (New York, NY: Doubleday, 1985.)
4. From interview in Charles Platt, Editor, Dream Makers: The Uncommon People Who Write Science Fiction (New York, NY: Berkeley Books, 1980) p. De entrevista em Charles Platt, Editor, Dream Makers: The Uncommon Pessoas que escrevem Science Fiction (New York, NY: Berkeley Books, 1980) p. 155. 155.
5. PKD carta a Peter Fitting, Junho de 1974.
6. Philip K. Dick, VALIS (New York, NY: Bantam Books, 1981) p. 228. 228.
7. Yuri Stoyanov, The Hidden Tradition in Europe (London: Penguin/Arkana, 1994) p. 162.

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A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DE PHILIP K. DICK
Por Robert Crumb

(clique nas imagens para ampliá-las)








segunda-feira, abril 12, 2010

Em "Mais Estranho Que a Ficção" Deus é um Mau Escritor

Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction, 2006) explora o profundo simbolismo do “Oceano da Gnose” e dos limites de uma Escritora/Demiurgo, incapaz de solucionar os limites do tempo e do devir. É a velha batalha gnóstica do ser humano contra um Demiurgo que quer impor uma narrativa fatalista, a gnose que luta pelo despertar do livre-arbítrio dentro do reino da necessidade.

Harold Crick (Will Ferrell) é um auditor da Receita Federal que leva uma vida solitária e rígida, governada por números (ele sempre conta o número de vezes que escova os dentes verticalmente e horizontalmente), pelo seu relógio de pulso e pela rotina. Seu apartamento é impessoal como um quarto de hotel, sem objetos pessoais, fotografias, memórias ou desordem.

Mas, em uma manhã, Harold começa a ouvir uma voz narrando suas ações: “um modesto elemento da sua vida considerada normal poderá ser o catalisador para uma nova vida”. Imerso num cotidiano de números e cálculos, pela primeira vez cria uma nível meta (ou consciência de transcendência espiritual?) na sua vida: quem é esse narrador onisciente? De que plano provém? Harold passa a ser perseguido por essa voz em off, até descobrir seu propósito: narrar a iminente morte de Harold.

Após desistir de procurar apoio terapêutico, Harold busca uma solução menos ortodoxa: busca o auxílio de um eminente professor de Teoria Literária, o professor Jules Hebert (Dustin Hoffman). A partir daí o filme estabelece uma interessante ironia narrativa: mais do que a preocupação com seu estado mental, Harold percebe que a sua vida parece estar dentro de um propósito maior, como a narrativa de uma obra literária. Portanto, com o auxílio de Julius, deve descobrir em qual plot e gênero literário está envolvido, para, dessa maneira, descobrir como seria o desfecho mortal para evitá-lo.
A voz off é da escritora Karen Eiffel (performada por Emma Thompson - famosa por matar todos os seus protagonistas em seus livros). Suas imagens iniciais no filme são simbolicamente sugestivas (observa o protagonista do alto dos edifícios, como o Demiurgo gnóstico criando uma trama cósmica para confinar o protagonista anthropos).

De início, dois elementos dos filmes gnósticos estão presentes em “Mais Estranho que a Ficção”: a solidez e regularidade da realidade que se esfacela ao descobrir que tudo consiste numa narrativa literária e arbitrária de um Demiurgo e a desconstrução irônica da própria narrativa fílmica – na estória constantemente criam-se níveis meta como, por exemplo, a discussão dos próprios elementos do roteiro do filme (Ironia Dramática, Deus “ex-machina” etc.) e a busca de Harold e Julius em determinar em qual gênero o filme que o espectador assiste se insere (comédia? Drama? Tragicômico?).

Karen Eiffel é o Demiurgo que, de tão inebriado pelo poder de matar seus protagonistas, entra em crise e sofre um bloqueio criativo: não sabe agora como matar Harold de forma criativa. Tal como na mitologia gnóstica, todo o poder do Demiurgo não é capaz de solucionar a falha principal do seu universo material: o devir, o tempo. A editora envia uma assistente para ajudá-la a superar o bloqueio e pressioná-la quanto aos prazos para entrega dos originais.

Para a mitologia gnóstica, o Demiurgo aprisiona o homem em seu cosmos físico com um objetivo principal: roubar-lhe as partículas de luz, reminiscência do verdadeiro plano superior da Pleroma contido no ser humano, plano este que está além dos poderes do Demiurgo. Isso é representado na timidez e ingenuidade de Harold, que fará cada vez mais a escritora Karen fascinar-se pelo seu próprio protagonista ao ponto de relutar em matá-lo. Aos poucos vai libertando-se da rigidez do mundo burocrático e certinho (na medida em que descobre a artificialidade do mundo em que vivia).

Essa pureza da sensação do “olhar da primeira vez” é emblematicamente trabalhada com vários simbolismos bíblicos do Gênesis. A maçã na boca de Harold ao sair apressado para o ponto de ônibus toda manhã; o encontro com Anna Pascal (Maggie Gyllenhaal - confeiteira auditada pela Receita) que lhe oferece cookies cujo sabor fará ainda mais Harold abrir-se para um mundo de novas sensações (o pecado original do Paraíso bíblico); a atração por uma velha guitarra Fender da mesma cor da maçã que toda manhã está na boca de Harold etc.

Aliás, a personagem Anna Pascal ocupa importante papel para a gnose de Harold. Assim como na mitologia gnóstica o personagem feminino de Sophia ocupa importante papel ao trazer sabedoria para o cosmos físico, o personagem de Ana Pascal ao oferecer a “Maçã do pecado original” (os cookies) que abrirá a mente de Harold.

O “Oceano da Gnose”

O principal tema do filme é a gnose de Harold. Ele tem uma vida vazia, burocrática e repetitiva (típica caracterização do personagem “O Viajante” nos filmes gnósticos) cujo processo de gnose deve ser através de um Jogo (o processo metalingüístico da descoberta do plot narrativo da sua vida) onde os limites entre a ficção e a realidade se confundem, como uma viajem através do qual o protagonista despertará. Tal ambigüidade é o caminho aberto para a gnose.

Essa gnose de Harold se inicia na simbólica cena onde Harold folheia as fichas da gaveta de uma imensa sala de arquivos da Receita federal. A voz off de Karen Eiffel narra: “O som do papel contra o separador tinha o mesmo tom de uma onda a rebentar na areia. E quando Harold reparou nisso, percebeu que já tinha escutado ondas o suficiente para constituir o que ele imaginou como sendo um profundo e interminável oceano”. Temos aqui o simbolismo do “Oceano da Gnosis”, o cerne de inúmeros ensinamentos metafísicos Sufis (Sufismo, corrente mística e contemplativa do Islamismo que se ocidentaliza através do hinduísmo) como, por exemplo, do poeta e místico muçulmano Jalal AL-Din Rumi. Para ele, percebemos Deus não através de ensinamentos mas pelo “coração”, como se estivéssemos “imersos num oceano”.

Harold sabe que vai morrer, luta contra esse destino narrativo imposto pela escritora/demiurgo. Tal como no filme “Blade Runner” (filme de 1982, baseado em livro do gnóstico escritor Philip K. Dick onde um robô replicante luta para encontrar seu criador para reivindicar por mais tempo de vida), Harold vai ao encontro do seu criador, a escritora Karen Eiffel. Chocada, ela se confronta com sua própria criação.

O professor Julius e Harold lêem os originais da escritora e chegam à conclusão: Harold tem que aceitar a morte, afinal, o novo livro é a obra-prima de Karen Eiffel. Novamente, o recurso meta-narrativo da estória: como em qualquer roteiro, o protagonista deve se sacrificar por uma causa maior, no caso, a obra-prima de Eiffel. Julius Hebert, como professor de Teoria Literária, tenta convencer Harold da inevitabilidade da sua morte. Tem a ver com um “Plano Maior”, o desfecho de uma excelente obra literária, o ponto alto da carreira da Escritora/Demiurgo.

Com tantas referências bíblicas e místicas que o filme faz, é inevitável a comparação com a Paixão de Cristo. Harold, assim como Cristo, sabe que vai morrer. Jesus Cristo deve morrer por uma causa maior (a salvação da humanidade) assim como Harold deve morrer por causa de um “Plano Maior”: a necessidade imposta por uma engenhosa narrativa. Mas, estamos em um filme gnóstico: assim como no Gnosticismo onde Cristo não veio para nos salvar (sua morte nada teve a ver com isso), mas para nos “curar” (trazer a gnose, mostrar que estar no mundo não é ser dele), Harold não veio ao mundo para morrer por um “Plano Maior”, mas para alcançar a gnose.

Ao descobrir a “sensação oceânica” na banalidade dos gestos cotidianos, Harold interpõe o elemento do acaso na causalidade narrativa: o fragmento do relógio estanca uma hemorragia que seria fatal ao protagonista em um acidente ironicamente genial elaborado por Eiffel. Novamente a limitação do poder do Demiurgo: o tempo, representado pelo relógio despedaçado.

“Mais Estranho que a Ficção” explora o gnosticismo tanto no conteúdo como na forma: a realidade que aprisiona Harold como um “constructu” arbitrário e a desconstrução metalingüística do próprio roteiro fílmico ao longo da narrativa.

Créditos:
  • titulo original: (Stranger than Fiction)
  • lançamento: 2006 (EUA)
  • direção: Marc Forster
  • atores: Will Ferrell , Denise Hughes , Tony Hale , Maggie Gyllenhaal, Emma Thompson
  • duração: 113 min
  • gênero: Comédia
  • estúdio:Mandate Pictures / Three Strange Angels / Crick Pictures LLC
  • distribuidora:Columbia Pictures / Sony Pictures Entertainment
  • direção: Marc Forster
  • roteiro:Zach Helm
  • produção:Lindsay Doran

domingo, fevereiro 07, 2010

O Gnosticismo pop em Philip K. Dick

Reproduzimos nesse espaço o texto da postagem de Larissa Douglass, professora e escritora da Universidade de Oxford, publicado no site de estudos e pesquisa inglês "Intute”. O texto desenvolve as conexões entre o escritor de ficção-científica Philip K. Dick com o gnosticismo e o cinema. Esse texto é de 2006, quando foi lançado o filme A Scanner Darkly (no Brasil, O Homem Duplo). Podemos localizar na obra de K. Dick a recorrência de muitos temas gnósticos: o absurdo (malícia, crueldade, perversidade) do mundo; o desejo de fugir (através do amor, da morte, etc.) da infernal permanência terrestre; a sensação de ser um estranho entre semelhantes; a viscosa presença do mal; a redenção pelo pecado; o tempo como o resultado de um cosmos defeituoso que confina o espírito, etc.

Philip K. Dick e Gonosticismo
Por Larissa Douglass, Oxford University


A Scanner Darkly, recente filme baseado na sombria visão de futuro de Philip K. Dick, aborda a discrepância entre a experiênciasubjetiva ou pessoal e a experiência objetiva. Esta última forma de experiência seria fornecida por meio de câmeras que observam processos.
Essa discrepância é uma característica de uma série de histórias e romances de Philip K. Dick, jogando com a noção de que os meios que utilizamos para aprimorar a compreensão da realidade também podem minar e obscurecê-la. Essa confusa realidade subjetiva é, então, associada a um exterior, uma perspectiva objetiva (por meio de scanners: um espelho, uma câmera ou outro meio de vigilância ou dispositivo de gravação) que relaciona-se com a “verdadeira” realidade. O choque resultante aguarda o espectador quando é revelada a discrepância existente entre a narrativa do protagonista e a que aparentemente é a real. O uso de câmeras como um “terceiro olho” tem sido cada vez mais empregado em filmes recentes para revelar uma desconexão entre a percepção dramática dos personagens e acontecimentos reais. Em última análise, que a perspectiva objetiva deve ser colocada em dúvida.


Philip K. Dick, autor

Embora a narrativa subjetiva de Scanner Darkly e em outro romance, The Three Stigmata of Palmer Eldricht, tenha origem no vício por drogas, em outras histórias Dick oferece cifras alternadas num jogo simultâneo de expansão e distorção da percepção. Quando apressentadas em conflito com uma narrativa objetiva, força a consciência humana a níveis cada vez mais altos de vigília do espaço e tempo. Por exemplo, Dick utilizou:

• Robôs em Do Androids Dream of Eletric Sheep? (que deu origem ao filme Blade Runner) para comparar a relatividade humana sobre o “real” e “falsos” seres humanos;
• Colonização de outros planetas, isolamento e doença terminal na história “Chains of Air, Web of Aether”;
• Precognição confundida com autismo ou esquizofrenia em “Martian Time-Slip e a história “A World of Talent”;
• Sono criogênico de humanos em máquinas sencientes e espaçonaves em “Divine Invasion” e na estória “I Hope I Shall Arrive Soon”.

Gnosticismo
Não importa o expediente utilizado, essas estórias, especialmente a última de Philip K. Dick, “Valis”, inspiram-se em no moderno renascimento da antiga heresia cristã do Gnosticismo. Ela pode ser definida mais simplesmente pela Catholic Encyclopedia como “a doutrina da salvação através do conhecimento”. A única verdadeira religião gnóstica que sobreviveu diretamente da Antiguidade tardia é a seita Mandean no Iraque (ou madianitas Mandaeism). Mais ligações tênues são rastreadas na Idade Média, Renascimento e na história do Iluminismo. Um sentido de continuidade histórica foi reforçada pela descoberta arqueológica do século em torno de 1945 de cerca de quatro textos gnósticos em Nag-Hammadi, no Egito.
Com esse pano de fundo, o moderno gnosticismo popular refere-se,a grosso modo, as idéias que incluem:

• Alienação espiritual no mundo material
• Um conhecimento especial, “gnosis”, que pode despertar os seres humanos do estado atual, a falta de consciência semelhante ao sono;
• Uma separação entre os aspectos divinos da existência espiritual e a realidade material, caracterizado por qualidades femininas e masculinas;
• E uma hierarquia de expansão do entendimento através desse conhecimento especial, que pode finalmente curar a cisão entre divindades masculinas e femininas.
Literatura Comparada e Lingüística

Da obra de Dick se originou um mix de novelas, pulp fiction, música popular, vídeo games, animação e filmes cujas referências baseiam-se em muitas idéias gnósticas. Os filmes mais conhecidos incluem a trilogia de Matrix, Dark City (Cidade das Sombras), Vanilla Sky e eXinsteZ e novelas que incluem O Código Da Vinci de Dan Brown. Autores como Umberto Eco e Jorge Luis Borges trouxeram este tema para as fronteiras da literatura comparada e lingüística.
Gnosticismo (Variantes modernas)

Tais exemplos contemporâneos têm raízes culturais no século XIX e no fin-de-siècle, com os aficionados mais notáveis como o psicólogo Carl Jung e o ocultista Aleister Crowley. Crowley se refere ao Gnosticismo, Alquimia, Maçonaria e Cabala para formar suas teorias ocultas, que por sua vez influenciaram L. Ron Hubbard, o fundador da Igreja da Cientologia. Mais provocativo, o cientista político Eric Voegelin, em sua obra “Science, Politics and Gnosticism” (1958), sugeriu que as ideologias do comunismo e do nazismo eram gnósticas, com efeito, heresias cristãs. O escritor Tobias Churton alegou que as idéias gnósticas foram sendo reveladas no campo da física quântica. E com focos sobre o "real" e o "artificial", e os do sexo masculino e feminino, o gnosticismo pode ter uma influência sobre as teorias pós-modernas e feministas. Assim, o gnosticismo demonstra ser uma gama sincrética de "espiritismo", Nova Era ",de teorias de conspiração e investigação séria. Tais idéias manifestando-se em tantos campos diferentes sugere que a era moderna tem testemunhado um ressurgimento dessa heresia na cultura ocidental e política.

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