Há algo que a extrema-direita tem de sobra que falta à esquerda: o élan conspiratório. Nos treze anos de governo, o PT jamais viu a educação como espaço para a conquista do imaginário que cimentaria o apoio ideológico das massas. Com o economicismo acreditou que bastaria a entrada dos excluídos no mercado de consumo para se sentirem cidadãos. Ao contrário, a extrema-direita (principalmente sua versão alt-right) sabe que o ambiente escolar é o locus decisivo para vencer a “guerra cultural”. Por isso, sob a complacência da grande mídia e Big Techs, enceta o caos como método: “meganhar” (militarização + policialização) a escola através da disseminação do medo pelas redes, com o apoio de subgrupos extremistas que deixaram a Deep Web com a ajuda dos algoritmos interesseiros. Quer conquistar o imaginário das futuras gerações de eleitores.
Em postagem anterior (clique aqui) este Cinegnose discutia como a chamada “direita-alternativa” (alt-right) passou a ter um élan conspiratório cada vez maior, élan que a esquerda parece ter perdido há algum tempo – sempre preocupada ou em ser aceita como missivista em colunas de opinião da grande imprensa, ou de ter arcabouços fiscais bem recebidos pelo mercado financeiro.
Um élan conspiratório da extrema-direita se desenvolve através de duas agendas: a anti-globalista e a da guerra cultural. Intrinsecamente ligadas: o comunismo globalista (ONU, ONGs etc.) lançaria guerras culturais para, por dentro, destruir as nações ao infiltrar o marxismo, identitarismo e ideologias de gênero nas escolas e meios de comunicação para contaminar e destruir valores tradicionais da família, pátria, liberdade e religião. Conformando as pessoas a aceitar a ascensão do Estado socialista totalitário.
Ao contrário do economicismo dos treze anos dos governos do PT (a certeza de que fazer as massas ascenderem ao mercado de consumo criaria nelas a consciência de inclusão e cidadania), imediatamente após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o governo do presidente desinterino Temer arregaçou as mangas e pôs em ação as reformas trabalhistas, previdência e, o arremate necessário para tudo isso dar certo, a reforma do ensino médio – nenhuma reforma econômica dá certo se não houver ao mesmo tempo a reforma no imaginário, no caso, na educação.
Não por acaso, o consórcio mídia-banca financeira viu em Bolsonaro a condição sine qua non para que a agenda das reformas desse certo: o match entre a agenda alt-right (tal como descrita acima) e a agenda hiper-liberal da neocolônia digital brasileira.
Chegando ao poder, imediatamente Bolsonaro e seu anti-ministério (especializado em desmanchar e destruir suas respectivas pastas) pulou imediatamente na jugular da Educação, Ciência e Conhecimento.
Ou mais detalhadamente, o governo alt-right de Bolsonaro abriu uma frente ampla de ataque e controle do imaginário: família e igreja (com o neopentecostalismo representado pela bancada da Bíblia no Congresso), Escola (corte de verbas, censura, vigilância e controle incipiente de focos de resistência e oposição) e grande mídia – apropria-se da crítica da esquerda à mídia, acusando-a de “globalista”.
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Mi-mi-mi
Desde o início, esse élan conspiratório acreditava que a única maneira de enfrentar a guerra cultural da agenda globalista era endurecendo a mentalidade das massas. Como? Acabando com todo esse “mi-mi-mi” em torno de educação, ciência e conhecimento.
Afinal, a reforma do ensino médio não objetiva nem a ciência e conhecimento, não preparando o aluno para o ensino superior, e muito menos o ensino profissionalizante – através dos seus “itinerários” o novo ensino médio não visa a “qualificação” do aluno (ensinar um ofício, um “saber-fazer”, uma profissão), mas a “capacitação”: disposições subjetivas genéricas que compõem o imaginário do empreendedor como “inteligência emocional”, “resiliência”, “foco” etc.
Ao contrário dos governos petistas que nunca viram a educação como oportunidade para cimentar o apoio político-ideológico das massas (viram a educação unicamente como porta de entrada para a ascensão social e mercado de consumo), a extrema-direita leva bastante a sério. Não é por menos que logo de cara partiram para a ofensiva contra escolas e universidades – “escola sem partido”, “contaminada apela ideologia de gênero”, “universidades que plantam maconha” etc.
Por um lado, a extrema-direita cumpriu o seu papel histórico de sempre fazer o serviço sujo do capitalismo: com o discurso histérico anti-comunismo e identitário contra as escolas, contrapôs a escola ideal, sem “ideologias” – aquela que “educaria” o aluno para o empreendedorismo que oculta das estatísticas o futuro desempregado.
E do outro, colocou em ação a sua própria agenda (que, até certo ponto, é simpática ao hiperliberalismo): a militarização e policialização do ambiente escolar. Em outras palavras, através do imaginário da meganhagem (armas, violência e repressão como moralmente boas) embrutecer o psiquismo das massas.
Traço psíquico ideal para a concepção fascista de vida que sustenta a personalidade autoritária: concepção da vida como rude e dura, submissão acrítica, agressividade autoritária, destruição e cinismo etc. – sobre isso clique aqui.
Se não, observe, caro leitor, como nos quatro anos do governo Bolsonaro, sites e perfis nazistas, neonazistas, incels, PUA (Pick-Up Artists), Hominis Sanctus, Red Pill etc. abandonaram a Deep e Dark Web para dar as caras nas mídias e redes sociais.
Não é mera coincidência que o governo de extrema-direita começa em março de 2019 com o massacre em uma escola em Suzano/SP – detalhe: o nome do subgrupo neonazista do qual fazia parte o aluno responsável pelos ataques recentes numa escola estadual de SP, era do “mártir” do ataque em Suzano.
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Nesse momento páginas de redes sociais divulgam possibilidade de um novo massacre em várias escolas que seria realizada no dia 20 de abril – data simbólica para supremacistas brancos, por ser a data de nascimento de Hitler o do Massacre de Columbine, na Columbine High School (EUA) em 1999.
Ameaça que vem na esteira da repercussão de duas semanas consecutivas de ataque a uma escola (SP) e a uma creche em Blumenau (SC).
Sincronicamente, numa semana em que 80 militares do Exército e do Gabinete de Segurança Institucional (GCI) vão prestar depoimento à PF sobre ataques golpistas de oito de janeiro e Lula embarca para a China, colocando mais uma vez em evidência a pauta econômica na grande mídia – sobre a guerra das pautas na mídia e opinião pública clique aqui.
Meganhar a escola
Além dessa estratégia de abduzir a opinião pública dessa pauta que pouco interessa a extrema-direita, há também o élan conspiratório alt-right: meganhar o ambiente escolar (militarização + policialização) – patrulhar armadas no entorno e dentro das escolas, criação de protocolos para professores e alunos em casos de ataques etc. Trazendo como plausível o horizonte futuro da necessidade de uma militarização escolar.
Sabemos que medo e culpa são a matéria-prima de toda dominação política. É um consenso que vai de um lado a outro do espectro que vai da ciência política (Hobbes, Canetti) à psicanálise da cultura (Freud, Fritz Haug, Escola de Frankfurt etc.).
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Também sabemos que a aposta tanto da grande mídia quanto do bolsonarismo é o fator tempo agindo contra o governo Lula – com a ajuda do templário neoliberal Roberto Campos Neto no BC “independente” (independente de quem, cara pálida!), puxar o freio do crescimento para a conta da crise econômica cair no colo do Lula.
E o medo e o embrutecimento psíquico gerados pelo ambiente escolar na futura geração de eleitores, lá na frente, apoiando o discurso extremista de direita na próxima eleição.
Nem grande mídia e muito menos as Big Techs têm a menor disposição em desvelar essa agenda da extrema-direita.
Para as Big Techs, por exemplo, os “Termos de Uso” que os usuários aceitam para ingressar nas redes valem mais do que a Constituição do País. Por exemplo, durante o encontro de representantes das plataformas com o Ministério da Justiça nesta segunda-feira (10/04) uma advogada do Twitter chegou a dizer que um perfil com fotos de assassinos de crianças “não violava os termos de uso da rede” – clique aqui.
E para o jornalismo corporativo, tudo não passa de um problema “global” que envolve o universo dos games (revivendo o velho preconceito hipodérmico contra games de computador) e as novas tecnologias disruptivas.
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Na capa da Folha de 14/04, a agenda secreta para meganhar a escola |
A cobertura midiática banaliza e naturaliza o problema, passando longe (ou faz que não vê) da organização deliberada dos perfis extremistas de direita criar o caos como método.
E este humilde blogueiro sabe o porquê o jornalismo corporativo faz cara de pôquer para tudo isso - quer manter um dos seus principais ativos para as guerras híbridas futuras: o Exército Psíquico de Reserva.
Falta na esquerda o mesmo élan conspiratório que a extrema-direita tem de sobra: ver também a educação como ferramenta para cimentar apoio político-ideológico.