sábado, março 25, 2017

A celebração da loucura e destruição na viagem do tempo em "Os 12 Macacos"


Uma ambiciosa releitura do clássico francês “La Jetée”(1962), o filme que mudou a perspectiva da viagem no tempo no cinema. Em “Os 12 Macacos” (1995) Terry Gilliam explora o tema do protagonista prisioneiro em um loop temporal, tema dominante naquela década como em “Feitiço do Tempo” ou “12:01”. A humanidade foi devastada por uma praga viral, os animais dominaram o planeta e os sobreviventes vivem em subterrâneos. A esperança é voltar para o passado e trazer uma amostra do vírus antes da sua mutação para que a humanidade retorne à superfície. Em busca de perdão, um presidiário chamado James Cole é enviado ao passado para a difícil missão. Paranoico e perseguido como um louco esquizofrênico, a partir de um estranho sonho recorrente, Cole descobrirá que sua vida rebobina e avança rapidamente numa espécie de fita do tempo, como em um filme antigo. 
 
Uma celebração da loucura e destruição. Assim pode ser definido Os 12 Macacos (Twelve Monkeys, 1995) de Terry Gilliam. Como todo filme de ficção científica que aborda o Tempo, acaba expressando muito mais o espírito da época em que foi produzido – parece que cada período histórico cria uma particular visão do Tempo: otimista, épica, sombria, autodestrutiva etc.

Os 12 Macacos foi livremente inspirado em um clássico que foi uma marco da viagem no tempo no cinema: o média-metragem francês La Jetée de 1962 – clique aqui.

Lá víamos um mundo pós III Guerra Mundial na qual Paris foi destruída por uma explosão nuclear. Os sobreviventes foram condenados a viver nos subterrâneos. Sem possibilidade de encontrar alimento e energia no presente, criaram formas da consciência viajar para passado e futuro por meio de drogas.

La Jetée refletia o clima da Guerra Fria e a ameaça do conflito nuclear entre EUA e URSS. Mas exalava otimismo épico: a possibilidade do viajante do tempo fugir da condição de cobaia prisioneira através de mundos criados pela sua própria memória. O tempo proustiano – sobre isso, clique aqui.

Ao contrário, em Os 12 Macacos, embora mantenha o tema da viagem no tempo através da memória e loops temporais, Gilliam quer mais que tudo vá pelos ares. Afinal, Gilliam estava nos anos 1990: o triunfo da Globalização, o clima de “fim da História” com a queda do bloco Comunista e a vitória do regime neoliberal. Como num mundo desse, integrado e sem mais oponentes (a não ser o incipiente terrorismo islâmico que dominaria a cena no século XXI) poderia ser destruído? Por meio de catástrofes virais, seja cibernética (o bug Y2K que não aconteceu) ou biológica – um vírus letal espalhado pelo terrorismo bioquímico.


Mas ainda Gilliam guarda uma ponta de esperança gnóstica, mesmo em um cenário pós-apocalíptico: o tempo pode não existir, ser apenas um loop na qual estamos prisioneiros, repetindo sempre a mesma narrativa como um filme antigo que sempre assistimos mais uma vez. Porém, a cada exibição, não somos mais os mesmos – sempre veremos no velho filme algum detalhe a mais, trazendo novos significados que nos transformaria por dentro.

O Filme


O mundo foi devastado por uma pandemia que matou 5 bilhões de humanos. As cidades foram dominadas pelos animais selvagens e o pouco restou da humanidade vive em túneis subterrâneos.

O filme acompanha James Cole (Bruce Willis), um presidiário que, em troca do perdão, se submete a uma experiência de viagem no tempo. Os cientistas e governantes desse mundo subterrâneo esperam que Cole retorne a 1996 e colete informações sobre o vírus antes dele ter sofrido mutação.

Não, eles não querem evitar a catástrofe biológica e salvar a humanidade ao criar um futuro alternativo. O interessante no filme é que o passado já ocorreu e é imutável, contrariando um dos traços do tempo pós-moderno – a criação de futuros alternativos como um hipertexto, como em filmes como Sr. Ninguémclique aqui.

Apenas querem trazer uma amostra original do vírus para encontrar um antídoto e retornarem para a superfície.


Os cientistas sabem que a pandemia foi resultante de uma ação intencional. Por isso precisam que Cole também busque pistas da suposta organização terrorista responsável: “Os 12 Macacos”.

Mas o deslocamento pelo tempo é doloroso e nada exato: Cole cai em 1990 machucado, sangrando e mentalmente confuso – ele é atirado numa prisão psiquiátrica e designado para a doutora Kathryn Railly (Madeleine Stowe) que o qualifica como um esquizofrênico que insiste em dizer que é viajante do futuro. Nessa prisão conhece o paciente Jeffrey Goines (Brad Pitty), um psicótico filho de um eminente cientista virologista (Dr. Goines – Christopher Plummer), cujo laboratório pode estar abrigando o vírus mortal que devastará a humanidade seis anos depois.

Eventualmente Cole desaparecerá para reaparecer em 1996, determinado a sequestrar a Dra. Railly e força-la a ajuda-lo a seguir uma pista - Jeffrey tornou-se um ativista dos direitos dos animais e criou a organização “Os 12 Macacos”. Será que esse grupo foi o responsável pelo roubo do perigoso vírus do laboratório do Dr. Goines? Como um ativista radical, Jeffrey pretende exterminar a raça humana para os animais voltarem a dominar o planeta?

Uma lembrança persegue James Cole em sonhos recorrentes: uma cena em um aeroporto na qual os olhos de uma criança testemunham uma perseguição policial onde um homem é baleado na companhia de uma misteriosa mulher que o conforta enquanto a vítima sangra até a morte.

Gradualmente a Dra. Railly começa a acreditar na alucinada história de Cole, que sempre vai e volta entre passado e futuro, enquanto os cientistas do futuro o interrogam em busca de pistas da organização “Os 12 Macacos”.

A vida como um filme em um cinema


O que torna o filme instigante é, em primeiro lugar, o caráter de Cole: ele é simples, confuso, mal informado, constantemente exausto e ferido, paranoico e sempre carregando o sentimento da traição. Como nos filmes noir, o detetive sempre é atingido, perde a consciência, para acordar e tentar juntar pedaços de memórias.

Nada é o que parece ser (nem em seu mundo futuro), tudo é explicado de forma enviesada.

E em segundo lugar, a sequência que parece ser arbitrariamente colocada pelo roteirista (David Peoples, do filme Blade Runner, 1982), mas que dá todo sentido ao drama de James Cole e da própria condição humana: a certa altura a Dra. Railly e Cole são perseguidos pela polícia. Eles se escondem em um cinema onde está sendo exibido Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958) de Hitckcock.


Para Cole, de alguma forma o filme lhe parece familiar: em algum momento da sua vida assistiu àquele filme, mas não consegue lembrar quando. É a cena-chave do filme que acaba confirmando uma suspeita: na sua infância Cole testemunhou o fim do mundo com a praga viral. Junto com o recorrente sonho do aeroporto, percebemos que a própria vida de Cole está presa em um loop temporal – ele está preso em um rebobinar e avançar rapidamente uma fita do tempo, como em um filme. Repete no passado aquilo que aprendeu no futuro e vice-versa.

O tempo gnóstico


Se os anos 1980 ficaram marcados com filmes como De Volta Para o Futuro e Peg Sue: Seu Passado a Espera (a possibilidade de voltar no passado para alterar o presente), os 90’s foram dominados pelos loop temporais de O Feitiço do Tempo e 12:01loops provocados ou por eventos meteorológicos ou experiências catastróficas.


Os 12 Macacos repete essa abordagem do tempo, porém numa perspectiva, por assim dizer, gnóstica como no recente O Teorema Zero (2013, clique aqui): a existência se reduziria a um antigo filme que sempre se repete, tal como no cinema. Assistimos ao mesmo filme experimentando diversos déjà-vus, mas não compreendemos a situação. Como consegue de forma trágica James Cole no final.

Porém, a cada vez que rebobinamos e avançamos a fita ou película, algo muda dentro de nós: enxergamos novos detalhes, novas perspectivas.

Na releitura do clássico La Jetée feita por Terry Gilliam há um evidente tema gnóstico da condição humana prisioneira. Dessa vez em um loop temporal. E, como sempre, a chave está destro do psiquismo humano: encontrar no inferno da repetição o detalhe, o acontecimento que nos transforme e nos coloque para fora da armadilha do eterno retorno.


Ficha Técnica

Título: Os 12 Macacos
Diretor: Terry Gilliam
Roteiro:  David Peoples livremente baseado no filme La Jetée
Elenco:  Bruce Willis, Madeleine Stowe, Brad Pitt, Christopher Plummer, Jon Seda
Produção: Universal Pictures, Atlas Entertainment
Distribuição: Universal Studios Home Entertainment
Ano: 1995
País: EUA

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