Uma ambiciosa releitura do clássico francês “La Jetée”(1962), o filme
que mudou a perspectiva da viagem no tempo no cinema. Em “Os 12 Macacos” (1995)
Terry Gilliam explora o tema do protagonista prisioneiro em um loop temporal,
tema dominante naquela década como em “Feitiço do Tempo” ou “12:01”. A
humanidade foi devastada por uma praga viral, os animais dominaram o planeta e
os sobreviventes vivem em subterrâneos. A esperança é voltar para o passado e
trazer uma amostra do vírus antes da sua mutação para que a humanidade retorne
à superfície. Em busca de perdão, um presidiário chamado James Cole é enviado
ao passado para a difícil missão. Paranoico e perseguido como um louco
esquizofrênico, a partir de um estranho sonho recorrente, Cole descobrirá que
sua vida rebobina e avança rapidamente numa espécie de
fita do tempo, como em um filme antigo.
Uma celebração
da loucura e destruição. Assim pode ser definido Os 12 Macacos (Twelve
Monkeys, 1995) de Terry Gilliam. Como todo filme de ficção científica que
aborda o Tempo, acaba expressando muito mais o espírito da época em que foi
produzido – parece que cada período histórico cria uma particular visão do
Tempo: otimista, épica, sombria, autodestrutiva etc.
Os 12 Macacos foi
livremente inspirado em um clássico que foi uma marco da viagem no tempo no
cinema: o média-metragem francês La Jetée de 1962 – clique aqui.
Lá víamos um
mundo pós III Guerra Mundial na qual Paris foi destruída por uma explosão
nuclear. Os sobreviventes foram condenados a viver nos subterrâneos. Sem
possibilidade de encontrar alimento e energia no presente, criaram formas da
consciência viajar para passado e futuro por meio de drogas.
La Jetée
refletia o clima da Guerra Fria e a ameaça do conflito nuclear entre EUA e
URSS. Mas exalava otimismo épico: a possibilidade do viajante do tempo fugir da
condição de cobaia prisioneira através de mundos criados pela sua própria
memória. O tempo proustiano – sobre isso, clique aqui.
Ao contrário,
em Os 12 Macacos, embora mantenha o tema da viagem no tempo através da memória
e loops temporais, Gilliam quer mais que tudo vá pelos ares. Afinal, Gilliam
estava nos anos 1990: o triunfo da Globalização, o clima de “fim da História”
com a queda do bloco Comunista e a vitória do regime neoliberal. Como num mundo
desse, integrado e sem mais oponentes (a não ser o incipiente terrorismo
islâmico que dominaria a cena no século XXI) poderia ser destruído? Por meio de
catástrofes virais, seja cibernética (o bug Y2K que não aconteceu) ou biológica
– um vírus letal espalhado pelo terrorismo bioquímico.
Mas ainda Gilliam guarda uma ponta de
esperança gnóstica, mesmo em um cenário pós-apocalíptico: o tempo pode não
existir, ser apenas um loop na qual
estamos prisioneiros, repetindo sempre a mesma narrativa como um filme antigo
que sempre assistimos mais uma vez. Porém, a cada exibição, não somos mais os
mesmos – sempre veremos no velho filme algum detalhe a mais, trazendo novos
significados que nos transformaria por dentro.
O Filme
O mundo foi devastado por uma pandemia que
matou 5 bilhões de humanos. As cidades foram dominadas pelos animais selvagens
e o pouco restou da humanidade vive em túneis subterrâneos.
O filme acompanha James Cole (Bruce Willis),
um presidiário que, em troca do perdão, se submete a uma experiência de viagem
no tempo. Os cientistas e governantes desse mundo subterrâneo esperam que Cole
retorne a 1996 e colete informações sobre o vírus antes dele ter sofrido
mutação.
Não, eles não querem evitar a catástrofe
biológica e salvar a humanidade ao criar um futuro alternativo. O interessante
no filme é que o passado já ocorreu e é imutável, contrariando um dos traços do
tempo pós-moderno – a criação de futuros alternativos como um hipertexto, como
em filmes como Sr. Ninguém – clique
aqui.
Apenas querem trazer uma amostra original do
vírus para encontrar um antídoto e retornarem para a superfície.
Os cientistas sabem que a pandemia foi
resultante de uma ação intencional. Por isso precisam que Cole também busque
pistas da suposta organização terrorista responsável: “Os 12 Macacos”.
Mas o deslocamento pelo tempo é doloroso e
nada exato: Cole cai em 1990 machucado, sangrando e mentalmente confuso – ele é
atirado numa prisão psiquiátrica e designado para a doutora Kathryn Railly
(Madeleine Stowe) que o qualifica como um esquizofrênico que insiste em dizer
que é viajante do futuro. Nessa prisão conhece o paciente Jeffrey Goines (Brad
Pitty), um psicótico filho de um eminente cientista virologista (Dr. Goines –
Christopher Plummer), cujo laboratório pode estar abrigando o vírus mortal que
devastará a humanidade seis anos depois.
Eventualmente Cole desaparecerá para
reaparecer em 1996, determinado a sequestrar a Dra. Railly e força-la a
ajuda-lo a seguir uma pista - Jeffrey tornou-se um ativista dos direitos dos
animais e criou a organização “Os 12 Macacos”. Será que esse grupo foi o
responsável pelo roubo do perigoso vírus do laboratório do Dr. Goines? Como um
ativista radical, Jeffrey pretende exterminar a raça humana para os animais
voltarem a dominar o planeta?
Uma lembrança persegue James Cole em sonhos
recorrentes: uma cena em um aeroporto na qual os olhos de uma criança
testemunham uma perseguição policial onde um homem é baleado na companhia de
uma misteriosa mulher que o conforta enquanto a vítima sangra até a morte.
Gradualmente a Dra. Railly começa a acreditar
na alucinada história de Cole, que sempre vai e volta entre passado e futuro,
enquanto os cientistas do futuro o interrogam em busca de pistas da organização
“Os 12 Macacos”.
A vida como um filme em um cinema
O que torna o filme instigante é, em primeiro
lugar, o caráter de Cole: ele é simples, confuso, mal informado, constantemente
exausto e ferido, paranoico e sempre carregando o sentimento da traição. Como
nos filmes noir, o detetive sempre é
atingido, perde a consciência, para acordar e tentar juntar pedaços de
memórias.
Nada é o que parece ser (nem em seu mundo
futuro), tudo é explicado de forma enviesada.
E em segundo lugar, a sequência que parece
ser arbitrariamente colocada pelo roteirista (David Peoples, do filme Blade Runner, 1982), mas que dá todo
sentido ao drama de James Cole e da própria condição humana: a certa altura a
Dra. Railly e Cole são perseguidos pela polícia. Eles se escondem em um cinema
onde está sendo exibido Um Corpo que Cai
(Vertigo, 1958) de Hitckcock.
Para Cole, de alguma forma o filme lhe parece
familiar: em algum momento da sua vida assistiu àquele filme, mas não consegue
lembrar quando. É a cena-chave do filme que acaba confirmando uma suspeita: na
sua infância Cole testemunhou o fim do mundo com a praga viral. Junto com o
recorrente sonho do aeroporto, percebemos que a própria vida de Cole está presa
em um loop temporal – ele está preso em um rebobinar e avançar rapidamente uma
fita do tempo, como em um filme. Repete no passado aquilo que aprendeu no
futuro e vice-versa.
O tempo gnóstico
Se os anos 1980 ficaram marcados com filmes
como De Volta Para o Futuro e Peg Sue: Seu Passado a Espera (a
possibilidade de voltar no passado para alterar o presente), os 90’s foram
dominados pelos loop temporais de O Feitiço do Tempo e 12:01 – loops provocados ou por eventos meteorológicos ou experiências
catastróficas.
Os 12
Macacos repete essa abordagem
do tempo, porém numa perspectiva, por assim dizer, gnóstica como no recente O Teorema Zero (2013, clique
aqui): a existência se
reduziria a um antigo filme que sempre se repete, tal como no cinema.
Assistimos ao mesmo filme experimentando diversos déjà-vus, mas não
compreendemos a situação. Como consegue de forma trágica James Cole no final.
Porém, a cada vez que rebobinamos e avançamos
a fita ou película, algo muda dentro de nós: enxergamos novos detalhes, novas
perspectivas.
Na releitura do clássico La Jetée feita por Terry Gilliam há um evidente tema gnóstico da
condição humana prisioneira. Dessa vez em um loop temporal. E, como sempre, a
chave está destro do psiquismo humano: encontrar no inferno da repetição o
detalhe, o acontecimento que nos transforme e nos coloque para fora da
armadilha do eterno retorno.
Ficha Técnica |
Título: Os 12 Macacos
|
Diretor: Terry Gilliam
|
Roteiro: David Peoples livremente baseado
no filme La Jetée
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Elenco: Bruce Willis, Madeleine Stowe, Brad Pitt, Christopher Plummer, Jon Seda
|
Produção: Universal Pictures, Atlas Entertainment
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Distribuição: Universal
Studios Home Entertainment
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Ano: 1995
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País: EUA
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