terça-feira, novembro 03, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme
que destoa do conjunto da obra de Ridley Scott – “Alien”, “Blade Runner”,
“Prometheus” entre outros universos distópicos. “Perdido em Marte” é um sci fi
estranhamente otimista sobre um astronauta deixado só numa missão no planeta
vermelho após um acidente, à espera da morte. Mas ele é cientista e botânico
com a determinação de um MacGyver ou de um John McClane de “Duro de Matar”, com
suas principais armas: lonas e fitas de silver tape. Contando com o velho
clichê do “nenhum americano será deixado para trás”, o filme parece uma grande
peça de propaganda NASA/complexo militar americano. Será que foi alguma
obrigação contratual da Fox ao diretor Ridley Scott na sua quarta produção seguida pelo estúdio? Estaria Scott seguindo os supostos passos de Kubrick nas relações perigosas com a NASA?
“No espaço ninguém poderá ouvir seus
gritos”. É surpreendente que o autor dessa linha de diálogo do filme Alien, o diretor Ridley Scott (artífice
de universos distópicos e gnósticos como em Blade
Runner e Prometheus), tenha
dirigido Perdido em Marte com linhas
de diálogo como “o mundo inteiro está torcendo por um só homem”. E ainda com um
protagonista que tenha falas como “o primeiro homem a pisar fora dessa
sonda”... “o primeiro a subir essa colina”, “o maior botânico do planeta”... “o
pirata espacial”... “o colonizador de Marte”... “foda-se Marte...”.
Diante da sua obra marcada por
protagonistas em estado de estranhamento e deslocamento e que desafiam a tudo e
a todos ao seu redor para resgatar algo que lhe é precioso dentro de si mesmo, Perdido em Marte é um filme destoante.
É um conto sci fi supreendentemente
otimista: “vou ter de usar muita ciência para sair dessa”, desafia o astronauta
Mark (Matt Damon) deixado para trás em Marte depois de uma missão abortada cuja
tripulação teve que fugir às pressas. E após declarar para seu vídeo-diário que
não morrerá no planeta e mandar Marte “se fuder”, ao melhor estilo de um herói
americano como MacGyver ou John McClane em Duro
de Matar, Mark resolverá todos os problemas sozinho completamente
tranquilo. E ainda com direito a tiradas irônicas e trocadilhos nos momentos mais
tensos.
Se em Prometheus toda a Ciência e racionalidade humanas levam uma
tripulação a paradoxos metafísicos e filosóficos, ao contrário, em Perdido em Marte o filme preocupa-se
quase que exclusivamente em Física, Química e Biologia para criar uma narrativa
linear do estilo “nenhum homem será deixado para trás”.
Ufanista
e patriótico
E em estilo supreendentemente ufanista
e patriótico – bem diferente das distopias de Alien, Blade Runner ou Prometheus
onde astronautas são vítimas de conspirações corporativas. Em Perdido em Marte o logotipo da NASA e a
bandeira dos EUA estão sempre em destaque nos enquadramentos em uniformes,
objetos e fuselagens de rovers, espaçonaves e centros de controle.
O filme 2001 de Kubrick em 1968 mostrou que é possível o equilíbrio entre o
realismo científico e reflexões metafísicas e filosóficas. Mas estranhamente
Scott despreza essa possibilidade ao apresentar um protagonista tão linear
quanto um apresentador de infomercial da TV Polishop: não há drama ou conflito
psicológico que seriam factíveis numa situação tão desesperadora e deplorável
como a que em se encontra Mark.
As reservas de alimentos não são
suficientes para o tempo de espera de quatro anos para uma próxima missão que o
resgataria, água é extremamente limitada e as intempéries são imprevisíveis com
uma atmosfera constantemente acossada por tempestades e furacões.
Mark parece se divertir em Marte,
fazendo piadinhas até no clímax final e desesperador. E se algo dá errado,
sempre terá os seus principais amigos: uma lona e um rolo de silver tape.
E a último e não menos importante
elemento que confirmaria a suspeita sobre a natureza desse filme que o
Cinegnose vai defender abaixo: além de Perdido em Marte desprezar questionamentos
psicológicos, metafísicos ou existenciais do protagonista ou dos próprios
objetivos da missão, a narrativa simplesmente ignora os potencias e evidentes
problemas políticos e diplomáticos do salvamento do astronauta – a cooperação
das agências espaciais dos EUA e China é prá lá de utópica como, por exemplo, a
partilha das tecnologias de lançamento e propulsão entre duas superpotências
que ameaçam na atualidade iniciar uma nova Guerra Fria.
Uma peça
de propaganda
Agora, juntemos as evidências: um filme
nitidamente destoante no conjunto da obra de Ridley Scott, centrado unicamente
na Ciência e racionalidade, despreza qualquer tensão ou conflito psicológico, ignora
reflexões metafísicas ou filosóficas (embora arrisque colocar uma música
metafísica de David Bowie como Space
Oddity, solta no filme e sem sentido) e limpa a narrativa de qualquer
tensão política entre superpotências como EUA e China.
Em outras palavras: estamos diante de
uma peça de propaganda da agência espacial norte-americana (NASA), ávida por
conseguir a aprovação de verba no Congresso para uma suposta missão a Marte
para 2030. O timing do lançamento do filme foi perfeito: entre o anúncio da
missão pelo presidente Obama e o eufórico anúncio pela imprensa da descoberta
de água no planeta vermelho.
O argumento de Perdido em Marte,
baseado no livro The Martian de Andy
Weir, certamente foi a matéria-prima perfeita por basear-se num velho clichê da
propaganda militar norte-americana: “nenhum americano será deixado para trás!”
– tática manjada de filmes de propaganda pró-militarista desde a II Guerra
Mundial.
Tão manjada que foi ironizada pelo
filme Mera Coincidência (Wag The Dog,
1998): um presidente candidato à reeleição envolve-se num escândalo sexual e
criar cinematograficamente uma guerra contra a Albânia para desviar a atenção
da opinião pública. Um produtor de Hollywood produz um vídeo sobre um soldado
que teria ficado nas mãos dos terroristas albaneses, o soldado Schumman.
Comovido, a pátria torce pela volta de um personagem que nunca existiu...
Scott
segue os passos de Kubrick?
Agora, os Estúdios Fox, Ridley Scott e
NASA parecem repetir, na ficção, esse clichê que glorifica o herói americano
como uma espécie de Robinson Crusoé em Marte: comover a opinião pública
(eleitores), descrentes de viagens espaciais desde que as pedras da Lua
trazidas pela missão Apolo nos anos 1970 comprovaram que nosso satélite é
estéril e entediante.
O diretor Ridley Scott e a NASA
Será
que Ridley Scott terá o mesmo destino do falecido diretor Stanley Kubrick
dentro do universo das teorias conspiratórias? Kubrick teria feito uma longa
parceria com a NASA ao supostamente dirigir o filme que simulou o pouso da
missão Apollo 11 na Lua, ao mesmo tempo que a NASA deu total assessoria ao
clássico 2001 – Uma Odisséia no Espaço,
famoso pelo apuro científico e efeitos especiais que só apareceriam dez anos
mais tarde em Star Wars.
Como quarto filme produzido pelos
estúdios Fox (os anteriores: Prometheus,
O Conselheiro do Crime, Êxodo: Deuses e Reis), poderia ser algum tipo de
obrigação contratual imposta ao diretor? O filme é tão destoante na obra do
diretor que dá margem a esse tipo de especulação.
Especula-se que Perdido em Marte dará finalmente a Scott, aos 78 anos, a chance de
ser premiado com um Oscar. Como vimos em postagem anterior, a Academia tem uma
preferencia especial em premiar tambémfilmes que circundem temas bélico-militares – sobre isso clique aqui.
Mas, apesar de tudo, há lampejos do
ateísmo gnóstico do diretor: Scott ainda vê o homem perdido em um cosmos hostil
e caótico, sem Deus ou propósito, onde somente resta ao homem encontrar dentro
de si a força espiritual para construir algum sentido na existência.
Menos para o protagonista Mark, um
personagem tão linear como um turista se divertindo em algum parque temático marciano.
Título: Perdido em Marte (The
Martian)
Diretor: Ridley Scott
Roteiro: Drew Goddard baseado
no livro The Martian de Andy Weir
Elenco: Matt Damon, Jessica
Chastain, Kristen Wiig, Jeff Daniels, Michael Peña, Kate Mara, Sean Bean
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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