sexta-feira, fevereiro 17, 2023

Em 'Pearl' nasce uma estrela... sangrenta!



Em Pearl (2022), o diretor Ti West troca a fazenda abandonada e sombria dos anos 1970 do slasher do filme “X” pela mesma fazenda, mas agora em 1918, com um brilhante colorido tecnicolor, em busca das origens do massacre do filme anterior da futura trilogia. Lá encontramos Pearl jovem e cheia de sonhos escapistas tentando fugir de uma realidade familiar e econômica opressiva. Sonhos de se tornar uma celebridade: dançarina dos filmes de uma seminal Hollywood. Ser amada e aceita por todos. Mas há algo muito errado com ela – como as pessoas podem se tornar assustadoras ao alimentar a necessidade corrosiva de serem vistas a todo custo.

Não aceitar uma realidade em que se vive a princípio seria algo positivo: o espírito de iniciativa, o inconformismo com uma realidade dada, a necessidade de querer mudar, transformar, evoluir, revolucionar. Afinal, não seria isso que definiria o espírito indômito humano, que o fez sair das cavernas para chegar na Lua?

O problema é quando esta não aceitação se transforma em negação da realidade. Caindo no perigo da romantização em favor de uma perfeição falsificada e escapista. E o início da indústria do entretenimento com o cinema, consolidando-se na TV, Publicidade e sociedade de consumo no século XX, ofereceu a ferramenta tecnológica para esta romantização e escapismo 

Isso é perceptível nas origens da civilização das imagens. A fotografia só se tornou popular quando se descobriu a possibilidade de retocar o negativo apresentado na Exposition Universelle de Paris em 1855; enquanto as pretensões documentais para a invenção do cinema dos irmãos Lumière foram soterradas com o sucesso popular dos dois primeiros gêneros fílmicos: filmes sobre a vida de Jesus e Pornografia – paradoxalmente a doutrinação religiosa ao lado das fantasias eróticas escapistas.

 Aos poucos, potenciais energias que poderiam transformar a realidade foram drenadas pelas primeiras telas, enquanto a realidade foi invadida pelo entretenimento. Mais do que isso: a identidade passou a ser corroída pela possibilidade de ser visto, tornar-se imagem e celebridade. Por que corroída? Porque a distância cada vez maior entre o ideal e o atual, a fantasia e a realidade, vai drenar todas as energias que poderiam ser direcionadas a mudanças efetivas da realidade. 

Não é para menos que a relação entre fã e ídolo é permeada pela admiração e frustração, amor e raiva, culto e ressentimento. E o assassinato de John Lennon em 1980 por um fã é o caso emblemático – fãs não admiram, eles invejam a condição de celebridade achando que, por isso, são amados e jamais solitários.

Pearl (2022), de Ti West, transforma essa realidade dominada pelo entretenimento e espetáculo num conto de terror slasher – como atores podem ser assustadores ao alimentar essa necessidade corrosiva de ser visto a todo custo. 

Pearl é uma prequela ou prequência do terror slasher X (2023), revelando as origens há 60 anos da idosa personagem profundamente reprimida e violenta do filme anterior de Ti West.

Pearl retorna ao mesmo set de filmagem do filme anterior: a fazenda no interior do Texas, sombria, decadente e apavorante na qual uma equipe de filmagem desafortunadamente iria gravar um vídeo pornográfico é substituída pela mesma em 1918, enfatizada pelo uso do tecnicolor brilhante, evocando uma romantização ao estilo O Mágico de Oz. 

Fazendas abandonadas e velhos assustadores são substituídos por fazendeiros com tempera para enfrentar a crise econômica, charmosos projecionista de cinema e jovens mulheres com grandes sonhos escapistas.

Apesar dessas diferenças, Pearl ainda parece uma continuação natural de X. O último filme ofereceu uma narrativa surpreendentemente sombria sobre o horror da velhice. Pearl, por sua vez, explora a perda da inocência e, especificamente, as verdades muitas vezes aterrorizantes que permanecem depois que os sonhos de alguém foram frustrados ou pela família repressiva ou pelos sonhos inatingíveis da tela do cinema.



A estética de Pearl parece incongruente com uma narrativa de violência e horror: Pearl (Mia Goth), cuja beleza juvenil e sotaque sulista mascaram o monstro interior. Há algo de muito errado com Pearl que ela jamais compreenderá, enquanto dança em um palheiro, emulando as dançarinas dos filmes, dançando com um forcado nas mãos enquanto empala animais quando ninguém está olhando.

O Filme

Pearl começa em 1918, um ano em que muitos homens americanos ainda estão na Europa lutando na I Guerra Mundial, enquanto aqueles que estão nos Estados Unidos foram deixados para lidar com o horror da gripe espanhola. É uma época capaz de enlouquecer qualquer um, por isso é o pior — ou perfeito, dependendo de como você o vê — ambiente para uma jovem Pearl crescer. 

Ainda vive sob o mesmo teto sufocante de sua mãe dominadora, Ruth (Tandi Wright), que a faz banhar e alimentar rotineiramente seu pai entrevado numa cadeira de rodas (Matthew Sunderland), enquanto Pearl ora todas as noites por seu marido, Howard (Alistair Sewell ), para voltar para casa, em segurança, da guerra.

Seu relacionamento está cada vez pior com a mãe, combinado com sua própria solidão esmagadora, fazendo com que Pearl não deseje nada, além de ir para longe, muito longe da fazenda de sua família. Mais precisamente, para as telas do cinema, como dançarina.



“Um dia o mundo inteiro vai conhecer meu nome”, “não gosto da realidade”, “tudo o que quero é ser amada”, são frases que Pearl fala para si mesmo e para os animais da fazenda – o único público que assiste aos seus ensaios solitários de dança.

Seu sorriso largo e forçado revelam uma espécie de bomba relógio que eventualmente explodirá – seus dentes sinalizam felicidade, enquanto seus músculos faciais contraídos fazem as lágrimas brotarem, mostrando que tudo parece estar congelado em desespero.



Suas breves escapadas são para comprar remédios para o pai na cidade, onde consegue assistir musicais num cinema para alimentar ainda mais seus sonhos e esquecer um pouco a pesada realidade.

Aqueles que se lembram de X vão se lembrar da fazenda 60 anos depois, onde um grupo de atores que rodam um filme pornô morrem, e da versão idosa de Pearl, que costumava ficar nua e ainda amargando rejeição e solidão que resultou no curso infernal eventos ao estilo de O Massacre da Serra Elétrica. 

Ao contrário, em Pearl as poucas mortes são mais calculadas e chegam como clímax para cenas de raiva, rejeição e das próprias frustrações da protagonista.

A história slasher de sonho e fúria de Pearl lembra o velho insight de Freud em Psicologia de Massas e Análise do Ego, de 1921: mais do que a morte, o que a espécie humana mais teme é a solidão. O medo de não ser amado. Apenas que a resposta que a incipiente indústria do entretenimento em 1918 começa a dar é que o amor só virá se você for “igual aos outros” (como sonha Pearl) e, portanto, aceito e amado. E a pessoa mais amada é a celebridade, aquela que se converteu em imagem, agenciando as frustrações de cada fã que não consegue ser amado – a não ser idealmente, idealizando a sua relação com o ídolo.

Em X, a personagem de Mia Goth, Maxine, tinha o “Fator X”, o carisma inato para ser bem-sucedida no mercado fílmico pornográfico. Mas, em Pearl, para seu desespero, ela não possui o suficiente para participar de uma trupe de danças local que fará uma turnê de Natal por todo estado. Os diretores de elenco dizem que Pearl não é “mais loira” e que preferiam alguém “mais americano”.

Assim como no clássico de terror Carrie, A Estranha em que a protagonista se vinga com um banho de sangue contra a comunidade escolar que a rejeitou, é esperado que Pearl transformará rejeição e solidão em memoráveis sequências de horror trash.

Dando a deixa para o terceiro filme que comporá a trilogia de Ti West.


 

 

Ficha Técnica

 

Título: Pearl

 

Direção: Ti West

Roteiro: Ti West, Mia Goth

Elenco:  Mia Goth, David Corenswet, Tandi Wright, Matthew Sunderland, Alistair Sewell

Produção: A24, Bron Creative, Little Lamb

Distribuição: A24

Ano: 2022

País: EUA

 

 

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