Em 2021 este “Cinegnose” já apontava o início da estratégia cognitiva de aproximação entre OVNIs e Guerra Fria 2.0 contra o eixo Rússia/China. Naquele ano, começava o hype das autoridades dos EUA e da mídia em torno do fenômeno OVNI com a publicação de relatório da Inteligência e imagens de jatos de caça perseguindo objetos voadores. No mesmo ano, a OTAN promovia um encontro cujo painel principal era sobre Guerra Cognitiva – aspecto da Guerra Híbrida que vai além da guerra da informação. Os três “OVNIs” abatidos por EUA e Canadá, cuja natureza seria mais terrestre (chinesa) do que interplanetária, já é a guerra cognitiva em ação. Além de desviar a atenção da denúncia de terrorismo dos EUA no Nord Stream e o novo Chernobyl criado por um acidente ferroviário em Ohio, há algo maior: alterar a nossa cognição ao contaminar ficção e realidade através do arquétipo dos discos voadores, tal qual descrito por Carl G. Jung.
Em 2021 este Cinegnose já apontava que por trás de todo hype em torno dos OVNIs, que surpreendentemente entrava naquele momento na agenda da Inteligência, Pentágono e Congresso nos EUA (e amplamente repercutido na grande mídia), estava o modus operandi de uma nova engenharia social dentro do contexto geopolítico de uma nova Guerra Fria – agora contra o eixo Rússia/China, acirrada em 2022 com a guerra na Ucrânia.
Na época esse humilde blogueiro observava que essa convergência inédita entre OVNIs e geopolítica teria começado na campanha eleitoral de 2016 quando Hillary Clinton declarou que o governo Obama liberaria informações sobre a questão ufológica – clique aqui.
Mais tarde um novo lance para o respeitável público: os hackers ativistas do Anonymous “vazaram” o “Projeto Firesign” que passou a ser denunciado por Donald Trump – um projeto de false flag para simular uma invasão alienígena, levando à suspensão das eleições presidenciais por Obama – clique aqui.
Desde 25 de junho de 2021 (com a divulgação do relatório de Avril Haines, diretora da Inteligência dos EUA, com vídeos de objetos capturados por câmeras de jatos de caça e a mudança da nomenclatura para “Fenômenos Aéreos Não Identificados” - UAP, ao invés de OVNI), acumularam-se forças-tarefas da Marinha analisado 144 casos de avistamentos e comissões no Congresso exigindo transparência do governo a respeito de objetos como “tic-tacs” ou OSNIs (Objetos Submarinos Não Identificados) que incendiou a imaginação dos meios de pesquisadores sérios das áreas da Ufologia ou estudos exológicos.
Será que finalmente, desde o incidente em Roswell, as explicações esfarrapadas das autoridades para o fenômeno, em torno de “balões meteorológicos” ou “planeta Vênus”, acabariam? Finalmente os fenômenos exológicos seriam aceitos como objeto sério de investigação?
Hipótese Fox Mulder
Em um dos episódios da série Arquivo X o agente especial do FBI, Fox William Mulder, participa como convidado de um congresso de ufólogos. A certa altura alguém lhe pergunta o motivo de ao mesmo tempo em que o governo dos EUA tenta esconder o fenômeno UFO, permite que Hollywood produza tantos filmes sobre discos-voadores e aliens. E Mulder responde: “para que todos pensem que os contatos com UFOs e aliens são do mundo da ficção, coisas de cinema. Por isso, quando surgem notícias verdadeiras, ninguém acredita”.
O agente Fox Mulder jamais imaginaria que a realidade superaria a ficção |
Pois Mulder e nenhum ufólogo poderiam imaginar que a realidade ultrapassaria a ficção. No lugar da ficção é a não-ficção que cria uma forma de dissuasão ressignificando os “discos-voadores” como “fenômenos aéreos” dentro do jogo de espionagem da Guerra Fria 2.0.
Se na Guerra Fria clássica a histeria em tornos dos discos-voadores, explorada pelo cinema sci-fi com guerra entre mundos e aliens invasores de corpos era uma forma de propaganda para alimentar a paranoia coletiva anti-comunista, agora a estratégia não é mais tão indireta. Vídeos e fotos de OVNIs são agora expostos na prime time dos canais de notícias, sob um discurso ambíguos das autoridades: falam em espionagem chinesa. Mas não desmentem a possibilidade extraterrestre.
Para funcionários oficiais dos EUA, OVNIs e extraterrestres sempre foram coisa de maluco. De repente, declarações e artigos isolados na mídia passam a não descartar essa possibilidade e objetos no céu que sempre estiveram por aí (balões aerostáticos meteorológicos), que sempre foram os álibis de encobrimento, num instante viraram hype de um híbrido extraterrestres/chineses – lembre, cara leitor, que isso é outro modus operandi: segundo estudiosos do fenômeno de pânico provocado pela transmissão radiofônica “Guerra dos Mundos”, em Nova York, 1938, um dos motivos foi a ambiguidade do conceito de “alienígena” que misturava marcianos com o medo de nazistas invadirem a América na II Guerra Mundial.
Avistamentos de balões aeroestáticos é coisa rotineira e sempre representaram para uma área tão especializada como a ufologia como ruídos nas investigações. Para serem transformados em balões de espionagem de uma hora para outras, requer muito exercício cognitivo de suspensão da incredulidade tanto para jornalistas quanto espectadores: balão seria a forma mais insegura de espionagem porque não são direcionáveis e não dá para usá-los para espionar uma área específica, devido aos ventos fortes que poderão fazê-lo voar milhares de quilômetros. O que não permite um cálculo nem remotamente com precisão.
Mídia não quer mostrar a nova Chernobyl em Ohio |
Como qualquer não-acontecimento, a histeria midiática dos OVNIs é muito conveniente, pois surge num momento em que a pauta midiática tem que ocultar ou minimizar dois eventos inconvenientes para os EUA:
(a) Em um artigo exclusivo, a lenda jornalística Seymour Hersch (responsável em expor a maioria dos escândalos do governo dos EUA desde a Guerra do Vietnã) apresentou detalhes de como o governo preparou e realizou a explosão do gasoduto Nord Stream. Hersch é conhecido demais para tal denúncia passar despercebida – clique aqui para ler o artigo.
(b) O gigantesco descarrilamento de um trem com mais de cem vagões em Ohio em 3 de fevereiro, carregando produtos químicos altamente tóxicos. Uma larga área populacional foi evacuada e pessoas queixaram-se de dores de cabeça e náuseas, estado de emergência foi declarado e temem-se graves danos ambientais, incluindo a contaminação dos rios e da água potável. Pela extensão e duração dos danos ambientais, muitos estão comparando o acidente como um potencial Chernobyl 2.0. Isso num país que autodefine como líder mundial na questão ambiental enquanto os sindicatos denunciam que o acidente foi provocado pela contenção dos custos da empresa de logística.
Portanto, é óbvio que o hype sobre balões meteorológicos perdidos que sempre existiram, tem a intenção de distrair de alguma coisa, especialmente porque os OVNIs extraterrestres estão agora sendo repercutidos por funcionários oficiais dos EUA. Isso levou Edward Snowden a escrever no Twitter:
Não são alienígenas, eu gostaria que fossem alienígenas, mas não são alienígenas, é apenas o velho pânico da engenharia, onde um incômodo atraente mantém os repórteres de segurança nacional ocupados investigando besteiras de balões em vez de orçamentos ou bombardeios (à la Nord Stream). Até a próxima.
Jung e Guerra Cognitiva
Discos voadores e Guerra Fria têm uma afinidade histórica. Sincronicamente, após a “Doutrina Truman” ser lançada em 1947 num violento discurso contra a “ameaça comunista” feita pelo presidente Henry Truman, poucos meses depois o piloto Kenneth Arnold viu nove “discos voadores” (como a imprensa cunhou) e em Roswell a queda de um OVNI. Era dado o ponto de partida da onda de avistamentos. E a paranoia.
A diferença é que hoje, o cinema sci-fi não faz mais a conexão metafórica entre marcianos e comunistas. Agora, são os telejornais que assumiram, criando uma conexão metonímica.
OVNIs, UFOs, OSNIs ou UAPs, não importa a sigla, são excelentes ferramentas de Guerra Cognitiva porque conectam a imaginação do respeitável público a um arquétipo moderno: os discos voadores.
Não é à toa que os objetos derrubados nos EUA, Alasca e Canadá nesse final de semana têm formas circulares: uma esfera, depois um cilindro e, finalmente, um octógono.
Jung em um dos seus últimos livros, “Um Mito Moderno”, de 1958, escrevia que por seu brilho ou “calor mágico”, os discos voadores se transformaram num arquétipo moderno. Primeiro pela sua forma circular. Jung observava que a forma arredondada sempre expressou, simbolicamente, o equilíbrio psíquico do homem, a mandala como símbolo psicológico de totalidade.
Porém, as formas arredondadas são comuns nos sonhos, visões, alucinações e delírios em que as produções do inconsciente coletivo irrompem no consciente. Isso ocorreria em casos de indivíduos psiquicamente dissociados. Estado de dissociação em que a mandala interior é projetada para o exterior – numa era tecnológica, a clássica dissociação religiosa é substituída pelas máquinas alienígenas: dos céus não virão mais anjos, Jesus ou mesmo Deus (ficamos céticos demais para crermos em seres sobrenaturais ou mitológicos), mas alienígenas em suas máquinas voadoras.
Ou, os chineses, num radical deslocamento metonímico – para a opinião pública ocidental, tão alienígenas quanto marcianos ou seres interdimensionais. Além do que, o “calor mágico” desse mito moderno (afinal, não é todo dia que vemos notícias de assemelhados de discos voadores nos telejornais “sérios”) não apenas desvia a atenção para eventos mais comprometedores como o terrorismo dos EUA na explosão do Nord Stream e um novo Chernobyl em Ohio.
É uma ferramenta de Guerra Cognitiva cujo conceito teve um painel no evento “Desafio de Inovação” da OTAN em outubro de 2021, ano em que foi dado o início da aproximação dos OVNIs com Guerra Fria pelas autoridades dos EUA.
Para o criador do conceito, François du Cluzel (ex-militar francês que ajudou a criar o Centro de Inovação da OTAN – iHub - em 2013 e, desde então, administra a base sediada em Norfolk, Virgínia (EUA), a Guerra Cognitiva vai muito além da guerra de informação ou das operações psicológicas.
A guerra cognitiva não é apenas uma luta contra o que pensamos, mas sim uma luta contra a maneira como pensamos. É muito mais poderoso e vai muito além da guerra psicológica e de informação. É fundamental compreender o que é o jogo da nossa cognição, da forma como o nosso cérebro processa a informação e a transforma em conhecimento, e não apenas um jogo da informação ou dos aspectos psicológicos do nosso cérebro. Não é apenas uma ação contra o que pensamos, mas também uma ação contra a maneira como pensamos, a maneira como processamos as informações e as transformamos em conhecimento – clique aqui.
Portanto, há nessa inédita conexão entre OVNIs e Guerra Fria através da narrativa de não-ficção midiática uma estratégia não contra o que pensamos, mas contra a maneira como pensamos. A imposição de uma cognição dissociativa no qual as fronteiras entre ficção e realidade cessam e se impõem a suspensão da incredulidade: numa estratégia metonímica, ficção e realidade se contaminam – OVNIs, chineses, discos voadores, alienígenas, comunistas e assim por diante, numa semiose infernal.
E o “calor mágico” desse mito moderno ajuda a fazer a liga.