sábado, junho 02, 2018

Toda a democracia que o dinheiro pode inventar em "Terra Prometida"


Era para ser mais uma operação comercial de rotina: convencer os moradores de uma pequena cidade a venderam suas terras para uma grande corporação extrair gás natural sob a cidade, por meio de uma técnica de alto risco ambiental. Mas tudo se complica quando um professor mostra para os moradores evidências de catástrofes ambientais ocorridas anteriormente: envenenamento do gado e das águas. E para complicar, chega na cidade um ativista ambiental que rastreia as atividades escusas da empresa. Além disso, a tensão cresce com a proximidade do dia da eleição na qual os moradores devem decidir se aceitam a oferta de compra. “Terra Prometida” (Promised Land, 2012) de Gus Van Sant discute até que ponto a opinião pública se confunde com propaganda – as modernas estratégias de engenharia de opinião pública na qual as grande corporações têm gigantescos interesses financeiros. Muito dinheiro para ficarem à mercê do imponderável dos resultados eleitorais. Quanto dinheiro é necessário para simular uma discussão pública e democrática? Confrontado com a atual crise política brasileira, fruto da guerra hibrida e geopolítica do petróleo, “Terra Prometida” dá no quê pensar...

Terra Prometida (Promised Land, 2012) de Gus Van Sant é um daqueles filmes difíceis de serem resenhados sem incorrer em um grave spoiler. Isso porque, ao lado do filme Obrigado Por Fumar, é um indispensável e didático manual sobre engenharia de opinião pública. Um filme inadiável, principalmente na atual crise política brasileira e proximidade das eleições (?) desse ano.

Gus Van Sant nos mostra toda a democracia que o capitalismo pode inventar.

O principal indicativo da crítica e virulência de Terra Prometida foi a reação da crítica tanto internacional quanto brasileira: foi recebido como “um conto de fadas sentimental”, “fábula de valores”, uma estória sobre um “herói moral” na linha do otimismo dos filmes clássicos de Frank Capra.

E nada sobre o cerne explosivo da narrativa: a manipulação da opinião pública de uma pequena cidade no interior dos EUA por uma gigantesca empresa de gás natural. Como uma estratégia de engenharia de opinião pública é capaz de criar os próprios interlocutores de um debate, para direcionar as opiniões no limite do horizonte de propósitos do manipulador.

E o principal: como um debate público que deveria ser técnico-racional transforma-se em propaganda.

O problema é que discutir esse tema central de Terra Prometida faz a crítica incorrer num spoiler do tipo “o herói morre no final...”. Portanto, o leitor deve encarar o filme não apenas como uma narrativa ficcional, mas como aquilo que Umberto Eco chamava de “verdade parabólica” – enunciados que têm uma relação indireta com o mundo real, seja pelos simbolismos, metáforas ou alegorias.


Assim como em Obrigado Por Fumar. Mas como uma diferença na forma indireta de tratar o real – lá tínhamos uma paródia cínica sobre as estripulias de um relações públicas da indústria de tabaco. Em Terra Prometida, a alegoria dramática sobre o que é capaz de fazer uma gigantesca empresa do setor energético para criar um falso debate público para induzir o público a aceitar como fato consumado de que a cidade inteira vive sobre uma imensa fortuna em gás natural.

De que o gás é uma forma de energia limpa e sustentável. E de que a melhor coisa a fazer é aceitar o dinheiro oferecido para empresa e cair fora dali. Deixando para trás suas fazendas e memórias de uma vida inteira. Enquanto a empresa lucra numa arriscada técnica de prospecção que potencialmente pode envenenar as terras e rios de toda a região.

O Filme


Escrito pelos próprios atores protagonistas (Matt Damon e John Krasinski), a narrativa acompanha um predador corporativo chamado Steve Butler (Matt Damon), representante da gigantesca empresa Global Cross Power Solutions. Seu trabalho é correr pequenas cidades no interior dos EUA (cujas análises técnicas apontam a existência de jazidas de gás natural) para oferecer irresistíveis contratos de indenização.

Butler e a empresa sabem que essas cidades estão morrendo, incapazes de sobreviverem somente da agricultura. E de que a oportunidade de se tornarem milionários em troca das suas terras é irresistível. Mas a Global lucrará infinitamente mais, porém arriscando todo o meio ambiente com a polêmica técnica de “fracking” – faturamento hidráulico que extrai o gás com perfuração de alta velocidade aplicando água e produtos químicos. Mas com consequências potencialmente terríveis: gado envenenado ou, de repente, chamas jorrando da torneira da cozinha.


Mas, como Butler costuma dizer, “não sou um cara mau”: ele tem sentimentos contraditórios. Afinal, sua família perdeu tudo em uma pequena cidade que também faliu. Por isso, acredita nas supostas boas intenções da Global Solutions. De que na verdade é o mensageiro de boas novas para pessoas humildes endividadas e à beira de perder suas fazendas para os bancos.

Acompanhado de sua colega pragmática e cínica chamada Sue (Frances McDormand), partem para a cidade de McKinley no interior da Pensilvânia.

Tudo seria mais uma missão de rotina de no máximo três dias: acenar com alguns milhares de dólares para caipiras endividados, ocultando a batata quente política e ambiental do “fracking”. Mas não esperavam encontrar em uma reunião pública com os moradores e o prefeito um professor de Ciências do ensino médio de uma escola pública chamado Frank Yates (Hal Holbrook): ele denuncia os riscos do fracking, levantando informações de uma simples busca no Google.

Butler tenta menosprezá-lo. Afinal, toda pequena cidade tem o seu cidadão mais bem informado. Mas, no fundo, são todos caipiras em suas botas e camisas xadrez flaneladas.

Porém, Yates cria a dúvida, empurrando a decisão final para uma eleição após alguns dias para a cidade refletir. Aturdidos com a reviravolta, Steve e Sue voltam para o hotel para serem informados pela Global que Yates não é apenas um simples professor. Ele é um engenheiro e pesquisador do MIT (Massachussets Institute of Technology) aposentado, e que dá aula apenas por diversão.


Uma eleição era tudo o que não queriam – é mais fácil aliciar cada morador individualmente. E para piorar, chega na cidade um ativista ambiental chamado Dustin Noble (Johnny Cicco), representando uma ONG que parece seguir de perto as atividades escusas da Global.

Folhetos e cartazes mostrando o gado morto denunciando os prejuízos ambientais que a Global já causou em outros locais aparecem por toda cidade. E o pior: ele parece compartilhar o interesse de Steve em Alice (Rosemarie DeWitt), uma bonita e solteira professora.

Um espelho invertido


Dustin se transforma no espelho invertido do rival Steve: ele é o “cara mau” que representa um gigante corporativo. E Dustin é o “good guy” encantador, idealista, com uma mistura de conversa franca e blefe.

Terra Prometida deixa claro quem são os protagonistas do debate: o representante da Global Cross Power Solutions, o conhecimento técnico do professor Yates e o discurso ambientalista de Dustin.

Quais as fronteira entre a opinião pública e a propaganda? Principalmente às vésperas de uma eleição decisiva não só para o futuro da cidade. Mas também para o emprego de Steve Butler.


Steve joga com a estratégia do fato consumado e da terra arrasada: a única saída para cada um é a indenização. Dustin usa performances de impacto como fotos-choque em cartazes, panfletos e simulações de acidentes ambientais com maquetes de fazenda na escola local. E Yates, tenta orientar o debate com informações técnicas e pesquisas científicas.

Opinião pública e propaganda – alerta de SPOILERS à frente


Mas não há propriamente um “debate” livre. Como somos informado a certa altura do filme em uma linha de diálogo “empresas como a Global não confiam em eleições, não confiam em ninguém...”.

Terra Prometida didaticamente nos mostra as fronteiras entre o velha tática da propaganda que visava a persuasão pela retórica e repetição. Isso foi no passado, em regimes totalitários como o nazismo ou o stalinismo. Agora, governos e grandes corporações precisam conviver com a aparência da democracia, liberalismo e opinião pública.

“Empresas como a Global vencem controlando qualquer resultado”, diz o “ativista ambiental” Dustin. O filme Obrigado Por Fumar já havia descrito essa tática de “public engeneering” – a indústria do tabaco joga dos dois lados, alimentando os argumentos tanto a favor como contra o tabaco. O mais importante é mobilizar a opinião pública, levando-a para um lado ou para o outro. Lados supostamente opostos, mas controlados pelo mesmo lobby.


Assim como fez a Global Solutions na iminência de uma eleição: uma empresa como ela com negócios gigantescos jamais pode se colocar à mercê  da imprevisibilidade eleitoral: nada melhor do que criar a própria oposição  (o “ativista” Dustin Noble) que denuncia a própria empresa. Para depois colocar no colo de Steve, um dossiê desmascarando o suposto ativista – as fotos na verdade eram montagens grosseiras.

Dessa maneira, apagam-se as fronteiras entre a opinião pública e a propaganda, entre a democracia e os negócios corporativos: o Capital inventa seus próprios opositores para criar comoção, polarizações políticas, envenenar os espíritos para travar qualquer tipo de debate racional.

Terra Prometida dá no que pensar. Principalmente confrontando sua narrativa com o atual cenário de crise política brasileira com a proximidade das eleições. Os enormes interesses corporativos da atual geopolítica do petróleo são sensíveis demais para ficarem sujeitos a um imprevisível cenário eleitoral.

Talvez o centro tático da atual Guerra Híbrida por trás da crise brasileira seja isso: foi capaz de instigar o golpe político e também criar setores de oposição ao atual governo que ajudou a colocar. Para criar a percepção de terra arrasada como a atual ameaça da crise dos combustíveis e desabastecimento. Para quê?  Para uma opinião pública polarizada e amedrontada aceitar como única solução as privatizações do setor energético – a atual pauta de discussão.

Por isso, Matt Damon, John Krasinki e Gus Van Sant nos ensinam em Terra Prometida como o dinheiro é capaz de construir uma aparência de Democracia e da livre opinião pública.


Ficha Técnica 

Título:  Terra Prometida
Diretor: Gus Van Sant
Roteiro: Matt Damon, John Krasinski
Elenco:  Matt Demon, John Krasinski, Hal Holbrook, Frances McDormand, Rosemarie DeWitt
Produção: Focus Features, Imagenation Abu Dhabi
Distribuição: Focus Features
Ano: 2012
País: EUA

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