Era para ser mais uma operação comercial de rotina: convencer os
moradores de uma pequena cidade a venderam suas terras para uma grande
corporação extrair gás natural sob a cidade, por meio de uma técnica de alto
risco ambiental. Mas tudo se complica quando um professor mostra para os
moradores evidências de catástrofes ambientais ocorridas anteriormente: envenenamento do
gado e das águas. E para complicar, chega na cidade um ativista ambiental que
rastreia as atividades escusas da empresa. Além disso, a tensão cresce com a
proximidade do dia da eleição na qual os moradores devem decidir se aceitam a
oferta de compra. “Terra Prometida” (Promised Land, 2012) de Gus Van Sant
discute até que ponto a opinião pública se confunde com propaganda – as
modernas estratégias de engenharia de opinião pública na qual as grande
corporações têm gigantescos interesses financeiros. Muito dinheiro para ficarem
à mercê do imponderável dos resultados eleitorais. Quanto dinheiro é necessário
para simular uma discussão pública e democrática? Confrontado com a atual crise
política brasileira, fruto da guerra hibrida e geopolítica do petróleo, “Terra
Prometida” dá no quê pensar...
Terra Prometida (Promised Land, 2012) de Gus Van Sant é um daqueles filmes difíceis
de serem resenhados sem incorrer em um grave spoiler. Isso porque, ao lado do filme Obrigado Por Fumar, é um
indispensável e didático manual sobre engenharia de opinião pública. Um filme
inadiável, principalmente na atual crise política brasileira e proximidade das
eleições (?) desse ano.
Gus
Van Sant nos mostra toda a democracia que o capitalismo pode inventar.
O
principal indicativo da crítica e virulência de Terra Prometida foi a reação da
crítica tanto internacional quanto brasileira: foi recebido como “um conto de
fadas sentimental”, “fábula de valores”, uma estória sobre um “herói moral” na
linha do otimismo dos filmes clássicos de Frank Capra.
E nada
sobre o cerne explosivo da narrativa: a manipulação da opinião pública de uma
pequena cidade no interior dos EUA por uma gigantesca empresa de gás natural.
Como uma estratégia de engenharia de opinião pública é capaz de criar os
próprios interlocutores de um debate, para direcionar as opiniões no limite do
horizonte de propósitos do manipulador.
E o
principal: como um debate público que deveria ser técnico-racional
transforma-se em propaganda.
O
problema é que discutir esse tema central de Terra Prometida faz a crítica
incorrer num spoiler do tipo “o herói
morre no final...”. Portanto, o leitor deve encarar o filme não apenas como uma
narrativa ficcional, mas como aquilo que Umberto Eco chamava de “verdade
parabólica” – enunciados que têm uma relação indireta com o mundo real, seja
pelos simbolismos, metáforas ou alegorias.
Assim
como em Obrigado Por Fumar. Mas como
uma diferença na forma indireta de tratar o real – lá tínhamos uma paródia
cínica sobre as estripulias de um relações públicas da indústria de tabaco. Em Terra Prometida, a alegoria dramática
sobre o que é capaz de fazer uma gigantesca empresa do setor energético para
criar um falso debate público para induzir o público a aceitar como fato
consumado de que a cidade inteira vive sobre uma imensa fortuna em gás natural.
De que
o gás é uma forma de energia limpa e sustentável. E de que a melhor coisa a
fazer é aceitar o dinheiro oferecido para empresa e cair fora dali. Deixando
para trás suas fazendas e memórias de uma vida inteira. Enquanto a empresa
lucra numa arriscada técnica de prospecção que potencialmente pode envenenar as
terras e rios de toda a região.
O Filme
Escrito
pelos próprios atores protagonistas (Matt Damon e John Krasinski), a narrativa
acompanha um predador corporativo chamado Steve Butler (Matt Damon),
representante da gigantesca empresa Global Cross Power Solutions. Seu trabalho
é correr pequenas cidades no interior dos EUA (cujas análises técnicas apontam
a existência de jazidas de gás natural) para oferecer irresistíveis contratos
de indenização.
Butler
e a empresa sabem que essas cidades estão morrendo, incapazes de sobreviverem
somente da agricultura. E de que a oportunidade de se tornarem milionários em
troca das suas terras é irresistível. Mas a Global lucrará infinitamente mais,
porém arriscando todo o meio ambiente com a polêmica técnica de “fracking” –
faturamento hidráulico que extrai o gás com perfuração de alta velocidade
aplicando água e produtos químicos. Mas com consequências potencialmente
terríveis: gado envenenado ou, de repente, chamas jorrando da torneira da
cozinha.
Mas,
como Butler costuma dizer, “não sou um cara mau”: ele tem sentimentos contraditórios.
Afinal, sua família perdeu tudo em uma pequena cidade que também faliu. Por
isso, acredita nas supostas boas intenções da Global Solutions. De que na
verdade é o mensageiro de boas novas para pessoas humildes endividadas e à
beira de perder suas fazendas para os bancos.
Acompanhado
de sua colega pragmática e cínica chamada Sue (Frances McDormand), partem para
a cidade de McKinley no interior da Pensilvânia.
Tudo
seria mais uma missão de rotina de no máximo três dias: acenar com alguns
milhares de dólares para caipiras endividados, ocultando a batata quente
política e ambiental do “fracking”. Mas não esperavam encontrar em uma reunião
pública com os moradores e o prefeito um professor de Ciências do ensino médio
de uma escola pública chamado Frank Yates (Hal Holbrook): ele denuncia os
riscos do fracking, levantando informações de uma simples busca no Google.
Butler
tenta menosprezá-lo. Afinal, toda pequena cidade tem o seu cidadão mais bem
informado. Mas, no fundo, são todos caipiras em suas botas e camisas xadrez
flaneladas.
Porém,
Yates cria a dúvida, empurrando a decisão final para uma eleição após alguns
dias para a cidade refletir. Aturdidos com a reviravolta, Steve e Sue voltam
para o hotel para serem informados pela Global que Yates não é apenas um
simples professor. Ele é um engenheiro e pesquisador do MIT (Massachussets
Institute of Technology) aposentado, e que dá aula apenas por diversão.
Uma
eleição era tudo o que não queriam – é mais fácil aliciar cada morador
individualmente. E para piorar, chega na cidade um ativista ambiental chamado
Dustin Noble (Johnny Cicco), representando uma ONG que parece seguir de perto
as atividades escusas da Global.
Folhetos
e cartazes mostrando o gado morto denunciando os prejuízos ambientais que a
Global já causou em outros locais aparecem por toda cidade. E o pior: ele
parece compartilhar o interesse de Steve em Alice (Rosemarie DeWitt), uma
bonita e solteira professora.
Um espelho invertido
Dustin
se transforma no espelho invertido do rival Steve: ele é o “cara mau” que representa
um gigante corporativo. E Dustin é o “good guy” encantador, idealista, com uma
mistura de conversa franca e blefe.
Terra Prometida deixa claro quem são os protagonistas
do debate: o representante da Global Cross Power Solutions, o conhecimento técnico
do professor Yates e o discurso ambientalista de Dustin.
Quais
as fronteira entre a opinião pública e a propaganda? Principalmente às vésperas
de uma eleição decisiva não só para o futuro da cidade. Mas também para o
emprego de Steve Butler.
Steve
joga com a estratégia do fato consumado e da terra arrasada: a única saída para
cada um é a indenização. Dustin usa performances de impacto como fotos-choque
em cartazes, panfletos e simulações de acidentes ambientais com maquetes de
fazenda na escola local. E Yates, tenta orientar o debate com informações
técnicas e pesquisas científicas.
Opinião pública e propaganda – alerta de SPOILERS à frente
Mas
não há propriamente um “debate” livre. Como somos informado a certa altura do
filme em uma linha de diálogo “empresas como a Global não confiam em eleições,
não confiam em ninguém...”.
Terra Prometida didaticamente nos mostra
as fronteiras entre o velha tática da propaganda que visava a persuasão pela
retórica e repetição. Isso foi no passado, em regimes totalitários como o
nazismo ou o stalinismo. Agora, governos e grandes corporações precisam
conviver com a aparência da democracia, liberalismo e opinião pública.
“Empresas
como a Global vencem controlando qualquer resultado”, diz o “ativista
ambiental” Dustin. O filme Obrigado Por
Fumar já havia descrito essa tática de “public engeneering” – a indústria
do tabaco joga dos dois lados, alimentando os argumentos tanto a favor como
contra o tabaco. O mais importante é mobilizar a opinião pública, levando-a
para um lado ou para o outro. Lados supostamente opostos, mas controlados pelo
mesmo lobby.
Assim
como fez a Global Solutions na iminência de uma eleição: uma empresa como ela
com negócios gigantescos jamais pode se colocar à mercê da imprevisibilidade eleitoral: nada melhor
do que criar a própria oposição (o
“ativista” Dustin Noble) que denuncia a própria empresa. Para depois colocar no
colo de Steve, um dossiê desmascarando o suposto ativista – as fotos na verdade
eram montagens grosseiras.
Dessa
maneira, apagam-se as fronteiras entre a opinião pública e a propaganda, entre
a democracia e os negócios corporativos: o Capital inventa seus próprios
opositores para criar comoção, polarizações políticas, envenenar os espíritos
para travar qualquer tipo de debate racional.
Terra Prometida dá no que pensar.
Principalmente confrontando sua narrativa com o atual cenário de crise política
brasileira com a proximidade das eleições. Os enormes interesses corporativos
da atual geopolítica do petróleo são sensíveis demais para ficarem sujeitos a
um imprevisível cenário eleitoral.
Talvez
o centro tático da atual Guerra Híbrida por trás da crise brasileira seja isso:
foi capaz de instigar o golpe político e também criar setores de oposição ao
atual governo que ajudou a colocar. Para criar a percepção de terra arrasada
como a atual ameaça da crise dos combustíveis e desabastecimento. Para
quê? Para uma opinião pública polarizada
e amedrontada aceitar como única solução as privatizações do setor energético –
a atual pauta de discussão.
Por
isso, Matt Damon, John Krasinki e Gus Van Sant nos ensinam em Terra Prometida como o dinheiro é capaz
de construir uma aparência de Democracia e da livre opinião pública.
Ficha Técnica
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Título: Terra
Prometida
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Diretor: Gus Van Sant
|
Roteiro: Matt Damon, John
Krasinski
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Elenco: Matt Demon,
John Krasinski, Hal Holbrook, Frances McDormand, Rosemarie DeWitt
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Produção: Focus
Features, Imagenation Abu Dhabi
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Distribuição: Focus
Features
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Ano: 2012
|
País: EUA
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