Pastores retirando sacos de dinheiro dos templos ou maquininhas de
cartão de crédito passando pelos fiéis nos cultos tornaram-se imagens habituais
nas críticas às novas igrejas neopentecostais. Mas o documentário “O Capital da
Fé” (Gabriel Santos e Renan Silbar, 2013) vai muito além disso, ao mostrar que,
paradoxalmente, essas críticas alimentam um mito que apenas dá força a um
gigantesco negócio que está sendo montado:
capital e fé unidos não apenas pela exploração da fé de pessoas simples,
mas pela financeirização e liquidez que lava tão branco quanto paraísos fiscais
e que constrói lentamente uma forte sustentação política parlamentar que quer
chegar ao Poder. As novas igrejas há muito tempo abandonaram o clichê do Tio
Patinhas. Hoje estão confortáveis no mundo pós-moderno da liquidez.
Ao som da ópera
Carmina Burana, e com cortes ao ritmo da música, assistimos a um verdadeiro
vídeo clipe de socos, chutes, sangue e fraturas dos combates do MMA de Jesus –
um evento chamado Reborn Strike Fight 5 promovido pela Igreja Renascer.
Lutadores clamam em nome de Cristo pela vitória.
Essas são as cenas
iniciais de O Capital da Fé,
documentário de curta metragem que aborda a nova Igreja Evangélica brasileira,
suas contradições, a espetacularização da fé com inusitadas cristianizações de
coisas como micaretas e esportes de luta, assim como as ambições políticas de
seus dirigentes - assista ao documentário abaixo.
A
espetacularização da fé e a exploração financeira praticadas pelas igrejas
evangélicas são denúncias sem nenhuma novidade, recorrentes desde nos anos 1990
quando a TV Globo comprou briga com a Igreja Universal com uma série de
matérias sobre a exploração dos dízimos dos fiéis. E o bispo Edir Macedo
ameaçou em represália colocar no ar o documentário proibido sobre a Rede Globo Muito Além do Cidadão Kane na
sua emissora, a TV Record.
O Capital da Fé teria
tudo para repetir esses temas, mas foi além: máquinas Cielo de cartão de
crédito passadas entre os fiéis nos cultos, a construção de gigantescos
templos, cultos que são verdadeiros shows de stand ups e as gigantescas marchas por Jesus seriam apenas a
fachada mais aparente da consolidação de um gigantesco plano de negócio – lavagem
de dinheiro e a conquista da hegemonia política parlamentar.
O Documentário
Os diretores
Gabriel Santos e Renan Silbar pareciam saber que estavam lidando com um tema já
diversas vezes revisitado, mas que sempre foi tratado de uma forma moralista
que sempre martela na mesma tecla: o povo que é enganado na sua fé e é
explorado por pastores mentirosos e oportunistas que pensam somente em
enriquecer.
Mas o documentário
quer ir além desse lugar comum, e por isso deve conduzir o espectador aos
poucos até chegar ao ponto pretendido. Na primeira metade o documentário
revisita as denúncias clássicas contra as igrejas neopentecostais: a
cristianização generalizada de esportes de luta, micaretas e lambadas como
formas de propaganda, a precária formação teológica dos seus pastores (invariavelmente
formados em Teologia em cursos ministrados pela própria igreja), a
espetacularização da fé, o foco na teologia da prosperidade e o incentivo do
consumismo no interior dos cultos como forma de propagar a glória de Deus – o
sucesso pessoal do crente.
Formas de
cristianismo corporativo cuja fórmula é emprestada de empresas de marketing de
rede como Herbalife ou Tupperware que transformam os seus produtos em religião
cujos ícones exteriores do sucesso econômico dos seus vendedores (o carro, a
casa etc.) passam a ser a propaganda da própria marca.
Dos verdadeiros
shows de stand up que os pastores
promovem nos cultos ou nos estúdios de TV evangélica às imagens do dízimo sendo
recolhido nas igrejas por meio de máquinas de cartão da Cielo (“preferimos
cartões de crédito”, ouve-se a certa altura), aos poucos o documentário vai
conduzindo o espectador ao tema mais explosivo: o engajamento dessas igrejas
não busca apenas supostas salvações, curas e libertações de um rebanho sofrido
e carente. Atualmente o engajamento modificou-se – incita-se os fiéis com o
lema “irmão vota em irmão” com o evidente propósito de uma ação política.
De onde vem o dinheiro?
Vemos imagens das
Marchas com Jesus que se transformaram em eventos de demonstração de força
política com a presença de deputados da bancada evangélica que incitam nos
fiéis o ódio aos seus críticos, além da presença de autoridades laicas –
aparecem imagens do governador de São Paulo Geraldo Alckmin em um desses
eventos.
Construções
faraônicas como o Templo de Salomão em São Paulo (com pedras trazidas de
lugares tidos como sagrados em Israel) a aquisição de canais de TV e a
demonstração de força das Marchas com Jesus são reivindicadas como “Vitórias de
Cristo”.
Aos poucos, O Capital da Fé vai chegando a uma questão
simples e óbvia que o viés mais moralista da questão parece ignorar: mas tudo
isso é pago apenas com o dinheiro dos dízimos e contribuições espontâneas de
fiéis? Por que essas igrejas querem tanto explicitar esse suposto engajamento
financeiro dos crentes?
No documentário
vemos duas declarações de Ricardo Gondim, pastor da Igreja Betesda, supeitando que
o funcionamento desse tipo de negócio é muito mais complexo: “Morei nos EUA,
lidei com igrejas ricas (batistas e presbiterianas), mas lá não existe essa
quantidade de dinheiro que corre aqui no Brasil” e “A minha experiência como
pastor diz o seguinte: essa dinheirama toda que banca canais de TV,
mega-construções e frotas de aviões, essa dinheirama não existe no bolso dos
crentes... o povo brasileiro é pobre”.
Se os dízimos dos fiéis é um mito alimentado
tanto pelos críticos como pelas próprias igrejas para demonstrar o poder da fé
de seus crentes, então como a Fé e o Capital aproximam-se nesse tipo de
negócio?
As declarações
mais contundentes são de Devair Lucas (autor de livros e denúncias envolvendo
perseguição e violência de pastores e políticos em Minas Gerais) “Não tem
igreja no mundo que sobreviva com dinheiro de dízimo e oferta... como a Receita
Federal, Ministério Público e Polícia Federal não olham para essas igrejas, o
dinheiro que foi desviado de verbas públicas, roubo de cargas e tráfico de
drogas circula pelas igrejas de 90 dias a quatro meses passando pelo nome dos
pastores. Depois volta para os deputados sob a forma de doação”.
Como alimentar um mito
O Capital da Fé
termina de uma forma perturbadora ao mostrar que as conexões atuais entre fé e
capital não é constituída apenas pelo dinheiro em espécie, mas principalmente
pela liquidez de uma intensa lavagem de dinheiro. Sem a necessidade de prestar
contas as autoridades fiscais, as igrejas neopentecostais se tornariam o canal
ideal de contravenção financeira.
Fica claro no
documentário que o objetivo não é apenas o mero enriquecimento pessoal dos
pastores ou o exibicionismo dos mega-templos.
Está sendo
construído no País uma nova conjuntura política que é impossível de ser pensada
sem a presença do ativismo político e partidários desses grupos religiosos.
Igrejas que já se fundamentam na eleição de deputados e senadores que comprovam
a conexão entre poder político e financeiro.
Por exemplo, a
chegada do cantor gospel e bispo Marcelo Crivella ao Ministério da Pesca e
Aquicultura no governo Dilma em 2012 mostra que a ambição desse fluxo
financeiro e político vai para além do próprio parlamento – um dia chegará ao
Executivo.
Após assistirmos
ao Capital da Fé podemos concluir que
os próprios críticos reforçam o poder dessas igrejas ao alimentar um mito de
que capital e fé aproximam-se por meio da mera exploração do dinheiro dos
fiéis. Essa é apenas a fachada de um gigantesco negócio.
Talvez agora
possamos compreender o porquê dessas igrejas se deixarem ser filmadas nos
momentos de recolhimento dos dízimos, a inacreditável esteira rolante que
recolhe os dízimos no Templo de Salomão para quem quiser ver e as imagens de pastores retirando sacos
cheios de dinheiro dos templos.
Ingênuos,
acreditamos que essas imagens são autênticas denúncias. Mas o descalabro é
muito maior: as igrejas neopentecostais há muito tempo evoluíram do imaginário
Tio Patinhas de entesouramento e pão-durismo. Hoje são pós-modernas e se
integraram ao sistemas financeiro que lava tão branco quanto o negócio da
religião.
Ficha Técnica |
Título: O
Capital da Fé
|
Diretor: Gabriel Santos e Renan Silbar
|
Roteiro: Gabriel Santos e Renan Silbar
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Elenco: entrevistas com Ricardo Mariano, Paulo Siqueira, Ricardo Gondim, Lanna
Holder, Rosania Rocha, Devair Lucas
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Produção: 35 Pixels
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Distribuição: on line
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Ano: 2013
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País: Brasil
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