Na mais cara produção do cinema romeno, o diretor Nae Caranfil tenta preencher as lacunas da história do maior assalto ocorrido na história do comunismo: em 1959, cinco jovens membros do Partido Comunista romeno assaltaram o Banco Nacional simulando uma filmagem. Diante dos aplausos daqueles que imaginavam ser testemunhas de um filme de ação, foram roubados 250 mil dólares. Fugir do país com o dinheiro era impossível, gastá-lo na Romênia menos ainda. Então, qual foi a motivação do crime? Esse é o filme “Closer To The Moon” (2014) baseado nesse caso real e que tenta responder à questão. Os assaltantes foram capturados e, ironicamente, foram obrigados a reconstituir o crime em um filme do Partido, dessa vez como atores reais."Closer To The Moon" abre uma curiosa discussão entre os limites da ficção e realidade no cinema e mostra que talvez os jovens romenos foram os precursores de um modelo de ação midiática que culminou nos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.
Bucarest, 1959. Na
era de ouro do Comunismo, um taxi com cinco jovens intelectuais armados desviam
um taxi em direção ao Banco Nacional da Romênia. Chegando lá, rendem
funcionários que estão descarregando sacos com dinheiro. Um dos jovens aponta o
que parece ser uma câmera e grita “Ação!”. Os outros, portando o que parecem
ser armas reais, forçam os funcionários do banco a esvaziar os sacos de
dinheiro em um carro de fuga.
A princípio todos
as testemunhas pensam estar presenciando uma produção cinematográfica ao melhor
estilo dos filmes americanos de gangsters. Havia até uma placa avisando: “Film
in Progress”. Depois que tudo acabou e os atores foram embora, ficou evidente
que havia algo errado: não haviam luzes ou adereços. Apenas supostos atores que
disparavam tiros para o alto no que parecia ser um filme de ação. Mas na
verdade, testemunharam o maior assalto ocorrido na história do comunismo.
A quadrilha ficou
conhecida como “Esquadrão Iaonid”. Seis intelectuais que ocupavam altos postos
no Partido Comunista (uma cientista política, um engenheiro espacial, um
jornalista, um professor de História e um oficial do Partido) conseguiram
roubar o equivalente a 250.000 dólares do Banco Nacional da Romênia simulando a
gravação de um filme. Mas não para viver luxuosamente com o produto do roubo
(seria impossível gastar o dinheiro ou fugir do país), mas apenas para criar
uma farsa que desmoralizasse o estado despótico em que a Romênia vivia.
O filme Closer To The Moon foi baseado nesse
inacreditável caso histórico. Uma das produções mais caras do cinema romeno,
dirigido por Nae Caranfil em parceria com Hollywood, conta com Max Strong no
papel de Max Radiou no papel do oficial de Securitate (Polícia Secreta) farto
do sistema, Alice (Vera Farmiga) como a cientista política, Iorgu (Christian
McKay), professor de História, Dumi (Tim Plester), cientista de astronáutica, e
Razvan (Joe Armstrong), um respeitado jornalista.
O assalto teve uma motivação religiosa?
Na vida real, o
ousado assalto (de cara, uma ofensa ao sistema já que pela propaganda oficial
não haveriam crimes nos países comunistas devido a igualdade econômica)
tornou-se uma dor de cabeça para o Partido Comunista: como explicar para os
romenos a motivação assalto? Seria impossível gastar o dinheiro (o “leu”) em um
país com um sistema onde os vizinhos era incentivados a espionar e denunciar. E
fora da Romênia o dinheiro não teria qualquer valor de intercâmbio.
Como mostra o
filme, o Partido ainda pensou na hipótese religiosa: todos da gang eram judeus.
Talvez estivessem ressentidos com a proibição de manifestações religiosas
dentro do novo sistema político. Para piorar, todos os integrantes da gang,
além de membros do Partido Comunista, tinham desempenhados papéis importantes
na Resistência Romena contra o Nazismo na II Guerra Mundial.
Dois meses depois,
todos os jovens do Esquadrão foram descobertos pelo Securitate, presos,
julgados e condenados ao fuzilamento.
Porém, o fato
tinha sido muito perturbador dentro da Utopia comunista. Por isso, o Partido e
o Securitate tiveram uma ideia: antes do fuzilamento, o próprio Esquadrão
Iaonid reconstituiria o assalto em um filme - um "curta-metragem educativo". Ironicamente, dessa vez seriam atores
de verdade, para reconstituir o assalto não como simulação, mas como dissimulação
da realidade: seriam mostrados como supostos assaltantes de verdade que
roubaram dinheiro com o objetivo de terem uma vida de riqueza, para comer em
restaurantes caríssimos da alta sociedade.
Deveriam ser
retratados para os romenos como os verdadeiros inimigos do Proletariado.
A reconstrução do “crime”
O filme de
propaganda original (que é mostrado nos créditos finais de Closer To The Moon) nunca acabou sendo mostrado para o público. O
filme foi chamado de “Reconstrução” e acabou sendo assistido apenas pelos
membros do partido e intelectuais. No entanto, nunca foi um documentário – o
resultado final foi uma pura peça de propaganda.
O filme Closer To The Moon consegue captar muito
bem a essência irônica do incrível assalto romeno encenado: as diferenças entre
simulação e dissimulação, e a
intercambialidade simbólica entre ficção e realidade. Por isso, certamente o
filme é uma boa porta de entrada aos conceitos filosóficos de simulacro e simulação tal como
desenvolvidos na obra do pensador francês Jean Baudrillard – sobre isso clique
aqui.
Mais do que isso,
talvez o gênio da simulação de filmagem no assalto romeno de 1959 tenha sido o
precursor do próprio terrorismo atual como simulações de ação política, mas que
nada mais são do que simulações feitas capturar a atenção da câmeras e criar
pânico, como o atentado ao WTC de 11 de setembro de 2001.
Simulação e Dissimulação
Na dissimulação temos a mentira: dizemos
que nada temos, quando na verdade escondemos algo. Manipulamos, censuramos e
encobrimos a verdade.
Na simulação temos o inverso: dizemos que
temos algo, simulamos a sua existência por meio de um blefe. Mas nada temos
para mostrar, a não ser o simulacro de algo que jamais existiu.
Os governos
totalitários e os regimes midiáticos atuais baseiam-se em um sistema de
dissimulação: mentir ou ocultar por meio da manipulação através da edição,
montagem ou no tratamento digital de imagens. Toda propaganda política persegue
esse objetivo de ocultar mesmo mostrando, mentir por meio de imagens
retoricamente convincentes.
Fartos com o
sistema totalitário, o Esquadrão Iaonid percebeu que diante da propaganda, a
denúncia tem pouca ou nenhuma força. A última arma é a da ironia: a simulação.
Assaltar um banco
em um país comunista seria a coisa mais inútil a fazer. Simule-se uma filmagem
e atraia todas as atenções dos romenos e o rei estará nu: para quê o assalto?
Para quê uma simulação? O Estado romeno entrou em parafuso e necessitou o mais
rápido possível criar um script para dar uma racionalidade a uma ação
aparentemente irracional – esse script foi encaixar o Esquadrão no estereótipo
dos inimigos do Proletariado, como fossem burgueses empedernidos.
De 1959 pulemos
para 2001. As mesmas questões: quais as motivações para jatos serem jogados
contra o WTC em Nova York? Atingir o centro de poder? Derrubar um governo?
Destruir o Estado? Um atentado que simulou ser uma ação de guerra, mas nada
tinha por trás a não ser uma ação para as câmeras e links ao vivo de TV. Não
mais a logística de guerra, mas uma simulação, uma “aparência pura” na
terminologia de Baudrillard – uma ação com um fim em si mesma.
Atordoada, os
telejornais imediatamente tentaram racionalizar ou colocar um episódio de
sentido ambíguo dentro de um script lógico e crível: fanatismo islâmico...
vingança de Bin Laden... conspiração de Bush para conseguir total apoio do
Congresso. De todos os lados do espectro político tentou-se criar uma narrativa
(uma dissimulação) para um atentado non sense – simulação ou simulacro de algum
tipo de ação bélica.
Em 1959, a simulação
de uma filmagem para testemunhas nas calçadas; em 2001 a simulação da guerra
para os milhões de telespectadores. Na Romênia, o roubo do dinheiro não para gastar, mas como
um fim em si mesmo na pura aparência de assalto; nos EUA, a derrubada de duas
torres como um fim em si mesmo na pura aparência de uma guerra declarada que
nunca se efetivou – uma apocalíptica III Guerra Mundial do Ocidente X Oriente
que as mídias até hoje apostam.
Quando Closer To The Moon estreou no Festival
de Cinema da Transilvânia, o diretor Caranfil brincou com os jornalistas: “75%
do que ocorre no filme é verdade e 75% é ficção”. No fundo, Caranfil estava
falando sério: fascinados por filmes hollywoodianos de gangsters, cinco jovens
intelectuais comunistas em 1959 compreenderam que o poder do cinema e das
imagens vai além da ficção – a realidade pode tentar se aproximar dela como
pura aparência.
Ficha Técnica |
Título: Closer
To The Moon
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Diretor: Nae Caranfil
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Roteiro: Nae Caranfil
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Elenco: Vera Farmiga, Mark Strong, Harry Loyd, Paul Jesson, Anton Lesser
|
Produção: Denis Friedman Productions, Agreywna Banda
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Distribuição: Sundance Selects
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Ano: 2014
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País: Romênia, EUA
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