Um libelo contra a guerra e a violência. É o curta “Toys” (1966) do
canadense Grant Munro: crianças veem através de uma vitrine soldados e armas de
brinquedo ganharem vida e transformar a loja em um campo de batalha. Mais do
que um protesto contra a guerra dos adultos, o curta cria um debate sobre as
armas de brinquedo: elas podem estimular a violência pela naturalização da
guerra? Assistindo ao curta vemos que talvez o problema não esteja na
brincadeira de guerra em si, mas na utilização dos “brinquedos-réplica”: a
imitação é o principal impulso do jogo infantil, que pode se deteriorar em mera
réplica com a mercantilização dos brinquedos. Dessa forma, a brincadeira pode
virar mero condicionamento para o mundo adulto que lhe aguarda.
Estamos nos anos
1960, em meio à Guerra Fria e a Guerra do Vietnã. Os EUA enfrentavam dentro do
próprio país protestos contra a guerra, conflitos raciais e uma crescente
contracultura jovem que questionava os valores da sociedade de consumo.
E o diretor e
animador canadense Grant Munro viu o seu irmão Brian Munro gastar grande parte
da sua vida adulta servindo ao exército canadense, em uma unidade de infantaria
que aliou-se aos EUA durante a Guerra da Coréia – 1950-53. Certamente essa foi
a inspiração para fazer o curta Toys,
obra que se somou ao intenso esforço anti-militarista da década.
No curta vemos
crianças que se reúnem em torno de uma vitrine de uma loja de brinquedos no
Natal. O desfile dos brinquedos em stop
motion vai se tornando cada vez sinistro quando aparecem soldadinhos e
réplicas de tanques de guerra e armas.
Na época, Toys estimulou o debate sobre a
militarização dos brinquedos e o efeito no imaginário infantil – seriam os
brinquedos de guerra formas sutis de
naturalizar a guerra e torná-la aceitável para futuras gerações?
Em postagem
anterior discutíamos as ideias do filósofo Walter Benjamin sobre os brinquedos
e o brincar infantil. Segundo ele, o jogo e o brinquedo materializam o chamado
impulso mimético natural no ser humano – na imitação as crianças incorporam e
traduzem o realismo do mundo adulto para o universo dos jogos, onde tudo é
livremente subvertido – clique
aqui.
Por esse
princípio, os jogos de guerra não seriam em si maus – faz parte do impulso
mimético de imitar o mundo adulto, porém transformando-o através da imaginação.
Para Benjamin, o
problema surge com o brinquedo-réplica: quando os brinquedos se transformam em
miniaturas do mundo adulto, atrofiamos a capacidade infantil de criar e
imaginar – um toco de madeira pode tanto se transformar tanto em um ônibus quanto
em um revólver. Mas quando armas e ônibus se convertem em réplicas, obrigamos
as crianças a repetir mecanicamente o mundo que o futuro lhes reserva. A
brincadeira deixa de ser jogo e se converte em condicionamento e treinamento
para o ingresso no mundo adulto.
Por isso, o
realismo das réplicas assusta as crianças da vitrine do curta.
O
brinquedo-réplica é o esforço da indústria em mercantilizar o inesgotável
impulso do jogo infantil. Mas há um problema que essa indústria tem que
resolver: o jogo e a imaginação resistem à réplica. Potencialmente, uma criança
pode transformar qualquer objeto em qualquer coisa. Por isso, todo esforço
publicitário em seduzir as crianças às réplicas, atrofiar suas fantasias ao
ponto delas sentirem a necessidade de comprar um ônibus ou um revólver em
miniatura, ao invés de pegar no lixo um sarrafo de madeira.
Portanto, a
questão principal não é a imitação da violência nos jogos infantis – a astúcia
do jogo é a subversão por meio da imitação. O problema é a submissão do jogo à mimese
como réplica, o que acaba transformando o brincar em mero adestramento da
criança ao mundo adulto.
Ficha Técnica |
Título: Toys
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Diretor: Grant Munro
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Roteiro: Margaret Wescott
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Produção: National Film Board of Canada (NFB)
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Distribuição: on line
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Ano: 1966
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País: Canadá
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