segunda-feira, maio 17, 2010

Uma Pequena História do Cinema Esquizo

Como já refletiu pensadores gnósticos como Valentim, a paranoia e esquizofrenia podem ou arrastar o indivíduo à insanidade ou a um estado alterado consciência que abra espaço para a gnose. Percebe-se na história do "cinema esquizóide" essa mesma dualidade entre os ápices onde Hollywood permite a produção de filmes esquizofrenicamente perturbadores e subversivos e "filmes de recuperação", verdadeiros neuropléticos onde a paranóia é confinada nos limites racionalizantes do mercado.

Desde a transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos” de Orson Wells, pela rádio CBS em 1938, que levou pânico à Nova York e costa leste americana pelo temor de uma invasão marciana, a paranóia emerge na cultura midiática norte-americana: quantas vezes a cidade de Nova York já foi destruída ou sitiada na cinematografia americana por ETs, terroristas, catástrofes climáticas, guerras nucleares, black-outs, meteoros etc.? Incontáveis vezes. A partir dos anos 40 com o filme Noir, simplesmente o cinema americano e as platéias passam a ficar fascinados pela paranóia: um senso de que algo está fora da ordem na sociedade, um segredo, um oculto centro do qual se irradia corrupção, demência.

Paranóia e Esquizofrenia andam lado a lado. A paranóia é a resultante da condição esquizóide que pode ser sintetizada nas seguintes características: passividade, experiência existencial e psiquismo fragmentado e incapacidade de estabelecer uma fronteira entre realidade e fantasia. Se a esquizofrenia está próxima à paranóia, no outro extremo, essa “enfermidade” também está muito próxima de uma experiência mística ou “xamânica”. O psiquiatra R D Laing traçou um paralelo entre ambas as condições: enquanto na esquizofrenia o indivíduo se afoga no oceano da experiência, na vivência xamânica o indivíduo “aprende” a nadar e atravessá-la. Isso aproxima-se do gnosticismo valentiniano da paranóia como um estado alterado de consciência que possibilitaria a gnose: o questionamento da realidade in totum como construção artificial de algo ou alguém que não nos ama. Se toda ideologia tem o seu momento de verdade (como nos ensina Theodor Adorno), toda loucura tem o seu momento progressista como resposta a uma condição de realidade sem sentido.

Em nenhum lugar do mundo a ficção invade a realidade como nos EUA (e sua indústria do entretenimento exporta essa condição para todo o planeta). O centro da sua irrealidade não está em Hollywood, mas seminalmente localizado no Deserto de Nevada com Las Vegas, os primeiros testes nucleares e a Área 51. É o pólo irradiador de paranóia e esquizofrenia em escala mundial. Ao mesmo tempo, o florescimento do cinema como indústria também somente seria possível na sociedade norte-americana pela própria natureza esquizo do dispositivo: passividade (no sentido cinemático da passividade corporal em relação à atividade mental) e a suspensão da descrença produzida pelas artimanhas do roteiro e pelo “realismo cinematográfico” da edição e montagem.
Portanto, o tema da paranóia e esquizofrenia acompanha a própria história do cinema americano, produzindo uma batalha interior entre as possibilidades progressistas ou emancipadoras dessa condição (jornadas místicas, gnose) e a contenção racionalizadora que reduz essa experiência a ameaça do Outro.

Jason Horsley faz essa trajetória no segundo capítulo do seu livro “The Secret Life of Cinema”, descrevendo essa luta interna e as respostas da indústria hollywoodiana no sentido de conter os potenciais de ruptura da condição esquizofrência e paranóica.

Se Orson Wells em “Guerra dos Mundos” involuntariamente transmite o inconsciente coletivo da paranóia americana e, logo depois, o filme Noir vai radicalizar essa percepção ao apresentar um mundo onde não há mocinhos e nem bandidos e o Mal é a própria condição de uma realidade que se dissolve em chuva e névoas, em resposta Hollywood reage com os filmes sci-fi que irão traduzir esse inconsciente coletivo como medo da Guerra Fria. Séries de TV como “Além da Imaginação” e filmes como “Vampiros de Almas”, “O Ataque dos Discos Voadores”, o monstro de outro planeta em “stop motion” em “A 20 Milhões de Milhas da Terra” onde Roma é salva pelos americanos etc., reduz a paranóia ao medo do Outro. No Outro (alienígenas, monstros, agentes corruptos infiltrados na sociedade) é projetada a fragmentação do ego e a paranóia resultante de uma “multidão solitária”, no sentido dado pelos estudos do sociólogo David Riesman nos anos 50. O paroxismo da ameaça do Outro infiltrado chega no filme The Village of the Damned (1960) onde as crianças de uma localidade começam a tornar-se seres alienígenas.

O Ápice do Cinema Esquizo


Nos anos 60 e 70 com a chegada da contracultura a figura do Outro passa progressivamente a sair de cena. A paranóia torna-se atual e com fundamentação histórica. Filmes como Blow Up, Perdidos na Noite, Easy Rider, Um Estranho no Ninho etc. começam a trazer um novo realismo misturado com desespero, cinismo e paranóia política, dando ao tema uma nova maturidade. Os próprios protagonistas desse período são retratados não mais como heróis convencionais, mas, agora, potencialmente psicopatas, esquizóides, alienados e revoltados. Jack Nicholson foi o porta-voz desse período (combinando inarticulação e revolta com cinismo e integridade). Protagonistas instáveis, obsessivos e paranóicos indicam um processo de maturidade do diagnóstico da sociedade norte-americana: com a saída de cena do Outro, a origem de todo mal só pode ser encontrado na sociedade, nas próprias instituições constitutivas. Da desilusão e rebeldia sem causa, a paranóia e psicopatia passam a ser respostas válidas e adequadas do herói para os novos tempos.

Nos anos 70 temos o ápice da maturidade desse tema em filmes como Laranja Mecânica, Straw Dogs, O Fantasma do Paraíso, O Poderoso Chefão, Chinatown e Taxi Driver.

“Esses filmes, como nenhum outro anteriormente conseguiu, chegam a ficar cara-a-cara com o dilema. Eles não apenas chegam a admitir a existência do problema, mas começam a sugerir o que está por trás dele. O que esses filmes têm em comum é um profundo senso de alienação, não unicamente em relação à sociedade, mas da humanidade ela mesma ou dos valores e pressupostos nos ela se constitui. Eles não oferecem qualquer tipo de solução, além de atos de violência sem sentido” (HORSLEY, Jason, The Secret Life of Cinema: Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema. London: McFarland, 2009, p. 42.)


Após o banho de sangue final do filme Taxi Driver, entra em cena um “cinema recuperativo” ou “cinema de retro-fantasia”: Star Wars e Alien. No primeiro, Hollywood retorna ao esquema infantil e inocente dos antigos sci-fi como Flash Gordon ou Buck Rogers (plots maniqueístas e happy ends moralistas). Seu sucesso decorreu menos da sua nostalgia e muito mais em exorcizar os sombrios diagnósticos paranóicos da condição humana como em Taxi Driver.
Já em Alien, o Outro retorna como catalizador da paranóia, mas com um componente metafórico para os novos tempos da AIDS: o Mal como algo que se dissemina viroticamente em uma nave que necessita de urgente assepsia (a nave Nostromo era suja, úmida, com astronautas mal-educados e mulheres masculinizadas).

Após o auge atístico do cinema dos anos 70 onde os filmes foram provocantes, subversivos e perturbadores, a violência amoral ou niilista cede lugar a formas de violência sadística, primitiva e exibicionista (narcisismo tanático?) em filmes como Sexta-Feira 13, Halloween, Pesadelos em Elmstreet etc. Se, pelo menos, os filmes sci-fi e horror do passado assustavam visceralmente e provocavam intelectualmente, nos anos 80 e 90 o “cinema recuperativo” enquadra o mal estar diagnosticado em Taxi Driver: o Mal irrompe em típicos bairros de subúrbio das classes médias, mas em locais sujos como porões, garagens, celeiros e becos; medo e paranóia são problemas de assepsia e controle. Jason e Fred Krugger não pertencem a condição humana, são Outros.

Enquanto isso, o Sci-fi se degenera em filmes de fantasia motivacional e New Age como Campo dos Sonhos e Forrest Gump ou filmes quase espirituais como Ghost, Cidades dos Anjos ou Amor Além da Vida. Toda a questão da esquizofrenia e paranóia é reduzida à impossibilidade de comunicação ou a uma religiosidade na sua forma mais deteriorada.

Ao mesmo tempo, dois subgêneros surgem para traduzir a paranóia de uma forma mercadologicamente aceitável: filmes que poderiam, por assim dizer, ser denominado como “desconstruindo o Yuppie” e “teorias da conspiração”.

Depois de Horas, Procura-se Susan Desesperadamente, Totalmente Selvagem são exemplos de comédias sobre ansiedade: a paranóia do protagonista não se origina de um conflito com a sociedade, condição humana ou consigo mesmo, mas da constatação de que a vida é caos, acúmulos de infelizes coincidências sem propósito ou sentido (percepção que, afinal, surge da resignação do indivíduo nas grandes cidades).

Filmes como Teoria da Conspiração, Cocoon, War Games, Starman, ET, etc, vão transformar a paranóia em medo de conspirações. Os novos paranóicos agora são crianças, idosos, e subempregados cuja paranóia origina-se do ressentimento pela condição social subalterna. Toda a conspiração que porventura o protagonista se vê enredado é proveniente de um genérico “sistema” ou de uma figura inescrupulosa que está “corrompendo” os valores autênticos do sistema.

A partir da segunda metade dos anos 90, o “cinema esquizo” passa a ter um renascimento com um súbito interesse por escritores gnósticos como Philip K. Dick e Cornac McCarthy (respectivamente O Homem Duplo e A Estrada), roteiristas como Charlie Kauffman (Quero ser John Malkovitch e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) com profundos temas, simbologias e iconografias gnósticas e diretores como David Lynch (Inner Empire e Mulholland Drive) ou Scorsese (Ilha do Medo). Novamente, vemos protagonistas instáveis, potencialmente psicóticos e paranóicos, mas, dessa vez, com um viés “xamânico”: a jornada conduz a um nível para além da ilusão e da realidade. Como as duas faces de uma mesma situação, devem ser transcendidas por meio do insight místico: a gnose.

quinta-feira, maio 13, 2010

O Coringa e o Sincromisticismo - parte 2

Atores como médiuns (no mínimo, personalidades fragmentadas) recrutados pela indústria de entretenimento para servirem de canal para formas-pensamento elaboradas a partir do vasto material arquetípico da psique humana. Em alguns momentos os ecos dessa realidade mais divina e profunda (os arquétipos autênticos, um texto deixado deliberadamente oculto pela indústria do entretenimento) alcançam nossos ouvidos ao sabermos de mortes como a do ator Heather Ledger, consumido pelas formas-pensamento do psicopata arquetípico Coringa.



Essa hipótese de Jason Horsley, apesar de impregnada de pesado tom conspiratório, é interessante na medida em que aponta para o destino do ator na sociedade contemporânea. Desde o desenvolvimento do "Método" do famoso Actors Studio de Nova York ao ator não basta representar os personagens, mas precisa vivenciá-los através de “laboratórios”, encontrando na própria personalidade elementos psíquicos que o ligue ao papel. Nunca me esqueço da resposta dada pelo ator Paulo Autran no antigo programa “Matéria Prima”, apresentado pelo Sérgio Groisman, a uma típica pergunta estilo “Vídeo Show”: “dos personagens que você desempenhou na carreira, qual tinha mais a ver com você?” “Nenhum!”, respondeu enfático Autran. E explicou que a função do ator é representar e não ser o próprio personagem.
Essa técnica clássica cai em desuso com o “Método” surgindo duas conseqüências: atores que interpretam a si mesmos ou atores fragmentados esquizofrenicamente em múltiplas personas. Fragmentado, o indivíduo não consegue alcançar a simbolização que, para a psicanálise, é o momento de distanciamento para a compreensão da cena traumática. Ao cair de cabeça na cena, repete-a intensamente como clichê levando a desorientação esquizóide ou neurótica. Para Horsley, essas personalidades fraturadas tornam-se canais inconscientes de todo magma do inconsciente coletivo levando a consumação (e até a morte) do próprio ator e a fácil manipulação pelos modelos da indústria de entretenimento.
 Abaixo, a tradução da segunda parte da análise “sincromística” sobre a morte do ator Heath Ledger postado no blog de Jason Horsley Aeolus Inc. Parece que a análise de Horsley tem um tom propositalmente conspiratório e paranóico, como uma espécie de método retórico de análise da realidade. Algo parecido com o método de Woody Allen abordar seus temas nos filmes. Afinal, o que seria de Woody sem suas paranóias e neuroses? Seu mal-estar psíquico é o que faz ver aspectos da realidade que o olhar “sadio” não consegue enxergar.


Sincromisticismo, Teatro de Bruxaria Maçônica e
os Três Níveis Narrativos

É possível, então, que Hollywood – e antes disso, que o mundo do teatro moderno – tenha sido concebido e criado como uma espécie de provedor para recrutamento e treinamento de médiuns ou vassalos – personalidades fragmentadas – através do qual o processo de criação das Formas-Pensamento e entidades de possessão possa se desenvolver e se expandir em escala literalmente global – e transformar o mundo em um palco?


Na redação desse presente trabalho, devemos estar preparados para nos deparar com essa possibilidade, certamente muito além da visão normal de como as coisas podem ser.


Hollywood como um instituição
recrutadora de médiuns
Nesse caso, todo “inocente” mapeamento da trajetória das celebridades e as sincronicidades entre os papéis nos filmes e seus plots e temas etc, tão apreciado pelos sincromísticos, poderia assumir uma nova dimensão. Faria parte de uma agenda mais sutil, de grande alcance, porém, menos “cósmica”, impulsionada por finalidades humanas, no sentido que Levenda chamou de “sincronicidade induzida”. Em outras palavras, engenharia mística ou Teatro de Bruxaria Maçônica.


Nessa perspectiva, a morte de Heath Ledger, para citar um conveniente exemplo, poderia revelar diferentes camadas narrativas que se sobrepõem e se interpenetram. Primeiro de tudo, podemos encontrar a história pessoal de Ledger, sua carreira, todos os processos de treinamento (ou “entretenimento”), iniciação, compromisso e “ajustamentos” psicológicos que teve que fazer ao longo da sua trajetória, não unicamente para ser um ator realizado, mas, acima de tudo, se tornar uma celebridade – ou seja, para ser permitida a sua entrada no reino das celebridades e atuar como um canal escolhido para plena adoração das massas.


Esse aspecto das coisas – o progresso de Ledger da pouca conhecida personalidade da TV australiana para o mundialmente famoso sex symbol, ídolo das telas e vaca sagrada de ouro da indústria de Hollywood – é, no mínimo, de domínio público por meio de fatos autobiográficos e factóides. 


Essa é a primeira camada da narrativa, visível para todos, pelo menos em parte. Essa narrativa poderia mostra como a luta particular de Lodger pelo sucesso e para alcançar a excelência como ator levou-o, finalmente, a escolher o papel do Coringa, um personagem que ofereceu a Ledger um novo nível de fama, fortuna e reconhecimento, mas que presumivelmente desempenhou um fator chave em sua “consumação” e morte prematura, e que também lhe valeu um Oscar, embora postumamente.


Apesar de existirem muitas pistas, e até mesmo fortes evidências sobre as conexões diretas entre as opções que Ledger fez em sua carreira, seu envolvimento no papel de Coringa, e sua morte, essas provas ainda são inconclusivas, ainda dentro do domínio das coincidências, ou apenas uma tragédia irônica para o observador médio.

Ledger foi escolhido e preparado desde o início, em cada papel escolhido por ele como fazendo parte de uma grande trajetória “oculta”



Psiquiatras e hipnose para "segurar"
estrelas como o caso
de Marilyn Monroe
Abaixo dessa primeira camada, no entanto, poderia haver o que poderíamos denominar como “Heath Ledger psy-op”, a narrativa de bruxarias. Isso mostraria como Ledger foi escolhido e preparado desde o início, em cada papel escolhido por ele como fazendo parte de uma grande trajetória “oculta”, dentro da qual fariam parte sua vida e morte. Naturalmente, pode-se argumentar que os papéis foram escolhidos por Ledger, em certa medida, pelo menos, mas isso seria apenas na medida em que foi autorizada a ilusão da escolha. Mesmo que manipuladores humanos não estejam sutilmente (ou não tão sutilmente) coagindo ou encurralando-o em direção a pré-selecionados trajetos de carreira, poderiam existir forças mais sutis em ação, na e através da sua psique, assegurando que ele fosse trilhar os canais já preparados. Embora, tanto quanto sabemos, Ledger não era um Cientologista. É possível, e até provável, que ele tenha tido algum tipo de “aconselhamento” espiritual durante esse tempo, e psiquiatras são sabidamente utilizados para “segurar” uma estrela (como no caso de Marilyn Monroe).


Possivelmente Ledger era mesmo sujeito a hipnose ou alguma outra forma de conversão de controle da mente como parte dessa “terapia”. Nós não podemos saber isso sem fazer uma investigação, sendo, dessa forma, tudo hipotético – Estou citando Ledger como um possível estudo de caso, sem ter feito uma pesquisa suficiente para saber se ele se enquadra nos modelos ou não. Mas de qualquer forma, todos esses fatores e possibilidades podem se tornar claros ao analisar a segunda camada da narrativa.


No hipotético caso de Ledger, a intenção geral era uma série de eventos cuidadosamente dirigida, presumivelmente, a criação de um sacrifício ritual, deixando várias pistas e símbolos, o conteúdo arquetípico, como "gatilhos" para o inconsciente, pelo qual o público seria alimentado com uma narrativa mítica, um plano. Essa narrativa, assim como nos filmes em que Ledger atuou de forma discreta, seria destinada a invocar certas respostas mentais e emocionais em público, em uma palavra, seu investimento psíquico na narrativa – a suspensão da descrença – pela qual a falsa realidade estaria sendo criada substancialmente mais “sólida” e persuasiva. Nesse caso, a narrativa é de um jovem, bonito, talentosa estrela cinematográfica que tinha tudo a seu favor, mas que flertou com o lado escuro – simultaneamente como ator (admirável) e como um drogado (tolo) – e que foi consumido por suas próprias trevas, perdendo sua própria vida.


Como é frequente nesses casos, o “suicídio” (acidental ou não, parece haver muito espaço para dúvidas) está envolto em mistério suficiente para criar ambiguidade, garantindo assim que os mais exigentes (e paranóicos) entre nós suspeite de um “jogo sujo”, para então olhar o assunto de forma mais aprofundada e descobrir a segunda camada da narrativa. Teatro de Bruxaria Maçônica, os negócios de sempre.


A camada final é aquela que os sincromísticos estão alegremente propagando, que é como o mito desenrola-se em um nível superior, transpessoal ou arquetípico: algumas notas marcantes ou melodias que refletem na consciência da espécie. Esse aspecto da narrativa, o profundo e maior aspecto, requer não uma conspiração ou um humano/demoníaco elemento, quer no trabalho ou no lazer – exceto, é claro, se ele assim requerer. 


Fantoches precisam de cordas para dançar, não apenas de um mestre.
O ator como uma ponte entre
entre o ordinário consenso de
realidade e a ordem divina da
sincronicidade
Jake Kotz e outros do movimento Sincromístico estão tão fascinados pela idéia de que um Mestre está puxando as cordas que chegam à prematura conclusão de que as cordas não são algo com o que se preocupar, ou sequer acham que elas existem, tornando o Mestre e o fantoche a mesma coisa. Há um nível em que isso talvez seja verdade, mas se assim for, então esse não é o nível em que estamos analisando nesse momento. Se você não acredita, pergunte a Heath Ledger.


O Heath Ledger “psy-op” é uma espécie de ponte, uma área de sobreposição entre o ordinário consenso de realidade – onde tudo acontece por acidente – e a divinamente ordenada realidade ou sincronicidade, onde tudo acontece por design. Os manipuladores e bruxos por trás da narrativa Ledger/Coringa – sua ascensão e queda e tudo mais – empregam símbolos específicos, projetos e conhecimentos avançados alquímicos e psicológicos a fim de impregnar a narrativa com tanta substância e profundidade possível. Naturalmente, estão transmitindo poderosos símbolos universais, verdades universais, via magia e subterfúgios.


Eles não têm escolha. A coisa sobre símbolos e modelos arquetípicos é que para serem efetivos, precisam ser autênticos.Eles não podem ser concebidos ou inventados visando um efeito determinado. Somente assim que muitos arquétipos e narrativas podem ser utilizados para a criação da falsa realidade. Então, por mais que a narrativa esteja sendo moldada e dirigida para fins sócio-políticos de controle das massas, os elementos da narrativa ainda pertencem ao reino dos arquétipos e do divino. Em outras palavras, mesmo quando as narrativas falsas estão sendo criadas para nos cegar para o que está por trás delas, um eco reflete a mesma realidade profunda que tentam esconder.


Isso porque Hollywood, apesar de tudo, e apesar de ser nada mais nada menos do que um vasto sistema de controle psicológico, ainda produz filmes que valem à pena. Ela simplesmente não ajuda a si própria.


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segunda-feira, maio 10, 2010

O Coringa e o Sincromisticismo

"Eu o avisei" disse Jack Nicholson após a morte de Heath Ledger, o intérprete do Coringa em "Batman: o Cavaleiro das Trevas". O que quis dizer Nicholson com esse aviso? Como o psicopata arquetípico, o Coringa sintetizaria não apenas como as Formas-Pensamento tornam-se autônomas e poderosas na cultura pop atual mas, também, como Hollywood torna-se a principal indústria catalizadora dessas energias psíquicas.

Traduzimos abaixo postagem de Jason Horsley do seu blog Aeolus Inc. Nessa postagem, temos um exemplo prático de análise do que ele chama de “Sincromisticismo”: uma proposta de análise não apenas do produto fílmico, mas da produção cinematográfica e das audiências pelo referencial da Esquizofrenia, Xamanismo, a elaboração dos arquétipos (Jung) e de conceitos Teosóficos como as das “Formas-Pensamento” de Blavatsky e Leadbeater. Essa postagem é a primeira parte da sua análise em torno da morte do ator Heath Ledger e o último personagem que performou, o Coringa da série de filmes Batman. Para Horsley, o Coringa é o psicopata arquetípico, uma Forma-Pensamento contemporânea capaz de possuir atores e audiências, mais uma das entidades autônomas instrumentalizadas pela indústria hollywoodiana. Horsley perigosamente transita entre as teorias conspiratórias e o referencial do misticismo como ferramenta para entender fenômenos comunicacionais da atualidade.
Porém, vale a pena seguir seus raciocínios de forma crítica. No mínimo, pode ser divertido. Logo mais publicaremos a segunda parte traduzida da análise de Horsley sobre Heath Ledger e o Coringa.


A Entidade Hollywood Smorgasbord


Após a morte de Heath Ledger, Jack Nicholson fez uma críptica observação: “Eu o avisei”.

O que exatamente Nicholson avisou para Ledger? Dado o contexto, parece que Nicholson estava se referindo aos perigosamente potenciais efeitos de estar atuando como um psicopata com extremas qualidades como o Coringa. O Coringa não é meramente um psicopata mas um arquetípico psicopata: no ranking das mais populares formas-pensamento do século XX, ele é praticamente um deus. (Pesquisa feita para o primeiro filme do Batman afirmou que a bat insignia estava em segundo lugar em reconhecimento para as crianças, depois do sorridente rosto do Coringa)

Se estou certo em afirmar que as criações ficcionais tornam-se semi-autônomas, mesmo que semi-conscientes, entidades dentro de um reino imaginário, através das energias psíquicas que damos a elas (uma idéia que Neil Gaiman trabalhou em Sandman, e Alan Moore com Promothea), presumivelmente quanto mais popular um personagem se torna – e mais narrativas são feitas em torno dele – mais poderoso e autônomo pode se tornar? Pense em Papai-Noel e Jesus Cristo. A mistura ímpar do mito, lenda e fatos históricos que estão por trás desses personagens, torna-os profundamente reais em seus efeitos e não apenas em nosso psiquismo mas por meio das nossas ações. Os pais fingem ser Papai-Noel para manter a ilusão.

Em The Manson Secret, Peter Levenda faz um paralelo entre o método de representação teatral (o método Stanislavsky) e a criação de “alters” através do programado controle da mente – em outras palavras, entre a assunção das funções como intérprete, e a fragmentação da psique como visto nas desordens de múltiplas personalidades etc. Em outros tempos, contudo – e ainda hoje nas culturas mais xamânicas – o termo esquizofrenia e “MPD podia ser entendido como uma espécie de possessão por uma entidade. Quando o trauma - induzido por abuso ou outras formas de "manipulação" ou auto-induzidos através de drogas, rituais mágicos, ou técnicas de encenação, cria uma abertura ou fratura na psique, forças externas podem entrar e assumir o controle de que o psiquismo. Poderíamos também dizer que, ao atingir a mente inconsciente, reprimida e que repudiou os aspectos da psique, aspectos tanto daimônicos como demoníacos podem surgir e assumir a consciência. Enquanto a visão xamânica os vê como as forças externas e demoníacas, o ponto de vista psicológico vê-los como internos relacionados com a psique. Mas a descrição básica é a mesma, com o mesmo resultado final: perda do controle, loucura, desespero, ou, em raros casos, iniciação e iluminação, e talvez um Oscar de melhor ator!

Já descrevi como atores podem ser escolhidos como condutores – “atratores estranhos” – pelo qual energias psíquicas podem ser liberadas e redirecionadas para a criação de formas-pensamento. Essas formas-pensamento podem não permanecer sob o controle do ator, muito menos da audiência (constituída por essas energias psíquicas), mas existe um terceiro elemento, não observável: um poder, por assim dizer, oculto. Assim, estas formas-pensamento parecem ser autônomas, uma vez que estão sendo dirigidos por uma inteligência exterior, independentemente da sua fonte aparente. Algo semelhante pode ocorrer nos casos de MPD e de fato, dos atores de submergir-se em um papel. Isso quase indubitavelmente ocorre no caso das vítimas de controle mental.

Quando um “alter” – um fragmentado aspecto da psique que foi compartimentalizado e tornou-se independente – é criado, ele efetivamente torna-se independente de qualquer controle da inteligência do psiquismo. Como a natureza odeia o vácuo, algo é inevitavelmente direcionado para preencher o espaço vazio, para tomar posse do fragmento renegado, para orientá-lo e dirigi-lo, e talvez até para habitá-lo.
Assim, em tal modificação comportamental, um fragmento "alter" é programado e treinado como um espião, assassino ou escravo sexual, tornando-se toda a sua identidade e função. Essencialmente, começa a agir como fosse a encarnação de algum agente externo. O mesmo pode ser dito, em termos religiosos, quando os demônios possuem um corpo e "derrubam" a sua alma: a pessoa fica dividida em duas ou mais personalidades, uma das quais permanece inconsciente da outra, e assim começam a agir fora de suas "Sombras" de maneiras aberrantes. Nós dizemos que uma pessoa que está "possuída", ou "não é ela própria", ou simplesmente que "saiu para o almoço". Xamanicamente falando, as entidades (que poderão ser formas-pensamento criada pela pessoa, ou por outros ligados a eles, como "fantasmas", "ancestrais", e afins) aguardam essa oportunidade para assumir o controle da psique de uma pessoa e habitam seu corpo. Isso pode ocorrer em formas dramáticas de crimes de paixão, colapso mental, etc. ou em formas mais sutis, mas muito mais prevalentes, tais como comportamento compulsivo, toxicomania, abuso sexual, e afins.

De todas as fontes de alimentação para essas entidades que podemos imaginar, é difícil conceber um lugar mais rico, mais abundante e variado do que Hollywood – onde comportamentos compulsivos e extremos são a norma, e onde a concepção de personalidades alternadas e produção de falsas narrativas – com deliberada dissociação da realidade – é a natureza do negócio.


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domingo, maio 09, 2010

Grupo de Pesquisas da UAM discute a "materialidade das imagens"

A ruptura do paradigma tecnológico no cinema atual (a ruptura com o referencial "realista" do dispositivo cinematográfico com as tecnologias digitais) proporciona a "materialização" de todo o imaginário mítico ou arquetípico humano diante de nossos olhos. Qual a implicação disso na experiência da gnose no Cinema? Esse foi o principal tema discutido na reunião do Grupo de Pesquisa sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM)

Neste último sábado (08/05) continuei a apresentar os resultados das minhas pesquisas sobre o tema Cinema e Gnosticismo dentro da programação de Seminários Avançados do Grupo de Pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Participaram do encontro o Prof. Dr. Luiz Vadico, a profa. Celina Paiva, Profa. Ilca Moya e Karyna Berenguer.

Basicamente a apresentação expôs o tema das últimas postagens desse blog: O porquê o cinema gnóstico ser uma tendência norte-americana e hipóteses para explicar o Gnosticismo em Hollywood (clique aqui para ler). A hipótese do “Sincromisticismo”, proposta por Jason Horsley (“The Secret Life of Movies: Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema”), proporcionou as maiores discussões. Horsley faz um mapeamento da esquizofrenia e paranóia no cinema norte-americano, procurando entender como o cinema pode ser visto como um diagnóstico de uma sociedade igualmente paranóica e esquizofrênica. Mais do que um diagnóstico, o cinema poderia possibilitar “jornadas xamânicas”, a possibilidade de o espectador experimentar um estado alterado de consciência, vivenciando simultaneamente lugares diferentes (a experiência do 3D poderia ser um exemplo disso). Explicando melhor, se a vida é mito (negada pela racionalização da sociedade), a única forma de compreender a própria realidade seria por meio de uma “jornada xamânica” (gnose) atraavés de narrativas fílmicas esquizos e paranóicas.

O Prof. Dr. Luiz Vadico propôs um interessante fator complicador para essa hipótese, ao sugerir que na atualidade está ocorrendo uma profunda alteração no próprio dispositivo cinematográfico: com a evolução dos recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.), hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os mitos, sonhos e fantasias. Se para o Gnosticismo o processo da gnose é a ascese, ou seja, a elevação a partir da condição somática, como ficaria essa possibilidade com a materialização do próprio imaginário por meio das imagens? Se a “vida secreta” do cinema é o mito (o sub-texto do roteiro), não teríamos hoje a concreção dessa dimensão mítica? O virtual estaria se tornando atual? Voar sem asas, tomar banho em cachoeiras de chocolate realizam-se diante dos nossos olhos, sem uma disciplina ascética, sem qualquer experiência mística ou estado alterado de consciência.

Desde movimentos artísticos como o Surrealismo ou o Expressionismo Alemão, procura-se materializar, diante dos nossos olhos, sonhos, mitos e pesadelos. No caso do Expressionismo Alemão, seus artífices tiveram à época todo o know how resultante das experiências em edição, montagem para produzir densas atmosferas de pesadelo e paranóia. É claro, que na atualidade as novas tecnologias rompem com o velho paradigma cinematográfico (o referente real e a película) para produzir imagens míticas muito mais “verossímeis”, com a imersão do próprio espectador nelas. Talvez estejamos diante de mais um exemplo do “atalho para Satori” (na expressão de Theodore Roszak), motivação secreta do tecnognosticismo: por meio das novas tecnologias computacionais alcançar a gnose sem a necessidade da ascese (em termos alquímicos, sem a necessidade de redimir a matéria, simplesmente descartando-a).

Se Horsley observou todo um movimento de reação dentro do cinema hollywoodiano em criar plots racionalizantes nos roteiros para confinar as experiências fílmicas esquizos e xamânicas dentro de limites politicamente seguros, talvez essa tecnologização tecnognóstica da experiência cinematográfica seja mais um movimento racionalizante e de confinamento da experiência do sagrado. As próprias tecnologias dos efeitos especiais tornam-se o marketing promocional do próprio filme. É a fetichização da técnica. Como em Avatar ou Titanic, o filme é promovido muito menos pelas qualidades artísticas do roteiro ou narrativa (aliás fracos) e muitos mais pelos making offs dos efeitos especiais e das novas tecnologias empregadas e, principalmente, dos custos astronômicos envolvidos (sempre ouvimos falar em “filmes mais caros da história”).

Os aspectos místicos ou metafísicos da experiência são colocados em segundo plano pelas crifras astronômicas e pelas façanhas da indústria e da tecnologia.

O próximo encontro do grupo será no dia 05 de junho com a apresentação do seminário da Profa. Ilca Moya sobre a sua pesquisa sobre as relações entre o Sexo e o Sagrado.

domingo, maio 02, 2010

Conspirações, Esquizofrenia, Sincromisticismo ... Algumas Hipóteses para Explicar o Filme Gnóstico

Em qualquer lugar quando vou expor as minhas pesquisas sobre o filme gnóstico surge uma questão insistente: Hollywood está se convertendo ao gnosticismo? Roteiristas, diretores e produtores gnósticos estão invadindo a indústria cinematográfica norte-americana? Então, tudo poderia ser uma grande conspiração? As respostas não são assim tão simplistas. Ainda mais que sabemos que o “revival” atual é apenas mais um ao longo da história (os alquimistas na Idade Média, o Neo-platonismo no Renascimento, a literatura Romântica e Gótica no século XVIII etc.).

Para ajudar a responder essas questões, vamos tentar fazer um mapeamento das principais hipóteses sobre o porquê da convergência atual entre Cinema e Gnosticismo:

1 – Teoria Conspiratória: essa hipótese se prolifera principalmente na Internet. O Gnosticismo é associado a um movimento intitulado “Satanismo” ou “Luciferianismo” que estaria por trás da Globalização ou da “Nova Ordem Mundial” (NWO). A principal meta da Globalização não é política e nem econômica. Tudo isso seria apenas um meio para alcançar a meta maior: a proliferação do neo-paganismo com a destruição das três grandes religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Pelo fato de o Gnosticsmo encarar o Deus monoteísta como um Demiurgo e opor a gnose às formas de revelação religiosas (ao contrário da fé em Deus, o Gnosticismo propõe a fé em si mesmo) seriam evidências dos seus propósitos satanistas. Nessa luta por corações e mentes Hollywood estaria na vanguarda nessa gigantesca conspiração ao apresentar nas telas de cinema do mundo inteiro protagonistas que buscam a fé mais em si mesmos do que em Deus. Roteiristas, Diretores e Produtores fariam parte dessa conspiração que visaria construir a estrada filosófica e mística dentro da qual percorreria a Nova Ordem Mundial. Essa hipótese parte principalmente de grupos fundamentalistas cristãos e evangélicos nos EUA, os mesmos grupos que defendem o armamento civil como forma das pessoas organizarem milícias para fazer frente à NWO.

Se por um lado essa hipótese parte de uma compreensão equivocada do Gnosticismo (sociedades secretas, neo-paganismo, cosmos sem Deus, niilismo, ateísmo etc), por outro, parece que os filmes gnósticos tiram alguma vantagem dessas delirantes conspirações: inserem em suas narrativas referências dessas verdadeiras lendas urbanas como em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança quando o Joel (Jim Carey) tem um impulso para pegar o trem para Montauk e faltar ao trabalho. Por que Montauk? É uma sutil referência à célebre teoria conspiratória do Projeto Montauk, cujo conteúdo tem a ver com a própria temática do filme. O Projeto Montauk seria um projeto secreto empreendido pela inteligência militar dos EUA com experiência de intervenção psíquica por meio de drogas e equipamentos eletrônicos para fins de espionagem e interrogatórios.

2 – Sincromisticismo: hipótese proposta por Jason Horsley (filósofo e crítico de cinema norte-americano) principalmente em seu livro “Secret Life of Movies: Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema. London: McFarland, 2009”. Para ele, o cinema é a outra maneira das pessoas vivenciarem três áreas da experiência que a sociedade nos aliena: a religiosa busca por propósitos ou “sinais”; a xamânica ou animista forma de se relacionar com a natureza e a esquizofrênica inabilidade de distinguir entre realidade e fantasia. Tanto a experiência de produzir um filme ou assisti-lo já é esquizofrênica, partindo do pressuposto que a própria estrutura social já é esquizóide, embora assim não admita. Os temas recorrentes dos filmes gnósticos (perda da memória, identidade, dos limites entre realidade e fantasia, delírio e sanidade, paranóia etc) seriam sintomas de uma condição que a sociedade encoberta e os filmes seriam uma das formas de vivenciá-los. Ao oferecer uma “realidade xamânica” (estar em dois lugares ao mesmo tempo), o cinema se converteria na mais esquizóide mídia de todas. Em outras palavras: para se comunicar com uma sociedade esquizofrênica, roteiristas e diretores necessitam lançar mão de uma linguagem igualmente esquizóide. O que poderíamos pensar, então, da experiência do cinema em 3D?

A paranóia e a esquizofrenia, matéria-prima não só dos filmes gnósticos (como, por exemplo, “Clube da Luta”, “Amnésia” e o recente “Ilha do Medo”), mas do próprio Gnosticismo (a representação da condição humana como a de um exilado em um cosmos hostil) seria a própria forma de se comunicar com uma sociedade também esquizóide. Horsley não aborda a esquizofrenia como doença que precisa ser tratada, no sentido psiquiátrico. O Sincromisticismo afirma que a própria busca religiosa pela revelação é esquizóide e que a sociedade, ao negar essa sua própria natureza e confinar a experiência esquizofrênica no campo psiquiátrico, nega às pessoas a experiência “xamânica” do sagrado. Portanto, os filmes não seriam meios pelos quais as pessoas querem escapar da realidade através do mito, mas de vivenciar aquilo mesmo que a sociedade nega.

3 – O filme gnóstico como reflexo de um momento histórico – essa hipótese parte das idéias do historiador francês Marc Ferro. Para ele todo filme é um documento porque representaria o imaginário de uma determinada sociedade ou período histórico:
"o imaginário é tanto história quanto História, mas o cinema, especialmente o cinema de ficção, abre um excelente caminho em direção aos campos da história psicossocial nunca atingidos pela análise dos documentos" (FERRO, Marc. Cinema e História.São Paulo: Paz e Terra, 1992, p.12).
Não importa se o filme refere-se a um passado remoto ou imediato, pois sempre vai além do seu conteúdo. Portanto, se há uma conexão entre cinema e sociedade, ou seja, se o filme pode ser considerado um repositório do imaginário social contemporâneo e se sabemos que este imaginário atual é fortemente marcado por um desenvolvimento tecnológico impulsionado por tecno-utopias de natureza gnóstica, talvez possamos entender o porquê da recorrência de elementos do gnosticismo no cinema. Fortemente conectado com o imaginário social deste final e início de novo século, a produção cinematográfica atual, em particular a norte-americana, refletiria não apenas o imaginário tecnológico transcendentalista (Tecnognosticismo) como, também, questões existenciais, éticas e espirituais decorrentes de tal imaginário.

4 – Gnosticismo como atitude e “ambiência psicológica”. Essa hipótese pode ser sintetizada na frase de Stephan Hoeller (escritor, pesquisador acadêmico e líder religioso): “Todo bom artista já é meio gnóstico”. Para ele, os constantes renascimentos do gnosticismo ao longo da história moderna (literatura romântica e gótica nos séculos XVIII e XIX, vanguardas artísticas modernas e, na atualidade, no cinema hollywoodiano) decorre menos da sistematização ou transmissão da filosofia gnóstica. Ao contrário, o Gnosticismo historicamente se caracterizou pelo sincretismo, origens obscuras e transmissão dificuldade pelo desaparecimento de textos e documentos fundamentais. Para Hoeller, a força do gnosticismo refere-se:
“a uma certa atitude da mente, uma ambiência psicológica (...) um certo tipo de alma é, por sua própria natureza, gnóstica. Qualquer que seja o seu ambiente geográfico, cultural ou espiritual esta gravita inevitavelmente para uma visão de mundo gnóstica. Quando aquela predisposição ideológica encontra o estímulo de algum elemento de transmissão gnóstica, está fadado a surgir um renascimento.” (HOELLER, Stephen. O Gnosticismo: tradição oculta. RJ: Nova Era, 2005, p. 155-156).
Seja escritor, artista ou pesquisador, a própria atitude crítica em relação à sociedade já produziria uma “ambiência psicológica” propicia para o ressurgimento de temas ou arquétipos do Gnosticismo. Por esse ponto de vista, escritores como Philip K. Dick ou Cornac McCarthy (cujas obras atraem o interesse de roteirista e produtores no recente cinema americano ) são gnósticos, embora não tenham consciência disso. A atitude crítica em relação ao mundo ao descrever sombrios aspectos da sociedade e da política, inserindo-os em conspirações cósmicas vai muito além da tradicional crítica materialista histórica: expõe uma crítica de cunho metafísico. Essa “ambiência psicológica” seria dada por Crenças conspiratórias sobre sociedades secretas que dominam o mundo originada na mentalidade de uma sociedade atomizada, passiva diante de uma complexidade tecnológica incompreensível que domina o cotidiano. Esse seria o ambiente que de tempos em tempos se configura para criar condições para a recorrência de elementos do Gnosticismo.

Essas são as quatro principais linhas de hipóteses que permeiam as pesquisas atuais sobre Cinema e Gnosticismo. Excluindo a primeira hipótese (com evidente marca do direitismo político e fundamentalismo religioso), as restantes talvez sejam diferentes aspectos de uma mesma realidade. Parecem que não se excluem, mas se completam.

segunda-feira, abril 26, 2010

Fé e Gnose em "A Estrada"

A Estrada (The Road, 2009) é um filme do gênero pós-apocalipse que você nunca viu. Ao contrário de filmes com a mesma temática como O Livro de Eli (The Book of Eli, 2010), a fé dos protagonistas não está em livros sagrados ou em Deus. A fé perdida deve ser buscada na "fogo do coração", a gnóstica busca da lembrança daquilo que foi perdido e que não está nesse mundo, mas em algum lugar idílico no "Sul". Alerta de spoilers nesse post.

O mundo como conhecemos foi destruído por algum evento apocalíptico indeterminado. O resultado é a morte progressiva do planeta: com exceção dos seres humanos, animais e o reino vegetal estão morrendo em meio a terremotos e a uma insistente chuva que cai num mundo cada vez mais cinzento e gelado. Sem alimentos, grupos se organizam em gangs em busca de combustível e de outros seres humanos para serem canibalizados. Aqueles que não recorreram ao suicídio lutam para não serem capturados por essas gangs e sobreviver sem comer seus semelhantes.

Um homem (Viggo Mortensen) tem apenas seu filho (Kodi Smit-McPhee) para a companhia nesta terra árida. A mãe (Charlize Theron) se matou, e a única esperança de sobreviver ao inverno eterno é atravessar o país em direção do litoral e rumar para o sul. Ao longo de seu caminho deverão enfrentar a constante ameaça das gangues canibais e os perigos de um planeta que está morrendo.

Esse plot parece ser familiar: mais um filme pós-apocalíptico na linha de Mad Max ou do recente O Livro de Eli (aliás, como os norte-americanos gostam de destruir o seu país nos filmes!). Porém, sua narrativa glacial e precisa, com uma constante atmosfera de horror pelos recorrentes sinais de canibalismo generalizado, torna “A Estrada” um filme pós-apocalíptico como jamais vimos.

Mas, principalmente, o tema da esperança e fé é abordado por um viés gnóstico, o que o torna um filme diferenciado para o gênero. O filme é uma adaptação do livro “The Road” (ganhador do Prêmio Pulitzer) de Cornac McCarthy cuja obra parece ter grande influência do gnosticismo como no livro Blood Meridian (sua adaptação cinematográfica está anunciada para 2011), um western que, segundo Leo Gaugherty, “é uma tragédia gnóstica, uma rara união da ideologia gnóstica com a tragédia helenística” ( "Gravers False and True: Blood Meridian as Gnostic Tragedy" Southern Quarterly 30, No. 4, Summer 1992, pages 122-133).

Em A Estrada pai e filho (detalhe importante, nenhum personagem do filme tem nome) lutam para encontrar lugares seguros e se manterem aquecidos. O pai protege ferozmente seu filho e, em uma cena perturbadora, mostra-lhe como se matar se necessário -, presumivelmente, se ele é capturado por canibais e não tem como escapar. Mas ele também diz a seu filho que eles são "portadores do fogo", uma frase que é repetida várias vezes no filme. Esse "fogo" é tanto o fogo literal que cozinha os alimentos e os mantêm quentes, mas também a esperança que eles têm pela humanidade. Mais do que isso, é um simbolismo gnóstico.

Como o homem fala sobre seu filho: "Se ele não é a palavra de Deus, Deus nunca falou." O pai e filho devem carregar a partícula de Luz no coração, partícula que, segundo a mitologia gnóstica, é a reminiscência da nossa verdadeira origem no Pleroma. Seres que somos, exilados num cosmos em queda, devemos manter essa partícula (gnose) que nos reconduzirá às nossas verdadeiras origens.

Constantemente no filme o filho preocupa-se em como distinguir os homens bons dos maus. Assim como em Blood Meridian, temos aqui o antagonismo Maniqueo e Zoroástrico: a divisão entre “good guys e bad guys” não é aquela do maniqueísmo hollywoodiano, mas a do conflito cósmico fundamental em torno da posse dessas partículas de Luz. Evitar ser canibalizado pelos “Bad Guys” é evitar que o Demiurgo (artífice daquele mundo pós-apocalíptico.) tome a posse das partículas que dariam uma sobrevida a um mundo em queda.

Por isso, a maneira como o tema da fé e da esperança é abordada pelos protagonistas é tipicamente gnóstica. Ao contrário do filme “Livro de Eli” onde a fé é dada pelas palavras da Bíblia memorizada pelo protagonista (o antagonista luta para ter a posse do livro sagrado para, também, memorizar suas palavras), aqui a fé é abordada como uma gnose, um processo de mergulho íntimo onde busca-se no coração a partícula de Luz que será o referencial para o discernimento entre o Bem e o Mau. Ao longo do filme há diversas referências religiosas (Versículo do livro bíblico de Jeremias – “Eis o vale do massacre” - pichado em uma ponte em ruínas, os protagonistas se abrigam em uma igreja também em ruínas, postes inclinados como fossem cruzes fincadas em terras arrasadas etc.). A religião é colocada como mais um detalhe de um cenário em ruínas. Resta aos protagonistas uma busca íntima. Não há mais fé em Deus, mas apenas em si mesmo. É o típico caminho da Gnose.

Ao contrário do pai que foi moldado por anos de desespero tornando-se impiedoso, feroz e desconfiado de qualquer um que cruze o caminho, o filho, ao contrário é ainda inocente e ingênuo, mas consciente dos males do mundo. A cada diálogo a visão cínica de desesperançada do pai é contrastada pela esperança do filho em encontrar o bem que ainda possa existir no interior de todas as pessoas.

Curioso no filme é o fato de nenhum personagem ter nome. Isso tem um duplo sentido na narrativa. De um lado, em um mundo pós-apocalíptico os nomes são inúteis, os homens tornam-se animais como rebanho de Gado para os canibais. Por outro, nessa circunstância as ações falam mais atos que nomes ou papéis sociais que possam resultar. O nome não faz uma pessoa e não é necessário para você se conectar com eles como algo "real." Nossas ações é o que diz e define quem somos, e não nossos nomes. Mais um tema gnóstico e, talvez, o tema principal do filme: mais importante do que nomes e papéis sociais estão as ações e o coração que vão indicar se você mantém a partícula de Luz acesa em seu interior. Em uma cena, um homem pergunta a Mortensen se é um médico, ao que ele responde: "eu não sou nada."

Após chegar ao litoral e o pai morrer, o menino vai encontrar uma família que o adotará. O diálogo final entre eles é a síntese da mensagem gnóstica contida no filme: a condição humana como a de seres exilados que mantêm uma reminiscência da sua verdadeira origem. A esposa diz para o menino: “Estou tão feliz em vê-lo. Sabia que temos seguido você? Te vimos com o seu pai. Temos muita sorte. Estávamos muito preocupados com você. Agora não temos que nos preocupar com mais nada.”

O menino não apenas encontrou a bondade no íntimo humano. Esse linha de diálogo é emblemática por encerrar um profundo significado gnóstico: como anthropos que decaíram para esse cosmos dominado por um Demiurgo que nos aprisiona, somos observados por Sophia (a personagem que conversa com o menino é feminina) que acompanha nossos progressos e quedas, à espera de que a lembrança do que foi perdido nos desperte.

Simbolismos da Água e dos Pontos Cardeais

Em “A Estrada” temos diversos simbolismos e iconografias, mas destacam-se dois simbolismos fundamentais para a narrativa: a praia (ou “costa” como referida no filme) e o ponto cardeal Sul.

O importante diálogo final, assim como a morte do pai, ocorrem na praia. Em nossas pesquisas podemos perceber que o elemento água é recorrente nos filmes gnósticos: não aparece como mero ornamento ou contextualização geográfica. Participa como elemento ativo de significação, fazendo parte de mudanças decisivas na ação dos protagonistas ou na interpretação da estória.
“As significações simbólicas da água podem reduzir-se a três temas dominantes: fonte da vida, meio de purificação, centro de regenerescência. Esses três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as mais variadas combinações imaginárias” (CHEVALIER, Jean e GHEEBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos, Editora José Olympio, 2009, p.15).
Na praia o filho vê a morte do pai (simbolicamente marcando a morte dos vínculos do anthropos, o filho, com o cosmos físico que o aprisiona) e o encontro final com Sophia (“agora não temos que nos preocupar com mais nada”, diz).

A estratégia de sobrevivência dos protagonistas é ir para o litoral e, depois, rumar para o Sul. Os pontos cardeais têm uma elaborada simbologia nas mais diversas culturas. Muitas crenças sobre a origem da vida, a morada dos deuses e dos mortos, à evolução cíclica etc. se articulam em torno dos eixos cruzados em forma de cruz. Para o pensamento analógico a oposição cria um vínculo: o Sul é oposto ao Norte, mas o Sul leva ao Norte. Esse princípio de descontinuidade cíclica é a base dos processos iniciáticos de encadeamento da morte e do renascimento. Para muitas tradições esotéricas cada direção está associada a um ser angelical.

O Sul está associado ao anjo Mikael, aquele que ajuda o peregrino a viajar com segurança. Assim como os protagonistas de “A Estrada” que buscam na jornada através de terras arrasadas a fé perdida e a chama acesa (a gnose) no íntimo da natureza humana.

Ficha Técnica:
  • Título Original: The Road
  • Duração: 112 min.
  • Tipo: Longa-metragem / Colorido
  • Distribuidora(s): Paris Filmes
  • Produtora(s): Dimension Films, 2929 Productions, Nick Wechsler Productions, Chockstone Pictures, Road Rebel
  • Ano de lançamento: 2009
  • País: EUA
  • Diretor: John Hillcoat
  • Roteirista(s): Cormac McCarthy, Joe Penhall
  • Elenco: Viggo Mortensen, Kodi Smit-McPhee, Robert Duvall, Guy Pearce , Molly Parker, Michael K. Williams, Garret Dillahunt, Charlize Theron, Bob Jennings, Agnes Herrmann, Buddy Sosthand, Kirk Brown, Brenna Roth, Jack Erdie, David August Lindauer

Trailer de "A Estrada"

sábado, abril 24, 2010

Por que o Filme Gnóstico é uma Tendência Norte-Americana? (Considerações Finais)

Enquanto no Velho Continente o Fantástico esteve associado às manifestações artísticas de vanguarda, nos EUA vai impregnar as formas de cultura populares chegando, no século XX, a criar um “sub-zeitgeist" representado por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp fictions e gêneros fílmicos como sci-fi, horror e fantasia. O processo de massificação do fantástico culmina com o gnosticismo pop de filmes como Matrix e o Décimo terceiro Andar onde se associam a gnose com as novas tecnologias computacionais.

Dando continuidade à postagem anterior (clique aqui para ler), podemos chegar às seguintes conclusões sobre as diferenças marcantes entre Europa e Estados Unidos não somente sobre o desenvolvimentos dos elementos do Fantástico na arte como os destinos diversos do filme gnóstico:

1 – Enquanto na Europa o Fantástico sempre esteve associado às grandes manifestações artísticas e literárias de vanguarda (Romantismo, o Gótico, Expressionismo, Surrealismo, o Expressionismo alemão no cinema etc.), nos EUA, ao contrário, o Fantástico desde o início associou-se a formas culturais populares (narrativas puritanas sobre milagres na vida cotidiana no século XVIII, notícias bizarras ou sensacionais em magazines e livros de bolsos no século XIX – que vão munir autores como Poe e Emerson – renascimentos místicos/religiosos como Mormons e “Shakers” na virada do século, novamente o Fantástico nas HQs e pulp fictions nos anos 40 e 50 e o novo renascimento místico religioso nos anos 60 com todo comunalismo e utopismo.

2 – Se na Europa a Grande Arte esteve identificada com elementos do Fantástico, diferente disso, nos EUA as grandes manifestações artísticas em geral indificaram-se com a narrativa realista com forte influência do jornalismo como em Ernst Hemingway, Mark Twain, Truman Capote etc. Aliás, todo o processo de racionalização da cultura americana acaba confinando o Fantástico basicamente em três distintos gêneros populares: ficção científica, horror e fantasia. Dessa forma, cria-se uma espécie de “sub-zeitgeist” popular, distinto da Alta Arte, que vai percorrer todo o subterrâneo da cultura daquele país até última explosão mística-religiosa dos anos 60. A partir daí, o Fantástico vai se proliferar em vídeo-games, role-playing games, jogo interativo na Web etc.

3 – Dentro desse processo cultural de racionalização, o Fantástico sempre foi representado como uma ilusão, sonho, sempre uma estratégia de um personagem enganar outro ao fazê-lo acreditar que perdeu o juízo. A partir dos anos 70 (como reflexo do quarto “Grande Despertar” místico psicodélico dos anos 60) a produção cinematográfica começa a explorar esses elementos do fantástico de forma séria e sofisticada:
“Os filmes americanos da era pós-Star Wars começam a demonstrar interessantes, sofisticadas e irônicas imagens. A década de 80 viu , por exemplo, um furioso deus babilônico preso em um apartamento refrigerado em Nova York, sem o benefício de um plot racionalizante, no filme GhostBusters (1984) de Ivan Reitman, escrito por Dan Ackroyd e Harold Ramis; viu também o pós-moderno manequim morto-vivo no filme Beetlejuice (Os Fantasmas se Divertem - 1988) de Tim Burton escrito por Burton e Caroline Thompson; viu a trágica estória do garoto de metal Edward Scisorhands (Edward Mão de Tesoura, 1990) do mesmo diretor e escrito por Michael McDowell. Em todos eles percebemos uma mudança de forma e trans- e de-formação, concebidos principalmente com a ênfase muito mais na tecnologia do que na dimensão metafísica do fenômeno” (NELSON, Victoria. The Secret Life of Puppets. Havard University Press, 2001, p.97).
4 – Para além da fase cult dos filmes gnósticos europeus (como Zardoz com Sean Connery e O Homem Que Caiu na Terra com David Bowie nos anos 70) nos EUA o mix gnóstico (religioso, místico, alquímico e esotérico) chega ao mainstream hollywoodiano na década de 90 em filmes populares que vão compor o modelo de gnosticismo pop cujos filmes como Matrix representarão o auge dessa tendência.

5 – O quarto “Grande Despartar” convergirá a religião e o misticismo com as novas tecnologias computacionais como bem demonstrou Theodore Roszak. Os filmes gnósticos da década de 90 vão representar este utópico encontro entre tecnologia, gnose e transcendência em filmes emblemáticos como O Décimo Terceiro Andar e Matrix. Poderíamos propor a hipótese de que a popularização desse “sub-zeitgeist” gnóstico-místico-esotérico é racionalizado por Hollywood. Ao contrário do passado, o Fantástico é retirado do confinamento dos gêneros tradicionais (ficção-científica, horror e fantasia) para surgir em filmes como num drama como Vidas em Jogo (The Game, 1997) ou num western como Homem Morto (Dead Man, 1995). Mas o preço a ser pago é a ênfase na gnose na tecnologia, colocando em segundo plano os aspectos metafísicos ou filosóficos.

6 – Com a crise das empresas ponto com no ano 2000 e o refluxo de todo um imaginário messiânico da Internet e das novas tecnologias, assim como a crise das tecnologias de auto-ajuda inspiradas em modelos computacionais (o auto-conhecimento como um processo de reprogramação do software cerebral), temos um novo caminho aberto para os elementos do Fantástico dentro dos filmes gnósticos para as massas. Nesse século temos o questionamento recorrente das “tecnologias do espírito” (auto-ajuda e auto-conhecimento) e uma nova abordagem da gnose não mais com ênfase na tecnologia mas como uma jornada interior do protagonista confinado em alucinações, cisões esquizofrências e delírios induzidos por um Demiurgo. A lista de filmes gnósticos é extensa, mas podemos destacar os seguintes exemplos: a impotência dos psiquiatras em A Passagem (Stay, 2005), Ilha do Medo (Shutter Island, 2009) Identidade (Identity, 2003); a perplexidade da terapeuta e a pedofilia do autor de livros de auto-ajuda em Donnie Darko (Donnie Darko, 2001); a manipulativa forma terapêutica de apagamento digital de memórias em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004); o fracasso da tecnologia da empresa que vende “sonhos lúcidos” por não prever a irrupção do inconsciente em seu cliente no filme Vanilla Sky (2001). Em todos esses filmes o processo de reforma íntima não se confunde com auto-ajuda ou espiritualismo, abrindo margem para uma ênfase metafísica para a gnose.

quarta-feira, abril 21, 2010

Por que o Filme Gnóstico é uma Tendência Norte-Americana?

O fato de o filme gnóstico ser uma tendência eminentemente norte-americana pode ser explicado pelo fato de ser o resultado de um peculiar mix de religião e misticismo com origens nas formas literárias populares naquele país desde o puritanismo do século XVIII passando pelos períódicos renascimentos de religiosidade e misticismo como Mórmons e Pentencostais na virada do século XIX até o tecno-misticismo originado nos anos 60.

Em qualquer discussão sobre cinema, quando exponho a existência do filme gnóstico (a existência de uma tendência de filmes cuja característica é a recorrência de temas inspirados nas narrativas míticas do gnosticismo clássico e suas variantes e ecletismos – alquimia, esoterismo etc.) surge uma questão: por que a esmagadora maioria dos filmes gnósticos tem origem na produção cinematográfica norte-americana e hollywoodiana? Na verdade, nesta pergunta estão contidas duas interrogações: primeiro, por que Estados Unidos e, segundo, como essas narrativas gnósticas, que possuem mensagens de rebelião e desconfiança em relação ao status quo, podem chegar ao mainstream hollywoodiano? Sintetizando: por que só nos Estados Unidos encontramos esse fenômeno de “gnosticismo para massas”?

Responder a essas perguntas requer compreender a história do amplo gênero da literatura fantástica e os divergentes destinos na Europa e Estados Unidos e toda uma complexa série de migrações entre um continente e outro.

Podemos compreender que o primeiro florescimento do gnosticismo na modernidade (dentro da literatura fantástica que incorpora elementos do sobrenatural, grotesco e do inominável) foi na era romântica entre os séculos XVII e XVIII na Europa. Este renascimento surge numa combinação entre a especulação esotérica gnóstica e o pragmatismo esotérico no Romantismo. Figuras como William Blake e Percy Shelley beberam em fontes gnósticas, cabalistas e alquímicas, desafiando o status quo. Podemos compreender o modo narrativo do Romantismo como uma revolta contra a ascensão do racionalismo no século XVIII.

Nesse período encontramos na Europa a segunda variante da literatura fantástica: o Gótico. Suas vitorianas estórias de fantasmas talvez tenham sido a primeira forma de literatura ficcional a penetrar na cultura popular.

Na Europa, esta literatura romântica e Fantástica, especialmente na França e Alemanha, vai servir de veículo para o avanço das vanguardas artísticas tais como o Surrealismo e o Expressionismo. Em termos cinematográficos corresponderia ao período Cult e europeu dos filmes gnósticos, tal como descrita por Erik Wilson ("Secret Cinema: gnostic visions in film"). Para ele, o gnosticismo cinematográfico europeu passou por dois períodos bem distintos: no promeiro período temos os filmes que constituem “reacionários avisos” contra o gnóstico desejo de transcender a matéria (The Revenge of the Homunculus - Otto Rippert’s, 1916 - sobre as trágicas conseqüências de um experimento alquímico mal sucedido; The Golem - de Paul Wegener’s, 1920 - mostrando os trágicos resultados da magia cabalística).

Os temas gnósticos retornam mais tarde, desta vez através de filmes não-comerciais ou rotulados como cults que endossam valores heterodoxos que os antigos filmes condenavam. Blow Up (Antonioni, 1966) é uma exploração gnóstica de como a cultura consumida pelas aparências suplanta a realidade. Confundindo forma e conteúdo através de uma narrativa altamente ambígua e alucinante que incomoda tanto os personagens do filme quanto o público, 8½ (Fellini, 1963) explora a cabalística crença de que um ideal humano pode ser alcançado através do artifício, a criação de um Adão cinemático; Zardoz (John Boorman, 1974) uma verdadeira fábula gnóstica onde, em um futuro pós-apocalipse, o protagonista alcança a iluminação ao descobrir que o deus em que acreditava (Zardoz) era, na verdade, uma criação artificial de uma elite imperfeita e decadente; e The Man Who Fell to Earth (Nicholas Roeg, 1976) apresenta um extraterrestre que vem para a Terra em busca de água para o seu planeta que está morrendo. Incapaz de cumprir sua missão acaba prisioneiro de uma rede de corrupção em uma América corporativa. Diferentes dos antigos filmes, estes filmes gnósticos cults criticam o status quo, sugerindo que a cultura pós-moderna é um desolado mundo de ilusões que produz conformismo.


A Religião Americana


Enquanto isso, nos Estados Unidos, o fantástico e o sobrenatural pode ser encontrado quase que inteiramente nas formas culturais populares. Tem suas origens nas chamadas “Providências” (formas narrativas anedóticas puritanas que descreviam milagres que ilustravam como a vontade divina se manifesta na vida cotidiana), estórias sobre magias africanas e fatos bizarros e escândalos presentes em jornais sensacionalistas, magazines e livros de bolso. Em um breve momento na alta literatura norte-americana (no período literário chamado de “Renascimento Americano” no início do século XIX) esse amálgama do fantástico e grotesco da cultura popular vai fornecer inspiração para grandes autores como Poe, Dickson, Emerson e Hawthorne.

Victoria Nelson, ao descrever a “estranha história do Fantástico norte-americano”, observa que o fervor religioso e místico sofre constantes renascimentos:

“O Grande Despertar em meados do século XVIII tem sido acompanhado por no mínimo três outros renascimentos de acordo com Robert Fogel: o segundo, na virada do século XIX, com as repercussões religiosas e filosóficas do Transcendentalismo na alta literatura como também nas inúmeras manifestações da literatura popular, incluindo o movimento Espiritualista, Teosofia e novas religiões e cultos como os Mórmons e os gnósticos “Christian Scientists” e “Shakers”. O terceiro Grande Despertar, diz Fogel, ocorreu entre 1890 e 1930 e nós ainda estamos no meio do quarto que se iniciou nos anos 1960” (NELSON, Victoria. The Secret Life of Puppets. Havard University Press, 2001, PP. 76-7).

Todo esse amálgama religioso e místico resultou naquilo que Harold Bloom chamou de “Religião Americana”: uma gnóstica tensão originada na combinação entre sulismo Batista, Pentencostalismo e Mormismo que preconiza uma espécie de “auto-divinização” através de um encontro pessoal com o Sagrado.

“Joseph Smith descreve essas aventuras sagradas novelisticamente no Livro dos Mormons, para produzir, como John Brooke já observou, uma particular americanização da teologia Renascentista ao juntar aspectos do Hermeticismo, Gnosticismo, Alquimia e magia popular para produzir uma ‘totalmente plena’ alternativa para o Cristianismo” (NELSON, Victoria. IDEM).


Como bem observou Robert Fogel, estamos em meio ao quarto despertar místico e religioso norte-americano originado nas utopias primitivas e tribais do acid rock e psicodelismo dos anos 60. Uma peculiar leitura Zen-Taoísta de um misticismo da natureza, um renascimento dos mitos da Terra e do elogio dos seus ciclos naturais, combinados com um socialismo cristão, mitos comunais e, paradoxalmente, combinado com o impulso transcendentalista das viagens alucinógenas e estados alterados de consciência.

Associado ao discreto movimento do Gnosticismo no meio científico a partir das universidades de Pinceton e Pasadena durante a II Guerra Mundial, a princípio entre físicos, cosmólogos e biólogos para, em seguida, alastrar-se por outras áreas, principalmente através da Cibernética e Teoria da Informação, temos o surgimento de um típico fenômeno norte-americano: o Tecnognosticismo. Isto é, a convicção mística e tecnófila da possibilidade da experiência transcendência e da experiência do Sagrado por meio do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação. Como afirmou ironicamente Theodore Roszak, é a tecnologia como o “atalho para Satori” a tecnologia como quintessência da superação da condição humana (finitude, contingência, mortalidade, corporalidade e limitação existencial) sem a necessidade de disciplina, meditação ou ascese.

Neste quarto Grande Despertar temos, finalmente, o encontro de toda a tradição da “Religião Americana”, no sentido dado por Harold Bloom, com a pujança tecnocientífica do complexo industrial-militar norte-americano.


Gnosticismo para as Massas


A partir da popularização das tecnologias tecnognósticas e da alteração radical de todo o ambiente sensorial e perceptivo cotidiano com dispositivos como Internet, interfaces gráficas, realidade virtual etc. temos uma nova sensibilidade em relação ao religioso e místico. Por um lado, temos a autodivinização da busca pessoal pelo sagrado substituída pelas tecnologias espirituais da auto-ajuda (representada por diversas produções fílmicas e audiovisuais) e, por outro, a popularização dos mitos do gnosticismo clássico não só para fazer uma reflexão crítica sobre o destino do homem diante da tecnognose (Show de Truman e Matrix como exemplos) como abordar formas particulares de gnose que se distinguem da auto-ajuda (A passagem, A Fonte da Vida etc.).

Como já vimos em uma postagem anterior (clique aqui para ler), este quarto Grande Despertar produziu uma cisão no ressurgimento do Gnosticismo no século XX: de um lado o Gnosticismo Cabalístico (representado pela busca fáustica da tecnologia como forma mais rápida de busca do pós-humano e da transcendência absoluta e rápida do espírito em relação à prisão do corpo) e, do outro, o Gnosticismo Alquímico (a crença que a matéria deve ser redimida e não simplesmente superada e a necessidade de denúnciar esse imaginário tecnológico fáustico como sendo mais uma forma do Demiurgo aprisionar o ser humano nas ilusões do mundo material).

Surpreendentemente, o lócus dessa tematização vem sendo a produção recente cinematográfica hollywoodiana. Essa constatação nos leva a uma última questão: o que faz diretores e produtores da indústria cinematográfica ter esse súbito interesse no universo temático gnóstico, particularmente o alquímico? Por que estas narrativas míticas da antiguidade foram parar nas sinopses, roteiros e nas mesas de produtores de filmes mainstream hollywoodianos? Por que Hollywood abraçaria esta particular visão gnóstica que questiona o gnosticismo tecnocientífico?

Uma pista para começar a responder a essa questão talvez esteja nas considerações de Boris Groys sobre uma “guinada metafísica” da produção hollywoodiana recente: deuses, demônios, alienígenas e máquinas pensantes defrontando-se com heróis movidos, sobretudo, pela questão do que possa estar oculto por trás da realidade sensível. Nesta temática metafísica se esconderia uma pretensão auto-referencial. Filmes como Show de Truman ou Matrix tematizam a própria produção midiática. Podemos considerar os heróis desses filmes como verdadeiros críticos da mídia.

“Hollywood, pois, reage à suspeita de manipulação estética que lhe é dirigida reativando uma suspeita metafísica ainda mais antiga e profunda - a suspeita de que todo o mundo perceptível poderia ser um filme rodado numa metahollywood remota. Nesse caso, os filmes hollywoodianos seriam "mais verdadeiros" que a realidade, pois ela não nos mostra geralmente nem o caráter artificial que lhe é próprio nem o que lhe está além. O novo filme hollywoodiano, ao contrário, elabora, ao refletir sobre seus procedimentos próprios, uma nova metafísica que
interpreta o ato de criação como uma produção de estúdio.” (GROYS, Boris. “Deuses Escravizados – a guinada metafísica de Hollywood”, In: Mais! Folha de São Paulo, 03/06/2001, p. 5.)

Enquanto o filme europeu preocupa-se, como de hábito, com o “demasiado humano”, Hollywood ingressa na atual fase metafísica ou auto-referencial. Com a proximidade de a tecnologia digital intervir no tradicional ramo cinematográfico extinguindo o seu próprio suporte (a película), ou seja, eliminando sua própria especificidade que a distingue diante dos outros veículos de comunicação, talvez nesse momento Hollywood esteja dando uma resposta à tecnociência que a ataca. Talvez seja este o sentido da tendência metafísica do cinema comercial atual: ao trazer para as telas a antiga suspeita gnóstica de que o mundo perceptível possa ser uma ilusão e de que uma “metahollywood” high tech seja o novo Demiurgo, denunciar os escrúpulos da tecnociência cabalística – o secreto projeto de aliar a indústria cinematográfica com as novas tecnologias.

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