O cancelamento da Universal Pictures em exibir o filme “Boy
Erased – Uma Verdade Anulada” nos cinemas brasileiros, mesmo sob a
justificativa comercial de baixa perspectiva de bilheteria, acendeu a suspeita
de autocensura – numa atmosfera política atual pesada e conservadora, uma
produção que contesta a chamada “cura gay” não seria conveniente para a
distribuidora. Mas o filme “Boy Erased” levanta outra questão tão sombria
quanto a “conversão gay”: o projeto “científico” que está por trás – reescrever
a própria história da Ciência, assim como o nazismo tentou ao criar um bizarro
mix Ciência, Religião e Ocultismo. Depois da economia (neoliberalismo
pentecostal) e a política (a direita nacionalista), a Ciência (escolas e
universidades) é a última resistência. Da “Terra Plana” à “cura gay”, hoje
ridicularizados, agora necessitam do verniz “científico”. Por isso, “Boy Erased”
dá um alerta em suas entrelinhas: a Ciência poderá ser reescrita pela Religião.
A Terra é oca e
nós habitamos o seu interior. Somos iluminados por um Sol interno. Os astros no
firmamento são blocos de gelos, cujos blocos (luas) caíram várias vezes sobre a
Terra. Toda história da humanidade se explica pela batalha entre gelo e fogo. O
gelo possui uma energia inesgotável, o “Vril”. O “homem novo” dominará essa
energia e sofrerá uma mutação biológica, criando uma elite de semi-deuses.
Portanto, toda a Física, Química, Cosmologia, Biologia, Medicina precisará ser
reescrita. Uma nova Ciência para um “novo homem”.
Eram concepções
que pretendiam fundir religião, ocultismo e ciência durante o nazismo. O
objetivo de Hitler não era conquistar o mundo, mas sim reformular toda a
Ciência e Conhecimento para que a humanidade ascendesse como uma super raça.
No início
ridicularizados, Hitler e o nazismo impuseram a nova ordem da Guerra Total: o
inimigo era um amplo arco, que ia dos Aliados nos campos de batalha à “ciência
judaica e ateia degenerada” nas escolas e universidades. O nazismo precisava fazer-se ciência para se
justificar e tornar-se crível diante das massas.
Hoje, com os
esforços para o retorno do nacionalismo de direita (EUA, Brasil e Europa),
assistimos a um quadro cada vez mais semelhante ao passado: novamente, tentar
reformular a Ciência a partir de antigas concepções míticas e religiosas –
Terra Plana, Criacionismo, noção de raça e predisposição genética para o crime,
homossexualidade e toda ideia de degeneração racial pela promiscuidade
genética, entre outras no bestiário conservador – sobre isso clique aqui.
Mais uma vez,
luminares como Olavo de Carvalho ou os inacreditáveis ministros do atual
governo acreditam numa reavaliação de toda Ciência a partir da religião – Estado,
Ciência e Religião finalmente unidos num regime Teocrático. Os inimigos
(Globalização, marxistas etc.) são meros pretextos para derrubar a última
fronteira: a separação Ciência e Religião.
Como o nazismo,
tornar figuras, a princípio toscas e ridicularizadas pela comunidade
acadêmico-científica, em pessoas críveis através do verniz de uma “nova
Ciência”.
Toda a polêmica
envolvendo Boy Erased – Uma Verdade
Anulada (2018) talvez esconda uma questão igualmente sinistra que o filme sugere nas
entrelinhas. O filme que contesta a chamada “cura gay”, teve a sua exibição nos
cinemas brasileiros cancelada pela Universal. A justificativa foi “comercial”,
devido às baixas bilheterias nos EUA e o custo da campanha de lançamento versus
estimativa de bilheterias no Brasil.
Ativistas LGBT contestam
a justificativa – afinal, Boy Erased
é estrelado por atores consagrados como Russell Crowe e Nicole Kidman.
Denunciam autocensura da distribuidora, talvez temerosa com a atual atmosfera
brasileira politicamente pesada e conservadora.
Mas a produção,
inspirada em livro de memórias escrito por Garrard Conley, revela algo tão
sinistro quanto a “terapia de conversão” figurada pelo filme – o jovem
protagonista, pressionado a participar de um programa de cura da
homossexualidade, encontra a resistência e a saída na Ciência e no ensino laico
na Universidade.
Colocado em
perspectiva, Boy Erased revela que a “terapia de conversão” é um meio para a
realização de um projeto mais global: a construção de uma novo conhecimento
guiada por noções religiosas à procura do verniz científico.
O Filme
A narrativa
acompanha Jared (Lucas Hedges), cujos pais são um pastor batista e bem sucedido
vendedor de carros chamado Marshall Eamons (Russell Crowe) e sua esposa Nacy
Eamons (Nicole Kidman).
Após a primeira
sequência na qual são mostrados trechos de vídeos caseiros da infância de
Jared, vemos agora ele em torno dos 20 anos, no primeiro dia numa instituição
chamada "Love in Action", especializada em um programa terapêutico de conversão
gay.
Lembrando a
chegada em uma penitenciária após condenação, Jared é obrigado na recepção a
entregar todos seus pertences – celular, um bloco de notas etc. Jared junta-se
a um grupo de jovens, enquanto os assistentes e a atmosfera clean e colorida da
instituição procura passar positividade e otimismo.
O terapeuta
chefe é Victor Sykes (Joel Edgerton). Ele será o responsável em aplicar o
“métodos” – o “inventário moral”, no qual cria-se uma espécie de genealogia da
família por meio de cartazes. Baseando-se nos pecados capitais, procura-se
localizar na árvore genealógica os parentes e seus pecados. Supostamente, a
homossexualidade seria decorrência de uma herança moral familiar
degenerada.
Tudo deve ser
mantido em segredo, e nada deve ser contado aos pais, quando retornarem para
casa no final do dia. Para retornarem no dia seguinte, e assim sucessivamente.
Por isso, Nancy
aluga um quarto num motel próximo, para ficar junto com o filho até o final do
programa.
Daquele grupo, Jon (Xavier Dolan) é tão devotado ao programa que se recusa a apertar a mão de
outro homem – apenas bate continência. E outros como Gary (Troye Sivan) apenas
“representam o papel”, fingindo que a terapia está funcionando para serem
liberados.
O manual do
programa é repleto de pseudo-psicologia (mix de religião, autoajuda e confusas
noções pseudocientíficas), além de erros gramaticais crassos. Humilhações e
espancamentos por bíblias também fazem parte das punições por erros em
exercícios.
Uma Ciência Teocrática? – alerta de spoilers à frente
Furioso, Jared
consegue recuperar o celular e ligar para sua mãe retirá-lo daquele lugar. Após
Jared saber do suicídio de um dos paciente do programa, Nancy fica envergonhada
e horrorizada pelo fato de seu marido não ter pesquisado sobre os métodos da
“Love in Action”.
A cena
fundamental em Boy Erased é quando
Nancy confronta o terapeuta Sykes, que tenta recuperar Jared de volta ao
tratamento: “Você por acaso é psicólogo?”, desafia Nancy, diante do silêncio de
Sykes, enquanto, desarmado, observa Jared ser levado pela mãe para o carro.
Esse é o detalhe
sombrio que remete ao sonhos do nazismo se tornar Ciência – o conhecimento
laico é ainda a última resistência depois que o front político for conquistado.
Por que não criar uma “Psicologia Neopentecostal”? Ou, então, uma “Genética
Batista”? Ou, quem sabe, uma “Teoria de Tudo Bíblica”, uma nova visão holística
científica inspirada pelos mandamentos da Bíblia Sagrada.
O fato de não
ser formado em Psicologia (e, portanto, não ter formação metodológica ou
epistemológica) tornou Sykes impotente diante de Nancy.
Em outra cena
fundamental, Jared leva a uma médica um pedido para fazer exame de sangue para
quantificar a taxa de testosterona. A médica, também religiosa, é franca com
Jared: “fiz Medicina, e sei separar a Ciência da Religião... esse exame apenas
dirá que você é um adolescente normal...”.
Para além da
insanidade da “cura gay” ou da suspeita de autocensura da distribuidora da
Universal Pictures, o que mais atemoriza no filme Boy Erased é a forma como revela o limite para a domínio final de
um sistema teocrático. Não bastará apenas conquistar a economia (com o neoliberalismo pentecostal clique aqui) ou a política,
com o nacionalismo de direita.
Será necessária
uma “revolução” metodológica e epistemológica, reescrever a Ciência, assim como
os nazistas um dia pretenderam.
O atual ataque a
escolas e universidades é apenas o começo.
Ficha Técnica
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Título: Boy Erased – Uma
Verdade Anulada
|
Diretor: Joel Edgerton
|
Roteiro: Joel Edgerton, baseado em
livro de Garrarg Conley
|
Elenco: Lucas Hedges,
Nicole Kidman, Joel Edgerton, Russell Crowe, Troye Sivan, Xavier Dolan
|
Produção: Anonymous Content, Focus Features
|
Distribuição: Universal International Pictures
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Ano: 2018
|
País: EUA
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