- Diretor: Daniel Filho
- Elenco: Nelson Xavier, Angelo Antonio, Tony Ramos, Letícia Sabatella
- Gênero: Drama
- Duração: 124 min
- Ano: 2010
- Distribuidora: Sony Pictures
“Nos produtos de monopólio domina o esquema do questionamento e da reconstrução da ordem. Os valores vigentes são desrespeitados, atacados e novamente restaurados. É um jogo necessário da fantasia, pois repete-se todas as vezes na estrutura do produto e nas expectativas; é uma tentativa de tornar-se consciente do que custa o desvio das normas.” (PROKOP, Dieter, "Fascinação e Tédio na Comunicação: produtos de monopólio e consciência" IN: Dieter Prokop (Coleção Grandes Cientistas Sociais), Sâo Paulo: Ática, 1986, p. 178,
Temos nessa análise de Prokop a estrutura-clichê de “quebra-da-ordem-e-retorna-à-ordem”. O roteiro do filme começa apresentando um cosmos ordenado, com a vigência de normas e valores normais (primeiro ato: a família feliz, o grupo de amigos, a sociedade em sua rotina cotidiana etc.). Repentinamente temos a quebra da ordem com a irrupção do Mal (ponto de virada para o segundo ato onde o Mal se desdobrará: serial Killer, assaltante de bancos, terroristas, explosões, incêndios, assassinatos etc.). E finalmente a restauração da ordem original descrita no primeiro ato (o terceiro ato: o duelo final entre o Bem e o Mal, com a vitória dos personagens representantes do Bem e o retorno à ordem).
Esse é o significado profundo do chamado Paradigma Sydfield dos três atos de um típico roteiro cinematográfico.
Ao contrário, o filme gnóstico começa com a Crise, Queda, logo no Primeiro Ato: os protagonistas já se encontram numa situação inautêntica, corrompida, conspiratória. Sentem que há algo de errado, sensação de estranhamento, de não pertencer àquele mundo. Pressentem o Mal na própria realidade e não como resultante de pecados dos seus próprios atos.
Em Donnie Darko (2001), por exemplo, o filme começa com o protagonista acordando de um estado sonambúlico no meio de uma estrada com sua bicicleta ao lado. Como parou ali? O filme já começa em desordem. Como também no filme gnóstico europeu O Homem que Incomoda (Den Brysomme Mannem, 2006), cujo filme começa com o protagonista descendo de um ônibus em uma estranha e inóspita localidade, sem saber o quê faz ali e nem como chegou lá. Ou ainda em A Passagem (Stay, 2005) onde não só o psiquiatra protagonista, mas o próprio espectador (por meio da fotografia “estourada”) sente, desde a primeira cena, que há algo de errado naquela cidade onde as ações de desenrolam.
O Mal está na própria realidade que envolve o protagonista, e não nos atos “pecaminosos” dos personagens (ações de quebrem a ordem “boa”). Por exemplo, no filme “de monopólio” o Mal está presente em cada ação “errada” do personagem que desestabiliza a ordem e é punido por isso: o jovem que desobedece a mãe vai para o acampamento onde Jason o espreita (Jason de Sexta-Feira 13 não é o Mal, mas o anjo que pune os pecadores), os terroristas punidos ao final em Duro de Matar por terem quebrado o harmonioso mundo de um Shopping Center.
O filme gnóstico simbolicamente retrata essa cosmogonia corrompida e em Queda. Protagonistas se descobrem jogados dentro de uma trama que não sabem quando começou, o porquê da sua existência e o que fazem ali. O todo é falso é a única verdade semente pode ser encontrada dentro de si. Por isso, as narrativas gnósticas exigem personagens paranóicos, exasperados, à beira da psicose, esquizofrenia e loucura. É a revolta da verdade presente no indivíduo contra uma totalidade falsa desde o início:
“No início era a crise’ – assim seria a primeira frase de uma bíblia gnóstica, se eles conseguissem a proeza de se contentar com uma única Escritura. E já que no início foi a Crise, e não o Verbo, o mundo corpóreo é o produto terminal desse épico de declínio. O drama, num só ato, de Criação e Queda, requer protagonistas à altura: exorbitantes, impulsivos, expressivos, barulhentos. (...) intensidade no limite da histeria, estardalhaço, promiscuidade de impulsos, vontades e afetos feéricos.” (FIORILLO, Marília. O Deus Exilado – breve história de uma heresia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 119.)
A distinção entre o filme gnóstico e o filme “comercial” vai além das diferenças estéticas ou temáticas: reside nas diferentes concepções do Mal. No filme “de monopólio” o Mal está presente do indivíduo que “peca” (quebra da ordem pela sua ignorância, maldade, vício, corrupção, egoísmo etc.) devendo ser punido para redimir a ordem e mostrar ao espectador o quanto custa desestabilizar a Ordem.
Ao contrário, no filme gnóstico o Mal deixa o campo moral para alcançar um estatuto ontológico: o protagonista prisioneiro de um drama em um só ato, vítima de mais um desdobramento de um equívoco de dimensões cósmicas.
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É difícil imaginar imaginar que há quase vinte anos foi lançado Bladerunner . Esse filme fascinante e influente foi o primeiro a ser inspirado nos escritos do autor de ficção-científica, Philip K. Dick. Seguiram-se outros filmes com diferentes graus de sucesso, incluindo Total Recall e Screamers, mas até agora a maioria dos filmes têm sido aqueles que captaram a distópica sensibilidade paranóide de Philip K. Dick, sem diretamente basear-se em um dos seus livros ou contos. O Show de Truman, They Live!, Pleasantville e, principalmente, The Matrix, foram todos filmes com Dick no coração, apesar de sua ausência nos créditos.
O recém-lançado filme de Spielberg, Minority Report, mergulha diretamente no poço profundo PKD, e apesar do inevitável final de filme Spielberguiano, consegue evocar um dos temas favoritos de Dick: como se esquivar da asfixia de um estado policial invansor? Em Minority Report, este tema assume a forma de o local do Departamento de Pré-Crime, em Washington DC, que conseguiu eliminar os assassinatos ao prender e encarcerar os criminosos antes de cometerem os crimes. Isso é feito baseando-se nas habilidades de três precogs (precognitivos), que tem o talento involuntário de ver o futuro próximo e vislumbrar os assassinatos em andamento. Como o filme revela, no ano de 2054 um referendo nacional está prestes a ocorrer sobre a possibilidade de ampliar a política de prevenção Pré-Crime para uma política nacional.
Tendo em conta as recentes iniciativas do governo Bush e dos EUA para deter indefinidamente aqueles que tenham cometido nenhum crime, mas quem pode ter planejado, a oportunidade de "Minority Report" é quase inconcebível. A história original de Dick surgiu em 1956, e o roteiro do filme foi escrito bem antes dos atentados de 11 / 9. Mas, de alguma maneira, as intuições de Dick sobre as execuções do Pré-Crime foram levadas da tela grande para a vida real. PKD, que morreu em 1982, iria saborear a ironia. Ele ainda está conosco.
1. Frithjof Schuon, Gnosis: Divine Wisdom (Bedfont, Middlesex: Perennial Books, 1990) p. 2.
2. Ibid, GEH Palmer, “Translator's Forward,” p. Ibid, GEH Palmer, "Forward Translator's", p. 83. Veja: Larry Sutin, Divine Invasions: A Life of Philip K. Dick (New York, NY: Harmony Books, 1989).
3. De “How to Build a Universe that Doesn't Fall Apart Two Days Later,” published as an introduction to I Hope I Shall Arrive Soon (New York, NY: Doubleday, 1985.)
4. From interview in Charles Platt, Editor, Dream Makers: The Uncommon People Who Write Science Fiction (New York, NY: Berkeley Books, 1980) p. De entrevista em Charles Platt, Editor, Dream Makers: The Uncommon Pessoas que escrevem Science Fiction (New York, NY: Berkeley Books, 1980) p. 155. 155.
5. PKD carta a Peter Fitting, Junho de 1974.
6. Philip K. Dick, VALIS (New York, NY: Bantam Books, 1981) p. 228. 228.
7. Yuri Stoyanov, The Hidden Tradition in Europe (London: Penguin/Arkana, 1994) p. 162.
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A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DE PHILIP K. DICK
Por Robert Crumb
Neste pequeno grupo de filmes citados há preocupações básicas que os unem: (a) o tema do colapso da distinção entre aparência e realidade provocado tanto pelas recentes tecnologias quanto pela condição humana; (b) instabilidades naquilo que conhecemos como realidade e o seu multifacetamento em instâncias supra e para-reais; (c) experiências da perda da memória e a sua reminiscência como fator de recuperação da identidade.
Este texto procurará discutir exatamente esta conexão entre gnosticismo e cinema, mas num aspecto particular, a saber: como os filmes que abordam temas e símbolos gnósticos vêm na última década insistindo no tema do artificialismo da realidade. Não a realidade ideológica, política ou econômica, mas no seu aspecto último, metafísico ou ontológico: a realidade tal como a entendemos existe? Por que essa espécie de guinada metafísica na temática da produção hollywoodiana recente? A forma como esses temas são abordados nos aspectos de narrativa, iconografia e construção de personagens parecem apontar para a influência dos temas e narrativas do gnosticismo histórico e dos seus ressurgimentos no campo da literatura e no imaginário das novas tecnologias (gnosticismo tecnológico).
Se há uma conexão entre cinema e sociedade, ou seja, se o filme pode ser considerado um repositório do imaginário social contemporâneo e se sabemos que este imaginário atual é fortemente marcado pelo desenvolvimento tecnológico computacional e a crescente liquidez da financeirização global, é a partir daí que devemos analisar essa produção fílmica. Esta crescente recorrência de elementos gnósticos no cinema hollywoodiano corre paralelo à euforia da globalização e o fortalecimento de seus dois pilares: de um lado, o desenvolvimento da microinformática e, a partir do bombástico lançamento do Windows 95, o crescimento especulativo das potencialidades da Internet e das tecnologias computacionais; e, do outro, a extraordinária aceleração da expansão do capital por meio da financeirização do sistema econômico global.
Esses dois processos são interdependentes, pois o desenvolvimento da microinformática e da nanotecnologia surge na hora certa quando a globalização do capitalismo passou a exigir uma pilotagem mais complexa: dominar a complexidade das interconexões simultâneas, o cálculo probabilístico das transações financeiras e da equalização das caóticas tendências nas jogadas em bolsas de valores e na análise dos tensos cenários econômicos. As tecnologias da informação permitem a integração complexa das praças financeiras de todo o mundo em tempo real.
Em ambos os movimentos que fortalecem a ordem mundial da Globalização encontramos o caráter constitutivo da desmaterialização, isto é, o primado do imaterial sobre o físico, do virtual sobre o real e assim por diante. No plano da ciência e tecnologia, diversos autores detectaram e mapearam a semente do misticismo nas comunidades científicas, sejam acadêmicos ou tecnófilos: a princípio entre físicos, cosmólogos e biólogos para, em seguida, alastrar-se por outras áreas, principalmente através da Cibernética e Teoria da Informação. Diversos pesquisadores vão caracterizar este imaginário ciberutópico com o conceito de “gnosticismo tecnológico”.
O gnosticismo histórico (conjunto de seitas sincréticas combinando idéias cristãs, neoplatonismo e as religiões de mistérios pagãs que florescem nos primeiros tempos da difusão do Cristianismo) caracteriza-se pelo horror ao orgânico e a uma aversão ao natural. Tais elementos seriam inimigos do espírito na sua busca por iluminação. A tecnociência atual se aproximaria de tal filosofia ao propor a superação dos parâmetros básicos da condição humana: finitude, contingência, mortalidade, corporalidade, animalidade e limitação existencial.
Essas tecnologias rompem com o antigo paradigma moderno, ao criar uma ambiência tecnológica computacional onde o sujeito humano é desnaturalizado: da tecnologia como extensões do homem ao momento atual de ruptura onde a tecnologia virtualiza o humano. O resultante é um mundo viscoso, menos estruturado, flutuante que pode ser sintetizado em três palavras-chave: destemporalização, destotalização e desreferencialização. Ao mesmo tempo, no plano econômico, temos a interconexão de economias por um novo modo comandado pelas novíssimas tecnologias integradoras como a microinformática, mídia, marketing e publicidade transnacional. Estas tecnologias vão sustentar o chamado “turbo-capitalismo”: a extraordinária aceleração da expansão do capital por meio da financeirização do sistema econômico global.
Esta "desmaterialização" da economia corresponde ao fato de, cada vez menos, a fonte do lucro ou da riqueza ter sua origem no circuito da produção. Deixa de ser visivelmente localizável, para encontrar formas flexíveis de acumulação: a princípio em novos vínculos trabalhistas, como a terceirização, porém, quanto mais o capital migra da produção para a esfera da circulação (financeira, midiática, etc.), mais se impõe uma nova forma de riqueza "fora do chão". É a base da constituição de um novo imaginário: redes descentralizadas, como a Internet, criando ciber-identidades pulsantes e variadas, assim como a moda efêmera e superficial traria a liberdade a um indivíduo que não mais se prenderia a certezas eternas.
Um indivíduo pós-moderno radiante, desenvolto, integrado à tecnologia (que, afinal, é a promotora desta verdadeira emancipação das identidades fixas), identidade móvel, sedutor, assumindo múltiplas personas em blogs e chats, sentindo as novas pulsações e tendências. Uma identidade tão líquida quanto os fluxos financeiros globais. Mas um imaginário paradoxal, mesclado com elementos místicos ou gnósticos, tal como representado pelo imaginário cinematográfico hollywoodiano recente. Este imaginário refletiria a própria imaterialidade da percepção do real e da identidade originada pelos processos que constituíram a Globalização?
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo? |
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros. |
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos. |
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo. |
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